O domínio da informação-espectáculo na televisão

João Canavilhas, Universidade da Beira Interior

“Dois executivos de uma cadeia de televisão norte-americana assistiam a três telejornais ao mesmo tempo.
Uma das notícias do dia  relatava um incêndio num orfanato em Staten Island.
Após o final da reportagem, um dos executivos lamentava-se porque uma televisão concorrente
tinha melhores imagens na sua reportagem.
“As chamas deles são mais altas que as nossas”.
Mas o outro executivo respondeu. “Sim, mas a nossa freira chorava mais alto que as outras”.

[Diamond, 1975; XI]

INTRODUÇÃO

O processo informativo não é um sistema livre de influências externas aos actores informativos. A política, a economia e a religião são exemplos de factores que podem influenciar o processo de produção noticiosa.

A opção das televisões pela informação-espectáculo resulta da influência de um destes elementos: o factor económico. Melhor programação obriga a maiores investimentos. Mais investimento exige mais receitas publicitárias e estas são consequência do aumento das audiências. Para que as audiências aumentem é necessário tornar a  informação mais apelativa e o caminho mais fácil é o da opção pela informação-espectáculo.

Neste contexto impõe-se a definição dos conceitos base deste sistema - informação e espectáculo.

1. INFORMAÇÃO

"O processo de interpretação e codificação da realidade, através do qual um indivíduo consegue transmitir uma mensagem aos possíveis receptores, com todas as características exigidas pelo meio". [Garcia 1992; 1]

A informação supõe assim um processo duplo:

1. Uma primeira atitude receptiva de quem virá a constituir-se, mais tarde, como emissor de uma mensagem que interessa à comunidade.

Este receptor primário deverá ter uma visão profunda e contextualizadora dos eventos, por forma a possibilitar aos receptores secundários uma interpretação dos feitos observados.

        2. O segundo aspecto está relacionado com a transformação da interpretação feita pelo emissor, no seu primeiro papel de receptor, em mensagem codificada que possa ser comunicada.

Esta transformação deverá passar por dois momentos:

        • um primeiro relacionado com o tratamento da realidade observada, reduzindo-a ao seu estado mais elementar (selecção dos fragmentos mais importantes sem perder o sentido da mensagem).

        • um segundo relativo à sua codificação, de acordo com as características e linguagem do meio.

1.1 Mediação e Manipulação

Do ponto anterior sobressai a figura do jornalista enquanto mediador entre a realidade e os receptores. A selecção de uma entre várias realidades, com a finalidade de a transformar em notícia, e a selecção dos fragmentos representativos da realidade são os momentos nucleares desta mediação.

Ao procurar comunicar desde a melhor perspectiva, o jornalista vê-se obrigado a seleccionar, destacar e reordenar alguns aspectos. A mediação pode assumir assim contornos de manipulação. No entanto não se pode ignorar que parte desta manipulação nasce da necessidade de apresentar a informação com clareza e perceptibilidade.

Mediação com base na organização interna e na ideologia do meio

Esta é, provavelmente, a mediação onde as fronteiras com a manipulação são mais ténues. Aqui, a rejeição ou aceitação de determinados acontecimentos, temas ou personagens pode ser condicionada por questões relacionadas com a ideologia do emissor (grupos de pressão, composição do conselho de administração) ou com o suporte económico (fundos públicos ou pressões sociais com repercussões no volume publicitário).

Mediação baseada nos canais ou fontes de informação

Este tipo de mediação está relacionado com a necessidade de criar rotinas de trabalho para se atingir a máxima eficácia. O número de fontes e canais deverá ser reduzido para permitir:

1. Racionalizar os meios de forma a compatibilizar, no espaço e no tempo os acontecimentos. A finalidade é conseguir que a mesma equipa cubra o máximo número de acontecimentos possível.

2. Optar por fontes que apresentem material quase pronto a emitir, reduzindo-se assim gastos com equipas.

3. Dar prioridade aos informadores que deslocam a informação, no espaço e no tempo, para próximo do canal ou programa informativo.

4. Dar prioridade às fontes fiáveis, procurando-se assim evitar as morosas confirmações.

Mediação baseada no processo de produção

Neste campo, a mediação está, sobretudo, relacionada com o meio e consequentemente com o formato da informação. São cinco os passos desta mediação:

1. Modo de apresentação das notícias - Determinação das características do (s) pivô (s);

2. Forma da notícia — A notícia pode ser uma peça/reportagem feita por um jornalista, um conjunto de imagens acompanhados pela voz do pivô (OFF2), um directo ou, simplesmente, o pivô;

3. Alinhamento - Disposição das notícias ao longo do jornal. Tipo de agrupamento: temático, por departamento etc.

4. Proporcionalidade dos blocos - Peso de cada tema ou género no jornal

5. União entre as peças - Determinação da forma como as notícias vão ser interligadas: imagens, sons, voz off.

Mediação técnica

Esta mediação relaciona-se com o trabalho desenvolvido pelos repórteres e editores de imagem. O tipo de plano tem aqui um papel importante na interpretação do acontecimento.

1.2 Critérios de Noticiabilidade

Independentemente das exigências da mediação, existe um conjunto de critérios de selecção de acontecimentos, isto é, uma escala de valores que permite analisar o grau de possibilidade de um acontecimento se transformar em notícia.

“Seleccionar implica reconhecer que um caso é um acontecimento e não uma casual sucessão de coisas. [Tuchman, 1977; 45] 

Assim, independentemente do papel do jornalista e das características do meio, existe um conjunto de critérios de noticiabilidade que permite aplicar uma prática de selecção estável, o que favorece a estandardização do processo produtivo.

Estes critérios de noticiabilidade assentam num conjunto de valores/notícia que actuam combinados e que permitem distinguir o que é notícia do que é apenas acontecimento:

        Momento do acontecimento - O acontecimento tem maior probabilidade de passar a notícia se as suas características temporais servirem as necessidades do meio. No caso da televisão, o privilégio é sempre dado aos acontecimentos de última hora.

        Intensidade - Quanto maior for a magnitude do acontecimento, maior a probabilidade de ser noticiado.

        Clareza - A inexistência de dúvidas em relação ao acontecimento é directamente proporcional às hipóteses dele passar a notícia.

        Proximidade — Quanto mais próximo for o acontecimento, mais hipóteses tem de ser noticiado.

        Surpresa — Quanto mais inesperado for o acontecimento mais probabilidades tem de ser noticiado.

        Continuidade - A noticiabilidade de um acontecimento aumenta as hipóteses dos seus desenvolvimentos também o serem.

        Composição - A necessidade de diversificar o conteúdo do jornal leva a que acontecimentos diferentes do género dominante do jornal possam transformar-se em notícia.

        Valores socioculturais — A noticiabilidade de uma notícia varia de acordo com os padrões culturais vigentes.

Mas se estes critérios são válidos para o jornalismo, em geral, no caso da televisão existem outras condicionantes. Assim, foi definido um outro conjunto de valores válidos para este meio de comunicação.

        Previsibilidade — A televisão implica um trabalho de grupo. Um repórter jornalístico ao assistir a um acontecimento pode, sozinho, fazer a sua cobertura. Já o trabalho televisivo implica a existência de alguém que saiba captar imagens e que tenha o equipamento necessário. Em suma, para que haja notícia tem de haver planeamento, isto é, quanto mais previsível for o acontecimento, mais probabilidade tem de ser coberto.

        Valor das imagens - A imagem condiciona bastante o trabalho televisivo. Uma boa história sem imagens não tem qualquer hipótese de ser noticiável.

        Custos - O envio de uma equipa tem custos altos, por isso o factor económico pesa bastante na noticiabilidade de uma ocorrência.

2. ESPECTÁCULO

O que é um espectáculo? A resposta é difícil. Existe uma infinidade de actividades que pode ser consideradas “espectáculo”: uma actuação circense, um desfile carnavalesco, uma luta de galos, um teatro, um filme, uma corrida de touros, ou apenas um casamento são acontecimentos com características para serem catalogados como espectáculo. Podemos dizer que um espectáculo consiste na colocação em cena de dois factores: uma determinada actividade que se oferece e um determinado sujeito que a contempla. Da dialéctica entre estes dois elementos nasce a relação espectacular e é desta relação entre espectador e actividade que nascem os vários modelos de espectáculo sistematizados por Requena [1992, 67 a 74].

        1. Modelo Carnavalesco — O palco é aberto. Não existe qualquer marca que delimite o espaço onde ele decorre, o que permite a participação activa do sujeito que observa. O telespectador sabe que apenas tem acesso a um fragmento do espectáculo, podendo, no entanto, deslocar-se de maneira a escolher o melhor fragmento. Exemplos deste modelo são, por exemplo, as festas populares.

        2. Modelo Circense - O palco é circular e fechado. O espectador dispõe-se à volta do cenário e tem acesso à realidade completa. O lugar do telespectador não tem especial relevância, já que existe uma equidistância em relação ao espectáculo. Exemplos deste modelo são os jogos de futebol, as touradas, etc.

        3. Modelo da Cena Italiana - O palco semicircular permite ao telespectador ter uma posição frontal, o que permite que haja uma melhoria na comunicação com o actor: melhor visão, melhor audição e, portanto, melhor sensação. Exemplos deste modelo são o teatro, a ópera ou os concertos.

        4. Modelo da Cena Fantasma - É desaparecimento da cena e a adopção de um modelo análogo ao da cena italiana. É aqui que se inscrevem o cinema e a televisão, também eles grandes responsáveis pelo aparecimento deste modelo. Mais do que o lugar do espectador, é a posição da câmara que define qual o local para onde olhar. O espectáculo adquire contornos virtuais, por força do aparecimento de um intermediário que fragmenta e selecciona para potenciar as sensações. Na relação sujeito - espectáculo passa a haver um domínio do espectáculo sobre o sujeito, que se torna mais passivo e se limita a observar.

A espectacularização da notícia é consequência do domínio da observação sobre a explicação. A televisão procura prender o espectador, dando prioridade ao insólito, ao excepcional e ao chocante. E quais são os elementos a que se recorre para esta espectacularização?

        1. Selecção de dramas humanos — Procura-se explorar os sentimentos mais básicos da pessoa, pondo em destaque casos de insatisfação das necessidades básicas identificadas por Maslow, nomeadamente as necessidades fisiológicas e a segurança.

        2. Reportagem/directo - Recurso ao enquadramento local, se possível na hora do acontecimento, tirando partido da emoção oferecida pelo repórter no papel de testemunha ocular do acontecimento.  

        3. Dramatização - Uso dos gestos, do rosto e da expressão verbal (volume, tom e ritmo de voz) para emocionar ou sublinhar as imagens que desfilam no pequeno ecrã. Usualmente, são cinco os procedimentos clássicos da dramatização: o exagero, a oposição, a simplificação a deformação e a amplificação emocional.

        4. Efeitos visuais - Todo o esforço de montagem e pós-produção, que permite manipular o acontecimento através da selecção das imagens mais elucidativas.

Cada um destes elementos merece uma abordagem mais pormenorizada, embora alguns se expliquem por si próprios. O elemento selecção de dramas humanos, por exemplo, pertence à própria essência do meio. A procura do espectacular está ligada à própria natureza da televisão.

2.1 A realidade posta em cena

O espectáculo exige que a realidade entre em cena, nua e crua, e por isso o segundo elemento, reportagem/directo tem um papel preponderante na espectacularização da informação.

A probabilidade de um noticiário captar audiências depende da sua capacidade de oferecer uma realidade completa, global e o mais natural possível. O impacto da informação reside na capacidade de oferecer uma imagem do mundo mais completa do que aquela que o telespectador pode colher directamente no local. Este processo de melhoria da realidade é, só por si, uma espectacularização da informação.

A realidade é difícil de representar porque, ao haver uma selecção de imagens, dá-se desde logo uma delimitação no espaço e no tempo. A fragmentação temporal exige uma divisão de imagem e de som que terão de ser posteriormente organizados de forma a que ainda constituam um todo coerente, sem o telespectador perceber que foi efectuado um corte.

Assim, a construção da realidade televisiva, exige que se dê uma ênfase especial ao conteúdo dramático e emocional, cumprindo, no entanto, duas regras fundamentais:

a) Garantir a compreensão do discurso, através de um fio condutor perceptível a todos. Enquanto que a realidade tem tendência para apelar a todos os sentidos, a realidade televisiva deverá procurar que a mínima fixação do sentido seja o suficiente para que o telespectador entenda a mensagem.

Esta forma dos media garantirem a compreensão da notícia colhida da realidade está sintetizada em três processos:

        1. Simplificação — Procura-se construir uma intriga reduzindo o número de personagens e situações e eliminando os elementos de difícil compreensão. Desta forma, procura-se que a informação seja acessível à generalidade dos cidadãos.

        2. Maniqueização — A informação procura sempre dividir a acção em dois pólos de intriga: o bem e o mal.

        3. Actualização e Modernização — Os anacronismos intencionais são outra forma de facilitar a compreensão. O transporte de uma personagem ou de uma situação do passado para um comportamento do presente permite uma percepção mais rápida da mensagem.

Estes processos exigem do telespectador um raciocínio simples, género, causa-efeito.

b) Procurar uma linguagem, não só simples, como próxima da linguagem de rua. Este facto permite que o telespectador se transporte para o local do acontecimento.

Jean Baudrillard chama a esta linguagem massmediática, linguagem de massas, e  caracteriza-a da seguinte forma:

1. Predominantemente apelativa — Embora esta característica seja mais fácil de observar na publicidade, no caso do jornalismo ela corresponderá ao lead da notícia. É aqui que se resumem os elementos mais importantes da notícia, procurando-se dessa forma despertar a atenção do telespectador. No caso da televisão, as chamadas "promoções", que marcam a separação entre os blocos noticiosos, são o expoente máximo da função apelativa. Ex.: Portugueses são quem  mais vê televisão da Europa

2. Nem verdadeira, nem falsa — Outra forma de apelar à emoção é recorrendo a chavões e a frases algo ambíguas, habitualmente ouvidas no calão. Ex.: O semanário que faltava

3. Tautológica — A tentativa de explicação com base em termos idênticos ou equivalentes ao que já foi dito permite também uma compreensão mais rápida. Ex: Philips ultrapassa Philips

4. Hiperbólica — Utilização de um discurso totalizante de pormenores. Ex.: Hyper Jeans: o ponto mais alto da moda

5. Conjunção dos Incompatíveis — ligação entre termos incompatíveis. Ex.: Nasceu o primeiro automóvel 100% limpo.

6. Abolição da Sintaxe — A linguagem massmediática cria neologismos por supressão ou adjunção de elementos, acumula prefixos e sufixos, procurando simplificar a mensagem. Ex. A TAP diz... 

2.2 O Pivô como actor

A dramatização é o terceiro elemento da informação-espectáculo e, neste caso, é sobretudo o pivô a assumir o papel principal.

A. Merhabian, um especialista em televisão defende que "(...) em televisão, o que a pessoa diz não representa senão 7% do que realmente comunica; 38% da mensagem é transmitida pela sua maneira de se exprimir (voz, vocabulário, ritmo do discurso) e 55% pelas expressões da face e movimentos do corpo".

O pivô tem assim um papel importante em todo o processo informativo, apresentando-se como um actor cujo objectivo é conseguir que os telespectadores acreditem na informação por ele transmitida. Para isso, o elemento fachada é absolutamente essencial. A fachada é o equipamento expressivo, padronizado, inconscientemente ou intencionalmente, que o indivíduo utiliza para definir com mais clareza a situação noticiada. A fachada apresenta duas partes padronizadas:

        1. Cenário - O local de onde é transmitido o telejornal tem muita influência no telespectador. É por isso que habitualmente os cenários dos jornais televisivos são constituídos por elementos que recordam uma ligação em tempo real a várias partes do mundo. Um cenário onde sobressaem vários monitores ou um mapa mundo iluminado são exemplo dessa tentativa de transmitir a sensação de globalização, da tal aldeia global referida por McLuhan.

        2. Fachada Pessoal - Este elemento está relacionado com o próprio pivô. Trata-se de todo o seu equipamento expressivo, constituído pelo ritmo e modulação da voz, pela gesticulação e pelas reacções às próprias notícias que divulga. A fachada pessoal é ainda constituída por dois elementos:

        • A aparência — está relacionada com o status social do actor. Em termos televisivos este dado acaba por não ter grande significado, pois a aparência é perfeitamente manipulável por via da caracterização.

        • A maneira - é neste elemento importantíssimo que se encontram os estímulos que funcionam no momento de nos informar: o riso após uma notícia engraçada ou um ar afectado depois de um acidente, são algumas das expressões de um bom actor e portanto, um bom pivô. Este conjunto só inspira confiança nos telespectadores se existir uma coerência expressiva, entre a fachada pessoal e a notícia.

2.3 O Poder da Montagem

O efeito visual é o último dos elementos da informação-espectáculo. Sendo a imagem o elemento que torna a televisão no meio de comunicação mais poderoso, a facilidade com que se pode manipulá-la torna a edição num elemento fundamental da espectacularização. A decisão de mostrar umas imagens e ocultar outras, a distribuição das imagens ao longo da peça e a sua própria sequência permitem uma infinidade de possibilidades para explorar a vertente espectacular da notícia.

Segundo alguns estudos, o telespectador só assimila cerca de 30 a 35% da informação difundida. Esses mesmos estudos apontam para os momentos em que a atenção é máxima e para os pequenos pormenores que despertam a atenção. Uma frase bombástica a abrir, um pequeno oráculo a dizer "exclusivo", uma filmagem em contraluz ou uma voz distorcida, são alguns elementos que introduzidos na montagem despertam a atenção e permitem espectacularizar a notícia.

3 A INFORMAÇÃO-ESPECTÁCULO

Existe um conjunto de factores que em conjugação conduziram ao domínio da informação espectáculo. Mais informação é mais liberdade e por isso os media atacam o poder instituído de uma forma subtil, recriando formas de controle, construindo o seu próprio sistema de valores e assumindo-se como um poder acima dos outros poderes.  Os media moldaram assim um novo Homem: o "Homo Mediaticus".

Toda esta revolução tem por base dois tipos de factores:

1. A falência das instituições clássicas — Partidos, sindicatos, igreja, escola e exército são hoje instituições que mergulharam numa profunda crise. Por se terem moldado a um determinado homem, fulanizando-se e ficando demasiado vulneráveis ao erro humano, por não apresentarem soluções para os grandes problemas ou por não se conseguirem adaptar aos novos tempos e aos anseios das novas gerações, estas instituições clássicas estão hoje desacreditadas. O indivíduo sente-se assim órfão, procurando defesa no poder dos media.

2. A evolução técnica — Ao contrário das instituições clássicas, os media e em especial a televisão, tiraram o máximo partido da evolução técnica, adaptando-se, equipando-se e entrando para a linha da frente na era da globalização. O satélite é o grande responsável pelo crescente poder dos media. A linguagem televisiva não é só global, como dizia McLuhan, como consegue abolir o factor tempo. A informação em tempo real permitiu levar a cada casa a Guerra do Golfo em directo, e a partir daí tudo mudou no panorama mundial.

O acontecimento televisionado tornou-se de tal forma natural que se duvida mesmo que algo tenha acontecido se não estava lá nenhuma objectiva. O telespectador quer o acontecimento embrulhado em papel de espectáculo e os empresários televisivos vibram graças ao crescimento de audiências que isso lhes proporciona. O controle do número de telespectadores que, em cada minuto, se encontram sintonizados num determinado canal   transformou a guerra entre televisões numa guerra, também ela, em tempo real. E é aqui que surge a grande perversão: se em termos de programação se podem fazer guerras de audiências, bastando para isso mudar o produto apresentado, em termos informativos não é bem assim. Sendo a matéria-prima igual em todos os canais — os acontecimentos — torna-se necessário mostrar diferentes perspectivas desse mesmo assunto: a informação torna-se assim num espectáculo que procura no sensacionalismo e na rapidez, os ingredientes que fazem subir as audiências, nem que isso seja conseguido à custa de imprecisões.

3.1 Argumentos contra a Informação-Espectáculo

A informação-espectáculo está eivada de quatro vícios que a podem tornar pouco consistente, falaciosa e especulativa.

        1. Sensacionalismo — Misturando três ingredientes — sangue, sexo e dinheiro— a informação-espectáculo obtém a fórmula que faz subir audiências. A estes ingredientes, juntam-se ainda o aparentemente inesperado, o “falso exclusivo e o surpreendente.

Mas com os mesmos ingredientes podem fazer-se produtos diferentes. Duas das grandes escolas televisivas, a anglo-saxónica e a latina, tratam as questões de forma diferente. Os anglo-saxónicos assentam o seu sensacionalismo em factos comprovados e controlados, fazendo apenas uma abordagem que dê ênfase a determinados pormenores mais interessantes, do ponto de vista das audiências.

Na escola latina, a vertigem da "cacha", faz com que se esqueçam as confirmações. Se necessário, recorre-se às muletas "cerca de" ou "segundo fontes bem colocadas", tecendo-se comentários com base em suposições. Um exemplo de como a antecipação sem confirmação pode resultar em cenas ridículas foi o caso de Angel Pui Peng, a cidadã portuguesa, de origem chinesa, condenada à morte. No "Novo Jornal" foi anunciada a execução de Pui Peng, emprestando uma emoção especial ao acontecimento com a adição de alguns pormenores dos últimos minutos de vida da condenada. No dia seguinte soube-se que a aplicação da pena tinha sido adiada.

        2. A ilusão do directo - A maximização da emoção é transmitida via informação em tempo real. Se ao directo se associar o imprevisto, então a  informação— espectáculo atinge o seu ponto mais alto.

Mas o directo pode ter, também, o efeito contrário. Os directos que a CNN efectuou em Bagdad depois da saída de todas as outras cadeias televisivas, deixou no ar a ideia de que existiria uma manipulação. Foi o preço do directo em exclusivo.

Por fim, o directo pode ainda ser anestesiante caso seja banalizado. As incansáveis transmissões da Guerra do Golfo banalizaram o directo, deixando a sensação de que tudo não passava afinal de um desafio profissional para os jornalistas, uma espécie de tentativa de endeusamento do papel jornalístico, tendo como pano de fundo o cenário de guerra.

        3. Uniformização - O directo não permite pontos de vista. As imagens são colhidas em bruto, restando apenas liberdade de comentários. A falta de background conduz à uniformização do comentário e à redundância, já que o acontecimento é apenas e tão só o momento. Não há referências históricas, não há recurso à técnica, nem hipóteses de simulação.

        4. Os efeitos perversos - O julgamento "à priori" é, talvez, o efeito mais perverso da informação-espectáculo. O querer mostrar mais, leva aos directos e às simulações sem bases que o suportem. Sendo a informação mais rápida que a Justiça, o telespectador é induzido a efectuar o ser próprio juízo, fazendo com que o próprio julgamento fique desde logo condicionado.

Da combinação entre estes quatro factores nasce da necessidade de informar mais rapidamente e com mais pormenor. A incansável procura de factos faz com alguma informação se assemelhe, perigosamente, a uma farsa.

As inovações tecnológicas permitem que um noticiário seja uma volta ao mundo em 30 minutos, deambulando as imagens entre desgraças e cadáveres, entre escândalos e catástrofes. As notícias resumem-se aos factos e as contextualizações teóricas e os enquadramentos socio-políticos caem para segundo plano. A informação-espectáculo vence assim a informação-educação, fazendo com que, apesar dos satélites, e talvez por culpa deles, o telespectador não ganhe nada com as inovações tecnológicas ao nível da informação.

 

3.2 A Favor da Informação-Espectáculo

Apesar de todas as críticas feitas à espectacularização da informação, as audiências confirmam o gosto dos telespectadores por uma informação com estas características. E apesar de todos os defeitos, a informação-espectáculo terá, porventura, alguns pontos a seu favor.

1. Contrapoder - Em sociedades onde os sindicatos e a igreja têm dificuldades para adaptar-se aos novos valores sociais, ou onde uma maioria partidária adormece os partidos da oposição, os media, surgem como a voz de todos quantos se sentem mal representados ou indefesos. Não é por acaso que de um momento para outro a classe política vira as suas baterias para a comunicação social. No fundo, pressentem que estes podem ter um papel determinante num jogo onde apenas deveriam poder entrar os eleitos.

2. O público é inteligente - Dominique Walton defende que "o público é inteligente". A partir deste postulado constrói-se toda a sua filosofia da comunicação. Este princípio decorre da máxima dos clássicos e neoclássicos da economia que defendem que o mercado se regula a si próprio. A confirmação desta teoria está no processo com que o telespectador se defende, filtrando, seleccionando, rejeitando e assimilando apenas a informação que lhe convém. Wolton defende assim que uma vantagem da informação-espectáculo poderá ser a forma como ela transmite ao telespectador os limites do aceitável. A repetição de determinadas imagens, em lugar de criar um hábito, alertará para o excesso. Este postulado pode ser observado no nosso actual panorama televisivo, bastando para tal perguntar a um vulgar cidadão o que pensa dos jornais televisivos. A resposta habitual é que "só mostram desgraças". Existe assim uma tomada de consciência de que as televisões estarão no limiar do permitido pelo telespectador.

Como diz Adriano Duarte Rodrigues, "Os meios de comunicação social tendem, a partir de um certo limiar de saturação, a converter as mensagens em puro espectáculo e a desmobilizar efectivamente as pessoas (...)” [Rodrigues, 26]".

A “limpeza” dos serviços informativo de grande parte das notícias trágicas onde o drama humano é explorado até à saturação é uma condição essencial para que o telespectador volte a ver os telejornais como um produto informativo. A produção de programas como o 112 (TVI), Imagens Reais (SIC), ou Gente (TVE1) poderá facilitar esta separação, confinando o drama humano a espaços que lhe estão destinados e separando claramente os públicos que se destinam a cada um dos produtos.

 



BIBLIOGRAFIA

BABIN, Pierre. [1993] Linguagem dos Media.  Bertrand Editora, Venda Nova

DIAMONG, Edwin. [1975] The Tin Kazoo: Television, Politics and the News, MIT Press

ECO, Humberto. [1976]  Apocalípticos e Integrados

GARCIA, Jaime Barroso. [1992] Processo de la Información de Actualidad en Televisión. IORTV, Madrid

GUBERN, Román. [1987] El Símio Informatizado. Fundesco. Madrid

LYON, David. [1992]  A Sociedade da Informação. Celta Editora

MINC, Alain. [1994]  O Choque dos Media. Quetzal Editores, Lisboa

REQUENA, Jesus Gonzalez. [1992] El Discurso Televisivo: espectáculo da posmodernidadEdiciones Cátedra, Madrid

RODRIGUES, Adriano Duarte. [      ]  A Comunicação Social.  Edições Conhecer,

SAPERAS, Enric. [1993] Os Efeitos Cognitivos da Comunicação de Massas. Edições Asa, Porto

SANTOS, José Rodrigues . [1993]  O que é Comunicação. Difusão Cultural, Lisboa

SERVAN-SCHREIBER, Jean-Louis . [1972] O Poder da Informação. Europa América, Mem Martins

TUCHMAN, Gaye. [1978] Making News. Free Press. Nova Iorque

Vilches, Lorenzo. [1984] La lectura de la imagen. Prensa, cine, televisión. Ed. Paidós, Barcelona.

Vilches, Lorenzo. [1999] La televisión: los efectos del bien y del mal. Ed. Paidós, Barcelona.

WONTON, Dominique. [1990]  Éloge du Grand Public. Flammarion,

WOODROW, Alain. [1991]  Informação, Manipulação. Publicações D. Quixote,