A semiose aljamiada e o reverso do século de ouro ibérico

 

Luís Carmelo, Universidade Autónoma de Lisboa

 

Évora 14-15/5/1999

 

1. Os limites da questão.

 

Saber o que distingue o texto literário do texto não literário é porventura uma questão adâmica, ou até mesmo bizantina. No entanto, é possível situar alguns pontos que certificam uma ontologia do primeiro, ainda que a sua pertinência constitua uma preocupação da modernidade e não tanto um universal anterior à milenar, mas, de qualquer modo, datada confecção de textos. Basicamente, o literário define-se pelo facto de não pretender deter uma relação transitiva com o real imediato em que é enunciado; pelo facto de referencialmente se auto-reenviar, de modo reflexivo, encontrando em si o objecto que designa; pelo facto de fazer sobrepor o eixo generativo das conotações sobre o eixo das denotações; enfim, pelo uso recorrente de formas de entender o mundo, não necessariamente designativas ou indexicais, mas antes metafóricas e, até certo ponto, metonímicas. O literário é, enfim, um campo discursivo-retórico, codificado de forma não restritiva ou explícita, que transpõe o indizível; que expressa o inefável e que tenta superar o inexpremível fundamental do “continuum” (L.Hjelmeslev,1968) disponível de conteúdos humanos.

Quando o campo de análise com que nos defrontamos é uma literatura com as características da aljamiado-morisca, há alguns pontos que devemos, desde logo, sublinhar. Em primeiro lugar, esta literatura corresponde, com todas as suas virtudes e deficiências, ao esforço singularmente expressivo e, portanto, à semiose específica de uma dada comunidade (que aqui entendemos nos limites histórico-simbólicos de uma topografia geo-imaginária). Em segundo lugar, esta literatura não espelha um acrobatisno retórico capaz de uma auto-referência eficaz (nem mesmo quando evoca, sem o entender, algum corpus da tradição mística islâmica), nem espelha igualmente um fértil universo de potencialidades conotativas e metafóricas. No entanto, em terceiro lugar, esta literatura repõe como poucas a ansiedade de um universo terminal, não apenas de uma comunidade ameaçada de autêntico genocídio, mas sobretudo de toda uma civilizacão prestes a finar-se, ao fim de uma vida de mais de oito séculos em terras ibéricas.

  Nesta comunicação, depois de sucintamente descrevermos os campos temáticos da literatura aljamiado-morisca, tentaremos traçar algumas linhas fundamentais do que deve ter sido o código que possibilitava ao leitor, ou ao auditório morisco, entendê-la e interpretá-la. O corpus literário a que essencialmente recorremos na presente análise tem como elemento comum o seu carácter antológico e um conjunto de isotopias centradas nas principais temáticas e obsessões dos moriscos. Estão neste caso, o Manuscrito número 3 da "Junta"[1] pertença do Instituto de Filología del CSIC - Madrid - Manuscritos Árabes de la Junta - (R. Kontzi, 1971:347 e sqqs.), o Manuscrito 4953 da Biblioteca Nacional de Madrid[2] (O.Hegyi, 1981) e o Manuscrito 774 da Biblioteca Nacional de Paris[3] (M. Sánchez Alvarez, 1982). É claro que, além dos textos mencionados, faremos referência subjacente a outros que, na devida altura, sinalizaremos.

 

2. Origens e dominantes da literatura aljamiado-morisca.

 

A prática literária aljamiada, essa "extraña literatura híbrida", segundo O.Hegyi (1978:303), nasce em terras aragonesas, datando o manuscrito mais antigo que é conhecido de 1451 (A.Labarta,1988:511 e G.Wiegers,1990:179). No entanto, G.Wiegers, em artigo do início da década (ibid.1990:179), avança diversos argumentos que parecem atribuir ao século XIV certos manuscritos aljamiados não datados (ibid.:181 a 183). Esta prática literária é própria de comunidades não arabófonas que, no entanto, mantêm vivo, nos seus escritos, o código grafemático árabe (F.Plett,1975:81). Se adoptássemos a noção de aljamia de O.Hegyi (1979:262) extensiva "to all the cases where the Arabic alphabet is used for transcription of a language currently written in a different script", teríamos também que nos referir a textos arabófonos valencianos do século XVI (A.Labarta,1977), ao corpus de textos de aljamia portuguesa, redigidos em Safi, no século XVI, (D.Lopes,1939 e L.P.Harvey, 1976) e até à aljamia Moçárabe (produzida entre o século VIII e o século XII - A. Galmés de Fuentes, 1983:14). No entanto, delimitaremosos apenas, neste nosso âmbito, a noção de prática aljamiada, circunscrevendo-a, na sua visibilidade exterior, à “forma de expressão”[4] particular das comunidades moriscas que perderam a língua árabe, enquanto língua-mãe, em Castela e sobretudo em Aragão (A.Labarta,1977:78), num processo que se inicia na época mudéjar (possivelmente no século XIV) e que acompanha a vida morisca até à sua forçada erradicação da Península Ibérica, já no início do século XVII.

A dominante aragonesa desta prática literária pode ser testada nas colecções de manuscritos, hoje existentes nas principais colecções de Espanha. A colecção do Instituto de Filología del CSIC, Madrid - Manuscritos árabes da Junta é, na sua totalidade, de origem aragonesa (tendo sido o seu material descoberto, em 1884, em Almonacid de la Sierra); a colecção da Biblioteca Nacional de Madrid é composta também por manuscritos sobretudo de Aragão (L.Cardaillac, 1977:175) e, por fim, parte da colecção deixada por P. Gayangos à Real Academia de História é também de proveniência aragonesa (ibid.:155). A língua vernacular destes textos, segundo R.Kontzi (1970:200), parece traduzir um estado de transição "del aragonés al castellano", sendo, no entanto, constante uma grande influência de arabismos sintácticos e estilísticos (A.Galmés de Fuentes,1962:527 e sqqs.), bem como de decalques semânticos "calcos semánticos" - com uma mesma origem (R.Kontzi,1978-2:315 e sqq.). A. Vespertino Rodríguez (1983:81 e sqq.) refere que "otro de los rasgos típicos de los textos aljamiado-moriscos es su carácter aragonés", igualmente visível nos domínios vocal, consonântico e morfológico. Estamos, como veremos, num plano de profundo sincretismo ao nível da língua - e do que esta evoca e traduz a um nível suprassemiótico[5]-, bem como ao nível das formas expressivo-grafemáticas, para já não falar do complexo e quase errante palimpsesto das suas formas de conteúdo (A. Galmés de Fuentes, 1983:15 e sqqs.).

 Levando ainda em linha de conta algumas condições específicas da recepção textual dos moriscos, deve referir-se que esta literatura, de carácter tradicional[6], é produzida fundamentalmente para pequenos públicos que praticavam clandestinamente o Islão. Os textos que a integram repõem, de facto, uma tradição de oratura mais vasta e anterior, mantendo claras relações memoriais e arquitextuais com registos árabes directos ou indirectos (ou seja, ostentando um forçado dialogismo com "un pasado anterior - en estado latente" - A.Galmés de Fuentes, 1983:15), mas consubstanciando-se persistentemente enquanto voz colectiva e sobretudo anónima.

Com efeito, esta literatura aljamiado-morisca reflecte o estado da comunidade que a enunciou: isolada face ao seu próprio universo de valores; perseguida; detendo poucos hábitos de leitura e sobretudo não podendo já sequer dominar a sua língua da revelação (M. Sánchez Alvarez, 1981:446). A perda de contacto com o passado - a decadência - é sinónimo, deste modo, não apenas de hibridez, mas também de uma ignorância identitária muito peculiar a que os próprios produtores de textos aljamiados, aliás, explicitamente se referem[7].

 

3. Temas da literatura aljamiado-morisca.

 

Num encontro internacional, realizado em Montpellier, no ano de 1981[8], A.Galmés de Fuentes referia que um dos atributos mais relevantes da literatura aljamiado-morisca "es la grand estabilidad de temas" que esta apresenta (1983:16). Nessa mesma comunicação, o autor dá uma visão geral das grandes temáticas que povoam a literatura aljamiado-morisca. Assim, além de uma actividade poética a que não dá excessiva importância[9], são referidas as seguintes áreas temáticas dominantes: a) um grande número de lendas de origem oral, bastante detalhadas na versão escrita aljamiada[10]; b) uma temática tradicional de intenção  premonitória, que o autor designa por "literatura escatológica" (ibid.:19); c) uma temática ligada à descrição de viagens, dentro da tradição árabe da Rihla; d) uma temática que, como se refere, pudesse "abrir puertas” de esperança à delicada situação dos moriscos (ibid.:20). Encontram-se neste caso profecias ou aljofores, tratados de superstições, livros de sortilégios, crenças populares, receitas mágicas, fórmulas cabalísticas, etc. Refira-se ainda, por fim, (e) uma literatura didáctica que "trata de encaminar al lector hacia la vida recta" (ibid.:20) e, por último (f), um domínio temático epicizante muito ligado, aliás, às próprias investigaçöes do autor[11].

Também R. Kontzi (1970:198) se refere aos diversos conteúdos temáticos da literatura aljamiado-morisca, nos seus grandes traços de fundo. Considera o autor as seguintes dominantes: lendas, "rogarias, alabanzas de Mahoma" (ibid.:198), disputas com judeus e cristãos, instruções para a leitura do Alcorão, temas gramaticais (sobretudo fonéticos), preceitos relativos a heranças, medicina popular e fórmulas mágicas e, finalmente, um inúmero conjunto de regras destinadas a ordenar o quotidiano de um muçulmano. Rematamos os testemunhos autorizados com duas outras referências mais sintéticas: Louis Cardaillac (1977:157) que refere o facto de serem "les légendes et les livres de dévotion avec les textes juridiques" aquilo que constitui "l'essentiel de la littérature aljamiada"[12] e, respectivamente, O Hegyi(1979:263) e C. López Morillas (1981:168), para quem a literatura aljamiada morisca é predominantemente constituida por textos religiosos e didácticos[13]. No quadro do meu doutoramento (L.Carmelo,1995), onde analisei com algum detalhe estes segmentos temáticos, fui levado a categorizá-los funcionalmente do seguinte modo: a) textos de incidência particularmente religiosa; b) textos regulamentadores dos códigos sociais[14]; c) textos escatológico-proféticos (onde, em termos gerais, a abordagem é a da reinvenção do tempo e do espaço) e,  por último (d), as lendas que, sendo devedoras de todas as temática anteriores, têm, no entanto, em comum um predominante carácter alegórico e de exempla (D. Cardaillac, 1981: 174) nas suas matizes de novela, épica, relato didáctico, histórias de profetas ou pura incursão no maravilhoso.

 

4. Formas de expressão da literatura aljamiada e suas implicações.

 

Qualquer linguagem - mesmo se de ordem não linguística - é sempre composta, por um lado, pelas dimensões físicas dos signos, ou seja, as suas formas de expressão, e, por outro lado, pelas formas de conteúdo que aquelas taduzem em cada acto comunicacional particular. Numa linguagem composta por grafemas, enquanto formas expressivas que estão, por seu turno, em vez de sons articulados capazes de repor retoricamente uma certa mundivisão do discurso humano, há que entrever algumas das ligações que constituem esta cadeia, bem como o que ela semioticamente suscita. Cabem neste campo, entre outras, as relações entre alfabeto e língua natural, assim como todas as implicações daí decorrentes, sobretudo as que se prendem com a intersemiose desta literatura basicamente de tradução. São, de facto, estes os aspectos de fundo que mais terão condicionado, no seu tempo, a recepção morisca aos seus próprios textos.

Uma das características formais mais marcantes da literatura aljamiado-morisca é o seu o vínculo singularíssimo ao alfabeto árabe. Tal pode afirmar-se, porque a língua natural a que esta literatura recorre é basicamente românica. Estamos perante um fenómeno que levanta questões de ausência de parentesco genético (O.Hegyi,1981:83) entre dois códigos: um, intimamente ligado à supra-semiótica islamo-árabe, o código grafemático; outro, ligado à supra-semiótica cristã de raíz latina, o código linguístico. É evidente que a literatura aljamiado-morisca, ao viver da cooperação entre duas ontologias bem diversas, acaba por ser devedora do contraditório, do fracturante e, às vezes, de inesperadas enunciações normativas, embora, quase sempre, num contexto de inevitável hibridez; ou seja, num contexto de produção de sincretismos, quer ao nível ao nível da sua expressão, quer ao nível dos conteúdos permutados, pois, como provou L.Hjlemslev, um e outro cooperam mutuamente e são mesmo, na sua actualização sígnica, indissociáveis.

Embora só muito recentemente, no Ocidente, tenha havido uma certa oposição às noções aristotélicas (reiteradas por F. Saussurre e por outros semiólogos[15]), segundo as quais o grafema, ao fim e ao cabo, não é mais do que um revestimento do signo linguístico - nomeadamente através de J.Derrida (1967) e J.Kristeva (1969) e do próprio L.Hjelmeslev -, no universo semítico a questão nem se chega a pôr, pois as raízes em que assenta são radicalmente outras. No mundo judaico, as letras que compõem a Tora são consideradas como tendo vindo directamente de Deus, e constituem um dos sete elementos anteriores a toda a criação (D.Masson,1958:257/8)[16]. No mundo islâmico, as letras também constituem o elemento "dont Dieu fit le principe de toute chose" (Abú Hakim al-Râzí in G.Vadja,1961:119). A escrita árabe é assim o legado visível da última das revelações e, portanto, é indissociável da palavra divina. Ibn Fâris[17] (m. 390/5- 1001/4) refere-se a uma tradição de Ibn 'Abbâs, segundo a qual "le premier qui établi l'écriture arabe fut Ismâ'il" (in H.Loucel,1964-II:258) e conclui: "l'écriture est fixation révelée. Cela appert de la parole de Dieu" (ibid.: 258). Deste modo, e independentemente da sua genealogia objectiva (Y.Safadi,1978:7/8), o alfabeto árabe "assumed the status of the sacred script which God had especially chosen to transmit His divine message to all men".

Poderemos, agora, melhor compreender a razão pela qual os moriscos não arabófonos recusam desesperadamente esquecer as formas grafemáticas do alfabeto árabe. E isso apesar de, através dessas formas, não darem mais voz viva à língua árabe, perdida gradativamente desde o último século mudejar[18]. Há unanimidade entre vários autores[19] quanto à razão de fundo deste fenómeno, ou seja,-  a vital necessidade de preservar o carácter sagrado que é imanente ao próprio código grafemático árabe. Além disso, o alfabeto árabe é, porventura, um último vestígio sólido de ligação a uma civilização de que os moriscos se sentem (latente ou directamente) herdeiros. Há uma espécie de resistência (senão de obstinação) nesta postura, porque, através dela, se revela que os moriscos estão dispostos a salvaguardar parte de um edifício perdido, mesmo se não puderem atribuir a essa mesma postura um sentido original (prático e espiritual) de que está afectada.

Como atrás se referiu, é possível que os moriscos não recuperem directamente o sagrado que ritualizam, na sua expressão mais original e plena, mas antes, e tão só, uma reminiscência desse mesmo sagrado, na expressão do que M.Eliade (1975:23) designou por “hierofania”. Desenhar uma forma significa, neste contexto, e ainda que involuntariamente, repôr um momento original. Um tal acto pode, assim, ser considerado como evocador de matrizes profundas de uma civilização e, portanto, constituir uma outra razão para a preservação do alfabeto árabe pelos moriscos. É nessa medida que M.Hagerty refere que o deserto e as fases da lua "y la impresión que éstas causabam en la imaginación de los primitivos semíticos, dieron lugar a la formación de muchos de los caracteres, si no de todos"(1978:263). Evocar uma forma e preservá-la é, pois, evocar também o meio que a criou e, certamente, o intertexto imagético-simbólico que aquela veicula e pode actualizar.

As razões que levam os moriscos a escolher como seu o alfabeto árabe estão, pois, profundamente ligadas à percepção do sagrado; do mágico e do próprio legado simbólico da lei islâmica revelada. Tal facto encontra-se reflectido num conjunto de práticas, como o taktub (C.Mamés, 1987:305 e sqqs.) que se traduz no uso da escrita árabe e do seu grafismo para fins diversos[20], nomeadamente para protecção “contre les agressions extérieures"( ibid.:311). As letras são também, em meio islâmico, igualmente utilizadas na literatura profética de acordo com princípios esotéricos e mágicos da onomatomancia[21]. Também na literatura aljamiada há exemplos deste tipo de abordagens, concretamente no Ms.J59[22], onde os moriscos são convidados a escrever grafemas árabes - conjugados com outras formas, tais como cruzes de seis pontas, estilizações dos caracteres e tábuas geométricas - para obter graças diversas (contra qualquer tipo de medo, fol.222v; contra a febre, 216v e sqqs ou para ver "os génios"[23], fol.228r, etc). Também no M.J3 (fol.228r e sqqs.) existe um texto morisco no qual as letras surgem associadas aos nomes divinos e angélicos que enformam (prática que se insere num dos dos elementos da onomatomancia ou "simyâ", de acordo com a designaçäo de Ibn Khaldún): "O âlif é o nome de Allâh e o bâ' é a firmeza da religiäo e o Jim é a nobreza de Allâh e o dâl é a lei de Allâh"[24]  (ibid.:fol.228r).

Podemos, pois, concluir que o recurso ao alfabeto árabe, por parte dos moriscos, nesta sua literatura, configura um atributo que, em termos formais, é decisivo no horizonte de expectativas morisco. E porque o alfabeto, na superfície textual, surge investido de valores que transcendem a simples função de revestimento do signo linguístico, pode, igualmente, afirmar-se que "la calligraphie arabe (...) transforme, dans sa lecture, l'énoncé même d'un texte" (A.Khatib, 1986:174).

Se os grafemas afectam a própria enunciação textual (e decerto também as contíguas dimensões ilocutória e perlocutória), poderemos agora interrogar o próprio nível de cooperação que aqueles estabelecem com o vernáculo dos moriscos, representado no seio desta literatura. Ao contrário dos textos aljamiados produzidos por moriscos arabófonos, verificamos que as transcrições não são aqui nunca literais. Isto quer dizer que elas se regem, de facto, por um sistema coerente que recria, com homologias específicas, as próprias funções dos grafemas árabes. Pode mesmo dizer-se que a escrita adoptada se adequa o mais possível ao vernáculo românico falado pelos moriscos. Para tal contribui o facto de a escrita árabe se estruturar perfeitamente na base de critérios fonológicos, denotando uma notável correspondência entre grafemas e fonemas (O. Hegyi,1981:99). Esta quase monossemia do aparelho expressivo-grafemático árabe deve-se, por sua vez, ao facto de a sua fixação, tal como a conhecemos, ser contemporânea à "cristalización del árabe clássico como lengua literaria suprarregional" (ibid.:99). Deste modo, os moriscos de Aragão - privilegiando a notação consonântica, atribuindo funções originais a certas letras árabes[25], registando vogais anaptíticas[26] ou desfazendo ditongos com /Yâ'/[27] - parecem aproximar-se de uma codificação fonológica mais ou menos consistente. Empresa difícil, já que o séc. XVI é um século de profundas mutações fonológicas na Península Ibérica e, também, porque, nas circunstâncias em que vivem, os moriscos não possuem, de modo algum, instituições capazes de definir uma tal codificação. No entanto, O. Hegyi (1981:102) refere a existência de uma clara tendência normativa - "hacia la formación de un schhriftbund".

J.Solà-Solé (1970:87-89) apresenta-nos, como único, um Manuscrito[28] onde se estabelece um padrão de normalização da pronúncia das letras árabes em contexto linguístico aljamiado-morisco. Decerto que, pela raridade evocada, não constitui exemplo decisivo para que possamos concluir da existência de instituições regulamentadoras de uma schriftbund. Mas, cremos que é possível afirmar que, no quadro da recepção morisca, se verificam expectivas, por parte do leitor ou auditório, no sentido do estabelecimento relações lógicas[29] mínimas entre ambos os códigos que investem a dimensão sígnica da sua própria literatura: o grafemático (um código de ‘apoio de linguagem’, segundo o modelo de P.Guiraud) e o linguístico.

Podemos, portanto, concluir que existe, de facto, uma ordem que compatibiliza os códigos referidos, embora com natural instabilidade, e, por outro lado, que uma tal ordenação é esperada e conhecida, ainda que não institucionalmente, pela própria recepção morisca. Contudo, nunca é de mais referir que o uso do alfabeto árabe, neste contexto literário, se prende basicamente com razões de natureza extra-linguística. Como já adiantámos, estamos sobretudo perante uma clara reminiscência do sagrado. E é o universo escatológico, relevado pela questão da salvação que, neste tempo, institui o sagrado, não apenas como uma crença, mas, em primeiro lugar, como significado primeiro de entendimento do mundo; por outras palavras, como único e surpremo ‘grande código’.

 

5. Formas de conteúdos e tradução intersemiótica.

 

Seguindo a taxinomia de R. Jakobson (in E.Nida,1964:3), caracterizaremos tradução intersemiótica como "transmutation, by which we mean the transference of a message from one kind of symbolic system to another". Entendamos, aqui, sistema como um conjunto de relações e de correspondências entre realidades distintas de um mesmo campo e, por outro lado, código como o conjunto hierarquizado de regras que semantizam essas mesmas realidades, no seio de uma dada comunidade. É, de facto, na apreensão dos códigos que mais se manifesta o trágico desfasamento dos moriscos face ao modelo original do Islão. É por isso que certos signos simbólicos, referidos sobretudo no contexto das lendas moriscas, tais como a lua, a fonte, ou o rio convocam semantizações adequadas, já que se referem - como na tradição islâmica - ao domínio do tempo, à pureza e à água, ou ao imaginário do paraíso, respectivamente. Já os símbolos da noite mística, as estruturas simbólicas evocadas sob o nome de Mâlik, ou, por exemplo, o cenário de uma cidade fantasma visionada por Abraão - adquirem semantizações particulares, recriadas arbitrariamente pelos moriscos  (respectivamente, por exemplo, de natureza moral, de sabedoria e de auto-punição).

A tradução intersemiótica define-se, precisamente, no âmbito deste desfasamento: mais do que uma operação linguística, entendemo-la como um complexo processo de transposição de modelos mentais distintos. Quando, no seu conjunto, a literatura aljamiado-morisca resulta de um enorme esforço (inevitavelmente condenado ao insucesso) de "traduire une autre culture" (L.Lopéz Baralt,1980:54) para uma língua de chegada que é estranha aos próprios moriscos, podemos, então, concluir que os seus autores estão definitivamente a afirmar-se no quadro do que designaríamos por uma cultura de ‘tradução intersemiótica’.

Uma tal cultura reflecte, inevitavelmente, a profunda crise de identidade  de uma comunidade[30]. É por isso que L. Lopéz Baralt se refere aos moriscos (ibid.:54) como "ces cryptomusulmans, qui peu à peu cessent d'exister" e que "...perdent au fur et à mesure les référents linguistiques, si complexes et si riches, des symboles de la théologie et de la mystique musulmanes antérieures, que maintenant ils traduisent à l'aide de vocables castillans". Quando os moriscos não atribuem um sentido primordial ao mais elementar da sua cultura genealógica, nomeadamente aos princípios que hoje afirmaríamos como religiosos, é porque francamente se aproximam do intraduzível, ou seja, do grau zero da sua própria existência. Mas a sua ontologia errante deixa de ter qualquer saída, quando compreendemos que, no seu dicotomismo escatológico, os moriscos são, por natureza, radicalmente inassimiláveis ao mundo cristão. A.Khatibi (1985:192) situa esta mesma questão, em termos mais gerais: "Ce serait une sorte de folie de croire qu'une langue (...) puisse écrire et récrire une autre de l'intérieur et puisse la domestiquer selon une loi parfaitement invisible (...) un tel désire de transposition radicale, de tranversée renversante d'une langue à l'autre, transite dans certains textes tentés par l'intraduisible"[31].

Num seu possível ‘horizonte de expectativas’, os moriscos hão-de ter procurado desesperadamente as "indiosincracias” do modelo original (O. Hegyi, 1981:23) como referência, e, por isso, a sua operação interpretativa de tradução terá, amiúde, deixado de ser uma interpretação do que é dito para passar a ser, sobretudo, uma interpretação do "não dito”; ou seja: "la traduction est alors une herméneutique du sens caché ou oublié" (Y. de Andia,1975:177). Por outras palavras: tentar interpretar com fidelidade um sistema de signos - que só já inconscientemente é familiar - é como procurar ingloriamente na visceral escuridão do texto algumas das suas clareiras ainda porventura iluminadas. Com efeito, creio que os moriscos deveriam espreitar para os seus enunciados deste modo; isto é, tentando neles desvendar um último sentido ou um último reconforto que, pelo menos, dissimulasse o real desfasamento cultural e sobretudo a dramática disforia diária em que viviam.

 

6. A hibridez cultural e a descrição de um código possível.

 

As ‘clareiras’ a que acabamos de nos referir constituem talvez signos de auto-reconhecimento. Pode mesmo dizer-se que são marcas - presentes no texto - do modelo original (o Árabe) que se tentam recuperar (ou traduzir) a todo o custo. A. Galmés de Fuentes (1962:531) refere, a este propósito, que na "literatura morisca, una mentalidad semítica, para quién el Árabe es solo un modelo ideal y subconsciente, escribe en una lengua estragera". Mas esta dita língua estrangeira, como já se referiu, estava longe de ser pura. A língua morisca, digamos assim, registada nos textos aljamiados de Aragão, era, com efeito, um vernáculo carregado de "rasgos dialectales aragoneses" (R.Kontzi,1970:199) e sobre o qual a língua árabe, a nível de decalques lexicais, sintácticos e até estilísticos, exerce uma grande influência. Estamos perante o registo de um linguajar híbrido, distinto do castelhano que "entonces era considerado como lengua ideal" (ibid.:199) a nível peninsular[32]. O que ainda hoje se desconhece é se este vernáculo é reflexo directo da expressão linguística quotidiana dos moriscos, ou, se antes pelo contrário, corresponde "al habla general del Bajo Aragón" (ibid.:200) do século XVI.

É deste modo que se torna possível estabelecer uma íntima correspondência entre dois níveis da vital expressão morisca: por um lado, o carácter da sua cultura de tradução intersemiótica e, por outro lado, a língua desenvolvida endogenamente pela própria comunidade morisca; ambos os níveis têm uma só origem, ou seja, a quebra com o passado e a impossibilidade histórica de, entretanto, se ter conseguido reconstituir um novo horizonte identitário consistente e autónomo. É uma profunda estrutura de hibridez cultural que se configura como origem comum a estas duas contíguas manifestações moriscas, - seja a tentativa de traduzir toda uma cultura, seja a errância da língua natural a que inevitavelmente, para tal, se recorre.

Nesta linha de ideias, torna-se possível afirmar que a produçäo literária morisca é como que regulamentada por um autêntico código de hibridez cultural. Trata-se, porventura, de um código fluido, mas que se torna inteligível através de determinadas permanências. Procedendo a um breve inventário destas continuidades, verificamos, de facto, -

1) que, a nível semântico, a polissemia dos lexemas árabes não coincide, de modo nenhum, com a polissemia da palavras românicas correspondentes (ou tidas como tal). Este influxo, ou pressão, do modelo ideal sobre o vernáculo real dos moriscos vai inevitavelmente recriar o espectro semântico do léxico aljamiado. Se tal constitui um desfasamento do significado para um leitor, cuja língua-mãe é o castelhano, já para os moriscos constitui uma forma que se enquadra no seu próprio horizonte de expectativas[33];

2) que, a nível da formação das palavras, se recorre ao sistema castelhano, embora, muitas vezes, a palavra que o modelo ideal empresta - e que os moriscos tentam utilizar - seja de proveniência árabe. É assim que, por exemplo, a forma verbal árabe Khalaka (criar) origina o particípio khalekado na escrita aljamiada;

3) que, a nível sintáctico, há inúmeras construções que se decalcam do Árabe e que se manifestam à superfície do texto escrito no vernáculo aljamiado. Este aspecto tem sido amplamente estudado[34] e diz respeito ao uso de pronomes pessoais (por exemplo, na função de possessivo), do particípio presente, do valor nominal de particípios e infinitos, da paranomásia, do uso de partitivos, do recurso a formas pessoais para evitar indeterminações - ou, ainda, a decalques de estruturas semânticas de posse (Kâna+la ou inda originando haber+a) e a outras fórmulas sintácticas correntes no modelo ideal árabe (como mâ kâna min - O que tem...de, ou a perífrase ser+adjectivo em “...dor”), etc.

4) que se regista nos textos aljamiados uma presença de passagens intercaladas em língua árabe. Estas passagens dizem respeito a conceitos da esfera religiosa (a começar pela basmala que, geralmente, os inicia), conceitos do vocabulário profano, que surgem em contexto religioso (O.Hegyi,1978:308), e lexemas que se referem ao cómputo do tempo, regido pelo calendário lunar (M.Sánchez Alvarez (1981:446). É evidente que estas passagens estão estruturadas dentro de uma esfera conceptual particular, assumindo relações distintas "de las que poseían en su origen" (ibid.:443). Mais do que compreender o Árabe, o leitor morisco tem, face a estas passagens, uma expectativa que é devedora de um "superestrato religioso-cultural, con el qual está vinculado estrechamente en su calidad de lengua de culto" (O.Hegyi, 1978:304).

5) que há uma persistência de figuras discursivas, (sobretudo metalogismos[35]) reiteradas do Árabe, e intimamente ligadas ao que E.Shouby considera ser "the psychological influence of the Arabic language" (1951:295), nomeadamente: "overassertion and exaggeration" (ibid.:298), ou seja, grande frequência de hipérboles; "stereotyped emotional responses" (ibid.:297), isto é, tendência para um registo do patético-elegíaco, bem como das grandes evocações; "vagueness of Thought" (ibid.:290), ou seja, o significado da mensagem baseia-se, não em unidades, mas em estruturas de conjunto com pendor repetitivo; e, por último, uma grande frequência de estruturas antitéticas: "Arabic characterization aimed at an understanding of men through their contradictions, by pointing out qualities promising success and others leading to doom" (S.Goiten, 1975:8). Esta predicação antitética é particularmente funcional nos textos alegóricos. Sublinhe-se ainda, a nível da sintaxe das temáticas apresentadas, uma tendência acentuada para a miscelânea. Os temas sucedem-se nos manuscritos, sem aparente conexão global, o que para J.Hawkins (1988:12) reflecte "a concern with independent detail" e adquire entre os moriscos "the outward appearance of atomism through the antological style" (ibid.:12).

Seja como for, para terminar, deve afirmar-se que esta literatura aljamiado-morisca reflecte cristalinamente uma e muitas histórias que são também parte de um século ibérico que foi metaforizado pelo brilho do ouro. Neste caso, diria, sobretudo metaforizado pela opacidade desse mesmo ouro, já que é o fim de toda uma civilização na Península o que ela acaba por significar. Sendo que esta ordem do significado se produz no absoluto reverso do historicamente correcto, lugar esse que muitos ainda persistem em querer ignorar. Tal como Atena, na sua juventude, privou o adivinho Tirésias da sua vista, apenas por este a ter olhado enquanto se banhava.

 

 

 

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[1]-Conhecidos como Manuscritos de la Junta, encontram-se, hoje em dia, no Instituto de Filología del CSIC,Madrid-Manuscritos Árabes de la Junta. Originariamente, foram descobertos em Aragão, em Almonacid de la Sierra, no ano de 1884. Passaremos a designá-los pela inicial J, acompanhado com o número do respectivo Manuscrito.

[2]-Os Manuscritos da Biblioteca Nacional de Madrid, catalogados também por F.Guillén Robles (Catálogo de Manuscritos árabes), integram, na sua maioria, manuscritos aragoneses anteriores aos da Junta. Referenciaremos estas fontes através das siglas Ms.BNM, acopmpanhadas do número do manuscrito em causa.

[3]-Manuscrito aljamiado (excepto entre os fol. 88v e 189r, em árabe), já referenciado por E.Saavedra no apêndice aos Discursos leídos ante la Academia Española el 29 de deciembre de 1878, Madrid, e catalogado pelo autor como número sessenta. O Manuscrito da Biblioteca Nacional de Paris corresponde ao Manuscrito número 290 de Saint Germain de Près. Passaremos a a designá-lo através da abreviação Ms.BNP 774.

[4]-Segundo Louis Hjelmslev (1968), cada língua recorta do continuum físico sonoro uma dada forma. Esta forma consubstancia o sistema fonológico próprio de cada língua. O recorte, levado a cabo pelas culturas humanas, incide em todo o tipo de signos e não apenas nos linguísticos É o que o autor designa por forma de expressão. No caso concreto, a língua e os signos grafemáticos que os moriscos recortam do contínuo físico sonoro e do continuum grafemático disponível, constitui, portanto, parte da sua forma de expressão .

[5]-Conjunto de crenças, mitos, ou a "nebulosa cultural", em termos sausurreanos, ou ainda a “pensabilidade do mundo” segundo U.Eco (1981) que permite significar, numa dada cultura, os enunciados sígnicos. Ao contrário das teorias pan-semióticas, para L. Hjelmslev, a supra-semiótica não deve constituir objecto da análise semiótica.

[6]-A.Galmés de Fuentes refere-se a P.Zumthor (1972:12) na caracterizaçäo de tradicional. Ou seja, o texto é visto como uma produção (cf..Kristeva,1968:12) no sentido de uma harmoniosa cooperação de criações individuais, que durante gerações se reproduz de forma estável.

[7]-por exemplo Ms.BNM 5252 (fols. 4r) e J3 (fols. 122r,143r,148v,184r,199r e 231r).

[8]-Les Morisques Et Leur Temps - Table Ronde Internationale, 4-7 Juillet 1981, Montpellier. Ediçäo, 1983, Paris.

[9]-"Más importancia, desde el punto de vista tradicional, que la obra poética de los moriscos oferece su actividad prosaria"(A.Galmés de Fuentes, 1983:18). O autor, no entanto, refere-se aos zéjeles - enquanto género híbrido -e ao poeta morisco mais conhecido, Muhammad Rabadán, autor da Historia geneológica de Mahoma .

[10]-Ao contrário da literatura árabe, onde estas lendas orais surgem, na versão escrita, "en forma esquemática y fragmentadas con final trunco"(A.Galmés de Fuentes, 1983:18), a literatura aljamiado-morisca proporciona "leyendas populares con desarrollo y finales muy pormenorizados"(ibid.:18).

[11]-Nomeadamente El libro de las batallas, narraciones cabellerescas aljamiado-moriscas, 1975, Madrid.

[12]-Para o autor "les manuscrits de polémique sont peu nombreux". É sobre o tema da polémica islamo-cristã no século XVI ibérico o já clássico Morisques et Chrétiens - un affrontement polémique de L.Cardaillac (1977).

[13]-"En cuanto al contenido, los manuscritos traen leyendas, rogarias, alabanzas de Mahoma, disputas con judíos y cristianos, instrucciones para la lectura del Alcorán, temas gramaticales - sobre todo fonéticos -, reglas para la partición de herencias, medicina popular y fórmulas mágicas, a más de preceptos para el muslim en todas las situaciones imaginables de cada día" (R.Kontzi, 1970:198). Para C.López Morillas (1961:86):"Entre esta literatura en lengua aljamiada producida por los moriscos españoles desde la conquista de Granada hasta la expulsíon de 1609 predominan los textos religiosos"; finalmente, na opinião de O.Hegyi (1979:263), a literatura dos moriscos "of a predominantly religious and didactic character flourished mainly during the sixteenth century, and disappeared completely with their expulsion from Spain in 1608".

[14]-Segundo P.Guiraud (1973:115), os códigos sociais significam as relações no quadro social, constituindo o homem "o veículo e a substância do signo", sendo simultaneamente, em termos saussureanos, "o significante e o significado". O signo social, um signo de participaçäo, é o meio pelo qual a identidade e pertença a um grupo se manifesta, ao mesmo tempo que, nele, se "reivindica e institui essa pertença".

[15]-F.De Saussurre concebe o signo enquanto unidade psíquica e diática,remetendo a expressäo significante para um significado que a transcende. Esta concepção, que J.Derrida (1967), em De la Grammatologie, põe em consonância com a tradiçäo aristotélica em "De l'Interpretation (I, 16 a 3)"(ibid.:21), atribui à letra apenas "la matière extérieur à l'esprit, au souffle, au verbe et au logos"(ibid.:53). Assim, o grafema está condenado a uma permanente exterioridade, ou seja, torna-se apenas num significante de outro significante, ou no revestimento puro do fonema. Ao contrário das tradições semíticas, no Ocidente, e segundo J.Derrida, "la secondarité qu'on croit pouvoir réserver à l'écriture affecte tout signifié en général"(ibid.:16) pois "l'ordre du signifié n'est jamais contemporain"(...)"de l'ordre du signifiant".

[16]-Os outros seis elementos säo a penitência, o Éden, a "Géhenne", o Trono de glória, o Santo e o nome do Messias.

[17]-Trata-se de Ahmad b. Fâris Abú l-Husayn "(mort en 390 ou 395/1004) naquit à Kassâf ou Giyânâbâz"(...)"il fait partie selon la tradition des Kúfites qui fusionnèrent avec les Basrites dans l'école de Baghdâd" (H.Loucel,1964-II:253).

[18]-Referência ao século XV. Isâ b.Jabír, na introdução ao seu Breviario Sunni (Ms.Junta 12, escrito em 1462 -G.Wiegers,1990:156,n.7) justifica as razões pelas quais não redige a sua oba em árabe: a língua havia-se, de facto, já perdido.

[19]-Nomeadamente, L.Cardaillac, 1977:155; L.LopézBaralt, 1980:48; C.A.O. Van NiewenHuize, sd,248 e O. Hegyi 1979:267.

[20]-Säo esses fins os seguintes:(a) protecção contra o ferro (balas ou facas), (b) protecção contra o pássaro do azar, (c) para perturbar o espírito e as palavras de um adversário, (d) para se proteger contra a palavra (endereçada), (e) para se proteger contra as más intenções dos poderosos, (f) para fazer perigar os inimigos e (g) "pour émasculer l'ennemi qui a commis l'adultère avec votre femme" (C. Hamés,1987:311).

[21]-"The science of letters is a branch of gafr which was originally concerned with onomatomancy in the strict sense"(...)"among some esoteric sects, it became a sort of magical practice, to such an extent that Ibn Khaldún"(...)"gave it the name of símiyâ'"(...)"which is usually reserved for white magic"(E.I.,1971-III:595,Leiden).

[22]-Publicado (parcialmente) em R.Kontzi,1971:717-748 (fols. 216v-224v e 228v,6 - 230r). Os signos grafemáticos säo aqui utilizados, ritualizadamente, para que se obtenham determinadas graças; estas prescrições para curas e outras precauções face ao presente e ao futuro, são acompanhadas de textos que o morisco deve, simultaneamente, repetir.

[23]-"losh aljinesh".

[24]-"Ell-alíf esh nonb(e)re de Allâh, i (y)-el bâ la finkanza del -addín, i (y)-el jim la nobleza de Allâh i (y)-el dâl la ley de Allâh". O 'âlif é o nome de Allâh e o bâ'é a firmeza da religião e o Gím é a nobreza de Allâh e o dâl (é) a lei de Allâh".

[25]-É o caso do tashdíd, signo de geminaçäo árabe. Assim codificaram-se, por exemplo, os seguinte usos: b com tashdíd representa a variante surda do p; n com tashdíd representa a palatal nh etc...( Hegyi,1978:30-41).

[26]-Exemplos de taraidor, nuestoro ou garande, pois, em Árabe, duas consoantes seguidas em início de sílaba näo se enquadram na codificaçäo linguística instuída. Daí a necessidade de preencher com uma vogal (anaptítica) o espaço intra-consonântico inicial.

[27]-Exemplo extraído do manuscrito 774 BNP (M.Sánchez Alvarez,1982:81): piyadad, engustiya, etc...).

[28] Manuscrito descrito como “Ms. Gg 286 / antes 103”e assinalado no Indice general de la litertura aljamiada, em Memorias de la Real Academia Española - VI.1889:273, como sendo um “caderno de seis folhas com o exacto modo de prenunciar as letras árabes”.

[29]-"É funçäo dos códigos lógicos significar a experiência objectiva e a relação do homem com o mundo"(P.Guiraud,1973:65). Ou seja, neste âmbito, a relação lógica entre grafemas e fonemas pressupõe o acento sobre a função referencial, protegendo-a das interferências e ambiguidades de outras funções, nomeadamente a injuntiva, emotiva, etc. À partida a mensagem denotativamente produzida, por exemplo, pelo enunciado tashdíd mais n significa apenas (e logicamente a palatal nh): tal codificação impede a ambiguidade da significação.

[30]-Näo estamos, no entanto, face a um caso isolado. Por exemplo "no século VI, em Itália, começava a tornar-se problemático näo só o conhecimento do Grego, mas também do latim, e a situaçäo tornou-se praticamente obscura na Europa medieval, quando o Latim, embora permanecendo como língua de cultura, já näo era língua materna para ninguém: impôs-se, assim, a ideia de que qualquer texto escrito em Latim medieval era na realidade uma tradução."(G.Lepschy,1984:290/1).

[31]-Joseph Simon, na sua Filosofia da Linguagem (1990:73), analisa este problema da indeterminação da tradução, sob o pano de fundo do compromisso difícil entre culturas estranhas entre si:"...em línguas absolutamente estranhas é de todo incógnito em que é que os seus falantes crêem, isto é, de que certezas indubitáveis se constroem proposições que, diferentemente delas, podem ser verdadeiras ou falsas".

[32]-Até meados do século XIV o Galaico-português é a língua literária (românica) da Península Ibérica. As Cantigas de Santa Maria de Afonso X, o Sábio, são, por exemplo, redigidas nessa língua. Após os meados do século XIV, o Castelhano assume uma certa idealidade literária. Vários conhecidos autores portugueses, entre eles Gil Vicente e Luís de Camões (séc.XVI), têm textos em Castelhano.

[33]-Por exemplo a palavra árabe algazíra significa península e também ilha, conceitos que, em Castelhano, correspondem a palavras distintas . Daí que, para ambos os conceitos, os moriscos recorram à palavra isla (exemplos do Ms.774 BNP:"isla de España" - fol.278r;"isla de l-Andaluziya" - fol.396r).Sobre este assunto, cf.: R. Kontzi,1970:210.

[34]-Nomeadamente por A.Vespertino Rodríguez,1983:111-132; M.Sánchez Alvarez,1982:98-122; O.Hegyi,1971; A. Galmés de Fuentes,1962; A.Labarta,1981, entre outros autores.

[35]-J.Dubois (1970:33/34) situa o que designa "discours figuré" como uma sintagmática, onde é o valor lógico da frase é modificado através de figuras como a hipérbole, a antítese, o eufemismo, a ironia, ou o paradoxo.