Manual de Jornalismo

Anabela Gradim, Universidade da Beira Interior

Maio de 2000

4º de 6 ficheiros

(1/6, 2/6, 3/6, 5/6, 6/6)

 

6. A recolha de informação; 6.1. As fontes; 6.2. Ética e deontologia; 6.2.1.O código deontológico; 6.2.2.  Outras normas deontológicas; 6.2.3.Responsabilidade legal e moral; 6.3. Regras para a recolha de informação; 6.4. Regras para a realização de entrevistas.

 

6. A recolha de informação

6.1. As fontes

            Por fonte de informação entende-se qualquer entidade detentora de dados que sejam susceptíveis de gerar uma notícia [37] . A internet, uma base de dados, o Instituto Nacional de Estatística, o carteiro ou um polícia de giro são fontes de informação. Habitualmente, dividem-se as fontes de informação pela relação que estabelecem com o jornal: internas ou externas;  ou em relação ao seu próprio estatuto: oficiais ou oficiosas; e ainda em relação às suas características: humanas ou documentais.

            Nenhum jornal sobrevive sem fontes, e o perfil destas varia consoante a natureza e a área de implantação da publicação. “No mais pequeno povoado ou aldeia há sempre dois lugares que são as melhores fontes de notícias:  a taberna e a barbearia, óptimos locais de propagação das novidades da vizinhança [38] . Nas cidades e capitais as fontes de notícias de mais variada informação são, por exemplo, os partidos, as organizações populares, os ministérios, os hospitais, os bombeiros, as fábricas, as organizações sindicais, os aeroportos, etc.” [39] .

            Nuno Crato propõe uma excelente tipologia das fontes, dividindo-as entre fontes internas e externas à publicação. Por fontes internas entende em primeiro lugar os jornalistas da publicação, que através da investigação e da observação directa, quando escrevem, se transformam eles próprios em fontes.  O arquivo ou centro de documentação do jornal constitui igualmente uma fonte de informação de importância primordial, permitindo contextualizar acontecimentos, e mesmo dotar alguns deles de um sentido que, isoladamente, não teriam. Por último, são fontes internas as delegações e correspondentes que a maioria dos jornais possuem em localidades importantes relativamente afastadas da sede, ou mesmo, dependendo da dimensão do órgão, no estrangeiro.

            A delegação é como que uma sucursal do jornal, dispõe de sede e equipamento próprio e os jornalistas que nela trabalham fazem-no a tempo inteiro e têm um vínculo contratual sólido com a empresa. Os correspondentes são normalmente free-lancers que podem trabalhar para uma ou mais publicações, não dispõem de instalações pertencentes ao jornal na cidade onde habitam, podem ou não ser profissionais, e só muito raramente pertencerão aos quadros da empresa.

            Nas fontes externas ao jornal, Crato lista em primeiro lugar as restantes empresas informativas: agências e outros órgãos de comunicação social. As agências são empresas especializadas na produção de notícias e imagens que depois vendem aos seus clientes, dos quais os mais importantes são outros meios de informação: rádios, jornais, televisões.

            De um órgão de comunicação social a agência retém sobretudo a redacção e a forma de produzir as notícias — embora o ritmo de agência seja mais acelerado do que qualquer outro —; simplesmente, o produto noticioso que fabricam nunca chega a ser apresentado ao público autonomamente, é-o, sempre, através dos clientes da empresa, que são livres de tratar a informação recebida como muito bem entenderem, investigando-a em profundidade ou publicando-a como produto acabado.

            Como fonte, as agências são de importância fulcral para a vida de uma redacção — quer pelinformações que aí fazem chegar, e que são publicadas tout court, quer pelas pistas e auxílio que prestam na confecção de uma Agenda rica e equilibrada.

            Também os outros media se constituem como fontes de informação através das notícias que publicam. Nenhuma redacção que se preze deixará de fazer, através da Secretaria, escuta de rádio, noticiários televisivos, e leitura dos restantes jornais. Daqui os secretários de redacção tiram ideias para novos trabalhos, notícias e reportagens, e asseguram que nenhuma informação vital é perdida pela publicação. Sempre que a importância de um assunto noticiado noutro órgão o justifica, os jornalistas serão chamados a tratá-lo.

            Fontes externas são também as entidades oficiais — Assembleia da República, ministérios, juntas de freguesia, câmaras municipais, forças policiais — que se constituem como fontes quer porque produzem de facto imensa informação, sob a forma de press releases ou outra, que enviam para as redacções; quer porque nesses locais se sucedem acontecimentos potencialmente noticiáveis — caso das sessões de Câmara, Assembleias Municipais, votações na Assembleia da República; e que os jornalistas costumam acompanhar de perto.

            As fontes não oficiais são as colectividades, sindicatos, empresas, associações, clubes desportivos... em suma, todas as instituições não estatais que contribuem para a vida social e cultural do País. Também as entidades não oficiais produzem um número apreciável de notícias, ou acontecimentos,  que desejam ver divulgadas pelos media e que normalmente mantém ocupados muitos jornalistas.

            Os contactos pessoais do jornalista, as suas fontes privadas cuja confiança ele conquistou ao longo do tempo; e o público em geral, através de cartas, alertas, e telefonemas muitas vezes anónimos, contribuem também para o cabedal de informações diárias do jornal.

            Nas empresas que produzem material informativo diário uma fonte indispensável é a muito temida volta. A volta é uma lista de números de telefone, que pode facilmente chegar perto das duas centenas, e que contém os contactos de hospitais, corporações de bombeiros, aeroportos e forças policiais — PSP, Brigada de Trânsito, Guarda Fiscal, GNR e Polícia Judiciária — da região onde o jornal está implantado. A tarefa de quem faz a volta é ligar, três vezes por dia — manhã, princípio e final da tarde — para esses números, e indagar se há novidades. É na volta que se apanham a grande maioria dos casos do dia: apreensões, incêndios, acidentes de viação, intoxicações alimentares, rixas... e este trabalho, humilde e pouco criativo, fica normalmente a cargo da secretaria de redacção, ou dos jornalistas mais jovens.

            A selecção e o acesso às fontes é de uma importância fundamental para qualquer publicação. Como Daniel Ricardo explica, de forma lapidar: “O método fundamental de investigação em jornalismo consiste em perguntar [40] , as coisas certas às pessoas certas. Para produzir trabalhos de qualidade e jornalisticamente relevantes é essencial saber como e que fontes localizar, escolhendo-as criteriosamente em função do trabalho que se tem para realizar.

            Uma boa fonte deve ser, entre outras coisas, competente e qualificada para se pronunciar àcerca do assunto sobre que é convidado a falar. Quem aquilata da competência, qualificação e relevância de uma fonte é sempre o jornalista, e este sabe que não pode falhar sistematicamente na sua identificação. Um catedrático de Filosofia Medieval é uma fonte qualificada para falar da vida e percurso intelectual de Santo António de Lisboa; mas não o é para se pronunciar sobre pormenores técnicos do desabamento de um muro na igreja com o mesmo nome. É claro que pode eventualmente fornecer opiniões interessantes e bem vendáveis, mas a sua competência no assunto é idêntica à de qualquer transeunte.

            Aspecto importante a ter em conta quando se fala de fontes é que, à medida que a importância e relevância social dos media foi crescendo, começaram a surgir fontes “profissionais”, especializadas em lidar com jornalistas. É o caso dos profissionais de relações públicas, bem assim como dos assessores de imprensa — uns e outros muitas vezes recrutados entre ex-jornalistas experientes — os quais tudo farão para, ao constituirem-se como fontes, passarem através dos media determinadas mensagens. 

            Se é certo que estes profissionais jogam quase sempre com os interesses do jornalista, o trabalho que desempenham é fundamental para as redacções. Não podem é estas fontes oficiais serem tomadas como únicas em assuntos que envolvam desfavoravelmente as pessoas ou instituições de que estão a soldo — nesses casos o seu objectivo é sempre filtrar e de alguma forma manipular a informação difundida. Agora, o jornalista sabe-o, e deverá saber igualmente muito bem como se defender disso.

            Além do mais, deve ter em mente que nenhuma fonte, profissional ou não, é absolutamente desinteressada. Todas falam a partir de um determinado lugar, que determina o seu ponto de vista, e podem ser movidas pelas mais diversas motivações. É excelente, em quaisquer circunstâncias, ter presente que fontes não são desinteressadas, mesmo as não profissionais - os motivos podem ser os mais variados: políticos, pessoais, profissionais, auto-promoção, conquista de benefícios directos ou indirectos (nos casos de realojamentos, protestos em concursos públicos  ou atribuição de subsídios...), ou ainda, pura e simplesmente, vaidade.

            Se este aspecto é natural, e profundamente humano — também o jornalista quando procura as fontes tem interesses e motivações que podem variar — ele recomenda alguma prudência ao lidar com as fontes. Nem se defende aqui a versão cínica — tudo se resumiria a uma troca de interesses que se materializam na forma de informações e notícias. Há pessoas, e jornalistas, genuinamente animados de boas intenções, como sejam informar competentemente e com verdade, e cumprir escrupulosamente as regras básicas da deontologia e escrita jornalísticas.

            No entanto, e mesmo sem intenção directa de manipular (embora muitas vezes este aspecto também esteja presente), muitas fontes, pelo lugar que ocupam relativamente ao acontecimento que se quer noticiar, tendem a produzir, intencionalmente ou não, versões parciais do mesmo. O jornalista atento saberá constituir uma topologia das fontes, isto é, avaliar friamente a posição a partir da qual estas dão informações, aquilatando o seu peso e real valor.

            E é por esta razão que em todos os assuntos que envolvam questões sociais, desacordos ou controvérsia  o jornalista não se pode limitar aos dados fornecidos por uma única fonte. Pelo contrário, deve ouvir o máximo de pessoas envolvidas no caso, o que o ajudará a relativizar as primeiras informações recebidas, reproduzindo o máximo possível de informações que conseguiu obter àcerca do caso.

                        Um motorista de táxi atropelou uma criança de seis anos porque seguia em excesso de, diz um vizinho? Essa informação precisa necessariamente de ser confirmada, falando com mais testemunhas, com o próprio condutor, e ainda com a polícia, que no auto do acidente, e pelas marcas de travagem no pavimento, já deve ter uma ideia razoável do que se passou. É evidente que se a vítima estiver em condições de ser ouvida, também deverá sê-lo: pode muito bem dar-se o caso de que a criança, que não devia andar a brincar na rua sem vigilância, se tenha literalmente atirado para debaixo do carro quando perseguia uma bola... e que a família, em choque, se recuse a admiti-lo.  Muito importante, também, é que este trabalho de confirmação de dados deve ser realizado com tacto e sensibilidade, para não perturbar injustamente as pessoas na sua dor.

            Outro caso paradigmático, e recorrente em Portugal, são as greves. Nenhum jornal pode nunca acreditar e publicar somente uma versão dos números de adesão de trabalhadores a uma greve, simplesmente porque os dados fornecidos pelos sindicatos nunca coincidem com os que são apurados pelas entidades patronais — e às vezes o desvio é uma diferença abissal. É possível a um jornalista confirmar os números da adesão a uma greve dos trabalhadores da Função Pública? Evidentemente que não. Para começar, nem o próprio Estado Português tem exactamente a certeza de quantas pessoas estão ao seu serviço. O que deve pois fazer é publicar os dados fornecidos por uma e outra parte da querela.

            Depois há uma outra classe de informações que é inútil confirmar, simplesmente porque são oficiais. A Macintosh lançou um novo portátil e divulga as suas características num folheto? Os Serviços Académicos da UBI emitem um comunicado alargando o prazo de pagamento das propinas? Nestes casos — e a não ser que houvesse razões fundamentadas para suspeitar da autenticidade dos documentos —, nada há a confirmar, e é ridículo fazê-lo. O jornalista pode é tentar obter reacções ao que é anunciado, falando com alunos, professores e Associação de Estudantes, por exemplo, no caso das propinas.

            Seleccionadas, localizadas e avaliadas as fontes, alguns princípios devem ser seguidos no relacionamento que o jornalista estabelecerá com elas.

            Em primeiro lugar, a recolha de informação deve ser sistemática, rigorosa, todos os dados —  especialmente em assuntos delicados — devem ser cuidadosamente verificados e, se possível, quando não houver testemunho directo por parte do jornalista, confirmados por outras fontes.

            O jornalista deve recolher sistematicamente a informação de que vai necessitar na realização do trabalho, e por isto, entende-se que deve ter já pré-definido quem, quando, e por que ordem contactar para construir uma notícia. Mas não só. Também deve saber do que anda à procura, e preparar cuidadosamente as entrevistas a realizar, documentando-se e esboçando mentalmente as perguntas que deseja ver respondidas, sob pena de poder vir a ser manipulado. As fontes que inicialmente previu contactar podem depois remetê-lo para novos contactos, de que não se tinha lembrado ou desconhecia. Não é hora entrar em greve de zelo. Deve, caso o assunto o justifique, realizar também esses contactos.

            As fontes, sem exepção, devem ser citadas, e todas as informações que prestam devem claramente ser-lhes atribuidas no corpo do texto, sob pena de o jornalista, e o jornal, fazerem suas as afirmações produzidas.

            Sempre que uma fonte se recuse, por motivos fundamentados, a ser identificada, o jornalista pode ainda assim publicar essas informações, desde que estas sejam suportadas por documentos oficiais, fornecidos pela fonte, e cuja autenticidade foi verificada. Não pode é confiar cegamente numa fonte deste tipo, e deve sempre confirmar as informações recebidas. Casos destes, porém — pela delicadeza que envolvem — deverão ser discutidos com as chefias, e constituirão sempre excepções.

            Muito semelhante a isto é o  off the record, em que a fonte não pode ser identificada, e as informações que presta não podem ser publicadas. O off the record serve, por exemplo, para que o jornalista tente confirmar as informações recebidas por meio de outras fontes — isto é, começar a investigar. Em todo o caso, deve ser rigorosamente respeitado, quer a fonte passe para off the record antes, ou depois de tornar a informação conhecida.

            Rigorosamente respeitados, também, serão os embargos. As agências, e por vezes algumas fontes, enviam para as redacções certo tipo de informações com a indicação de “embargo até às x horas”, e tal significa que esse texto não pode ser utilizado, nem publicado, até a fonte que o emitiu levantar o embargo. Normalmente, tratam-se de acontecimentos que ainda não se produziram, e é necessário esperar pela hora em que ocorram para poderem ser noticiados como tendo ocorrido. A concorrência feroz entre os media já levou, em Portugal, à quebra de embargos. Caso, por exemplo, do discurso de José Saramago na entrega do prémio Nobel da Literatura, cujo texto foi distribuído antes da cerimónia. Independentemente das justificações oportunistas e mais ou menos bem construídas que possam ser dadas para sucessos deste tipo, o incumprimento de um embargo deve ser considerado uma falta profissional grave, que queima e arruina as relações com a fonte, e com os restantes profissionais de comunicação; para, feitas as contas, magro ganho.

            É necessário também um especial cuidado com as rotinas e as relações que se estabelecem com as fontes. Esses contactos nunca devem ser de demasiada proximidade-promiscuidade. É terrível, mas estudado, ver o presidente de um Governo Regional tratar na televisão o jornalista que o entevista por “tu”. Talvez este profissional não tenha culpa, talvez o político o conheça desde pequeno, mas a imagem que fica nos espectadores é de imediata suspeição e falta de credibilidade do jornalista.

            As fontes devem ser tratadas com cordialidade e cortesia, num certo sentido, cultivadas; mas há barreiras, e limites, que o jornalista deve impôr na sua relação com elas, e não permitir nunca que sejam ultrapassadas. Isto é, por mais simpatia e bom relacionamento que um jornalista mantenha com a fonte, esta deve saber claramente que a relação é estritamente profissional, e que o jornalista, ouvindo-a, se reserva também no direito de ouvir quem mais bem entender, redigindo o seu trabalho com total autonomia e independência.

            Em acontecimentos imprevisíveis, ou em condições de reportagem difíceis, há a tendência para os profissionais de comunicação se fundirem em pool — as vantagens são imensas, e muitas vezes esta é a única maneira, pela partilha de meios, de conseguir noticiar convenientemente um acontecimento. Mas não se deve, por preguiça, abusar disso.

            É injusto, mas é verdade: em acontecimentos imprevisíveis, o factor sorte pode ser crucial para a realização de um bom trabalho. O jornalista que chegou atrasado a uma tragédia pode ser o único a chegar à fala com a testemunha crucial do acontecimento... ou não.

            Um jornalista consciencioso, e um bom profissional, não tem necessidade de secar deliberadamente uma fonte, ou seja, impedir, por algum meio, que outros jornalistas a ela acedam. Este procedimento pratica-se algumas vezes, sobretudo em termos de imagem. É, por exemplo, chegar à Póvoa do Varzim, onde houve um naufrágio, e arrebatar todas as fotografias das vítimas, com a promessa de vir a devolvê-las à família. Seria muito mais simples reproduzir simplesmente as imagens, ou levar só as melhores.

            Proceder assim é errado por duas ordens de razões: é ser um péssimo colega para os jornalistas de outros media encarregues do caso — e eles não vão esquecer-se disso; e é um pecado contra o jornalismo em si, porque informar é um serviço de utilidade pública e quem seca uma fonte impede os outros jornais de informarem.

            Uma outra forma, ainda menos inteligente, de secar fontes, é tratá-las indevidamente — quebrando embargos, desrespeitando um off the record, publicando uma conversa que se ouviu à socapa num restaurante, pedindo emprestados materiais que não se devolvem, ou, por qualquer forma, enganando a fonte na sua boa fé — fazendo com que jamais voltem a dar informações a esse jornalista, ou mesmo ao órgão de comunicação social que representa.

            Por outro lado, é evidente que o jornalismo é uma profissão competitiva, de grande pressão e exposição pública. Um jornalista não é uma irmãzinha da caridade, e um bom profissional deve ser brioso, empenhar-se e lutar pelas suas cachas [41] . Mas também deve ser, sem excepção, cortês e prestável para com os colegas. Colaborar com eles sempre que tal não prejudique o trabalho que se está a realizar. A regra em tais casos — um pedido de auxílio de um colega — é fornecer toda a informação que já é do domínio público, foi transmitida numa conferência de imprensa, por exemplo;  e guardar as cachas, ou a ideia de uma boa fonte que se pensa contactar a posteriori. Também não faz qualquer sentido ocultar informação que se sabe virá a ser pública — um telex de agência que o jornalista já tem, e a que sabe que o colega acederá quando chegar à sua redacção.

            A  Lei de Imprensa estabelece alguns princípios em relação às fontes, nomeadamente, garantindo aos jornalistas “a liberdaade de acesso às fontes de informação, incluindo o direito de acesso a locais públicos e respectiva protecção”, bem como “o direito ao sigilo profissional”, que garante a possibilidade de, nem mesmo em juízo, o jornalista revelar as suas fontes confidenciais.

            Estes aspectos são depois regulamentados em pormenor no Estatuto do Jornalista. Este, no Artigo 8º estabelece que:

            “1. O direito de acesso às fontes de informação é assegurados aos jornalistas:

            a) Pelos órgãos da Administração Pública (...)

            b) Pelas empresas de capitais total ou maioritariamente públicos, pelas empresas controladas pelo Estado,  pelas empresas concessionárias de serviço público ou do uso privativo ou exploração do domínio público e ainda por quaisquer entidades privadas que exerçam poderes públicos ou prossigam interesses públicos (...)

            2. (...)

            3. O direito de acesso às fontes de informação não abrange os processos em segredo de justiça, os documentos classificados ou protegidos ao abrigo de legislação específica, os dados pessoais que não sejam públicos, os documentos que revelem segredo comercial, industrial ou relativo à propriedade literária, artística ou científica (...)

            4. (...)

            5. (...)

Artigo 9º

Direito de Acesso a locais públicos

            1. Os jornalistas têm direito de acesso a locais abertos ao público desde que para fins de cobertura informativa.

            2. O disposto no número anterior é extensivo aos locais que, embora não acessíveis ao público, sejam abertos à generalidade da comunicação social.

            3. Nos espectáculos ou outros eventos com entradas pagas em que o afluxo previsível de espectadores justifique a imposição de condicionamentos de acesso poderão ser estabelecidos sistemas de credenciação de jornalistas por órgão de comunicação social.

            4. (...)

Artigo 10º

Exercício do direito de acesso

            1. Os jornalistas não podem ser impedidos de entrar ou permanecer nos locais referidos no artigo anterior quando a sua presença for exigida pelo exercício da respectiva actividade profissional, sem outras limitações além das decorrentes da lei.

            2. (...)

            3. Nos espectáculos com entradas pagas em que os locais destinados à comunicação social sejam insuficientes, será dada prioridade aos órgãos de comunicação de âmbito nacional e aos de âmbito local do concelho onde se realiza o evento.

            4. Em caso de desacordo (...) qualquer dos interessados pode requerer a intervenção da Alta Autoridade para a Comunicação Social (...)

            5. Os jornalistas têm direito a um regime especial que permita a circulação e estacionamento de viaturas utilizadas no exercício das respectivas funções (...)

 

Artigo 11º

Sigilo Profissional

            1. Sem prejuízo do disposto na lei processual penal, os jornalistas não são obrigados a revelar as suas fontes de informação, não sendo o seu silêncio passível de qualquer sanção, directa ou indirecta.

            2. Os directores de informação dos órgãos de comunicação social, bem como qualquer pessoa que nela exerça funções, não podem, salvo com autoriação escrita do jornalista envolvido, divulgar as suas fontes de informação, incluindo os arquivos jornalísticos de texto, som ou imagem das empresas, ou quaisquer documentos susceptíveis de as revelar.

            3. Os jornalistas não podem ser desapossados do material utilizado ou obrigados a exibir os elementos recolhidos no exercício da profissão, salvo por mandado judicial e demais casos previstos  na lei.

            4. (...)”

            Todavia, apesar destas excelentes declarações de intenções por parte do legislador, o que vigora de facto em Portugal na Administração Pública é a lei da rolha, e muitas vezes é extremamente penoso, e difícil, obter informações perfeitamente banais e anódinas junto de certos serviços públicos.

            Em largos casos por puro comodismo, ou ainda por existir uma estrutura hierárquica demasiado rígida dentro da instituição, o jornalista vai sendo chutado para cima - chefe de serviço, director, director-geral, e por aí fora... de forma que, para saber as horas no Instituto de Emprego e Formação Profissional, pode ser necessário telefonar ao respectivo ministro! Sempre que se verifiquem situações deste tipo, a raiar o absurdo, o jornalista deve desassombradamente fazer valer os seus direitos — e entre esses incluem-se o perguntar, e sugerir publicar, porque é que o tal responsável que só ele pode prestar as informações, nunca está. Aparecerá imediatamente ou delegará a tarefa. 

 

6.2. Ética e deontologia

6.2.1.O código deontológico

            O código deontológico dos jornalistas foi aprovado pelo sindicato dos jornalistas. Conciso e bastante completo, estipula nos 10 pontos que o compõem, e de forma muito clara, os princípios deontológicos a atender pelos jornalistas e candidatos a jornalistas:

            1. O jornalista deve relatar os factos com rigor e exactidão e interpretá-los com honestidade. Os factos devem ser comprovados, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso. A distinção entre notícia e opinião deve ficar bem clara aos olhos do público.

            2. O jornalista deve combater a censura e o sensacionalismo e considerar a acusação sem provas e o plágio como graves faltas profissionais.

            3. O jornalista deve lutar contra as restrições no acesso às fontes de informação e as tentativas de limitar a liberdade de expressão e o direito de informar. É obrigação do jornalista divulgar as ofensas a esses direitos.

            4. O jornalista deve utilizar meios leais para obter informações, imagens ou documentos e proibir-se de abusar da boa-fé de quem quer que seja. A identificação como jornalista é a regra e outros processos só podem justificar-se por razões de incontestável interesse público.

            5. O jornalista deve assumir a responsabilidade por todos os seus trabalhos e actos profissionais, assim como promover a pronta rectificação das informações que se revelem inexactas ou falsas. O jornalista deve também recusar actos que violentem a sua consciência.

            6. O jornalista deve usar como critério fundamental a identificação das fontes. O jornalista não deve revelar, mesmo em juízo, as suas fontes confidenciais de informação, nem desrespeitar os compromissos assumidos, excepto se o tentarem usar para canalizar informações falsas. As opiniões devem sempre ser atribuídas.

            7. O jornalista deve salvaguardar a presunção de inocência os arguidos até a sentença transitar em julgado. O jrnalista não deve identificar, directa ou indirectamente, as vítimas de crimes sexuais e os delinquentes menores de idade, assim como deve proibir-se de humilhar as pessoas ou perturbar a sua dor.

            8. O jornalista deve rejeitar o tratamento discriminatório das pessoas em função da cor, raça, credos, nacionalidade ou sexo.

            9. O jornalista deve respeitar a privacidade dos cidadãos excepto quando estiver em causa o interesse público ou a conduta do indivíduo contradiga, manifestamente, valores e princípos que publicamente defende. O jornalista obriga-se, antes de recolher declarações ou imagens, a atender às condições de serenidade, liberdade e responsabilidade das pessoas envolvidas.

            10. O jornalista deve recusar funções, tarefas e benefícios susceptíveis de comprometer o seu estatudo de independência e a sua integridade profissional. O jornalista não deve valer-se da sua condição para noticiar assuntos em que tenha interesses.

 

 

6.2.2.  Outras normas deontológicas

            As regras propostas no código deontológico, que deverão ser seguidas na íntegra, podem ainda ser complementadas com um conjunto de boas práticas, que mais não são do que especificações do próprio código, e particularizações do espírito do que aí está consignado.

            Assim, o jornalista deve recusar-se a noticiar suicídios, excepto quando estes ocorreram em locais públicos, e sejam já do conhecimento da comunidade em geral. O que é um lugar público? Atirar-se da ponte sobre o Douro, entrar em contramão numa auto-estrada, ou deixar-se apanhar por um comboio é distinto de ferir-se mortalmente em casa. Em todo o caso, os familiares deverão sempre ser respeitados na sua dor, evitando-se perturbá-los injustamente ou por motivos fúteis.

            Corolário do princípio de presunção de inocência dos arguidos até ao trânsito em julgado da respectiva sentença é que, por exemplo, em casos de polícia, os acusados não devem ser identificados de forma a poderem ser reconhecidos. Estes são processos pouco mediáticos — se vier a ser considerado inocente, ou não for sequer acusado, o ladrão, carteirista, ou o que quer que seja,  já não verá o caso noticiado nos jornais, e entretanto poderão ter-se produzido danos irreparáveis na sua reputação.

            Pelas mesmas razões, deve ser considerada muito grave a identificação de “menores delinquentes”, mas não só — deve recusar-se a identificação, através de informações ou imagens, de qualquer menor envolvido em situações desfavoráveis, e cuja identificação possa determinar negativamente o seu futuro, constituir uma invasão de privacidade ou uma humilhação pública. “António Pedro Bastos, de 13 anos, (segue-se a fotografia do dito), começou a cheirar cola aos 9, e hoje vive num carro abandonado na zona do Bairro S. João de Deus”  ou “Pedro tem seis anos, vive com as irmãzinhas da caridade, estuda na segunda classe e é um excelente aluno. Mas teve um mau começo. Às duas semanas, a mãe, prostituta e toxicodependente, abandonou-o numa casa de banho pública” são, passe o exagero, práticas abjectas: são-no em si, e ainda por uma outra e subtil razão: estas crianças não têm quem as defenda e a violação do seu direito ao bom nome não vai ser alvo de queixa nem punida — isto é, não trará problemas.  O jornalista jamais se atreveria, e sabe-o muito bem, a noticiar um caso semelhante ocorrido com um filho-família com um nome com 10 apelidos, o que torna tudo ainda mais sórdido.

            Também as vítimas de crimes sexuais, homens ou mulheres, maiores ou menores de idade, não devem ser identificadas.

            O jornalista deve igualmente evitar a todo o custo as metonímias generalizadoras de etnias, religiões, grupos sociais ou profissionais: o cigano, africano, muçulmano, que realizou um assalto à mão armada, não deve ser referido dessa forma desprestigiante para toda a comunidade. Afinal, também não se diz “o traficante, lisboeta de raça branca” quando é o caso.

            O jornalista deverá sempre distinguir cuidadosamente as pessoas, das ideias que defendem ou dos actos que eventualmente praticaram

            Absolutamente de parte está igualmente a incitação à violência, ao ódio racial, à subversão da ordem pública ou à prática de quaisquer crimes.

            Por outro lado, não se relacionam criminosos com pessoas públicas conhecidas, excepto quando tal tenha relevância no crime cometido ou na actuação das pessoas em causa. Isto é, uma figura pública com 50 anos de vida impoluta e dedicada não deve ser ligada ao sobrinho toxicodependente que roubou um auto-rádio. Agora, se falamos do irmão de um ministro, que ganhou de forma escusa o concurso para a realização de vultuosas obras públicas para o ministério tutelado por esse familiar, e que, após investigações, foi acusado pelo Ministério Público; essa ligação, embora salvaguardando a presunção de inocência dos envolvidos, pode ser realizada.

            Por último, não se divulgam cadastros de figuras públicas senão quando tal é de manifesto interesse público.

 

6.2.3.Responsabilidade legal e moral

            Os jornalistas podem ser responsabilizados legalmente por crimes cometidos no exercício da sua profissão, sendo que, os mais comuns, são o abuso de liberdade de imprensa, difamação e quebra do segredo de justiça.

            Todavia, uma prática ética consequente e o cumprimento rigoroso da deontologia profissional ultrapassam quase sempre as responsabilidades legais que lhe poderão ser imputadas.

Há práticas que são profundamente anti-éticas, ainda que não venham ou não possam  ser alvo de punição legal, e devem ser liminarmente rejeitadas. Caso, por exemplo, de violar o código deontológico relativamentes a pessoas demasiado humildes, ou simplesmente indefesas, para fazerem valer os seus direitos. Ou, ainda, a pequena ficção humorística — atirar a pedra escondendo a mão —  que é achincalhante para os visados, ou de alguma forma diminui qualquer dos seus direitos, mas que em juizo se revelaria impossível provar quem são esses mesmos visados — e por isso não é objecto de queixa.

            O jornalista deve ter sempre presente que é moralmente responsável pelos seus trabalhos, e que pode pecar, por excesso ou omissão, mesmo que daí não advenham consequências legais para a publicação.

            Deve ser o primeiro e o mais atento vigilante das suas próprias práticas, porque um erro cometido num jornal dificilmente poderá ser reparado. Ao noticiar uma falsidade, ou de alguma forma prejudicar injustamente alguém, dificilmente poderá reparar o mal feito. Nem todas as pessoas que leram a notícia falsa lerão o desmentido da mesma; e muitas, mesmo fazendo-o, não ficarão convencidas, e guardarão sempre uma natural suspeição relativamente a essa figura.

Por outro lado, no espaço que medeia entre um erro e a sua rectificação — ainda que esta fosse eficaz a 100 por cento —, tudo o que se passou, risos, ostracismo, ridículo, suspeição, desconfiança; já se passou, e jamais poderá ser retirado da história pessoal da vítima e seus familiares.

           

 

6.3. Regras para a recolha de informação

            A recolha de informação é um passo fundamental para a elaboração de qualquer notícia. Por mais talento e prática de escrita que o jornalista tenha, se falhou a recolha de dados coloca em perigo todo o trabalho, simplesmente porque sem informação cuidadosa e sistematicamente recolhida não possui matéria prima para trabalhar.

            Pelo contrário,  se recolheu competente e conscienciosamente os dados necessários para a elaboração do trabalho que tem em mãos, e se encontrar em dificuldades na redacção do mesmo,  pode sempre ser auxiliado nessa tarefa por um editor ou um outro jornalista.  Falhando o propósito da recolha, ou passando ao lado da notícia, é que se encontrará numa situação irremediável, porque uma vez na Redacção, nem toda a boa vontade do mundo poderá auxiliá-lo.

            Algumas regras devem ser seguidas na recolha de informações, a primeira, absolutamente óbvcia, e tantas vezes negligenciada, é permanecer sempre no local até ao final dos acontecimentos. Porquê? Por mais previsível e entediante que o acontecimento pareça, podem sempre surgir imprevistos que são o mais importante da notícia. O jornalista que saiu 10 minutos antes do final de um jogo de futebol pode perder as cenas de violência e as detenções que se lhe seguiram. Depois, nada há a fazer, excepto admitir o erro. Não quererá, como o célebre Repórter X, que falhou o assassinato do Sidónio Pais, ter de inventar que o presidente lhe morreu nos braços e que recolheu as suas últimas palavras: “Morro eu, mas salva-se a pátria”; quando é certo que Pais morreu sem ter tido oportunidade de lançar sequer um suspiro.

            Por razões semelhantes, isto é, porque os acontecimentos, por mais previsíveis que pareçam, podem não se produzir — quem pode garantir que o sol se levantará amanhã? — deverá respeitar escrupulosamente os embargos [42] .

            Sempre que tal for relevante para a história que tem para contar, deverá noticiar as circunstâncias de produção da notícia, ou mesmo do próprio acontecimento. Isto porque, embora esta tendência seja relativamente recentemente, cada vez mais a presença dos media, especialmente das televisões, no local de um acontecimento — uma manifestação ou um corte de estrada — pode influenciar, e isto sem qualquer interferência dos jornalistas, o curso do próprio acontecimento.

            Consequência natural deste princípio é que o jornalista não deve provocar acontecimentos, quer eficientemente, quer através das perguntas que formula. Isto é, se o corte de uma linha férrea por populares acaba por redundar numa manifestação pouco animada e sem comvicção, não lhe compete de todo incitar o povo a retirar carris da via e tocar os sinos a rebate para chamar mais gente. Por outro lado, não pode dirigir-se a um secretário de Estado informando-o que um ministro achara a sua acção numa dada matéria pouco competente — o que é falso —; esperar que a vítima apelide o ministro de mentecapto; e a seguir informá-lo disso mesmo, criando um caso político. 

            Além disso, um profissional sabe o que anda a fazer. Não pode passar ao lado do coração dos acontecimentos, noticiando pormenores e esquecendo o essencial. Exemplos? Quando a Telepac lançou um pop de acesso à internet numa cidade do interior do País — que permitiria obter ligações ao preço de uma chamada local, enquanto até aí os netófilos se ligavam a Coimbra, com custos incomportáveis — , teve o gesto simpático de realizar também um sorteio entre os então parcos utilizadores do serviço, oferecendo uma televisão, um telemóvel, e quinquilharia do género. Onde está aqui notícia? Não é certamente aquela que uma rádio local noticiava em título: “O Sr. António Martins acaba de ganhar um televisor!”.

            Recentemente Portugal tem sido abalado por um vírus que prolifera incontrolavelmente: a conferencite de imprensa aguda. Por tudo, e por nada, políticos, empresas, associações, particulares, decidem convocar conferências de imprensa. Muitas vezes sem que se vislumbre qualquer assunto noticiável, ou então encobrindo acções de propaganda e promoção pessoal. O jornalista saberá seleccionar, entre as miríades de press releases e anúncios de conferências de imprensa, aqueles que são verdadeiramente importantes, negligenciando os demais.

            Regra de ouro que ninguém desconhece é que é imprescindível ouvir sempre, com isenção e rigor, todas as partes envolvidas num conflito, e apresentar as suas versões de forma equidistante e sem emitir juizos de valor, ou, de alguma forma, favorecer uma das partes.

 

 

6.4. Regras para a realização de entrevistas

            A grande maioria das informações recolhidas pelo jornalista são-no através de entrevistas, que depois, durante a fase de escrita, podem ser transformadas em qualquer um dos géneros jornalísticos: notícia, reportagem, faits-divers... Por vezes não é fácil abordar tantas e tão diferentes pessoas de entre os milhares que o jornalista entrevistará ao longo da sua carreira, mas esse contacto humano tão diversificado constitui precisamente um dos factores mais atractivos e de maior riqueza da profissão.

            § O primeiro aspecto a atender durante a realização de uma entrevista é a proxémica — para todos os efeitos, o jornalista é um estranho, e deve evitar invadir o espaço do seu interlocutor, deixando-o desconfortável e pouco à vontade.

            § As entrevistas são presenciais, exigem contacto directo com a fonte, pela simples razão de que numa entrevista realizada por telefone, ou por escrito — as quais não estão vedadas, mas devem constituir excepção — se perdem todos os pormenores que constituem a riqueza pragmática do encontro.

            § A presença do jornalista é discreta e low profile, já que este evitará intimidar o entrevistado.

            § Por regra, não não se apresentam questões prévias, nem se aceitam entrevistas respondidas por escrito. O entrevistado deve ser informado com clareza do tema sobre o qual o trabalho o versa, mas não das perguntas em concreto. É que ao utilizar este método, perde-se toda a espontaneidade, o efeito surpresa e a possibilidade de descobrir novas informações durante a entrevista .

            § Durante a fase de redacção do trabalho, o discurso do entevistado será forçosamente reescrito, por causa das diferenças entre a oralidade e a linguagem escrita — por mais culto que seja o entrevistado, o seu discurso terá de sofrer adaptações. O importante é que o texto seja fiel àquilo que o entrevistado revelou, não à letra do que foi dito.

            § Sempre que possível, as entrevistas deverão ser preparadas com antecedência, devendo o jornalista documentar-se o mais possível sobre o tema. Isto deverá ser complementado com uma outra atitude: manter-se atento para o surgimento de novos temas e questões na sequência das respostas dadas pelo entrevistado.

             § No caso dos jornalistas de imprensa, o uso do gravador deve ser excepcional, reservando-se para a entrevista pergunta-resposta, em que há a preocupação de reproduzir ipsis verbis as palavras do entrevistado. Em todas as outras situações, o uso de um bloco de notas revela-se uma escolha mais acertada, já que a informação assim recolhida é muito mais fácil de manipular, o jornalista deixa de estar sujeito a contingências técnicas, uma caneta intimida menos que um gravador, e durante a redacção do trabalho poupa-se muito tempo que pode vir a ser precioso para outras tarefas. Mesmo assim, quando for utilizado um gravador, deve, no final da entrevista, realizar-se um teste de som, ouvindo algumas palavras do entrevistado. Não raras vezes, pelas razões mais improváveis — falha mecânica, falha de pilhas, um pause inconveniente — o jornalista verifica, ao chegar à Redacção, que a máquina não registou uma única palavra do que foi dito.

            § É necessário prestar a maior atenção ao que o entrevistado diz. Este, que normalmente foi solicitado pelo jornalista, tem direito a 100 por cento da sua atenção; não só por cortesia e boa educação, mas também por motivos práticos — muitas vezes as respostas do entrevistado são ponte para novas perguntas, novos assuntos. O jornalista que registe desinteressadamente (“fale aqui para o gravador, enquanto eu vou ali tomar um café e já venho”) o material que recolhe pode perder informação preciosa que depois não consiga recuperar.

            § O jornalista deve expressar-se com simplicidade, e apresentar-se de forma modesta perante os entrevistados, mas nunca subserviente. Deve deixar uma impressão de segurança e tranquilidade, e que não se deixará intimidar, ainda que intentem fazê-lo.

§ Particularmente, durante o seu trabalho, deve evitar expressões que insultem a inteligência do entrevistado  — “percebe?”, “está a acompanhar?”; e ainda definir termos que são de uso corrente, presumindo que o interlocutor não os entende — se se presume que não os entende, devem obviamente escolher-se outros ainda antes de lançar a questão. Afinal, se o entrevistado é humilde e, efectivamente, não percebe, a responsabilidade é do jornalista, que falha ao não conseguir comunicar com ele.

            § O interlocutor não deve ser interrompido enquanto expõe uma ideia ou relata um acontecimento, porque isso pode levá-lo a perder o raciocínio que seguia. São também totalmente desadequadas interrupções do jornalista com expressões de incitamento, concordância ou repúdio (podem suceder em imprensa, mas imagine o que sentiria se visse tal coisa numa peça de televisão: “Tem toda a razão sr. ministro”, “é claro”, “é evidente” “posso dar-lhe um beijinho sr. ministro?”)

            § Idealmente, se o jornalista tem opinião sobre o assunto em causa, o entrevistado não deverá sequer aperceber-se dela. Se souber manter as devidas distâncias, o entrevistado sentirá quão inconveniente seria sondá-lo.

            § Nunca se discute com um entrevistado. Esta é uma das consequências do distanciamento. Não quer dizer que não se lhe coloquem questões provocantes, que o levem a reagir com vivacidade. Mas essas questões serão colcadas de forma impessoal, ouvindo a resposta com imparcilaldade e registando o que é dito. Se o jornalista acha que, em determinado tema, pode não ser capaz de o fazer, então é porque não possui distanciamento suficiente em relação à causa e deve recusar o serviço.

            § Não se têm familiaridades com entrevistados. Apesar da cordialidade e simpatia que se recomendam, deve ficar sempre bem claro que aquele é um encontro com motivações estritamente profissionais, e que o jornalista se reserva o direito de ouvir quem bem entender sobre o assunto, publicando a história da forma que entender mais conveniente.

            § Não se tratam os entrevistados por “tu”, excepto, nalguns casos, as crianças muito jovens. O jornalista também não deve, pela sua postura, admitir ou encorajar tal tratamento, excepto quando tal resulte de simplicidade ou ingenuidade do interlocutor.

            § Ainda quanto aos tratamentos, os titulares de cargos públicos, quando entrevistados nessa qualidade, tratam-se pelos nomes dos respectivos cargos: um ministro — que pode ser um académico de carreira, ou um antigo empregado de escritório —  é sempre senhor ministro. A mesma regra segue-se quanto aos graus honoríficos, sempre que o jornalista deles tenha prévio conhecimento, ou requisite o entrevistado nessa qualidade, de forma que um arquitecto ou engenheiro é arquitecto ou engenheiro fulano de tal.

            Por fim, um corretor da bolsa, um empresário rico, o dono do jornal, um cigano, e um clochard arrumador de carros, são, respectivamente, senhor Pedro Caldeira, senhor António Mota, senhor Américo Quintas, senhor Nuno Mendes e senhor Joaquim Silva e deverão ser tratados exactamente da mesma maneira e com o mesmo respeito. Lili Caneças e uma vendedora de peixe são D. Lili Caneças e D. Antónia Sousa, independentemente de preferirmos a compahia de uma ou de outra.

            § As entrevistas devem ser conduzidas com seriedade e honestidade, e tal significa que não se inventam nem se criam falsos acontecimentos — pode parecer extraordinário, mas ainda há lídimos crios de Reinaldo Ferreira em actividade. O jornalista não quererá ser um deles.

            § Não se colocam palavras na boca dos entrevistados, incluindo nas perguntas todas as afirmações que o jornalista gostaria de ver a fonte debitar, e esperando por um assentimento deste.

            § Por outro lado, não se formulam questões que possam ser respondidas com “sim” ou “não”, porque é exactamente isso que um entrevistado lacónico ou intimidado fará, deixando o jornalista em apuros. Uma entrevista é uma conversa que cumpre ao jornalista dirigir, deixando o entrevistado expressar-se à vontade.

            § Durante uma convera deste género, interessa ouvir o entrevistado, não o próprio jornalista. Demasiadas pessoas adoram o som da própria voz, o tilintar das suas opiniões. O jornalista não é uma delas.

            § A máxima cautela na recolha de dados ou afirmações que possam vir a gerar controvérsia. Deve atender-se que, muitas vezes, as pessoas mais insuspeitas estão sempre prontas a retirar uma afirmação que claramente fizeram, assustadas pelas reacções ou consequências que provocaram, e atirando as culpas para o jornalista, que percebeu mal ou publicou coisas que eu não disse. A prudência é uma grande virtude. A inversa é que não se devem descontextualizar afirmações de entrevistados, atribuindo-lhes sentidos que não tinham quando foram proferidas.

            § Muitas e muitas vezes, especialmente se parece jovem e inexperiente, o jornalista será solicitado por entrevistados no sentido de os deixar ler o seu trabalho antes da publicação. Regra geral tais pedidos devem ser liminarmente rejeitados. O trabalho, bom ou mau, é da exclusiva responsabilidade do jornalista. Por vezes admite-se que sejam abertas excepções em casos de  peritagem que o redactor não domine — um texto sobre a cisão do átomo em que a fonte é um físico famoso — ou quando o interesse noticioso das declarações suplante largamente os inconvenientes disso. Em tais casos opção pode ser legítima, mas nunca é muito recomendável [43] . Agora, deixar um entrevistado ler uma entrevista sobre a apanha da batata nos montes hermínios mina a credibilidade do jornalista e transforma-o numa espécie de moço de recados – o sr. publica aquilo quer eu desejo que publique. Situações deste tipo devem ser evitadas. Informado das condições do trabalho, o entrevistado reservar-se-à o direito de conceder a entrevista ou não.

            § Sempre que se proponha entrevistar alguém, a primeira coisa que o jornalista tem a fazer é identificar-se, identificar o órgão de comunicação social para onde trabalha, e explicar o tema da entrevista. Depois, no caso de vir a ser marcado um encontro a posteriori, deverá cuidar para ser rigorosamente pontual, por uma questão de respeito pelo interlocutor; e quando isso não for possível, justificar-se e pedir desculpa.

            § Nunca se corrigem os entrevistados, ainda que dêem à gramática o mesmo uso que se dá a uma bola na final da Taça — isso ofende-lo-à, é inútil pois não o ensinará a falar melhor português, e pode perfeitamente inviabilizar a entrevista. Eventuais correcções fazem-se na passagem do discurso oral à escrita, e sempre no sentido de melhorar a clareza do que foi dito permanecendo fiel às declarações do entrevistado.

§ As questões a colocar ao entrevistado devem ser logicamente agrupadas por temas ou áreas de interesse. Não se salta anarquicamente de um assunto para outro, voltando atrás a bel-prazer, porque isso confunde o entrevistado e tornará muito mais difícil a redacção do trabalho jornalístico.

            § A timidez é um defeito encantador, mas não num jornalista. Ele não pode ter vergonha de perguntar, ou insistir sobre pontos que lhe pareçam obscuros. Deve, pelo contrário, perguntar tudo até ao fim, muito, as vezes que forem necessárias, até ter a certeza de que percebeu e que pode transmitir competentemente o que lhe foi dito.

            § Colocar sempre todas as questões que se tinham previamente formulado. Por vezes, provocar o entrevistado pode ser uma boa técnica no sentido de espevitar o interlocutor. Mas nunca colocar questões desprimorosas, humilhantes ou com as quais o entrevistado se possa sentir justamente ofendido, nem as que violem a sua vida íntima. (A propósito de um trabalho sobre a PAC, não se pergunta Sr. ministro, é verdade que quando era pequeno se vestia de mulher e gostava que lhe chamassem Joana Caddy?)

            § Não deixar o entrevistado fugir às perguntas — e são mestres nisso os políticos profissionais. Sempre que o entrevistado desviar o assunto e desatar cheio de coerência a falar de outra coisa qualquer, reconduzi-lo firmemente ao tema em foco. De outra forma o jornalista foi manipulado.

            § Por último, o jornalista deve respeitar as convicções religiosas e mundividências dos entrevistados, mesmo que com elas não concorde,  e fazê-lo de uma forma prática e não meramente teórica. Se entrevista um bispo católico, não deve, enquanto faz sala, dissertar sobre as delícias de uma vida sexual promíscua. Se convida um rabi para almoçar, pode muito bem, por cortesia, evitar pedir carne de porco à alentejana. Assim como, se se encontra num país islâmico, deve evitar sair para uma reportagem vestindo roupas ou tendo comportamento que são chocantes para tais culturas. Essas atitudes podem justamente ser tidas como provocações — e que outra coisa poderiam ser?

 

            Mário Erbolato, citado por Silva Araújo [44] , acrescenta ainda, entre outras, as seguintes regras:

            “1.  Ajude o entrevistado, se necessário, a expôr as suas opiniões. Conduza a entrevista.

            2. Não corte as respostas. Espere que cada uma delas termine, antes de formular a próxima pergunta.

            3. Não emita a sua opinião, a menos que seja solicitada, e assim mesmo com modéstia e humildade.

            4. Não seja agressivo. Demonstre franqueza, e não astúcia.

            5. Faça as perguntas ao mesmo nível de quem responde. Pode acontecer que a entrevista seja importante, por ter sido procurada uma pessoa que saiba bastante sobre o que ocorreu, embora humilde. Se ela ficar amedrontada, negar-se-á a dar esclarecimentos preciosos para o jornal.

            6. Não se mostre superentusiasmado se ouvir uma resposta-bomba, porque o entrevistado, diante da sua reacção, poderá pedir-lhe que suprima o que disse, temeroso das consequências.

            7. Prepare o terreno para cada pergunta. As coisas mais cruéis e indiscretas podem ser indagadas se o jornalista tiver o cuidado de se ir conduzindo com habilidade”.



[37] . Fonte de informação é um local onde habitualmente se produzem ou se concentram informações de interesse geral”, in Cardet, Ricardo, sd, Manual de Jornalismo, col. Nosso Mundo, Editorial Caminho, Lisboa, p. 32.

[38] . Além destas, nas aldeias portuguesas existem ainda os utilíssimos postos públicos da Portugal Telecom - que podem coincidir com a mercearia, o café, ou ser uma casa particular. Nunca ninguém está mais bem informado do que se passa na aldeia que o responsável pelo posto público, além de que sabem o nº de telefones de todos os restantes habida aldeia.

[39] . Cardet, Ricardo, op. cit., p. 32.

[40] . Daniel Ricardo, op. cit., p. 33.

[41] . Cacha é uma informação - em breve notícia - que mais nenhum outro jornalista possui. Um exclusivo, portanto. A palavra entrou na gíria jornalística a partir do francês, cacher, embora já seja possível encontrar, mesmo em publicações, a deturpação caixa.

 

               [42] . Há, evidentemente, uma outra e excelente razão para o fazer, que é o respeito que lhe deve merecer a fonte que emitiu o embargo.

[43] . Uma variante disto é solicitar as perguntas por escrito e exigir que as respostas sejam publicadas na íntegra. Poderá ceder-se no caso do Presidente da República que fala sobre uma matéria de Estado muito delicada; mas nunca ao primeiro John Doe ou político de pacotilha que gosta de se dar ares de prima dona. Aí o que há a fazer é entrevistar imediatamente um rival ou concorrente, que a fonte logo amansa.

[44] . Silva Araújo, Op. Cit., p. 132.