Anabela Gradim, Universidade
da Beira Interior
Maio de 2000
4º de 6
ficheiros
6. A recolha de informação; 6.1. As fontes; 6.2. Ética
e deontologia; 6.2.1.O código
deontológico; 6.2.2. Outras normas deontológicas; 6.2.3.Responsabilidade
legal e moral; 6.3.
Regras para a recolha de informação; 6.4. Regras para a
realização de entrevistas.
Por
fonte de informação entende-se qualquer entidade detentora de dados que sejam
susceptíveis de gerar uma notícia
[37]
. A internet, uma base de dados, o Instituto Nacional de Estatística, o
carteiro ou um polícia de giro são fontes de informação. Habitualmente,
dividem-se as fontes de informação pela relação que estabelecem com o jornal:
internas ou externas; ou em relação ao seu
próprio estatuto: oficiais ou oficiosas; e ainda em relação às suas
características: humanas ou documentais.
Nenhum
jornal sobrevive sem fontes, e o perfil destas varia consoante a natureza e a
área de implantação da publicação. “No mais pequeno povoado ou aldeia há sempre
dois lugares que são as melhores fontes de notícias: a taberna e a barbearia, óptimos locais de propagação das
novidades da vizinhança
[38]
. Nas cidades e capitais as fontes de notícias de mais variada informação
são, por exemplo, os partidos, as organizações populares, os ministérios, os
hospitais, os bombeiros, as fábricas, as organizações sindicais, os aeroportos,
etc.”
[39]
.
Nuno
Crato propõe uma excelente tipologia das fontes, dividindo-as entre fontes internas e externas à publicação. Por fontes internas entende em primeiro lugar
os jornalistas da publicação, que através da investigação e da
observação directa, quando escrevem, se transformam eles próprios em
fontes. O arquivo ou centro de
documentação do jornal constitui igualmente uma fonte de informação de
importância primordial, permitindo contextualizar acontecimentos, e mesmo dotar
alguns deles de um sentido que, isoladamente, não teriam. Por último, são
fontes internas as delegações e correspondentes que a maioria dos
jornais possuem em localidades importantes relativamente afastadas da sede, ou
mesmo, dependendo da dimensão do órgão, no estrangeiro.
A
delegação é como que uma sucursal do jornal, dispõe de sede e equipamento
próprio e os jornalistas que nela trabalham fazem-no a tempo inteiro e têm um
vínculo contratual sólido com a empresa. Os correspondentes são normalmente free-lancers que podem trabalhar para uma ou mais publicações, não dispõem de instalações
pertencentes ao jornal na cidade onde habitam, podem ou não ser profissionais,
e só muito raramente pertencerão aos quadros da empresa.
Nas
fontes externas ao jornal, Crato lista em primeiro lugar as restantes empresas
informativas: agências e outros órgãos de comunicação social. As agências são empresas especializadas na produção de notícias e imagens que depois vendem
aos seus clientes, dos quais os mais importantes são outros meios de
informação: rádios, jornais, televisões.
De um
órgão de comunicação social a agência retém sobretudo a redacção e a forma de
produzir as notícias — embora o ritmo de agência seja mais acelerado do que
qualquer outro —; simplesmente, o produto noticioso que fabricam nunca chega a
ser apresentado ao público autonomamente, é-o, sempre, através dos clientes da
empresa, que são livres de tratar a informação recebida como muito bem
entenderem, investigando-a em profundidade ou publicando-a como produto
acabado.
Como
fonte, as agências são de importância fulcral para a vida de uma redacção —
quer pelinformações que aí fazem chegar, e que são publicadas tout court,
quer pelas pistas e auxílio que prestam na confecção de uma Agenda rica e
equilibrada.
Também
os outros media se constituem como fontes de informação através das
notícias que publicam. Nenhuma redacção que se preze deixará de fazer, através
da Secretaria, escuta de rádio, noticiários televisivos, e leitura dos
restantes jornais. Daqui os secretários de redacção tiram ideias para novos
trabalhos, notícias e reportagens, e asseguram que nenhuma informação vital é
perdida pela publicação. Sempre que a importância de um assunto noticiado
noutro órgão o justifica, os jornalistas serão chamados a tratá-lo.
Fontes
externas são também as entidades oficiais — Assembleia da República,
ministérios, juntas de freguesia, câmaras municipais, forças policiais — que se
constituem como fontes quer porque produzem de facto imensa informação, sob a
forma de press releases ou outra, que enviam para as redacções; quer
porque nesses locais se sucedem acontecimentos potencialmente noticiáveis —
caso das sessões de Câmara, Assembleias Municipais, votações na Assembleia da
República; e que os jornalistas costumam acompanhar de perto.
As
fontes não oficiais são as colectividades, sindicatos, empresas, associações,
clubes desportivos... em suma, todas as instituições não estatais que
contribuem para a vida social e cultural do País. Também as entidades não
oficiais produzem um número apreciável de notícias, ou acontecimentos, que desejam ver divulgadas pelos media e que
normalmente mantém ocupados muitos jornalistas.
Os contactos
pessoais do jornalista, as suas fontes privadas cuja confiança ele
conquistou ao longo do tempo; e o público em geral, através de cartas,
alertas, e telefonemas muitas vezes anónimos, contribuem também para o cabedal
de informações diárias do jornal.
Nas
empresas que produzem material informativo diário uma fonte indispensável é a
muito temida volta. A volta é uma lista de números de telefone, que pode
facilmente chegar perto das duas centenas, e que contém os contactos de
hospitais, corporações de bombeiros, aeroportos e forças policiais — PSP,
Brigada de Trânsito, Guarda Fiscal, GNR e Polícia Judiciária — da região onde o
jornal está implantado. A tarefa de quem faz a volta é ligar, três vezes por
dia — manhã, princípio e final da tarde — para esses números, e indagar se há
novidades. É na volta que se apanham a grande maioria dos casos
do dia: apreensões, incêndios, acidentes de viação, intoxicações alimentares,
rixas... e este trabalho, humilde e pouco criativo, fica normalmente a cargo da
secretaria de redacção, ou dos jornalistas mais jovens.
A
selecção e o acesso às fontes é de uma importância fundamental para qualquer
publicação. Como Daniel Ricardo explica, de forma lapidar: “O método
fundamental de investigação em jornalismo consiste em perguntar”
[40]
, as coisas certas às pessoas certas. Para produzir trabalhos de qualidade
e jornalisticamente relevantes é essencial saber como e que fontes localizar,
escolhendo-as criteriosamente em função do trabalho que se tem para realizar.
Uma boa
fonte deve ser, entre outras coisas, competente e qualificada para se
pronunciar àcerca do assunto sobre que é convidado a falar. Quem aquilata da
competência, qualificação e relevância de uma fonte é sempre o jornalista, e
este sabe que não pode falhar sistematicamente na sua identificação. Um
catedrático de Filosofia Medieval é uma fonte qualificada para falar da vida e
percurso intelectual de Santo António de Lisboa; mas não o é para se pronunciar
sobre pormenores técnicos do desabamento de um muro na igreja com o mesmo nome.
É claro que pode eventualmente fornecer opiniões interessantes e bem vendáveis,
mas a sua competência no assunto é idêntica à de qualquer transeunte.
Aspecto
importante a ter em conta quando se fala de fontes é que, à medida que a
importância e relevância social dos media foi crescendo, começaram a
surgir fontes “profissionais”, especializadas em lidar com jornalistas. É o
caso dos profissionais de relações públicas, bem assim como dos assessores de
imprensa — uns e outros muitas vezes recrutados entre ex-jornalistas
experientes — os quais tudo farão para, ao constituirem-se como fontes,
passarem através dos media determinadas mensagens.
Se é
certo que estes profissionais jogam quase sempre com os interesses do
jornalista, o trabalho que desempenham é fundamental para as redacções. Não
podem é estas fontes oficiais serem tomadas como únicas em assuntos que
envolvam desfavoravelmente as pessoas ou instituições de que estão a soldo —
nesses casos o seu objectivo é sempre filtrar e de alguma forma manipular a
informação difundida. Agora, o jornalista sabe-o, e deverá saber igualmente
muito bem como se defender disso.
Além do
mais, deve ter em mente que nenhuma fonte, profissional ou não, é absolutamente
desinteressada. Todas falam a partir de um determinado lugar, que determina o
seu ponto de vista, e podem ser movidas pelas mais diversas motivações. É
excelente, em quaisquer circunstâncias, ter presente que fontes não são desinteressadas,
mesmo as não profissionais - os motivos podem ser os mais variados: políticos,
pessoais, profissionais, auto-promoção, conquista de benefícios directos ou
indirectos (nos casos de realojamentos, protestos em concursos públicos ou atribuição de subsídios...), ou ainda,
pura e simplesmente, vaidade.
Se este
aspecto é natural, e profundamente humano — também o jornalista quando procura
as fontes tem interesses e motivações que podem variar — ele recomenda alguma
prudência ao lidar com as fontes. Nem se defende aqui a versão cínica — tudo se
resumiria a uma troca de interesses que se materializam na forma de informações
e notícias. Há pessoas, e jornalistas, genuinamente animados de boas intenções,
como sejam informar competentemente e com verdade, e cumprir escrupulosamente
as regras básicas da deontologia e escrita jornalísticas.
No
entanto, e mesmo sem intenção directa de manipular (embora muitas vezes este
aspecto também esteja presente), muitas fontes, pelo lugar que ocupam
relativamente ao acontecimento que se quer noticiar, tendem a produzir,
intencionalmente ou não, versões parciais do mesmo. O jornalista atento saberá
constituir uma topologia das fontes, isto é, avaliar friamente a posição
a partir da qual estas dão informações, aquilatando o seu peso e real valor.
E é por
esta razão que em todos os assuntos que envolvam questões sociais, desacordos
ou controvérsia o jornalista não se
pode limitar aos dados fornecidos por uma única fonte. Pelo contrário, deve
ouvir o máximo de pessoas envolvidas no caso, o que o ajudará a relativizar as
primeiras informações recebidas, reproduzindo o máximo possível de informações
que conseguiu obter àcerca do caso.
Um
motorista de táxi atropelou uma criança de seis anos porque seguia em excesso
de, diz um vizinho? Essa informação precisa necessariamente de ser confirmada,
falando com mais testemunhas, com o próprio condutor, e ainda com a polícia,
que no auto do acidente, e pelas marcas de travagem no pavimento, já deve ter
uma ideia razoável do que se passou. É evidente que se a vítima estiver em
condições de ser ouvida, também deverá sê-lo: pode muito bem dar-se o caso de
que a criança, que não devia andar a brincar na rua sem vigilância, se tenha
literalmente atirado para debaixo do carro quando perseguia uma bola... e que a
família, em choque, se recuse a admiti-lo. Muito importante, também, é que este trabalho de confirmação de dados
deve ser realizado com tacto e sensibilidade, para não perturbar injustamente
as pessoas na sua dor.
Outro
caso paradigmático, e recorrente em Portugal, são as greves. Nenhum jornal pode
nunca acreditar e publicar somente uma versão dos números de adesão de
trabalhadores a uma greve, simplesmente porque os dados fornecidos pelos
sindicatos nunca coincidem com os que são apurados pelas entidades patronais —
e às vezes o desvio é uma diferença abissal. É possível a um jornalista
confirmar os números da adesão a uma greve dos trabalhadores da Função Pública?
Evidentemente que não. Para começar, nem o próprio Estado Português tem
exactamente a certeza de quantas pessoas estão ao seu serviço. O que deve pois
fazer é publicar os dados fornecidos por uma e outra parte da querela.
Depois
há uma outra classe de informações que é inútil confirmar, simplesmente porque
são oficiais. A Macintosh lançou um novo portátil e divulga as suas
características num folheto? Os Serviços Académicos da UBI emitem um comunicado
alargando o prazo de pagamento das propinas? Nestes casos — e a não ser que
houvesse razões fundamentadas para suspeitar da autenticidade dos documentos —,
nada há a confirmar, e é ridículo fazê-lo. O jornalista pode é tentar obter
reacções ao que é anunciado, falando com alunos, professores e Associação de
Estudantes, por exemplo, no caso das propinas.
Seleccionadas,
localizadas e avaliadas as fontes, alguns princípios devem ser seguidos no
relacionamento que o jornalista estabelecerá com elas.
Em
primeiro lugar, a recolha de informação deve ser sistemática, rigorosa, todos
os dados — especialmente em assuntos
delicados — devem ser cuidadosamente verificados e, se possível, quando não
houver testemunho directo por parte do jornalista, confirmados por outras
fontes.
O
jornalista deve recolher sistematicamente a informação de que vai necessitar na
realização do trabalho, e por isto, entende-se que deve ter já pré-definido
quem, quando, e por que ordem contactar para construir uma notícia. Mas não só.
Também deve saber do que anda à procura, e preparar cuidadosamente as
entrevistas a realizar, documentando-se e esboçando mentalmente as perguntas
que deseja ver respondidas, sob pena de poder vir a ser manipulado. As fontes
que inicialmente previu contactar podem depois remetê-lo para novos contactos,
de que não se tinha lembrado ou desconhecia. Não é hora entrar em greve de
zelo. Deve, caso o assunto o justifique, realizar também esses contactos.
As
fontes, sem exepção, devem ser citadas, e todas as informações que prestam
devem claramente ser-lhes atribuidas no corpo do texto, sob pena de o
jornalista, e o jornal, fazerem suas as afirmações produzidas.
Sempre
que uma fonte se recuse, por motivos fundamentados, a ser identificada, o
jornalista pode ainda assim publicar essas informações, desde que estas sejam
suportadas por documentos oficiais, fornecidos pela fonte, e cuja autenticidade
foi verificada. Não pode é confiar cegamente numa fonte deste tipo, e deve
sempre confirmar as informações recebidas. Casos destes, porém — pela
delicadeza que envolvem — deverão ser discutidos com as chefias, e constituirão
sempre excepções.
Muito semelhante a isto é o off the record, em que a fonte não
pode ser identificada, e as informações que presta não podem ser publicadas. O off
the record serve, por exemplo, para que o jornalista tente confirmar as
informações recebidas por meio de outras fontes — isto é, começar a investigar.
Em todo o caso, deve ser rigorosamente respeitado, quer a fonte passe para off
the record antes, ou depois de tornar a informação conhecida.
Rigorosamente
respeitados, também, serão os embargos. As agências, e por vezes algumas
fontes, enviam para as redacções certo tipo de informações com a indicação de
“embargo até às x horas”, e tal significa que esse texto não pode ser
utilizado, nem publicado, até a fonte que o emitiu levantar o embargo.
Normalmente, tratam-se de acontecimentos que ainda não se produziram, e é
necessário esperar pela hora em que ocorram para poderem ser noticiados como
tendo ocorrido. A concorrência feroz entre os media já levou, em
Portugal, à quebra de embargos. Caso, por exemplo, do discurso de José Saramago
na entrega do prémio Nobel da Literatura, cujo texto foi distribuído antes da
cerimónia. Independentemente das justificações oportunistas e mais ou menos bem
construídas que possam ser dadas para sucessos deste tipo, o incumprimento de
um embargo deve ser considerado uma falta profissional grave, que queima e arruina as relações com a fonte, e com os restantes profissionais de
comunicação; para, feitas as contas, magro ganho.
É
necessário também um especial cuidado com as rotinas e as relações que se
estabelecem com as fontes. Esses contactos nunca devem ser de demasiada
proximidade-promiscuidade. É terrível, mas estudado, ver o presidente de um
Governo Regional tratar na televisão o jornalista que o entevista por “tu”.
Talvez este profissional não tenha culpa, talvez o político o conheça desde
pequeno, mas a imagem que fica nos espectadores é de imediata suspeição e falta
de credibilidade do jornalista.
As
fontes devem ser tratadas com cordialidade e cortesia, num certo sentido, cultivadas;
mas há barreiras, e limites, que o jornalista deve impôr na sua relação com
elas, e não permitir nunca que sejam ultrapassadas. Isto é, por mais simpatia e
bom relacionamento que um jornalista mantenha com a fonte, esta deve saber
claramente que a relação é estritamente profissional, e que o jornalista,
ouvindo-a, se reserva também no direito de ouvir quem mais bem entender,
redigindo o seu trabalho com total autonomia e independência.
Em
acontecimentos imprevisíveis, ou em condições de reportagem difíceis, há a
tendência para os profissionais de comunicação se fundirem em pool — as
vantagens são imensas, e muitas vezes esta é a única maneira, pela partilha de
meios, de conseguir noticiar convenientemente um acontecimento. Mas não se
deve, por preguiça, abusar disso.
É
injusto, mas é verdade: em acontecimentos imprevisíveis, o factor sorte pode
ser crucial para a realização de um bom trabalho. O jornalista que chegou
atrasado a uma tragédia pode ser o único a chegar à fala com a testemunha crucial
do acontecimento... ou não.
Um
jornalista consciencioso, e um bom profissional, não tem necessidade de secar deliberadamente uma fonte, ou seja, impedir, por algum meio, que outros
jornalistas a ela acedam. Este procedimento pratica-se algumas vezes, sobretudo
em termos de imagem. É, por exemplo, chegar à Póvoa do Varzim, onde houve um
naufrágio, e arrebatar todas as fotografias das vítimas, com a promessa de vir
a devolvê-las à família. Seria muito mais simples reproduzir simplesmente as
imagens, ou levar só as melhores.
Proceder
assim é errado por duas ordens de razões: é ser um péssimo colega para os
jornalistas de outros media encarregues do caso — e eles não vão
esquecer-se disso; e é um pecado contra o jornalismo em si, porque informar é
um serviço de utilidade pública e quem seca uma fonte impede os outros
jornais de informarem.
Uma
outra forma, ainda menos inteligente, de secar fontes, é tratá-las
indevidamente — quebrando embargos, desrespeitando um off the record,
publicando uma conversa que se ouviu à socapa num restaurante, pedindo
emprestados materiais que não se devolvem, ou, por qualquer forma, enganando a
fonte na sua boa fé — fazendo com que jamais voltem a dar informações a esse
jornalista, ou mesmo ao órgão de comunicação social que representa.
Por
outro lado, é evidente que o jornalismo é uma profissão competitiva, de grande
pressão e exposição pública. Um jornalista não é uma irmãzinha da caridade, e
um bom profissional deve ser brioso, empenhar-se e lutar pelas suas cachas
[41]
. Mas também deve ser, sem excepção, cortês e prestável para com os
colegas. Colaborar com eles sempre que tal não prejudique o trabalho que se
está a realizar. A regra em tais casos — um pedido de auxílio de um colega — é
fornecer toda a informação que já é do domínio público, foi transmitida numa
conferência de imprensa, por exemplo; e
guardar as cachas, ou a ideia de uma boa fonte que se pensa contactar a
posteriori. Também não faz qualquer sentido ocultar informação que se sabe
virá a ser pública — um telex de agência que o jornalista já tem, e a que sabe
que o colega acederá quando chegar à sua redacção.
A Lei de Imprensa estabelece alguns
princípios em relação às fontes, nomeadamente, garantindo aos jornalistas “a
liberdaade de acesso às fontes de informação, incluindo o direito de acesso a
locais públicos e respectiva protecção”, bem como “o direito ao sigilo
profissional”, que garante a possibilidade de, nem mesmo em juízo, o jornalista
revelar as suas fontes confidenciais.
Estes
aspectos são depois regulamentados em pormenor no Estatuto do Jornalista. Este,
no Artigo 8º estabelece que:
“1. O
direito de acesso às fontes de informação é assegurados aos jornalistas:
a) Pelos
órgãos da Administração Pública (...)
b) Pelas
empresas de capitais total ou maioritariamente públicos, pelas empresas
controladas pelo Estado, pelas empresas
concessionárias de serviço público ou do uso privativo ou exploração do domínio
público e ainda por quaisquer entidades privadas que exerçam poderes públicos
ou prossigam interesses públicos (...)
2. (...)
3. O
direito de acesso às fontes de informação não abrange os processos em segredo
de justiça, os documentos classificados ou protegidos ao abrigo de legislação
específica, os dados pessoais que não sejam públicos, os documentos que revelem
segredo comercial, industrial ou relativo à propriedade literária, artística ou
científica (...)
4. (...)
5. (...)
Artigo 9º
Direito de Acesso a locais públicos
1. Os
jornalistas têm direito de acesso a locais abertos ao público desde que para
fins de cobertura informativa.
2. O
disposto no número anterior é extensivo aos locais que, embora não acessíveis
ao público, sejam abertos à generalidade da comunicação social.
3. Nos
espectáculos ou outros eventos com entradas pagas em que o afluxo previsível de
espectadores justifique a imposição de condicionamentos de acesso poderão ser
estabelecidos sistemas de credenciação de jornalistas por órgão de comunicação
social.
4. (...)
Artigo 10º
Exercício do direito de acesso
1. Os
jornalistas não podem ser impedidos de entrar ou permanecer nos locais
referidos no artigo anterior quando a sua presença for exigida pelo exercício
da respectiva actividade profissional, sem outras limitações além das
decorrentes da lei.
2. (...)
3. Nos
espectáculos com entradas pagas em que os locais destinados à comunicação
social sejam insuficientes, será dada prioridade aos órgãos de comunicação de
âmbito nacional e aos de âmbito local do concelho onde se realiza o evento.
4. Em
caso de desacordo (...) qualquer dos interessados pode requerer a intervenção
da Alta Autoridade para a Comunicação Social (...)
5. Os
jornalistas têm direito a um regime especial que permita a circulação e
estacionamento de viaturas utilizadas no exercício das respectivas funções
(...)
Artigo 11º
Sigilo Profissional
1. Sem
prejuízo do disposto na lei processual penal, os jornalistas não são obrigados
a revelar as suas fontes de informação, não sendo o seu silêncio passível de
qualquer sanção, directa ou indirecta.
2. Os directores
de informação dos órgãos de comunicação social, bem como qualquer pessoa que
nela exerça funções, não podem, salvo com autoriação escrita do jornalista
envolvido, divulgar as suas fontes de informação, incluindo os arquivos
jornalísticos de texto, som ou imagem das empresas, ou quaisquer documentos
susceptíveis de as revelar.
3. Os
jornalistas não podem ser desapossados do material utilizado ou obrigados a
exibir os elementos recolhidos no exercício da profissão, salvo por mandado
judicial e demais casos previstos na
lei.
4.
(...)”
Todavia,
apesar destas excelentes declarações de intenções por parte do legislador, o
que vigora de facto em Portugal na Administração Pública é a lei da rolha, e
muitas vezes é extremamente penoso, e difícil, obter informações perfeitamente
banais e anódinas junto de certos serviços públicos.
Em
largos casos por puro comodismo, ou ainda por existir uma estrutura hierárquica
demasiado rígida dentro da instituição, o jornalista vai sendo chutado para
cima - chefe de serviço, director, director-geral, e por aí fora... de forma
que, para saber as horas no Instituto de Emprego e Formação Profissional, pode
ser necessário telefonar ao respectivo ministro! Sempre que se verifiquem
situações deste tipo, a raiar o absurdo, o jornalista deve desassombradamente
fazer valer os seus direitos — e entre esses incluem-se o perguntar, e sugerir
publicar, porque é que o tal responsável que só ele pode prestar as
informações, nunca está. Aparecerá imediatamente ou delegará a tarefa.
O código
deontológico dos jornalistas foi aprovado pelo sindicato dos jornalistas.
Conciso e bastante completo, estipula nos 10 pontos que o compõem, e de forma
muito clara, os princípios deontológicos a atender pelos jornalistas e
candidatos a jornalistas:
1. O
jornalista deve relatar os factos com rigor e exactidão e interpretá-los com
honestidade. Os factos devem ser comprovados, ouvindo as partes com interesses
atendíveis no caso. A distinção entre notícia e opinião deve ficar bem clara
aos olhos do público.
2. O
jornalista deve combater a censura e o sensacionalismo e considerar a acusação
sem provas e o plágio como graves faltas profissionais.
3. O
jornalista deve lutar contra as restrições no acesso às fontes de informação e
as tentativas de limitar a liberdade de expressão e o direito de informar. É
obrigação do jornalista divulgar as ofensas a esses direitos.
4. O
jornalista deve utilizar meios leais para obter informações, imagens ou documentos
e proibir-se de abusar da boa-fé de quem quer que seja. A identificação como
jornalista é a regra e outros processos só podem justificar-se por razões de
incontestável interesse público.
5. O
jornalista deve assumir a responsabilidade por todos os seus trabalhos e actos
profissionais, assim como promover a pronta rectificação das informações que se
revelem inexactas ou falsas. O jornalista deve também recusar actos que
violentem a sua consciência.
6. O
jornalista deve usar como critério fundamental a identificação das fontes. O
jornalista não deve revelar, mesmo em juízo, as suas fontes confidenciais de
informação, nem desrespeitar os compromissos assumidos, excepto se o tentarem
usar para canalizar informações falsas. As opiniões devem sempre ser atribuídas.
7. O
jornalista deve salvaguardar a presunção de inocência os arguidos até a
sentença transitar em julgado. O jrnalista não deve identificar, directa ou
indirectamente, as vítimas de crimes sexuais e os delinquentes menores de
idade, assim como deve proibir-se de humilhar as pessoas ou perturbar a sua
dor.
8. O
jornalista deve rejeitar o tratamento discriminatório das pessoas em função da
cor, raça, credos, nacionalidade ou sexo.
9. O
jornalista deve respeitar a privacidade dos cidadãos excepto quando estiver em
causa o interesse público ou a conduta do indivíduo contradiga, manifestamente,
valores e princípos que publicamente defende. O jornalista obriga-se, antes de
recolher declarações ou imagens, a atender às condições de serenidade, liberdade
e responsabilidade das pessoas envolvidas.
10. O
jornalista deve recusar funções, tarefas e benefícios susceptíveis de
comprometer o seu estatudo de independência e a sua integridade profissional. O
jornalista não deve valer-se da sua condição para noticiar assuntos em que
tenha interesses.
6.2.2. Outras normas deontológicas
As
regras propostas no código deontológico, que deverão ser seguidas na íntegra,
podem ainda ser complementadas com um conjunto de boas práticas, que mais não
são do que especificações do próprio código, e particularizações do espírito do
que aí está consignado.
Assim, o
jornalista deve recusar-se a noticiar suicídios, excepto quando estes ocorreram
em locais públicos, e sejam já do conhecimento da comunidade em geral. O que é
um lugar público? Atirar-se da ponte sobre o Douro, entrar em contramão numa
auto-estrada, ou deixar-se apanhar por um comboio é distinto de ferir-se
mortalmente em casa. Em todo o caso, os familiares deverão sempre ser
respeitados na sua dor, evitando-se perturbá-los injustamente ou por motivos
fúteis.
Corolário
do princípio de presunção de inocência dos arguidos até ao trânsito em julgado
da respectiva sentença é que, por exemplo, em casos de polícia, os acusados não
devem ser identificados de forma a poderem ser reconhecidos. Estes são
processos pouco mediáticos — se vier a ser considerado inocente, ou não for
sequer acusado, o ladrão, carteirista, ou o que quer que
seja, já não verá o caso noticiado nos
jornais, e entretanto poderão ter-se produzido danos irreparáveis na sua
reputação.
Pelas
mesmas razões, deve ser considerada muito grave a identificação de “menores
delinquentes”, mas não só — deve recusar-se a identificação, através de
informações ou imagens, de qualquer menor envolvido em situações desfavoráveis,
e cuja identificação possa determinar negativamente o seu futuro, constituir
uma invasão de privacidade ou uma humilhação pública. “António Pedro Bastos, de
13 anos, (segue-se a fotografia do dito), começou a cheirar cola aos 9, e hoje
vive num carro abandonado na zona do Bairro S. João de Deus” ou “Pedro tem seis anos, vive com as
irmãzinhas da caridade, estuda na segunda classe e é um excelente aluno. Mas
teve um mau começo. Às duas semanas, a mãe, prostituta e toxicodependente,
abandonou-o numa casa de banho pública” são, passe o exagero, práticas
abjectas: são-no em si, e ainda por uma outra e subtil razão: estas crianças
não têm quem as defenda e a violação do seu direito ao bom nome não vai ser
alvo de queixa nem punida — isto é, não trará problemas. O jornalista jamais se atreveria, e sabe-o
muito bem, a noticiar um caso semelhante ocorrido com um filho-família com um
nome com 10 apelidos, o que torna tudo ainda mais sórdido.
Também
as vítimas de crimes sexuais, homens ou mulheres, maiores ou menores de idade,
não devem ser identificadas.
O
jornalista deve igualmente evitar a todo o custo as metonímias generalizadoras
de etnias, religiões, grupos sociais ou profissionais: o cigano, africano,
muçulmano, que realizou um assalto à mão armada, não deve ser referido dessa
forma desprestigiante para toda a comunidade. Afinal, também não se diz “o
traficante, lisboeta de raça branca” quando é o caso.
O
jornalista deverá sempre distinguir cuidadosamente as pessoas, das ideias que
defendem ou dos actos que eventualmente praticaram
Absolutamente
de parte está igualmente a incitação à violência, ao ódio racial, à subversão
da ordem pública ou à prática de quaisquer crimes.
Por
outro lado, não se relacionam criminosos com pessoas públicas conhecidas,
excepto quando tal tenha relevância no crime cometido ou na actuação das
pessoas em causa. Isto é, uma figura pública com 50 anos de vida impoluta e
dedicada não deve ser ligada ao sobrinho toxicodependente que roubou um
auto-rádio. Agora, se falamos do irmão de um ministro, que ganhou de forma
escusa o concurso para a realização de vultuosas obras públicas para o
ministério tutelado por esse familiar, e que, após investigações, foi acusado
pelo Ministério Público; essa ligação, embora salvaguardando a presunção de
inocência dos envolvidos, pode ser realizada.
Por
último, não se divulgam cadastros de figuras públicas senão quando tal é de
manifesto interesse público.
6.2.3.Responsabilidade legal e moral
Os
jornalistas podem ser responsabilizados legalmente por crimes cometidos no
exercício da sua profissão, sendo que, os mais comuns, são o abuso de liberdade
de imprensa, difamação e quebra do segredo de justiça.
Todavia,
uma prática ética consequente e o cumprimento rigoroso da deontologia
profissional ultrapassam quase sempre as responsabilidades legais que lhe
poderão ser imputadas.
Há práticas que são profundamente
anti-éticas, ainda que não venham ou não possam ser alvo de punição legal, e devem ser liminarmente rejeitadas.
Caso, por exemplo, de violar o código deontológico relativamentes a pessoas
demasiado humildes, ou simplesmente indefesas, para fazerem valer os seus
direitos. Ou, ainda, a pequena ficção humorística — atirar a pedra escondendo a
mão — que é achincalhante para os
visados, ou de alguma forma diminui qualquer dos seus direitos, mas que em
juizo se revelaria impossível provar quem são esses mesmos visados — e por isso
não é objecto de queixa.
O
jornalista deve ter sempre presente que é moralmente responsável pelos seus
trabalhos, e que pode pecar, por excesso ou omissão, mesmo que daí não advenham
consequências legais para a publicação.
Deve ser
o primeiro e o mais atento vigilante das suas próprias práticas, porque um erro
cometido num jornal dificilmente poderá ser reparado. Ao noticiar uma
falsidade, ou de alguma forma prejudicar injustamente alguém, dificilmente
poderá reparar o mal feito. Nem todas as pessoas que leram a notícia falsa
lerão o desmentido da mesma; e muitas, mesmo fazendo-o, não ficarão
convencidas, e guardarão sempre uma natural suspeição relativamente a essa
figura.
Por outro lado, no espaço que medeia
entre um erro e a sua rectificação — ainda que esta fosse eficaz a 100 por
cento —, tudo o que se passou, risos, ostracismo, ridículo, suspeição,
desconfiança; já se passou, e jamais poderá ser retirado da história pessoal da
vítima e seus familiares.
6.3. Regras para a
recolha de informação
A
recolha de informação é um passo fundamental para a elaboração de qualquer notícia.
Por mais talento e prática de escrita que o jornalista tenha, se falhou a
recolha de dados coloca em perigo todo o trabalho, simplesmente porque sem
informação cuidadosa e sistematicamente recolhida não possui matéria prima para
trabalhar.
Pelo contrário, se recolheu competente e conscienciosamente
os dados necessários para a elaboração do trabalho que tem em mãos, e se
encontrar em dificuldades na redacção do mesmo, pode sempre ser auxiliado nessa tarefa por um editor ou um outro
jornalista. Falhando o propósito da
recolha, ou passando ao lado da notícia, é que se encontrará numa situação
irremediável, porque uma vez na Redacção, nem toda a boa vontade do mundo
poderá auxiliá-lo.
Algumas
regras devem ser seguidas na recolha de informações, a primeira, absolutamente
óbvcia, e tantas vezes negligenciada, é permanecer sempre no local até ao final
dos acontecimentos. Porquê? Por mais previsível e entediante que o
acontecimento pareça, podem sempre surgir imprevistos que são o mais importante
da notícia. O jornalista que saiu 10 minutos antes do final de um jogo de
futebol pode perder as cenas de violência e as detenções que se lhe seguiram.
Depois, nada há a fazer, excepto admitir o erro. Não quererá, como o célebre
Repórter X, que falhou o assassinato do Sidónio Pais, ter de inventar que o
presidente lhe morreu nos braços e que recolheu as suas últimas palavras: “Morro
eu, mas salva-se a pátria”; quando é certo que Pais morreu sem ter tido
oportunidade de lançar sequer um suspiro.
Por
razões semelhantes, isto é, porque os acontecimentos, por mais previsíveis que
pareçam, podem não se produzir — quem pode garantir que o sol se levantará
amanhã? — deverá respeitar escrupulosamente os embargos
[42]
.
Sempre
que tal for relevante para a história que tem para contar, deverá noticiar as
circunstâncias de produção da notícia, ou mesmo do próprio acontecimento. Isto
porque, embora esta tendência seja relativamente recentemente, cada vez mais a
presença dos media, especialmente das televisões, no local de um acontecimento
— uma manifestação ou um corte de estrada — pode influenciar, e isto sem
qualquer interferência dos jornalistas, o curso do próprio acontecimento.
Consequência
natural deste princípio é que o jornalista não deve provocar acontecimentos,
quer eficientemente, quer através das perguntas que formula. Isto é, se o corte
de uma linha férrea por populares acaba por redundar numa manifestação pouco
animada e sem comvicção, não lhe compete de todo incitar o povo a retirar
carris da via e tocar os sinos a rebate para chamar mais gente. Por outro lado,
não pode dirigir-se a um secretário de Estado informando-o que um ministro
achara a sua acção numa dada matéria pouco competente — o que é falso —;
esperar que a vítima apelide o ministro de mentecapto; e a seguir informá-lo
disso mesmo, criando um caso político.
Além
disso, um profissional sabe o que anda a fazer. Não pode passar ao lado do
coração dos acontecimentos, noticiando pormenores e esquecendo o essencial.
Exemplos? Quando a Telepac lançou um pop de acesso à internet numa cidade do
interior do País — que permitiria obter ligações ao preço de uma chamada local,
enquanto até aí os netófilos se ligavam a Coimbra, com custos incomportáveis —
, teve o gesto simpático de realizar também um sorteio entre os então parcos
utilizadores do serviço, oferecendo uma televisão, um telemóvel, e
quinquilharia do género. Onde está aqui notícia? Não é certamente aquela que
uma rádio local noticiava em título: “O Sr. António Martins acaba de ganhar um
televisor!”.
Recentemente
Portugal tem sido abalado por um vírus que prolifera incontrolavelmente: a
conferencite de imprensa aguda. Por tudo, e por nada, políticos, empresas,
associações, particulares, decidem convocar conferências de imprensa. Muitas
vezes sem que se vislumbre qualquer assunto noticiável, ou então encobrindo
acções de propaganda e promoção pessoal. O jornalista saberá seleccionar, entre
as miríades de press releases e anúncios de conferências de imprensa,
aqueles que são verdadeiramente importantes, negligenciando os demais.
Regra de
ouro que ninguém desconhece é que é imprescindível ouvir sempre, com isenção e
rigor, todas as partes envolvidas num conflito, e apresentar as suas versões de
forma equidistante e sem emitir juizos de valor, ou, de alguma forma, favorecer
uma das partes.
6.4. Regras para a
realização de entrevistas
A grande
maioria das informações recolhidas pelo jornalista são-no através de
entrevistas, que depois, durante a fase de escrita, podem ser transformadas em
qualquer um dos géneros jornalísticos: notícia, reportagem, faits-divers...
Por vezes não é fácil abordar tantas e tão diferentes pessoas de entre os
milhares que o jornalista entrevistará ao longo da sua carreira, mas esse
contacto humano tão diversificado constitui precisamente um dos factores mais
atractivos e de maior riqueza da profissão.
§ O
primeiro aspecto a atender durante a realização de uma entrevista é a proxémica
— para todos os efeitos, o jornalista é um estranho, e deve evitar invadir o
espaço do seu interlocutor, deixando-o desconfortável e pouco à vontade.
§ As
entrevistas são presenciais, exigem contacto directo com a fonte, pela simples
razão de que numa entrevista realizada por telefone, ou por escrito — as quais
não estão vedadas, mas devem constituir excepção — se perdem todos os
pormenores que constituem a riqueza pragmática do encontro.
§ A
presença do jornalista é discreta e low profile, já que este evitará
intimidar o entrevistado.
§ Por
regra, não não se apresentam questões prévias, nem se aceitam entrevistas
respondidas por escrito. O entrevistado deve ser informado com clareza do tema
sobre o qual o trabalho o versa, mas não das perguntas em concreto. É que ao
utilizar este método, perde-se toda a espontaneidade, o efeito surpresa e a
possibilidade de descobrir novas informações durante a entrevista .
§
Durante a fase de redacção do trabalho, o discurso do entevistado será
forçosamente reescrito, por causa das diferenças entre a oralidade e a
linguagem escrita — por mais culto que seja o entrevistado, o seu discurso terá
de sofrer adaptações. O importante é que o texto seja fiel àquilo que o
entrevistado revelou, não à letra do que foi dito.
§ Sempre
que possível, as entrevistas deverão ser preparadas com antecedência, devendo o
jornalista documentar-se o mais possível sobre o tema. Isto deverá ser
complementado com uma outra atitude: manter-se atento para o surgimento de
novos temas e questões na sequência das respostas dadas pelo entrevistado.
§ No caso dos jornalistas de imprensa, o uso
do gravador deve ser excepcional, reservando-se para a entrevista
pergunta-resposta, em que há a preocupação de reproduzir ipsis verbis as
palavras do entrevistado. Em todas as outras situações, o uso de um bloco de
notas revela-se uma escolha mais acertada, já que a informação assim recolhida
é muito mais fácil de manipular, o jornalista deixa de estar sujeito a
contingências técnicas, uma caneta intimida menos que um gravador, e durante a
redacção do trabalho poupa-se muito tempo que pode vir a ser precioso para
outras tarefas. Mesmo assim, quando for utilizado um gravador, deve, no final
da entrevista, realizar-se um teste de som, ouvindo algumas palavras do
entrevistado. Não raras vezes, pelas razões mais improváveis — falha mecânica,
falha de pilhas, um pause inconveniente — o jornalista verifica, ao
chegar à Redacção, que a máquina não registou uma única palavra do que foi
dito.
§ É
necessário prestar a maior atenção ao que o entrevistado diz. Este, que normalmente
foi solicitado pelo jornalista, tem direito a 100 por cento da sua atenção; não
só por cortesia e boa educação, mas também por motivos práticos — muitas vezes
as respostas do entrevistado são ponte para novas perguntas, novos assuntos. O
jornalista que registe desinteressadamente (“fale aqui para o gravador,
enquanto eu vou ali tomar um café e já venho”) o material que recolhe pode
perder informação preciosa que depois não consiga recuperar.
§ O jornalista deve expressar-se com simplicidade, e apresentar-se
de forma modesta perante os entrevistados, mas nunca subserviente. Deve deixar
uma impressão de segurança e tranquilidade, e que não se deixará intimidar,
ainda que intentem fazê-lo.
§ Particularmente, durante o seu
trabalho, deve evitar expressões que insultem a inteligência do
entrevistado — “percebe?”, “está a
acompanhar?”; e ainda definir termos que são de uso corrente, presumindo que o
interlocutor não os entende — se se presume que não os entende, devem
obviamente escolher-se outros ainda antes de lançar a questão. Afinal, se o
entrevistado é humilde e, efectivamente, não percebe, a responsabilidade é do
jornalista, que falha ao não conseguir comunicar com ele.
§ O interlocutor não deve ser interrompido enquanto expõe uma ideia ou relata
um acontecimento, porque isso pode levá-lo a perder o raciocínio que seguia.
São também totalmente desadequadas interrupções do jornalista com expressões de
incitamento, concordância ou repúdio (podem suceder em imprensa, mas imagine o
que sentiria se visse tal coisa numa peça de televisão: “Tem toda a razão sr.
ministro”, “é claro”, “é evidente” “posso dar-lhe um beijinho sr. ministro?”)
§
Idealmente, se o jornalista tem opinião sobre o assunto em causa, o
entrevistado não deverá sequer aperceber-se dela. Se souber manter as devidas
distâncias, o entrevistado sentirá quão inconveniente seria sondá-lo.
§ Nunca
se discute com um entrevistado. Esta é uma das consequências do distanciamento.
Não quer dizer que não se lhe coloquem questões provocantes, que o levem a
reagir com vivacidade. Mas essas questões serão colcadas de forma impessoal,
ouvindo a resposta com imparcilaldade e registando o que é dito. Se o
jornalista acha que, em determinado tema, pode não ser capaz de o fazer, então
é porque não possui distanciamento suficiente em relação à causa e deve recusar
o serviço.
§ Não se
têm familiaridades com entrevistados. Apesar da cordialidade e simpatia que se
recomendam, deve ficar sempre bem claro que aquele é um encontro com motivações
estritamente profissionais, e que o jornalista se reserva o direito de ouvir
quem bem entender sobre o assunto, publicando a história da forma que entender
mais conveniente.
§ Não se
tratam os entrevistados por “tu”, excepto, nalguns casos, as crianças muito
jovens. O jornalista também não deve, pela sua postura, admitir ou encorajar
tal tratamento, excepto quando tal resulte de simplicidade ou ingenuidade do
interlocutor.
§ Ainda
quanto aos tratamentos, os titulares de cargos públicos, quando entrevistados
nessa qualidade, tratam-se pelos nomes dos respectivos cargos: um ministro —
que pode ser um académico de carreira, ou um antigo empregado de escritório
— é sempre senhor ministro. A mesma
regra segue-se quanto aos graus honoríficos, sempre que o jornalista deles tenha
prévio conhecimento, ou requisite o entrevistado nessa qualidade, de forma que
um arquitecto ou engenheiro é arquitecto ou engenheiro fulano de tal.
Por fim,
um corretor da bolsa, um empresário rico, o dono do jornal, um cigano, e um clochard arrumador de carros, são, respectivamente, senhor Pedro Caldeira, senhor
António Mota, senhor Américo Quintas, senhor Nuno Mendes e senhor Joaquim Silva
e deverão ser tratados exactamente da mesma maneira e com o mesmo respeito.
Lili Caneças e uma vendedora de peixe são D. Lili Caneças e D. Antónia Sousa,
independentemente de preferirmos a compahia de uma ou de outra.
§ As
entrevistas devem ser conduzidas com seriedade e honestidade, e tal significa
que não se inventam nem se criam falsos acontecimentos — pode parecer
extraordinário, mas ainda há lídimos crios de Reinaldo Ferreira em actividade.
O jornalista não quererá ser um deles.
§ Não se
colocam palavras na boca dos entrevistados, incluindo nas perguntas todas as
afirmações que o jornalista gostaria de ver a fonte debitar, e esperando por um
assentimento deste.
§ Por
outro lado, não se formulam questões que possam ser respondidas com “sim” ou
“não”, porque é exactamente isso que um entrevistado lacónico ou intimidado
fará, deixando o jornalista em apuros. Uma entrevista é uma conversa que cumpre
ao jornalista dirigir, deixando o entrevistado expressar-se à vontade.
§
Durante uma convera deste género, interessa ouvir o entrevistado, não o próprio
jornalista. Demasiadas pessoas adoram o som da própria voz, o tilintar das suas
opiniões. O jornalista não é uma delas.
§ A
máxima cautela na recolha de dados ou afirmações que possam vir a gerar
controvérsia. Deve atender-se que, muitas vezes, as pessoas mais insuspeitas
estão sempre prontas a retirar uma afirmação que claramente fizeram, assustadas
pelas reacções ou consequências que provocaram, e atirando as culpas para o
jornalista, que percebeu mal ou publicou coisas que eu não disse.
A prudência é uma grande virtude. A inversa é que não se devem
descontextualizar afirmações de entrevistados, atribuindo-lhes sentidos que não
tinham quando foram proferidas.
§ Muitas
e muitas vezes, especialmente se parece jovem e inexperiente, o jornalista será
solicitado por entrevistados no sentido de os deixar ler o seu trabalho antes
da publicação. Regra geral tais pedidos devem ser liminarmente rejeitados. O
trabalho, bom ou mau, é da exclusiva responsabilidade do jornalista. Por vezes
admite-se que sejam abertas excepções em casos de peritagem que o redactor não domine — um texto sobre a cisão do
átomo em que a fonte é um físico famoso — ou quando o interesse noticioso das
declarações suplante largamente os inconvenientes disso. Em tais casos opção
pode ser legítima, mas nunca é muito recomendável
[43]
. Agora, deixar um entrevistado ler uma entrevista sobre a apanha da batata
nos montes hermínios mina a credibilidade do jornalista e transforma-o numa
espécie de moço de recados – o sr. publica aquilo quer eu desejo que publique.
Situações deste tipo devem ser evitadas. Informado das condições do trabalho, o
entrevistado reservar-se-à o direito de conceder a entrevista ou não.
§ Sempre
que se proponha entrevistar alguém, a primeira coisa que o jornalista tem a
fazer é identificar-se, identificar o órgão de comunicação social para onde
trabalha, e explicar o tema da entrevista. Depois, no caso de vir a ser marcado
um encontro a posteriori, deverá cuidar para ser rigorosamente pontual,
por uma questão de respeito pelo interlocutor; e quando isso não for possível,
justificar-se e pedir desculpa.
§ Nunca
se corrigem os entrevistados, ainda que dêem à gramática o mesmo uso que se dá
a uma bola na final da Taça — isso ofende-lo-à, é inútil pois não o ensinará a
falar melhor português, e pode perfeitamente inviabilizar a entrevista.
Eventuais correcções fazem-se na passagem do discurso oral à escrita, e sempre
no sentido de melhorar a clareza do que foi dito permanecendo fiel às
declarações do entrevistado.
§ As questões a colocar ao entrevistado
devem ser logicamente agrupadas por temas ou áreas de interesse. Não se salta
anarquicamente de um assunto para outro, voltando atrás a bel-prazer, porque
isso confunde o entrevistado e tornará muito mais difícil a redacção do
trabalho jornalístico.
§ A
timidez é um defeito encantador, mas não num jornalista. Ele não pode ter
vergonha de perguntar, ou insistir sobre pontos que lhe pareçam obscuros. Deve,
pelo contrário, perguntar tudo até ao fim, muito, as vezes que forem
necessárias, até ter a certeza de que percebeu e que pode transmitir
competentemente o que lhe foi dito.
§
Colocar sempre todas as questões que se tinham previamente formulado. Por
vezes, provocar o entrevistado pode ser uma boa técnica no sentido de espevitar
o interlocutor. Mas nunca colocar questões desprimorosas, humilhantes ou com as
quais o entrevistado se possa sentir justamente ofendido, nem as que violem a
sua vida íntima. (A propósito de um trabalho sobre a PAC, não se pergunta Sr.
ministro, é verdade que quando era pequeno se vestia de mulher e gostava que
lhe chamassem Joana Caddy?)
§ Não
deixar o entrevistado fugir às perguntas — e são mestres nisso os políticos
profissionais. Sempre que o entrevistado desviar o assunto e desatar cheio de
coerência a falar de outra coisa qualquer, reconduzi-lo firmemente ao tema em
foco. De outra forma o jornalista foi manipulado.
§ Por
último, o jornalista deve respeitar as convicções religiosas e mundividências
dos entrevistados, mesmo que com elas não concorde, e fazê-lo de uma forma prática e não meramente teórica. Se
entrevista um bispo católico, não deve, enquanto faz sala, dissertar sobre as
delícias de uma vida sexual promíscua. Se convida um rabi para almoçar, pode
muito bem, por cortesia, evitar pedir carne de porco à alentejana. Assim como,
se se encontra num país islâmico, deve evitar sair para uma reportagem vestindo
roupas ou tendo comportamento que são chocantes para tais culturas. Essas
atitudes podem justamente ser tidas como provocações — e que outra coisa poderiam
ser?
Mário
Erbolato, citado por Silva Araújo
[44]
, acrescenta ainda, entre outras, as seguintes regras:
“1. Ajude o entrevistado, se necessário, a expôr
as suas opiniões. Conduza a entrevista.
2. Não
corte as respostas. Espere que cada uma delas termine, antes de formular a
próxima pergunta.
3. Não
emita a sua opinião, a menos que seja solicitada, e assim mesmo com modéstia e
humildade.
4. Não
seja agressivo. Demonstre franqueza, e não astúcia.
5. Faça
as perguntas ao mesmo nível de quem responde. Pode acontecer que a entrevista
seja importante, por ter sido procurada uma pessoa que saiba bastante sobre o
que ocorreu, embora humilde. Se ela ficar amedrontada, negar-se-á a dar
esclarecimentos preciosos para o jornal.
6. Não
se mostre superentusiasmado se ouvir uma resposta-bomba, porque o entrevistado,
diante da sua reacção, poderá pedir-lhe que suprima o que disse, temeroso das
consequências.
7.
Prepare o terreno para cada pergunta. As coisas mais cruéis e indiscretas podem
ser indagadas se o jornalista tiver o cuidado de se ir conduzindo com
habilidade”.
[37]
. Fonte de informação é um local onde
habitualmente se produzem ou se concentram informações de interesse geral”, in Cardet, Ricardo,
sd, Manual de Jornalismo, col. Nosso Mundo, Editorial Caminho, Lisboa,
p. 32.
[38]
. Além destas, nas aldeias portuguesas
existem ainda os utilíssimos postos públicos da Portugal Telecom - que podem
coincidir com a mercearia, o café, ou ser uma casa particular. Nunca ninguém
está mais bem informado do que se passa na aldeia que o responsável pelo posto
público, além de que sabem o nº de telefones de todos os restantes habida
aldeia.
[39] . Cardet, Ricardo, op. cit., p. 32.
[40] . Daniel Ricardo, op. cit., p. 33.
[41]
. Cacha é uma informação - em breve
notícia - que mais nenhum outro jornalista possui. Um exclusivo, portanto. A
palavra entrou na gíria jornalística a partir do francês, cacher, embora
já seja possível encontrar, mesmo em publicações, a deturpação caixa.
[42]
. Há, evidentemente, uma outra e excelente
razão para o fazer, que é o respeito que lhe deve merecer a fonte que emitiu o
embargo.
[43]
. Uma variante disto é solicitar as
perguntas por escrito e exigir que as respostas sejam publicadas na íntegra.
Poderá ceder-se no caso do Presidente da República que fala sobre uma matéria
de Estado muito delicada; mas nunca ao primeiro John Doe ou político de
pacotilha que gosta de se dar ares de prima dona. Aí o que há a fazer é
entrevistar imediatamente um rival ou concorrente, que a fonte logo amansa.
[44] . Silva Araújo, Op. Cit., p. 132.