Ironia e refutação como estratégias argumentativas no jornalismo interpretativo

Debora Cristina Lopez e Ivo José Dittrich1


Índice

Introdução

O jornalismo impresso brasileiro passou por inúmeras alterações no decorrer dos anos. Inicialmente dominada pela opinião, hoje a mídia possui um discurso mais pretensamente isento de tomadas de posição e, desta forma, de interferências diretas na informação transmitida ao receptor. Duas teorias atuais tratam o jornalismo sob distintas perspectivas: como espelho da sociedade ou como interventor, como elemento agente no processo social. A relação entre o fazer jornalístico do início do século passado e o fazer jornalístico do início deste século evidencia a mudança na postura dos comunicadores brasileiros2. O relato, anteriormente mais poético e de postura declarada, no Brasil, transmutou-se em algo mais exato, mais ``isento''3. Esta estrutura mais direta de construção do texto é muito utilizada pela mídia diária, que trata as informações mais factuais, e que devem ser absorvidas de maneira mais imediata pelo público. A informação em cápsulas, devido a isso, se expandiu no cotidiano jornalístico brasileiro. Os fatos são apresentados em notícias curtas, preferencialmente explicativas e didáticas, para que a compreensão do que se fala seja imediata. Entretanto, um dos questionamentos que surge refere-se à capacidade e/ou aos instrumentais fornecidos pela mídia para que o receptor compreenda os fatos além do que está explicitamente exposto pelos meios de comunicação. Os meandros da informação, o conhecimento que permite a construção de uma visão crítica dos fatos nem sempre são apresentados através do chamado jornalismo informativo4.

Além deste gênero, existem também o jornalismo interpretativo5 e o jornalismo opinativo6. Esta subdivisão foi absorvida pelo Brasil do jornalismo americano. A cada dia os jornalistas brasileiros afirmam tentar evidenciá-la, na busca pela isenção e pela construção e manutenção da credibilidade perante ao público. Para isso, foi criada a divisão dos jornais impressos em editorias, por setores de interesse das informações. Uma destas editorias é a de opinião, elaborada com a intenção de mostrar ao público que o meio de comunicação se preocupa em separar o que é opinião do que é informação, não influenciando a compreensão das informações através da tomada de postura do jornalista e do jornal.

Para estudar a utilização das estratégias argumentativas no discurso jornalístico, trabalharemos com a análise da utilização de determinados termos na construção de sentido no discurso utilizado pelos meios de comunicação. Para isso, a análise em questão irá se referir a produções especiais, em suplementos produzidos pelo jornal Folha do Paraná, referente a reportagens especiais, muitas delas pretensamente investigativas7. Será avaliada uma edição do suplemento semanal Folha Reportagem, do jornal Folha do Paraná, no dia 28 de maio de 2000 - a reportagem especial ``Testemunhas em Perigo'' (Recorte 01 - R1). R1 traz três páginas em formato Standard sobre testemunhas de processos criminais. São, no total, oito matérias direta ou indiretamente vinculadas. A seleção do corpus para este estudo se deu através da relevância e da repercussão das pautas dos suplementos, mesmo que não se refiram especificamente a questões criminais8. Por se tratar de reportagens inseridas no jornalismo interpretativo, em muitos momentos é possível verificar uma infiltração de opinião na argumentação estabelecida pelos comunicadores, tanto na seleção dos fatos e fontes quanto na apresentação do discurso do meio de comunicação. As reportagens especiais que compõem o corpus do presente estudo possuem também uma grande porcentagem de espaço publicitário em sua apresentação. R1, possui aproximadamente 70% de material jornalístico e 30% de material publicitário, mesmo assim, a publicidade predomina na página de abertura do suplemento Folha Reportagem9.

Optamos por trabalhar, nesta análise, com trechos e frases reais, extraídos do corpus deste estudo. Por isso, e por ser o estilo de texto jornalístico caracteristicamente remissivo, em muitos momentos recorta-se uma amostra mais longa, que estende-se além da frase central, da qual se seleciona a expressão analisada.

O objetivo do estudo proposto é verificar como a utilização de alguns termos propicia a construção e a efetivação da argumentação jornalística em reportagens especiais. A verificação das implicações das distintas construções textuais pode auxiliar na compreensão das mudanças no fazer jornalístico e das variadas compreensões do conteúdo geradas pelas estruturas sintáticas apresentadas. O presente trabalho pretende vislumbrar, através dos estudos da AD10 e da sintaxe, um panorama da produção discursiva jornalística no jornalismo impresso brasileiro.

Além disso, a partir das linhas de pesquisa propostas, busca-se diferenciar, na produção em questão, o tratamento dado a fatos de relevância e interferência direta no cotidiano dos receptores. Serão levadas em conta nesta análise também as especificidades do jornalismo impresso brasileiro, o que pode alterar a compreensão do analista sobre a construção textual em questão, interferindo em visões como a intencionalidade do discurso.

Assim, busca-se verificar a existência de mudanças nos efeitos de sentido, no que se refere ao discurso jornalístico impresso. Retomando a perspectiva de análise sob a ótica do produtor, como a pesquisa proposta trabalha com a interlocução e a interação mediados por recursos tecnológicos, pretende-se identificar algumas das principais alterações geradas pela evolução dos meios e da política brasileira no discurso do jornalismo impresso brasileiro.

A produção jornalística e as definições de suas especificidades, em muitos momentos, constróem-se a partir do conhecimento de senso comum - um saber cotidiano caracterizado por ser subjetivo, trabalhando com ``sentimentos e opiniões individuais e de grupos'' (CHAUÍ, 1994), além de caracterizar-se como generalizador, muito mais do que científico. Esta realidade da comunicação é, aos poucos, alterada. Hoje, o jornalismo, antes embrionário, busca definir padrões e critérios em busca de sua cientificidade. Para isso, apóia-se em outras linhas teóricas, como é o caso das ciências da linguagem.

Estratégias argumentativas

As estratégias argumentativas se apresentam nos mais variados estilos discursivos. O discurso jornalístico, assim como a maior parte da argumentação polêmica e das temáticas tidas como polêmicas, apóiam-se em recursos sintáticos para construir e/ou reforçar sua eficácia. Entretanto, no texto jornalístico, principalmente na prática do jornalismo interpretativo, observa-se a utilização da ironia e da refutação como estratégias essenciais.

Ao optar pela ironia, é possível observar a presença de dois sujeitos no discurso: o enunciador e o locutor (DUCROT, 1987). O locutor está apresentado explicitamente, é quem apresenta o discurso ao interlocutor, a fonte do discurso. Já o enunciador é um segundo sujeito, nem sempre explicitado e nem sempre identificado no processo ilocutório, sendo, entretanto, o responsável pelo conteúdo expresso.

Pode-se também pensar, no discurso, na estratégia da refutação, também possivelmente polifônica, já que trabalha com a negação como denotadora do enunciador como uma manifestação de múltiplas compreensões. Busca-se em Nagamine Brandão (1998) a caracterização do ato refutativo como manifestação de discurso polêmico11.

Ironia

A verificação da presença de uma das estratégias argumentativas apresentada como hipótese neste estudo se observa através da constatação na mescla entre a informação e a opinião no corpus. A ironia é detectada no discurso nos momentos em que o texto demonstra a tomada de posição tanto do comunicador quanto de suas fontes - aqui, locutores e enunciadores do discurso.

Embora a ironia trabalhe a questão mais contextual, abordando o discurso de maneira mais global é possível identificar em expressões, palavras e até mesmo em conectores características de polifonia que levam à compreensão irônica da mensagem. Desta forma, mesmo que se desvincule a expressão de seu contexto discursivo imediato é possível observar nela uma multiplicidade de interpretações, que podem ser facilitadas ou dificultadas pela realocação contextual. No caso de reportagens especiais, enquadradas no jornalismo interpretativo, é comum observar a utilização de condicionantes. Estes elementos podem ser apresentados no texto por distintos motivos, como: (a) a necessidade do jornalista ser, ao mesmo tempo, questionador e objetivo - assim, através do condicionante, apresenta a informação coletada e a questiona sem, no entanto, apresentar este questionamento como uma tomada de posição do meio de comunicação; (b) ironiza, através do uso de condicionantes, informações apresentadas a si pelas fontes admitindo, com isso, ter uma posição sobre os fatos que discute e investiga. Com a adoção da ironia como estratégia argumentativa - o que muitas vezes se dá de maneira não-intencional - o comunicador (interlocutor no processo discursivo) opta pela opinião, isentando-se de aderir ao discutido mito da objetividade jornalística12.

No texto principal de R1 encontra-se o trecho:

(1) O Estado tem dezenas de depoentes que aceitaram contar o que sabem à polícia ou a parlamentares que investigam a atuação do crime organizado. Tiveram a garantia de uma suposta proteção que acabou não se concretizando (grifos nossos).

Em (1) a utilização de ``suposta'' ironiza a proteção oferecida pela polícia paranaense, levando o leitor a compreender, através da generalização, que embora a idéia socialmente estabelecida seja de que o cidadão deve cooperar com as investigações realizadas pela polícia, valeria mais a pena a população garantir sua segurança não cooperando com o trabalho dos grupos de investigação - policiais e parlamentares - do Estado. Neste trecho, a expressão ``suposta segurança'' poderia ser substituída, formando (1a), que demonstra através da conversão à estrutura afirmativa a polifonia e a mudança da compreensão do enunciado presente na expressão.

(1a) Tiveram a garantia de uma falta de proteção que acabou se concretizando.

Enquanto a compreensão literal nos leva à precisão e ao alcance da segurança, a ironização, comprovada pela negação da negação do discurso, apresenta a compreensão secundária, polifônica, presente mais no campo da enunciação que no da locução, e despertado pelo uso da expressão ``suposta segurança''.

Refutação

O ato de refutação está vinculado, na sua maioria, à negação. Nagamine Brandão (1998) remete a Austin e Searle para caracterizar o ato de refutação pela convencionalidade ou pela intencionalidade.

É pelo seu caráter convencional que um ato de refutação do tipo:

(5) ``Este carro não é confortável''

pode ser parafraseado por um verbo performativo na primeira pessoa singular do presente:

(6) ``Eu refuto que este carro seja confortável''

É pelo seu caráter intencional que se reconhece em (6), por meio do relato

(7) ``X refutou que o carro de Y é confortável'',

a intenção ilocutória de realizar uma refutação e ainda a intenção de que seja reconhecido nessa enunciação (6) um valor de refutação. (BRANDAO, 1998:75)

O processo de refutação exige uma interação entre os interlocutores, com a argumentação do enunciador, apresentando os argumentos para a refutação e, assim, levando a uma reação do interlocutor. Para construir o discurso de estrutura refutativa, alguns marcadores apresentados por Moeschler (apud BRANDÃO) devem ser levados em consideração, entre eles:

a) o verbo ``refutar''

b) locuções como ``não é verdadeiro'', ``é falso'', etc, com ou sem reiteração do conteúdo.

c) lexema considerado marcador potencial de ato de refutação, mesmo que usado em enunciados não refutativos

d) conectores que indicam ou confirmam o valor refutativo do discurso

e) negação -formal ou semântica13.

O ato de refutação através da negação pode se dar de maneira literal ou polifônica. Neste ponto, ironia e refutação se cruzam. Quando, por exemplo, ironicamente se diz (3) é possível realizar análises variadas, com a compreensão determinada pelo contexto em que se inserem os interlocutores.

(3) Eu? Jamais faria isso!

Encontrando-se o locutor em um contexto de acusação de um ato que realmente não poderia ter realizado, a compreensão literal é despertada. Já, por exemplo, se a resposta vem de um detento por roubo e refere-se à pergunta: ``você já foi preso por roubar um supermercado?'' a compreensão é polifônica, e a manifestação pode ser intencionalmente irônica, visando a, na realidade, afirmar que já foi preso nestas condições.

Verifica-se então que o ato de refutação constitui-se da relação entre a negação e a argumentação. Isso porque a simples negação não garante a existência de um ato refutativo. A refutação pede um componente argumentativo visando a justificar o valor negativo apresentado pelo discurso. Na refutação, é importante que o componente negativo tenha desacordo com o que incide sobre o ato de enunciação ou ainda sobre o próprio conteúdo do enunciado apresentado. Exemplos podem ser observados em:

(4) - Coma um chocolate.

- Não, obrigada. Chocolate é muito calórico.

- Você sabe que não comerei doces até a formatura para não engordar.

O exemplo (4) demonstra como um desacordo por incidir sobre o ato de enunciação em que, segundo explica Nagamine Brandão, ``se questiona a pertinência da pergunta'' e, portanto, enquadraria-se em um desacordo metacomunicativo.

Em outro exemplo a recusa se dá não em relação ao conteúdo, mas sim ao enunciador do discurso:

(5) - Pegue o livro e vá estudar.

- Não recebo ordem de você (ou o vulgarmente conhecido: você não manda em mim). (BRANDÃO, 1998: 86)

Há ainda uma terceira possibilidade de geração de recusa, incidindo sobre as intenções subjacentes, que recaem sobre as conseqüências geradas pela aceitação da ordem que inicia a evidenciação de relações entre os interlocutores, como a relação de autoridade apresentada em (6):

(6) - Você me copiará vinte vezes esta citação.

- Não, isso lhe daria muito prazer. (BRANDÃO, 1998: 86)

Verifica-se, a partir destes exemplos, que a negação componente da refutação exige a consideração do contexto e dos elementos argumentativos do discurso, seja ele jornalístico, didático, conversacional, etc. Independente da presença do componente polêmico no discurso, a presença da argumentação e das explicações das negações é pressuposto para a compreensão e a aceitação dos atos de refutação na mídia.

Estratégias em Folha Reportagem

O texto do jornalismo interpretativo, por trabalhar com uma multiplicidade muito grande de fontes e com um alto volume de informações, apresenta constantemente contestações, argumentações e refutações em seu discurso. Esta estrutura é parte da estratégia de convencimento e/ou persuasão do receptor, já que demonstra uma certa isenção por parte do comunicador, aumentando sua credibilidade perante o público e aumentando a eficácia da intencionalidade do discurso.

É possível identificar, em reportagens especiais, os cinco tipos de marcadores de refutação discutidos por Brandão, predominantemente identificados os conectores, como os operadores argumentativos, e os estilos de negação, seja ela formal ou semântica.

O uso de conectores pode ser observado em (7), quando sua utilização representa uma negação do que representaria ser testemunha de crimes: o auxílio no combate à criminalidade e a ajuda à manutenção da segurança no Estado. Ser testemunha passa a representar risco, isto é, a não tranqüilidade dos membros de uma dada sociedade.

(7) Ser testemunha de crimes no Paraná pode representar uma ameaça à vida ou, pelo menos, à tranqüilidade das pessoas. (grifos nossos)

Já os marcadores de negação podem ser encontrados tanto nas citações das fontes quantos no discurso construído pelo jornalista, como se observa em (8) e (9):

(8) ``Vivemos com medo. Não temos apoio, nem segurança. Acho que a polícia está esperando acontecer mais uma tragédia''.

Em (8) observa-se tanto a negação explícita em ``Não temos apoio, nem segurança'' (8b), quanto a negação semântica implícita, através de ``Vivemos com medo'' (8a). Em (8a) visualiza-se o estabelecimento de oposição medo x coragem. Esta oposição, como explica Brandão (1998), entretém uma relação de oposição entre os predicados, neste caso com medo e com coragem. Desta forma, poderia-se gerar a partir de (8a) a sentença (8c)

(8c) Vivemos com coragem.

Através da negação explícita de (8b) é possível manifestar de maneira clara uma contradição com o que foi estabelecido anteriormente; abrir a possibilidade para que se negue o valor refutativo asseverado pelo enunciado; além de não marcar explicitamente a subjetividade do locutor, como acontece com o uso da expressão refutar, por exemplo, podendo traduzir a implicitação do enunciador (BRANDÃO, 1998:77).

Já (9) traz a negação no texto do jornalista, pretensamente mais claro e isento. Da mesma forma, retrata a ausência de segurança e de atendimento adequado às testemunhas de crimes no Estado. Nesta sentença, a refutação se faz através da negação explícita, com a presença de sua expressão mais representativa, o não.

(9) Eliane e o marido, José Vicente Gonçalves Filho, dizem que já pediram proteção às autoridades do Estado, mas não tiveram resposta.

A sentença traz também, aliada à negação explícita, a negação implícita através do uso do mas. Com a utilização desta expressão, mesmo se inserida em uma sentença não refutativa, fica inserido no discurso um valor refutativo ao ato ilocutório.

Em (10) aparecem novamente os operadores argumentativos. Mais uma vez, a expressão é utilizada como negação. Entretanto, nesta sentença esta negação é predominantemente enunciativa, contrapondo o conteúdo dos enunciados. Assim, mesmo com a proteção chegando, veio tarde demais, e, portanto, foi ineficaz.

(10) A proteção chegou. Mas veio tarde demais.

(11) compõe uma sentença que é título de uma das matérias da página 02 do R1. Nela, o uso de aspas destaca o lexema de valor refutativo inferno. Este lexema destaca sua característica refutativa tanto pela oposição ao que seria considerado positivo, o paraíso. Caso a família vivesse um paraíso estaria inserida na situação considerada ideal, positiva, não necessitando refutação. Além disso, a estrutura da frase é positiva, indicando que a família vive, agregada, uma dada situação. Entretanto, através de um lexema - inferno - percebe-se um marcador potencial de ato de refutação à situação.

(11) Família de menino raptado vive `inferno' após denúncia. (grifos nossos)

Considerações Finais

O discurso apresentado pela mídia nas reportagens especiais possui um grande percentual de refutação e negação. Este estilo textual, de compreensão polifônica, em muitos momentos recai na ironia, quando se rompe a diferenciação entre o jornalismo opinativo e o jornalismo informativo e/ou interpretativo na prática cotidiana.

A partir das refutações e negações que se apresentam no suplemento Folha Reportagem, o discurso jornalístico estabelece-se de maneira mais eficaz como interventor no processo social e transmissor de sentidos. A mensagem transmitida através de discursos literais, discursos polifônicos, sentenças positivas, negativas ou refutativas têm abrangência variada frente ao receptor. Com a refutação, o sentido do discurso é mais apreendido devido à credibilidade que este adquire, assim como seu produtor. Isso porque, mesmo tendo em sua origem um locutor e um enunciador - que podem ou não ser o mesmo - a contestação dos fatos e sua abordagem mais aprofundada dão ao receptor uma maior confiabilidade em relação à verdade das informações e das compreensões que estas transmitem. Esta contestação e esta ampla visão é apresentada através da refutação, como se vislumbra em (12), (13) e (14).

(12) Se alguém quiser fazer mal (12a) para a gente basta aproveitar um vacilo (12b) nosso. Com os nomes dos denunciados no processo fica mais difícil, já que seriam os primeiros suspeitos. (grifos nossos)

O trecho (12b) da sentença evidencia como a negação semântica pode ser apresentada de maneira mais implícita sem, no entanto, perder sua eficácia. Sua abrangência é confirmada através do estabelecimento de relações de oposição com um termo semanticamente definido como positivo. Neste caso, a troca seria entre as antonímicas fazer mal e fazer bem. Já (12b) representa a refutação marcada por um lexema que, aqui, aparece isoladamente. Este lexema é utilizado, como apresenta Brandão (1998), em um enunciado não refutativo, mas adquire parcialmente esta característica, e passa a ser denominado marcador potencial de ato de refutação.

(13) A maioria é formada por investigadores. Mas entre os afastados estão sete delegados. (grifos nossos)

A sentença (13) trabalha com operadores argumentativos buscando indicar e/ou confirmar o valor refutativo do ato ilocutório. Assim, com a utilização da expressão mas há uma reiteração na informação anteriormente apresentada, neste caso, mostrando a seguinte negação: mesmo que a maioria dos investigados pela Comissão Parlamentar de Inquérito sejam investigadores, eles são a menor parte dos afastados. Esta conclusão, extraída da sentença, pode ser distintamente compreendida: (a) como se os investigadores tivessem menor culpa que os delegados; ou (b) como se os investigadores tivessem maior influência sobre os membros da CPI que os delegados, mantendo-se, desta forma, livres das acusações após um tempo de investigação.

(14) Mas a verdade é que (14a), desde o início do ano, Walenga vinha percorrendo redações de jornais - principalmente a Folha - para denunciar que estaria sofrendo mudanças e não (14b) vinha recebendo a proteção prometida pelos deputados. Nada foi feito (14c). (grifos nossos)

Na sentença (14), mais especificamente no trecho (14a), é possível observar a presença de uma locução metalingüística, que funciona neste contexto como elemento reiterador do conteúdo proposto, a partir de um marcador indicativo do ato de refutação. Já em (14b) localiza-se a refutação explícita, com negação literal, situação habitual no jornalismo, principalmente em reportagens que contam com múltiplas fontes.

Em (14c) observa-se como, através da negação explícita e da tomada de posição do locutor e do interlocutor, a refutação age como intensificadora da transmissão da informação. Além disso, o lexema nada funciona como marcador potencial de ato de refutação. Isso porque caso seja substituído por uma antonímica - como tudo, por exemplo -, torna a sentença positiva, mas ainda assim, com um potencial refutativo.

Referências Bibliográficas



Footnotes

... Dittrich1
Debora Cristina Lopez é mestranda em Letras pela Unioest, graduada em Jornalismo pela UEPG e professora do curso de Comunicação Social - Jornalismo da Univel, em Cascavel. Ivo José Dittrich é doutor em Lingüística pela UFSC, mestre em Filologia e Lingüística da Língua Portuguesa pela UNESP, graduado em Letras pela FECIVEL e coordenador do curso de Letras da UNIOESTE - campus de Foz do Iguaçu.
... brasileiros2
A mudança citada aqui não é identificada somente nos meios de comunicação brasileiros, mas na mídia mundial como um todo. Isso porque o jornalismo, em uma visão mais generalizada, deixou de lado seu viés mais poético, transformando-se, aparentemente, em um relato mais imediato dos fatos jornalísticos. (BAHIA, 1990; GIOVANINNI, 1987)
... ``isento''3
Um dos grandes paradigmas do jornalismo atual são a objetividade e a isenção na transmissão dos dados. O jornalista, segundo alguns autores, não consegue ser totalmente isento ao transmitir uma informação. Isso porque carrega consigo uma carga de informações particulares, um conhecimento de mundo que interfere em suas opções ao realizar uma matéria e também na maneira como interpretará, discutirá e apresentará os fatos ao receptor. (BARROS FILHO, 1995)
... informativo4
O jornalismo informativo é aquele utilizado pelos meios de comunicação impressos brasileiros na cobertura diária das informações. Este estilo trabalha com as informações elaboradas e apresentadas em estrutura mais direta, textos normalmente curtos e respondendo a seis perguntas básicas: que? Quem? Quando? Como? Onde? Por que? (BAHIA, 1990)
... interpretativo5
O jornalismo interpretativo trabalha com informações mais elaboradas. É essencialmente utilizado em publicações semanais e/ou mensais, com periodicidade mais esparsa, ou ainda em cadernos especiais e edições de final de semana de jornais diários. Isso porque, como o nome já diz, este gênero busca interpretar as informações. Para isso, procura um número maior de fontes, buscando informações além das já apresentadas pela mídia diária, repercutindo fatos já discutidos, abordando-os com maior aprofundamento. (BAHIA, 1990)
... opinativo6
O jornalismo opinativo é constituído essencialmente de textos que marcam a opinião dos autores. Conta com editoriais, que trazem a opinião do meio de comunicação, e colunas, artigos, crônicas, críticas, escritos por especialistas, em alguns casos jornalistas, considerados autoridades na área em questão. Estes espaços estão sempre evidenciados como opinativos no meio de comunicação, buscando diferenciá-los bem da produção jornalística da publicação. (BAHIA, 1990)
... investigativas7
O jornalismo investigativo trabalha com reportagens, na sua maioria, polêmicas, como é o caso de ``Testemunhas em Perigo'' que traz a discussão sobre as testemunhas de processos no Paraná. Entretanto, muitas vezes a produção jornalística não apresenta as características de investigação e análise, mas sim traz informações em grande número, e que, entretanto, nem sempre acrescentam novos fatos à pauta em questão.
... criminais8
As notícias que causam, na sua maioria, mais intensa repercussão dizem respeito a informações de segurança e criminais. Entretanto, fatos como a previdência, que têm direta influência no cotidiano do público, também costumam repercutir em meio à produção jornalística diária.
... Reportagem9
Dois elementos valorizam a publicidade utilizada na capa de R1: as páginas ímpares, como é o caso, são mais valorizadas porque mais destacadas pelo olho humano na leitura de um jornal impresso; a publicidade colorida é considerada mais eficaz que a impressa em preto e branco.
... AD10
A análise do discurso será trabalhada nesta pesquisa sob a perspectiva dos pesquisadores da linha francesa, centrando a fundamentação em autores como Eni Orlandi, Helena Nagamine Brandão, Dominique Maingueneau e Authier-Revuz, como apresentado a seguir no referencial teórico.
...emico11
Entre os estilos discursivos denominados como polêmicos estão o religioso, o político, o midiático - neste insere-se o jornalístico.
...istica12
O mito da objetividade jornalística é muito discutido no campo da comunicação, e diz que o jornalista deve se isentar de todas as suas crenças, posições e opiniões ao realizar uma cobertura. Entretanto, as contestações a esta crença dizem que o jornalista, por se tratar de um sujeito interlocutor nos discursos, está sujeito às interferências do seu conhecimento de mundo e do conhecimento de mundo dos demais interlocutores do discurso jornalístico. Assim, o produtor jamais conseguirá ser 100% isento, imparcial e/ou objetivo em seu discurso. (BARROS FILHO, 1995)
...antica13
``A negação formal se apresenta de forma explícita; a negação semântica se faz de forma implícita. Assim como certos enunciados que apresentam o operador lingüístico de negação (morfema de negação, prefixo negativo) nem sempre expressam semanticamente a negação [...], há enunciados expressos em forma positiva que veiculam um sentido negativo como em:

(11) O menino é triste

(12) O café está frio

(13) A vítima é mulher'' (BRANDÃO, 1998: 78-79)

Muitas vezes, para que se faça a verificação da negação em um enunciado positivamente estabelecido, é preciso estabelecer uma relação de oposição, utilizando um termo semanticamente positivo. Assim, garante-se a realização da negação através do estabelecimento de uma relação de oposição de pares antonímicos.