Todos os homens do presidente:
Uma aula de jornalismo contemporâneo

Adriano Messias de Oliveira1




Resumo: Podemos considerar Todos os homens do presidente (All the president's men, Alan Pakula, 1976) um filme paradigmático para o estudo das teorias do jornalismo contemporâneo. Na abordagem deste artigo, vamos nos deter principalmente na hipótese da Agenda-Setting e no Newsmaking, analisados de maneira livre dentro das cenas e do enredo deste filme que é considerado uma das obras-primas do cinema, ganhador de quatro Oscar.

Abstract: We can consider All the president's men (Alan Pakula, 1976) a paradigmatic movie to study contemporary journalism theories. In this article, we will stress specially Agenda-Setting hypothesis and Newsmaking, analysed in a free way from scenes and plot. This movie is considered one of the masterpieces of cinema and won four Oscar.

``Nothing's riding on this except the first amendment of the Constitution, freedom of the press and maybe the future of this country''.2

Todos os homens do presidente (Alan Pakula, EUA, 1976) trata do escândalo de Watergate, ocorrido em Washington, em 1972, que veio a ganhar as primeiras páginas dos principais jornais do mundo. Tudo, porém, começou em um patamar muito pequeno na esfera política americana: uma invasão do edifício Watergate por cinco aparentes ladrões não mereceria mais do que páginas policiais, mas ganhou, com o tempo, uma proporção não imaginada. O que ocorreu de fato foi um caso amplo de espionagem política que levou o presidente republicano Richard Nixon, eleito em novembro de 1972 para seu segundo mandato, a ser forçado a sair do cargo. O filme mostra cenas históricas, permeadas às demais dirigidas por Pakula, reforçando sua intenção de bem reproduzir o que foi o caso Watergate.

Alguns meses antes da reeleição de Nixon é que ocorreu a detenção dos cinco invasores, no quartel-general eleitoral do Partido Democrata, no edifício Watergate. Eles eram ligados ao FBI e à CIA, e foram apreendidos usando câmeras e microfones. Nada disso, em princípio, interferiu na reeleição de Nixon, porém, as suspeitas de que o próprio presidente estivesse envolvido no caso aumentaram. É neste momento que vão surgir no cenário jornalístico os repórteres investigativos Robert Woodward (interpretado por Robert Redford) e Carl Bernstein (Dustin Hoffman), do jornal The Washington Post. A partir daí, todo o filme mostrará o esforço e os méritos de dois profissionais em busca da ``verdade'' na solução de um caso extremamente obscuro.

Podemos ter o caso Watergate como o maior escândalo da política interna na história dos Estados Unidos. Inicialmente, as informações para a trama surgiram graças a um antigo assessor e braço de ferro de Nixon, G. Gordon Liddy, advogado pertencente à comissão para a reeleição, e James McCord Jr. Ambos tinham planejado a operação de espionagem contra os democratas em 1972. Porém, é impressionante, durante todo o caso, a busca dos jornalistas Bob e Carl pelas fontes, os quais investigaram incessantemente, de maneira obsessiva, todos os prováveis suspeitos de estarem ligados ao caso Watergate. Entrando agora no filme, podemos afirmar que a relação de fontes é realmente enorme: a câmera exibe uma lista com dezenas de pessoas, cujos nomes são metodicamente rabiscados sempre que visitados pela dupla.

A redação em que se passa o filme é a original do The Washington Post. Lá, imersos em uma monotonia monocromática, trabalham vários jornalistas, distribuídos em suas mesas. Muitos são fumantes e datilografam em máquinas, como se fazia nos anos 70. Colocando-se de lado os cortes de cabelo, a moda e a diferença tecnológica, podemos considerar o enredo de Todos os homens do presidente passível de ocorrer na época atual, por exemplo.

O espaço da redação é o lugar da repetição, representa o esforço em se apurar fatos. O filme nos traz, por isso, um certo glamour jornalístico em parte perdido (e talvez nunca existido): o do tempo da notícia que voa; o do tempo em que se pára apenas para se tomar muitas canecas de café e pensar - como um detetive -, nos prováveis envolvidos no caso que abalaria a política mundial. Algo que se parece com a literatura detetivesca dos folhetins ou com as narrativas picantes do universo de Nelson Rodrigues.

Quem realiza as primeiras ligações telefônicas (e que fornecem poucos resultados) para apurar os fatos no filme é Bob. Ele é um jornalista ainda inexperiente, porém, cheio de idealismo. Em contraposição, tem como chefe um editor experiente, prudente, paternal. No momento de se falar em espanhol com um tal senhor Herrera, o etnocentrismo é gritante: nem Bob e nem qualquer outra pessoa naquela redação falava o idioma.

O primeiro contato no filme entre Bob e Carl é quando este último refez o texto do novato. Há um confronto na base da arrogância, mas Robert acaba por assumir que sua redação não era tão boa assim. No mundo dos jornalistas, não só escrever bem, mas saber o que escrever era fundamental, como advertiu o editor a Bob: ``Cuidado com o que escreve''. Ou seja, a escrita é uma arma que pode ser favorável ou não ao jornalista. É preciso saber manejá-la com precisão, não há espaço para falhas.

Carl Bernstein estava há algum tempo para entrar na cobertura do caso Watergate. Iria, na verdade, ser demitido, mas recebeu uma nova chance de seu chefe. Ao contrário de Robert, Carl sempre fora desorganizado, não se preocupava tanto com a aparência física e era menos metódico. Bob era o que se podia chamar de jornalista pragmático: primava pelos fatos e sabia que somente com eles teria, como profissional, autoridade em seus textos. É ele que, em certa altura, diz a Carl, que titubeava sobre a profundidade das investigações: ``Não fale em sorte, fale em fatos ou cale-se''.

A figura do editor-geral do The Washington Post é a do homem que já viu de tudo, ou que julga ter visto. Assim, ele aprova ou não os textos, sentencia, rabisca, muda as frases, o sentido das palavras, no eterno conflito que se evidencia nas redações: o jornalista que quer seu texto imaculado, que o julga pronto, e o veterano que lhe poda a vontade. Ele é alguém que ``castra'', no sentido psicanalítico, que mostra até onde vai o limite do outro, de seu subordinado. E de fato, em determinada cena do filme, a matéria, que Bob e Carl julgavam tão boa, para uma provável primeira página, foi para as páginas internas sob um pedido veemente do editor: ``Quero mais fatos.''

Em um momento de dúvida por parte dos superiores, cogitou-se inclusive em se colocar jornalistas mais experientes no caso, que estava tendo repercussão inicialmente apenas no The Washington Post. Ou seja: qualquer deslize poderia comprometer o jornal.

Talvez a fonte mais importante que tenha aparecido para os dois repórteres tenha sido o chamado Deep thorat, ``Garganta profunda'' (nome dado pelo editor de Bob e Carl, inspirado no título de um dos mais famosos filmes pornográficos dos EUA, o Garganta profunda, que muito chocou a sociedade americana na época de seu lançamento - 1972 - por conter cenas de sexo oral explícito com a atriz Linda Lovelace). A misteriosa fonte combinava um local inusitado e em penumbra - a garagem coletiva de um prédio -, para aparecer a Bob, sob a luz de um isqueiro, fazendo-lhe revelações.

Em outra parte do filme, Bernstein, ao se encontrar com Judy Hoback (a bibliotecária do Comitê de Reeleição) ``se oferece'' para entrar e tomar um café, o que acaba em uma conversa que durou horas. Além de Garganta Profunda e Judy, os repórteres precisavam de outras confirmações antes que o editor Bradlee publicasse uma história implicando H. R. Haldeman, o presidente-chefe da equipe e o segundo mais poderoso homem de Washington, no complexo caso. Bernstein procurou uma das fontes e disse que contaria até dez. Se chegasse a dez e a fonte ainda estivesse na linha telefônica, isso significaria que Haldeman estava envolvido e a pessoa do outro lado, por não ter dito nada, estaria isenta de qualquer acusação judicial, caso o telefone estivesse grampeado. A fonte permaneceu na linha. Os dois jornalistas correram para o elevador para dizerem isso a Bradlee, e este lhes permitiu a publicação da história.

O filme exibe reuniões de pauta como momentos até certo ponto descontraídos em que os editores, por editorias, comentavam as prováveis matérias a entrar no próximo jornal, divididas em internacionais, nacionais, locais e comunitárias. As manchetes da primeira página eram sempre negociadas.

O filme foi baseado no livro homônimo de Woodward e Bernstein (que chegaram a receber um prêmio Pulitzer, em 1973). O editor de cidades (city editor) Barry Suissman, que desempenhou um papel vital ao ajudar os dois jovens repórteres, teve suas memórias publicadas em 1995. Simons, o antigo editor-chefe, nunca realmente externalizou seu ressentimento pelo fato de seu papel no Watergate ter sido fatalmente encurtado no filme Todos os homens do presidente. Já os dois jornalistas sempre foram desafiados por Ben Bradlee (Jason Robards), o editor executivo do jornal.

Como nem todos conhecem o caso Watergate, os fatos se encerraram da seguinte maneira. Em abril de 1973, a Casa Branca foi considerada suspeita de encobrir a ação de espionagem política. Então, três assessores do presidente apresentaram a demissão. As declarações das testemunhas indicaram que, desde 1971, Nixon gravava quase todas as conversas com seus colaboradores em fitas magnéticas. Todavia, o presidente recusou-se a pôr à disposição da comissão investigadora tal material. Tanto o senador Sam Ervin, presidente da comissão de investigação do Senado, como Archibald Cox, que em maio daquele ano foi nomeado procurador-geral especial da República, insistiam em ouvir as fitas. Nixon recusou novamente e tentou provocar a destituição de Cox e deter o processo. Já era tarde, contudo: o escândalo tornou-se notícia de primeira página.

No fim de outubro de 1973, o procurador-geral da República apresentou a demissão por se recusar a destituir Cox. Seu substituto recusou-se também a demiti-lo do cargo e teve igualmente de renunciar. Por fim, o procurador-geral acatou a ordem do presidente. Mas Nixon forneceu versões trocadas das fitas, nas quais faltavam diversas passagens (e uma delas, havia uma lacuna de 18 minutos). Tudo isso fez com que as suspeitas que recaíam sobre o presidente aumentassem. O caso chegou ao Supremo Tribunal, que, em julho de 1974, decidiu, por unanimidade, que Nixon tinha de apresentar as fitas na íntegra.

O Congresso declarou-se disposto a apoiar uma moção (ou seja, uma apresentação de um assunto para ser discutido em assembléia) de censura contra Nixon, que tinha poucas possibilidades de vencer. Esperava-se que o Senado o declarasse culpado de ter impedido a aplicação da lei e de usar indevidamente seu cargo. Mas Nixon decidiu adiantar-se à moção de censura e, em 8 de agosto de 1974, anunciou sua própria demissão. Gerald Ford, que o substituiu, concedeu-lhe uma anistia e evitou que Nixon fosse processado.

Nixon não viveu mais na Casa Branca após 9 de agosto de 1974. Woodward ainda está no The Post como assistente de editor de investigações (assistant managing of investigations). Ele escreveu recentemente The Choice (A Escolha), sobre Bill Clinton e Bob Dole. Bernstein deixou o jornal logo após o caso Watergate para tornar-se chefe (bureau chief) da ABC News, onde ficou por menos de dois anos. Ele não permaneceu por um bom tempo em nenhuma organização desde então, e escreve livros e artigos como freelancer. Recentemente, escreveu um livro sobre o Papa João Paulo II.

O jornalismo exemplificado no filme é de uma ordem um tanto rara em nossos dias. Podemos dizer, de maneira jocosa, que as notícias correm atrás dos jornalistas hoje, mas Bob e Carl foram buscar notícias onde ninguém as via e onde nem sabia que poderiam ser encontradas. As redações atuais acabam apenas por remodelar informações que chegam por meio de press-releases e agências de notícias, dando-se ao trabalho da reestruturação textual apenas. Da mesma forma, a articulação do jornalista com as fontes não é arbitrária ou casual, mas pode-se dizer que já se espera algo de quem se entrevista. Assim, é mais confortável o uso de fontes oficiais, institucionais, por exemplo, pois são seguras e têm sempre a dizer aquilo que se espera para se elaborar um bom texto. Bob e Carl sabiam que muitos nomes de sua longa lista teriam coisas a dizer, mas não sabiam o quão frutíferas seriam para o caso. Vale mencionar que, em 1979, ELLIOT (apud Mauro WOLF: 1999, 237), já dizia que ``o jornalismo assemelha-se mais à agricultura intensiva do que à caça ou à colheita.''

Pelos motivos mostrados neste artigo e por outros que venhamos a desconhecer, o filme Todos os homens do presidente mostra-se muito atual e pertinente para ser estudado por alunos de cursos de Comunicação/ Jornalismo e áreas afins. Sugerimos que o professor exiba o filme, apresente alguns comentários sobre ele e sobre o caso Watergate e discuta, em forma de um seminário, os conteúdos que sejam convenientes.

Dados do filme:

Ano: 1976

Produtora: Warner Bros

Tempo: 2 horas e 16 minutos

Diretor: Alan J. Pakula

Elenco: Robert Redford (Bob Woodward); Dustin Hoffman (Carl Bernstein); Jason Robards (Ben Bradlee); Hal Holbrook (Deep Throat); Jack Warden (Harry Rosenfeld); Martin Balsam (Howard Simons); Jane Alexander (Judy Hoback, a bibliotecária); Meredith Baxter (Debbie Sloan); Ned Beatty (Martin Dardis); Stephen Collins (Hugh Sloan Jr.); Lindsay Crouse (Kay Eddy); Polly Holliday (a secretária de Dardis); F. Murray Abraham (primeiro oficial); Frank Wills, o segurança do Watergate que chama a polícia, interpretado por ele mesmo.

Total de indicações ao Oscar: 8.

Oscar ganhos: 4 - Jason Robards, melhor ator coadjuvante; William Goldman, melhor roteiro adaptado, George Jenkins e George Gaines, melhor direção de arte; Arthur Piantadosi, Les Fresholtz, Dick Alexander e Jim Webb, melhor som.

Demais indicações: melhor fotografia (perdeu para Rocky); Jane Alexander, melhor atriz coadjuvante; Alan J. Pakula, melhor diretor; Robert L. Wolfe, melhor editor.

Referências bibliográficas e da internet



Notas de rodapé

... Oliveira1
Mestre em Comunicação Social pela UFMG, Universidade Federal de Minas Gerais. Professor e pesquisador nas áreas de Comunicação, Cinema e Patrimônio em Belo Horizonte, MG, Brasil. Email: adrianojornalista@yahoo.com.br
... country''.2
``Nada está guiando isso, exceto a primeira emenda da Constituição, liberdade de imprensa e talvez o futuro desta nação.'' Fala de Bradlee para Woodward e Bernstein no filme.