A fixação da crença

Popular Science Monthly 12 (November 1877), pp. 1-15)  (versão inglesa)

 

Charles Sanders Peirce

 

(tradução de Anabela Gradim Alves, Universidade da Beira Interior) 

I

 

         Poucas pessoas se dão ao trabalho de estudar lógica, porque toda a gente se concebe a si própria como sendo já suficientemente versado na arte de raciocinar. Mas eu constato que essa satisfação se limita à sua própria capacidade de raciocinar, e não se estende à dos outros homens.

         Entramos na plena posse do nosso poder de retirar inferências como a última das nossas faculdades, pois não é tanto um dom natural, mas uma longa e difícil arte. A história da sua prática daria um esplêndido assunto para um livro. Os     escolásticos medievais, seguindo os romanos, faziam da lógica, depois da gramática, o primeiro dos estudos de um rapaz, e apresentavam-no como sendo muito fácil. Assim era, tal como o entendiam. O seu princípio fundamental, segundo eles, era que todo o conhecimento repousa ou na autoridade ou na razão; mas o que quer que seja deduzido pela razão depende em última análise de uma premissa derivada da autoridade. Deste modo, assim que um rapaz era perfeito no procedimento silogístico, acreditava-se que o seu conjunto de ferramentas intelectuais estava completo.

         Para Roger Bacon, esse intelecto notável que em meados do século XIII era quase um cientista, a concepção escolástica de raciocínio aparecia apenas como um obstáculo à verdade. Ele viu que apenas a experiência  ensina alguma coisa — uma proposição que a nós parece fácil de entender, porque nos foi legada pelas gerações anteriores uma concepção distinta da experiência; e que a ele lhe parecia também perfeitamente clara, porque as suas dificuldades ainda não se haviam revelado. De todos os tipos de experiência, a melhor, julgava, era a iluminação interior, que ensina muitas coisas sobre a Natureza que os sentidos externos nunca poderiam descobrir, tal como a transubstanciação do pão.

         Quatro séculos depois, um outro mais célebre Bacon, no primeiro livro do seu Novum Organum, deu a sua clara explicação de experiência como algo que deve estar aberto à verificação e reexame. Mas, ainda que a concepção de Lord Bacon seja superior a noções mais antigas, um leitor moderno que não esteja maravilhado com a sua grandiloquência é sobretudo chocado pela inadequação da sua visão do procedimento científico. Que tenhamos apenas de fazer algumas cruas experiências para esboçar resumos dos resultados em certas formas despidas de interesse, revê-los por regra extirpando tudo o que não está provado e estabelecendo as alternativas, e que assim em poucos anos a ciência física ficaria terminada - que ideia! Na verdade, “escreveu sobre a ciência como um chanceler”.

         Os primeiros cientistas, Copérnico, Tycho Brahé, Kepler, Galileu e Gilbert, tinham métodos mais semelhantes aos dos seus  modernos confrades. Kepler empreendeu desenhar uma curva através da órbita de Marte; e o seu maior serviço à ciência foi imprimir na mente dos homens que isto era o que deveria ser feito se desejavam melhorar a astronomia; e que não deveriam contentar-se com inquirir se um sistema de epiciclos era melhor que outro, mas que deveriam reflectir sobre os números e descobrir o que a curva, na verdade, era. Ele conseguiu isto pela sua incomparável energia e coragem, tropeçando às cegas da forma mais inconcebível (para nós), de uma hipótese irracional para outra, até que, depois de tentar vinte e duas destas tropeçou, por mera exaustão da sua invenção, sobre a órbita que uma mente bem apetrechada com as armas da lógica moderna teria tentado quase à partida.

         Do mesmo modo, todo o trabalho de ciência suficientemente relevante para ser recordado por umas poucas gerações comporta algum exemplo do estado defeituoso da arte de raciocinar do tempo em que foi escrito; e cada passo fulcral em ciência tem sido uma lição de lógica. Assim foi quando Lavoisier e os seus contemporâneos empreenderam o estudo da química. A velha máxima dos químicos tinha sido “lege, lege, lege, labora, ora, et relege”. O método de Lavoisier não era ler e rezar, mas sonhar que algum longo e complicado processo químico teria um certo efeito, colocá-lo em prática com lenta paciência, depois do seu inevitável falhanço, sonhar que com alguma modificação teria outro resultado, e acabar por publicar o último sonho como um facto: o seu método era levar a mente para o laboratório e fazer dos seus alambiques e cucúrbitas instrumentos de pensamento, oferecendo uma nova concepção do acto de raciocinar como algo que deveria ser feito com os olhos abertos, pela manipulação de coisas reais ao invés de palavras e ideias vagas.

         A controvérsia darwinista é em grande medida, uma questão de lógica. Mr. Darwin propôs-se aplicar o método estatístico à biologia. A mesma coisa já fora feita num ramo muito diferente da ciência, a teoria dos gases. Embora incapazes de dizer quais seriam os movimentos de qualquer molécula particular de gás numa dada hipótese sobre a constituição desta classe de corpos, Clausius e Maxwell eram contudo capazes, pela aplicação da doutrina das probabilidades, de predizer que a longo prazo tal proporção de moléculas, sob dadas circunstâncias, adquiriria tais e tais velocidades; e que teria lugar, cada segundo, determinado número de colisões, etc; e a partir destas proposições foram capazes de deduzir certas propriedades dos gases, especialmente quanto às suas relações de calor. Do mesmo modo, Darwin, embora incapaz de dizer qual será, em cada caso individual, a operação de variação e selecção natural, demonstra que a longo prazo estas adaptarão os animais às suas circunstâncias. Se as formas animais existentes são ou não devidas a tal acção, ou que posição a teoria deverá tomar, forma o sujeito de uma discussão na qual questões de facto e questões de lógica se encontram curiosamente entrelaçadas.
 

II

 
         O objecto do raciocínio é descobrir, a partir da consideração daquilo que já sabemos, alguma outra coisa que desconhecemos. Consequentemente, o raciocínio é bom se for tal que ofereça uma conclusão verdadeira a partir de premissas verdadeiras, e não de outra forma.

         Assim, a questão da sua validade é puramente uma questão de facto e não de raciocínio. Sendo A as premissas e B a conclusão, a questão é se estes factos estão de tal forma relacionados que se A é, B é também. Se assim for, a inferência é válida; se tal não ocorrer, não o é.

         Não é de somenos importância a questão de saber se quando as premissas são aceites pela mente, sentimos um impulso para aceitar também a conclusão. É verdade que, geralmente, raciocinamos naturalmente de forma correcta. Mas isso é um acidente; a conclusão verdadeira permaneceria verdadeira se não tivéssemos esse impulso para a aceitar; e a falsa permaneceria falsa, embora não pudéssemos resistir à tendência para acreditar nela.

         Encontramo-nos, sem dúvida, entre os principais animais lógicos, mas não o somos perfeitamente. Muitos de nós, por exemplo, são naturalmente mais sanguíneos e esperançosos do que a lógica justificaria. Parecemos ser constituídos de tal forma que na ausência de quaisquer factos que o justifiquem estamos felizes e auto-satisfeitos; de forma que o efeito da experiência é contrariar continuamente as nossas esperanças e aspirações. Contudo uma vida inteira da aplicação deste correctivo habitualmente não erradica a nossa disposição sanguínea. Onde a esperança não é confrontada com qualquer experiência, é provável que o nosso optimismo seja extravagante. Ser lógico quanto a assuntos práticos é a qualidade mais útil que um animal pode possuir, e pode, consequentemente, resultar da acção da selecção natural; mas fora disto é provavelmente mais vantajoso para o animal ter a sua mente cheia com visões agradáveis e encorajadoras, independentemente da sua verdade; e assim, sobre assuntos não práticos, a selecção natural pode ocasionar uma tendência de pensamento falaciosa.

         Aquilo que nos determina, a partir de premissas dadas, a retirar uma inferência ao invés de outra, é algum hábito da mente, quer seja constitucional ou adquirido. O hábito é bom ou não segundo produz conclusões verdadeiras a partir de premissas verdadeiras, ou não; e uma inferência é tomada como válida ou não, sem referência especial à verdade ou falsidade da sua conclusão, mas segundo o hábito que a determina é tal que em geral produz conclusões verdadeiras, ou não. O hábito específico da mente que governa esta ou aquela inferência pode ser formulado numa proposição cuja verdade depende da validade das inferências que o hábito determina; e tal fórmula é chamada princípio condutor da inferência. Suponhamos, por exemplo, que observamos que um disco de cobre em rotação rapidamente fica em estado de repouso quando colocado entre os pólos de um magneto, e inferimos que isto sucederá com todo o disco de cobre. O princípio condutor aqui é que o que é verdadeiro para um pedaço de cobre é verdadeiro para outro. Tal princípio condutor a respeito do cobre seria muito mais seguro do que em relação a muitas outras substâncias — latão, por exemplo.

         Poderia escrever-se um livro para sinalizar todos os princípios condutores de raciocínio mais importantes. Seria provavelmente, temos de confessá-lo, de nenhuma utilidade para uma pessoa cujo pensamento está totalmente dirigido para assuntos práticos, e cuja actividade se move por caminhos já muito conhecidos e trilhados. Os problemas que se apresentam a tal espírito são assuntos de rotina com que ele aprendeu, de uma vez por todas, a lidar ao aprender a sua ocupação. Mas deixem um homem aventurar-se num campo pouco familiar, ou onde os seus resultados não são continuamente verificados pela experiência, e toda a história mostra que o mais másculo intelecto perderá por vezes a sua orientação e desperdiçará os seus esforços em direcções que não o aproximam do seu objectivo, ou desviam-se mesmo inteiramente dele. É como um navio em mar alto, sem ninguém a bordo que entenda as regras de navegação. E em tal caso um estudo geral dos princípios condutores do raciocínio seria seguramente de utilidade.

         O assunto, todavia, dificilmente poderia ser tratado sem ser primeiro limitado; uma vez que praticamente qualquer facto pode servir de princípio condutor. Mas sucede que existe uma divisão entre os factos, divisão essa tal que numa classe se encontram aqueles que são absolutamente essenciais como princípios condutores, enquanto na outra se encontram todos os outros que possuem algum interesse distinto como objectos de pesquisa. Esta divisão é então entre aqueles que são necessariamente tomados como certos ao questionar se certa conclusão se segue de certas premissas, e aqueles que não estão implicados em tal questão. Um momento de reflexão mostrará que uma variedade de factos já são supostos quando a questão lógica é primeiro colocada. É implicado, por exemplo, que existem estados de espírito como crença e dúvida — que é possível a passagem de um a outro, permanecendo o objecto do pensamento  o mesmo, e que esta transição está sujeita a certas regras que enformam igualmente todas as mentes. Como estes são factos que já temos de saber antes de podermos ter qualquer concepção clara do uso da razão, não podemos supor  ser ainda de muito interesse questionar a sua verdade ou falsidade. Por outro lado, é fácil acreditar que aquelas regras de raciocínio que são deduzidas da própria ideia do processo são aquelas que são mais essenciais; e, na verdade, que enquanto se conforma com estas não conduzirá, pelo menos, a falsas conclusões a partir de premissas verdadeiras. De facto, a importância do que pode ser deduzido das assunções envolvidas na questão lógica acaba por ser maior do que poderia ser suposto, e isto por razões que é difícil mostrar à partida. A única que vou aqui mencionar é que concepções que são verdadeiramente produto de reflexão lógica, sem que se veja prontamente que assim são, misturam-se com os nossos pensamentos comuns, e são frequentemente causa de grande confusão. É o caso, por exemplo, da concepção de qualidade. Uma qualidade, enquanto tal, nunca é objecto de observação. Podemos ver que uma coisa é azul ou verde, mas a qualidade de ser azul ou a qualidade de ser verde não são coisas que vejamos; são produto de reflexões lógicas. A verdade é que o senso comum, ou o pensamento tal como emerge acima do nível do estritamente prático, está profundamente imbuído com essa má qualidade lógica à qual o epíteto metafísica é comummente aplicado; e nada poderá esclarecê-lo excepto um sério curso de lógica.
 

 

III

      Sabemos geralmente quando queremos perguntar uma questão ou pronunciar um julgamento, pois existe uma dissemelhança entre a sensação de duvidar e a de acreditar.

         Mas não é apenas isto que distingue a dúvida da crença. Existe também uma diferença prática. As nossas crenças guiam os nossos desejos e moldam as nossas acções. Os Assassinos, ou Seguidores do Velho da Montanha, costumavam precipitar-se na morte ao seu mínimo comando, porque acreditavam que obedecer-lhe lhes asseguraria uma felicidade interminável. Tivessem duvidado disso, e não teriam agido como agiram. Sucede o mesmo com toda a crença, segundo o seu grau. O sentimento de crença é uma indicação mais ou menos segura de se encontrar estabelecido na nossa natureza algum hábito que determinará as nossas acções. A dúvida nunca tem tal efeito.

         Também não devemos descurar uma terceira diferença. A dúvida é um estado de desconforto e insatisfação do qual lutamos para nos libertar e passar ao estado de crença; enquanto este último é um estado calmo e satisfatório que não desejamos evitar, ou alterar por uma crença noutra coisa qualquer. Pelo contrário, agarramo-nos tenazmente, não meramente à crença, mas a acreditar exactamente naquilo em que acreditamos.

         Assim, tanto a dúvida como a crença têm efeitos positivos sobre nós, embora muito diferentes. A crença não nos faz agir imediatamente, mas coloca-nos numa posição em que nos comportaremos de certa forma, quando surge a ocasião. A dúvida não tem qualquer efeito deste tipo, mas estimula-nos a agir até que é destruída. Isto lembra-nos a irritação de um nervo e a acção reflexa consequentemente produzida; enquanto para o análogo da crença, no sistema nervoso, devemos atender às chamadas associações nervosas — por exemplo, para aquele hábito dos nervos em consequência do qual o cheiro de um pêssego fará crescer água na boca.
 

 

IV

         A irritação da dúvida causa uma luta para atingir um estado de crença. Chamarei a esta luta inquirição, embora deva admitir-se que esta não é, às vezes, a designação mais adequada.

         A irritação da dúvida é o único motivo imediato para a luta por atingir a crença. É certamente melhor para nós que as nossas crenças sejam tais que possam verdadeiramente guiar as nossas acções de forma a  satisfazer os nossos desejos; e esta reflexão far-nos-á rejeitar qualquer crença que não pareça ter sido formada para assegurar este resultado. Mas só o fará criando uma dúvida no lugar dessa crença. Logo, com a dúvida a luta inicia, e com o cessar da dúvida termina. Donde, o único objecto da inquirição é o estabelecimento da opinião. Podemos ter a impressão de que isto não é suficiente para nós, e que procuramos, não meramente uma opinião, mas uma opinião verdadeira. Mas ponha-se esta impressão à prova, e ela revelar-se-á infundada; pois assim que uma crença firme é alcançada, ficamos inteiramente satisfeitos, quer a crença seja verdadeira, quer seja falsa. E é claro que nada fora da esfera do nosso conhecimento pode ser nosso objecto, pois nada que não afecte a mente poderá ser motivo de esforço mental. O máximo que pode ser sustentado é que buscamos uma crença que julgaremos ser verdadeira. Mas pensamos que cada uma das nossas crenças é verdadeira, e, na verdade, é uma mera tautologia dizê-lo.

         Que o estabelecimento da opinião é o único fim da inquirição é uma proposição muito importante. Varre, de uma só vez, várias concepções de prova vagas e erróneas. Algumas delas podem ser aqui recenseadas.

           1. Alguns filósofos tinham imaginado que para começar uma inquirição era apenas necessário formular uma questão ou escrevê-la num papel, e recomendaram-nos mesmo que iniciássemos os nossos estudos questionando tudo. Mas o mero facto de colocar uma proposição na forma interrogativa não estimula a mente para que se afadigue em busca da crença. Deve existir uma dúvida real e viva, e sem ela toda a discussão é ociosa.

           2. É uma ideia muito comum que a demonstração deve repousar sobre proposições últimas e absolutamente indubitáveis. Estas, de acordo com uma escola, são princípios primeiros de natureza geral; segundo outra, são sensações primeiras. Mas, de facto, uma inquirição, para obter esse resultado completamente satisfatório chamado demonstração tem apenas de começar com proposições perfeitamente livres de toda a dúvida actual. Se, de facto, não se duvida de todo das premissas, elas não podem ser mais satisfatórias do que já são.

         3. Algumas pessoas parecem retirar prazer de discutir um assunto depois de todo o mundo estar plenamente convencido dele. Mas nenhum avanço posterior pode ser feito. Quando a dúvida cessa, a acção mental sobre o  sujeito termina; e, se continuasse, não teria qualquer objectivo.
 

V

     Se o estabelecimento da opinião é o único objecto da inquirição, e se a crença é da natureza de um hábito, porque não haveríamos de atingir o fim desejado tomando qualquer resposta a uma questão da nossa simpatia, e reiterando-a constantemente para nós mesmos, agarrando-nos a tudo que possa conduzir a essa crença, e aprendendo a olhar com desprezo e ódio tudo que possa perturbá-la? Este método simples e directo é realmente levado a cabo por muitos homens. Lembro-me de uma vez me terem pedido que não lesse certo jornal, com receio de que poderia mudar a minha opinião sobre o livre comércio. “Para que eu não pudesse ser ludibriado pelas suas falácias e pseudo-proposições”, foi a forma de expressão. “Você não é”, disse o meu amigo, “um estudante atento de economia política. Poderá, por isso, ser facilmente enganado pelos argumentos falaciosos sobre o assunto. Você pode, então, se ler esse jornal, ser levado a acreditar no proteccionismo. Mas você admite que o livre comércio é a verdadeira doutrina; e não deseja acreditar no que não é verdadeiro”. Tenho muitas vezes visto este sistema ser deliberadamente adoptado. E ainda mais vezes, tenho visto o instintivo desagrado por um estado de espírito ainda não decidido, exagerado num vago receio de dúvida, que faz os homens agarrarem-se espasmodicamente às posições que eles já têm. O homem julga que, se conseguir manter-se fiel à sua crença sem vacilar, isso será inteiramente satisfatório. Nem pode ser negado que uma fé firme e inamovível produz grande paz de espírito. Pode, na verdade, dar origem a inconveniências, como no caso de um homem que continuasse resolutamente a acreditar que o fogo não o queimaria, ou que se danaria eternamente se recebesse os alimentos que ingere de outra forma que não através de uma bomba gástrica. Mas então o homem que adopta este método não permitirá que estes inconvenientes sejam maiores que as suas vantagens. Dirá “agarro-me resolutamente à verdade, e a verdade é sempre salutar”. E em muitos casos poderá bem ocorrer que o prazer que ele retira da sua calma fé compense todas as inconveniências resultantes do seu carácter enganador. Consequentemente, se for verdade que a morte é aniquilação, então o homem que acredita que certamente irá directamente para o céu quando morrer, desde que tenha cumprido certas observâncias simples nesta vida, tem um prazer barato que não será seguido pelo mínimo desapontamento. Consideração semelhante parece ter pesado em muitas pessoas no que toca a tópicos religiosos, pois ouvimos frequentemente ser dito: “Oh, não poderia acreditar nisto ou naquilo porque seria infeliz se o fizesse”. Quando uma avestruz enterra a cabeça na areia assim que um perigo se aproxima, muito provavelmente toma a decisão mais feliz. Esconde o perigo e depois calmamente diz que o perigo não existe; e se se sente perfeitamente segura de que não existe nenhum perigo, para quê levantar a cabeça para ver? Um homem pode atravessar a vida, sistematicamente  mantendo fora do seu campo de visão tudo o que poderia causar uma mudança nas suas opiniões, e se consegue ser bem sucedido — baseando o seu método, o que faz, em duas leis psicológicas fundamentais — não vejo o que possa ser dito contra o facto de o fazer. Seria uma impertinência egotista objectar que o seu procedimento é irracional, pois isso resume-se a dizer que o seu método de estabelecer uma crença é diferente do nosso. Ele não se propõe ser racional, e, na verdade, falará frequentemente com desprezo da razão fraca e ilusória do homem. Portanto deixem-no pensar como lhe aprouver.

         Mas este método de fixação da crença, que pode ser chamado método da tenacidade, será incapaz de, na prática, manter o seu fundamento. O impulso social está contra ele. O homem que o adoptar descobrirá que os outros homens pensam de forma diferente dele, e estará apto a que lhe ocorra, num momento de maior lucidez, que as opiniões desses outros homens são tão boas como as suas, e isto abalará a sua confiança na sua crença.. Esta concepção, que o sentimento ou pensamento de outro homem pode ser equivalente ao seu próprio sentimento ou pensamento, é um passo distintamente novo, e de elevada importância. Surge de um impulso demasiado forte no homem para que possa ser suprimido sem perigo de destruir a espécie humana. A não ser que nos transformemos em eremitas, devemos necessariamente influenciar as opniniões uns dos outros; de forma que o problema se transforma em como fixar a crença, não meramente a nível individual, mas na comunidade.
 
         Deixem então a vontade do estado actuar, em vez da do indivíduo. Deixem que seja criada uma instituição que terá por seu objecto manter doutrinas correctas sob a atenção do povo, reiterá-las perpetuamente, e ensiná-las aos jovens; possuindo ao mesmo tempo poder para evitar que doutrinas contrárias sejam ensinadas, defendidas ou expressas. Deixem-nos ser mantidos na ignorância, evitando que aprendam alguma razão para pensar de outra forma distinta da que pensam. Deixem as suas paixões serem listadas, de forma a que possam encarar opiniões privadas e pouco habituais com ódio e horror. Depois, deixem todos os homens que rejeitam a crença estabelecida serem aterrorizados remetendo-se ao silêncio. Deixem as pessoas expulsar e cobrir com alcatrão e penas tais homens, ou deixem que sejam feitas inquisições ao modo de pensar de pessoas suspeitas, e quando se descobrir que são culpados de crenças proibidas, deixem-nos ser sujeitos a algum castigo exemplar. Quando o acordo total não puder ser alcançado de outra forma, um massacre geral de todos os que não pensem de certo modo tem provado ser um meio muito eficiente de estabelecer opinião num país. Se não existe poder suficiente para fazer isto, deixem ser esboçada uma lista de opiniões, às quais nenhum homem com um mínimo de independência de espírito possa anuir, e deixem os fiéis serem solicitados a aceitar todas estas proposições, de forma a exclui-los tão radicalmente quanto possível da influência do resto do mundo.
 
         Este método tem sido, desde os tempos mais remotos, um dos meios principais de sustentar doutrinas teológicas e políticas correctas, e de preservar o seu carácter universal ou católico. Em Roma, especialmente, tem sido praticado desde os dias de Pompílio Numa até aos de Pio IX. Este é o mais perfeito exemplo na história; mas onde quer que exista uma classe de sacerdotes — e nunca existiu nenhuma religião que não possuísse uma — este método tem sido mais ou menos utilizado. Onde quer que exista uma aristocracia, ou uma guilda, ou uma associação de uma classe de homens cujos interesses dependem, ou sejam supostos depender, de certas proposições, serão inevitavelmente encontrados alguns traços deste produto natural do sentimento social. As crueldades acompanham sempre este sistema; e quando é consistentemente prosseguido, tornam-se atrocidades do tipo mais horrível aos olhos de qualquer homem racional. Nem deverá esta ocorrência surpreender, pois o funcionário de uma sociedade não sente que seja justificado descurar os interesses dessa sociedade por mera misericórdia, como poderia fazer no caso dos seus interesses pessoais. É natural, portando, que a simpatia e companheirismo produzam consequentemente um poder mais desumano.
 
        Ao julgar este método de fixação da crença, que pode ser chamado método de autoridade, temos, em primeiro lugar, de conceder a sua imensurável superioridade mental e moral em relação ao método da tenacidade. O seu sucesso é proporcionalmente maior; e, de facto, tem repetidamente produzido os resultados mais majestosos. As meras estruturas de pedra de cuja construção foi a causa — no Sião, por exemplo, no Egipto e na Europa — possuem muitas delas uma sublimidade apenas rivalizada pelas maiores obras da Natureza. E, exceptuando as épocas geológicas, não existem períodos de tempo tão vastos como os que são medidos por algumas destas fés organizadas. Se escrutinarmos o assunto atentamente, descobriremos que não existiu um único dos seus credos que tenha permanecido sempre o mesmo; e contudo a mudança é tão lenta que permanece imperceptível durante a vida de uma pessoa, de forma que a crença individual permanece sensivelmente fixada. Para a massa da humanidade, então, não existe talvez melhor método do que este. Se é seu impulso mais elevado serem escravos intelectuais, então deverão permanecer escravos.

         Mas nenhuma instituição pode empreender regular opiniões sobre todos os assuntos. Só os mais importantes podem ser atendidos, e no resto as mentes dos homens têm de ser deixadas à acção de causas naturais. Esta imperfeição não será fonte de fraqueza enquanto os homens permaneçam num tal estado de cultura que uma opinião não influencie outra — isto é, enquanto não consigam somar dois mais dois. Mas nos estados mais dominados pelos padres descobrir-se-ão alguns indivíduos que são elevados  acima de tal condição. Esses homens possuem um tipo de sentimento social mais vasto; vêem que homens de outros países e de outras épocas se apegaram a doutrinas muito diferentes daquelas em que eles próprios foram educados a acreditar; e não podem evitar ver que foi o mero acidente de terem sido ensinados como foram, e terem sido rodeados com as maneiras e associações que possuem, que causou as crenças que possuem, e não outras muito diferentes. E a sua candura não pode resistir à reflexão de que não existe qualquer razão para atribuir às suas crenças um valor mais elevado que às de outras nações e outros séculos; e isto dá origem a dúvidas nas suas mentes.

         Perceberão ainda que dúvidas como estas têm de existir nas suas mentes com referência a toda a crença que pareça ser determinada por capricho, seja deles próprios ou daqueles que originaram as opiniões populares. A adesão voluntária a uma crença, e a sua imposição arbitrária sobre outros, devem, consequentemente, ser abandonadas, e um novo método de estabelecer opiniões deve ser adoptado, método esse que deverá não apenas produzir um impulso para acreditar, mas decidirá também qual a proposição que deve ser acreditada. Deixem a acção das tendências naturais não ser constrangida, então, e sob a sua influência deixem os homens, conversando juntos e observando os assuntos a diferentes luzes, desenvolver gradualmente crenças de harmonia com as causas naturais. Este método assemelha-se àquele pelo qual concepções de arte foram trazidas à maturidade. O exemplo mais perfeito encontra-se na história da filosofia metafísica. Sistemas deste tipo não repousam habitualmente sobre quaisquer factos observados, pelo menos não em grau elevado.  Foram em grande medida adoptados porque as suas proposições fundamentais pareciam “conformes à razão”. Esta é uma expressão apropriada; não significa aquilo que concorda com a experiência, mas aquilo que nos encontramos inclinados a acreditar. Platão, por exemplo, julga de acordo com a razão que as distâncias de umas esferas celestes às outras devem ser proporcionais aos diferentes comprimentos de cordas que produzem acordes harmoniosos. Muitos filósofos foram conduzidos às suas conclusões fundamentais por considerações deste tipo; mas esta é a forma mais baixa e menos desenvolvida que este método pode assumir, pois é claro que outro homem pode achar a teoria de Kepler, que as esferas celestes são proporcionais às esferas inscritas e circunscritas de diferentes sólidos regulares, mais de acordo com a sua razão. Mas o choque de opiniões conduzirá rapidamente os homens a confiarem em preferências de uma natureza bem mais universal. Tome-se, por exemplo, a doutrina de que o homem apenas age egoisticamente — isto é, a partir da consideração de que agir de uma certa forma lhe trará mais prazer do que agir de uma outra. Isto não se baseia em nenhum facto do mundo, mas tem uma larga aceitação como sendo a única teoria razoável.

         Este método é bem mais intelectual e respeitável do ponto de vista da razão que qualquer um dos outros que aqui observamos. Mas o seu falhanço foi o mais manifesto. Faz da inquirição algo semelhante ao desenvolvimento do gosto; mas o gosto, infelizmente, é sempre mais ou menos um assunto de moda, e consequentemente os metafísicos nunca chegaram a fixar qualquer acordo, mas o pêndulo tem balançado para trás e para a frente, desde os tempos mais remotos até aos mais recentes, entre uma filosofia mais material e uma mais espiritual. E assim a partir disto, que tem sido chamado o método a priori, somos conduzidos, na frase de Lord Bacon, a uma verdadeira indução. Examinamos este método a priori como algo que prometia libertar as nossas opiniões do seu elemento acidental e caprichoso. Mas o desenvolvimento, embora seja um processo que elimina o efeito de algumas circunstâncias casuais,  magnifica o efeito de outras. Logo, este método não difere de forma essencial do da autoridade. O governo pode não ter levantado um dedo para influenciar as minhas convicções; posso ter sido deixado, exteriormente, livre para escolher, diremos, entre a monogamia e a poligamia, e apelando apenas à minha consciência, posso ter concluído que esta última prática é em si licenciosa. Mas quando vejo que o maior obstáculo à expansão do Cristianismo entre um povo de cultura tão elevada como os Hindus tem sido a convicção da imoralidade da nossa forma de tratar as mulheres, não posso evitar ver que, embora os governos não interfiram, os sentimentos, no seu desenvolvimento, podem ser grandemente determinados por causas acidentais. Agora, existem algumas pessoas, entre as quais suponho que o meu leitor se encontra, que, quando vêem que alguma das suas crenças é determinada por quaisquer circunstâncias estranhas aos factos, admitirá não meramente por palavras, a partir desse momento, não apenas que a sua crença é duvidosa, mas experimentará uma dúvida real acerca dela, de forma que deixa de ser uma crença.

         Consequentemente, para satisfazer as nossas dúvidas, é necessário que seja encontrado um método pelo qual as nossas crenças não possam ser causadas por algo humano, mas por alguma permanência externa — por algo sobre o qual o nosso pensamento não tem efeito. Alguns místicos imaginam que possuem tal método, numa inspiração privada vinda do alto. Mas isso é apenas uma forma do método da tenacidade, no qual a concepção de verdade como algo público ainda não foi desenvolvida. A permanência externa não seria externa, no sentido que aqui lhe damos, se fosse restringida na sua influência a apenas um indivíduo. Tem de ser algo que afecte, ou possa afectar, todo o homem. E, embora estas afecções sejam necessariamente tão variadas quanto várias são as condições individuais, contudo o método deve ser tal que a última conclusão de cada homem será a mesma. Tal é o método da ciência. A sua hipótese fundamental, reformulada numa linguagem mais familiar, é a seguinte: existem coisas reais, cujas características são inteiramente independentes das nossas opiniões àcerca delas; estas realidades afectam os nossos sentidos de acordo com leis regulares, e embora as nossas sensações sejam tão diferentes como o são as nossas relações aos objectos, contudo, tirando proveito das leis da percepção, podemos descobrir, através do raciocínio como as coisas realmente são; e qualquer homem, se possuir suficiente experiência e raciocinar o suficiente sobre o assunto, será conduzido à única conclusão verdadeira. A nova concepção aqui envolvida é a de realidade. Pode ser perguntado como sei eu que existem quaisquer realidades. Se esta hipótese é o único suporte do meu método de inquirição, o meu método de inquirição não pode ser utilizado para sustentar a minha hipótese. A resposta é esta: 1. Se a investigação não pode ser encarada como provando que existem coisas reais, pelo menos não conduz à conclusão contrária; mas o método e a concepção no qual é baseada permanecem sempre em harmonia. Nenhumas dúvidas de método, consequentemente, surgem da sua prática,  como sucede com todos os outros. 2. O sentimento que dá origem a qualquer método de fixar a crença é uma insatisfação face a duas proposições opostas. Mas aqui já existe uma vaga concessão que existe uma única coisa à qual uma proposição deve conformar-se. Logo, ninguém pode realmente duvidar que existem realidades, pois, se o fizesse, a dúvida não seria uma fonte de insatisfação. Consequentemente, esta é uma hipótese que toda a mente admite. De forma a que o impulso social não me leva a duvidar dela. 3. Toda a gente usa o método científico àcerca de muitas coisas, e apenas cessa de utilizá-lo quando não sabe como o aplicar. 4. A prática  do método não me levou a duvidar dele, mas, pelo contrário, a investigação científica tem tido os mais maravilhosos triunfos na forma de estabelecer opinião. Estes suportam a minha explanação do facto de não duvidar do método ou da hipótese que supõe; e não tendo qualquer dúvida, nem acreditando que qualquer outra pessoa que eu pudesse influenciar tenha, seria mero palavreado alongar-me mais sobre o assunto. Se existir alguém com uma dúvida viva sobre o assunto, deixem-no meditar sobre ela.

         Descrever o método da investigação científica é o objecto desta série de estudos. Presentemente só tenho espaço para dar nota de alguns pontos de contraste entre este e outros métodos de fixar a crença.

         Este é o único dos quatro métodos que apresenta alguma distinção entre um modo certo e um modo errado. Se adoptar o método da tenacidade, e me fechar a todas as influências, o que quer que eu pense que é necessário para o fazer é necessário segundo esse método. O mesmo sucede com o método da autoridade: o estado pode tentar abater uma heresia por meios que, de um ponto de vista científico, parecem muito mal calculados para atingir os seus objectivos; mas o único teste sobre esse método  é o que o estado pensa; de forma que não pode prosseguir o método erradamente. Sucede o mesmo com o método a priori. A própria essência desse método é pensar tal como se está inclinado a pensar. Todos os metafísicos estarão seguros de o fazer, não obstante possam estar inclinados a julgar-se uns aos outros como estando perversamente errados. O sistema Hegeliano reconhece toda a tendência natural do pensamento como lógica, embora sejam certamente abolidas por contra-tendências. Hegel julga que existe um sistema regular na sucessão destas tendências, em consequência do qual, depois de andar à deriva por um longo período de tempo, a opinião ficará finalmente correcta. E é verdade que os metafísicos obtêm por fim ideias correctas; o sistema hegeliano da Natureza representa toleravelmente a ciência daquela altura; e pode ter-se a certeza que o que quer que a investigação científica tenha colocado a salvo de dúvida receberá presentemente uma demonstração a priori da parte dos metafísicos. Mas com o método científico o caso é diferente. Posso começar com factos conhecidos e observados para prosseguir para o desconhecido; e contudo as regras que sigo ao fazê-lo podem não ser do tipo que a investigação aprovaria. O teste para saber se sigo verdadeiramente o método não é um apelo imediato aos meus sentimentos e objectivos, mas, pelo contrário, envolve ele próprio a aplicação do método. Donde sucede que mau raciocínio assim como bom raciocínio são possíveis; e este facto é a fundação do lado prático da lógica.

         Não se pode julgar que os primeiros três métodos de estabelecer opinião não apresentam qualquer vantagem sobre o método científico. Pelo contrário, cada um possui alguma vantagem particular que só a ele pertence. O método a priori distingue-se pelas suas conclusões reconfortantes. É da natureza do processo que adoptemos qualquer crença para a qual estejamos inclinados, e existem certas lisonjas para a vaidade do homem nas quais todos acreditamos por natureza, até sermos acordados do nosso agradável sonho por alguns duros factos. O método da autoridade governará sempre a massa da humanidade; e aqueles que dominam as várias formas de força organizada dentro do estado nunca serão convencidos que o pensamento perigoso não deve, de alguma forma, ser suprimido. Se a liberdade de expressão for desembaraçada das formas mais grosseiras de constrangimento, então a uniformidade de opinião será assegurada por um terrorismo moral, ao qual a respeitabilidade da sociedade dará a sua inteira aprovação. Seguir o método da autoridade é o caminho da paz. Certas discordâncias são permitidas; algumas outras (consideradas não seguras) são proibidas. Estas são diferentes em diferentes países e em diferentes eras; contudo, onde quer que estejas, deixa que  se saiba que seriamente manténs uma crença tabu, e poderás estar perfeitamente seguro de ser tratado com uma crueldade menos brutal mas mais refinada do que se te perseguissem  como um lobo. Assim, os maiores benfeitores intelectuais da humanidade nunca se atreveram, e não se atrevem agora, a enunciar a totalidade do seu pensamento; e assim uma sombra de dúvida prima facie é lançada sobre cada proposição que é considerada essencial à segurança da sociedade. Curiosamente, a perseguição nem sempre vem do exterior; mas um homem atormenta-se a si próprio e fica muitas vezes extremamente angustiado ao ver que acredita em proposições que foi educado a encarar com aversão. Consequentemente, o homem pacífico e complacente achará difícil resistir  à tentação de submeter as suas opiniões à autoridade. Mas mais do que tudo, admiro o método da tenacidade por ser directo, e pela sua força e simplicidade. Os homens que o prosseguem distinguem-se pelo seu carácter decidido, que se torna muito fácil com tal regra mental. Eles não perdem tempo a tentar decidir o que querem, mas, apressando-se como um relâmpago sobre qualquer alternativa que lhes apareça primeiro, mantém-se fiéis a ela até ao fim, suceda o que suceder, sem um instante de  indecisão. Esta é uma das esplêndidas qualidades que geralmente acompanha o sucesso brilhante e temporário. É impossível não invejar o homem que despede a razão, embora saibamos como isso deve terminar no fim.

         Tais são as vantagens que os outros métodos de estabelecer a crença possuem sobre a  investigação científica. Um homem deve pensar bem neles; e depois deve considerar que, no fim de contas, deseja que a sua opinião coincida com os factos, e que não existe nenhuma razão para que os resultados desses três primeiros métodos façam com que tal suceda. Produzir este efeito, coincidir com os factos, é prerrogativa do método da ciência. Sobre estas considerações ele tem portanto de fazer a sua escolha — uma escolha que é muito mais que a adopção de qualquer opinião intelectual,  é uma das decisões fundamentais da sua vida, à qual, uma vez tomada, ele está obrigado a aderir. A força do hábito será a causa, às vezes, de que um homem se agarre a velhas crenças, depois de estar em condição de ver que não possuem bases sãs. Mas a reflexão sobre o estado das coisas ultrapassará estes hábitos, e ele deve conceder à reflexão a totalidade do seu peso. As pessoas às vezes retraem-se de o fazer, tendo a ideia de que as crenças são totalidades que elas não podem evitar sentir que não têm fundamento. Mas deixem tais pessoas supor um caso análogo   distinto do deles próprios. Deixem-nos perguntar-se a si próprios o que diriam a um muçulmano convertido que hesitasse em abandonar as suas antigas crenças a respeito das relações entre os sexos; ou a um católico convertido que ainda se retraísse em ler a Bíblia. Não diriam que estas pessoas deviam considerar o assunto na totalidade, e entenderem claramente a nova doutrina, e que depois deveriam abraçá-la na sua totalidade? Mas, acima de tudo, pense-se que a  integridade da crença é mais importante que qualquer crença particular, e que evitar olhar para o fundamento de qualquer crença com medo de que se revele apodrecido é tão imoral quão desvantajoso. A pessoa que confessa que existe algo como a verdade, que se distingue da falsidade simplesmente por isto, que se prosseguida nos levará ao ponto que desejamos atingir e não por mau caminho, e então, embora convencida disto, não se atreve a conhecer a verdade mas procura evitá-la, encontra-se na verdade num estado de espírito lamentável.

         Sim, os outros métodos possuem os seus méritos: uma clara consciência lógica tem um preço — assim como qualquer virtude, bem como tudo o que estimamos, nos custam caro. Mas não devemos desejar que seja de outra forma. O génio do método lógico de um homem deve ser amado e reverenciado como sua noiva, que ele escolheu de entre todas as mulheres do mundo. Ele não precisa de menosprezar  as outras; pelo contrário, pode honrá-las profundamente, e ao fazê-lo apenas a honra ainda mais. Pois ela é aquela que ele escolheu, e ele sabe que estava certo ao fazer essa escolha. E tendo-a feito, trabalhará e lutará por ela,  não se queixará dos golpes a suportar,  e lutará para ser o valoroso cavaleiro e campeão daquela de cujos esplendores da chama retira a sua inspiração e coragem.