Análise da narrativa no caso: Agosto

Paula Puhl1


Índice

O estudo da narrativa sempre foi alvo de diversas discussões, conceitos e opiniões diferentes. Em um meio tão contraditório e nebuloso, este trabalho tentou resgatar nas formas não-narrativas, uma definição da narrativa. Para isso, nos baseamos na obra Análise Estrutural da Narrativa - pesquisas semiológicas, organizada por Roland Barthes, datada de 1971, caracterizada por ser uma espécie de coletânea que aborda como tema principal a narrativa e os elementos que a acompanham ou interferem na sua significação de alguma maneira.

No entanto, trabalharemos especificamente, com o último texto da obra, denominado de Fronteiras da Narrativa, escrito por Gérard Genette da Faculdade de Letras e Ciência Humanas de Paris e autor de diversas obras sobre o tema em questão.

A relevância do tema pode ser explicitado através das palavras de Barthes (1971), quando levanta o aspecto de que são inumeráveis as narrativas no mundo. Segundo o autor, vivemos rodeados pelas narrativas, que podem ser encontradas no mito, na fábula, no conto, no romance, na pintura, no cinema, nas histórias em quadrinhos, etc.. A narrativa está sempre presente em todos os tempos e lugares, ou seja, está entre os homens, não importando classe ou cultura.

Após uma concisa revisão de literatura, seguindo os passos de G. Genette, escolhemos como objeto de pesquisa e análise o romance Agosto, de Rubem Fonseca, a fim de discorrer uma análise de conteúdo de um capítulo da obra, a partir de categorias pré - estabelecidas, oriundas do texto de Genette.

A escolha de um romance para ser analisado deu-se pela importância deste gênero através dos séculos. De acordo com Schüler (1989) o romance nasceu como testemunha do declínio da Idade Média, trazendo consigo a ``consciência da transformação''. Coube ao romance, desde o começo, retratar os conflitos individuais e a vida cotidiana, opondo-se a noções medievais latinas, que não admitiam a contaminação de lealdade e traição, amplamente praticadas pelo romance, destaca Schüler.

Com o passar dos anos o romance, antes privilégio de nobres e burgueses, chegou à população menos favorecida, graças ao desenvolvimento da imprensa escrita, conquistando um admirável público por intermédio do romance-folhetim, que era oferecido em séries diárias pelos jornais. Schüler acredita que, devido a esta expansão, o mercado necessitou a produção temática de romances, e assim surgem os romances históricos, sociais, realistas, psicológicos, etc.. A narrativa romanesca começa a ter o empenho de apanhar e interpretar a realidade.

Agosto, de Rubem Fonseca, espelha muitas das características do romance descritas anteriormente. Esta obra trata-se de uma mescla de romance histórico, pois aborda um dos mais importantes fatos políticos brasileiros -o suicídio do presidente Getúlio Vargas - com um romance psicológico, já que os personagens são intimamente abertos para o leitor que vai conhecendo seus pensamentos, suas angústias, isto é, o leitor é imergido no íntimo dos personagens a cada página.

Sendo assim, este estudo pretende, tomando como base os conceitos levantados por G. Genette, desvendar estas categorias descritas por este autor, no terceiro capítulo de Agosto (em anexo). É pertinente destacar que, se tratando de uma pesquisa qualitativa, com utilização de análise de conteúdo, as escolhas foram feitas, buscando suprir as necessidades do pesquisador em relação à aplicação do pensamento de G. Genette.

Fundamentação teórica

Narrativa - Um conceito em mutação

É necessário lembrar que os conceitos que serão descritos posteriormente, estão baseados no artigo Fronteiras da Narrativa, escrito por Gérard Genette pertencente à obra, organizada por Roland Barthes, intitulada Análise Estrutural da Narrativa - pesquisas semiológicas (1971).

O autor inicia ressaltando um conceito generalista de narrativa, que por convenção, no domínio da expressão literária, podemos definir como representação de um acontecimento, real ou fictício, por meio da linguagem, mais particularmente da linguagem escrita.

Mas definir positivamente a narrativa é acreditar na idéia ou no sentimento de que a narrativa não é nada mais natural do que contar uma história ou arrumar um conjunto de ações em um mito, um conto, uma epopéia, um romance.

A literatura foi evoluindo e teve como conseqüência, entre outras coisas, chamar atenção para o seu aspecto singular, artificial e problemático do ato narrativo. Genette busca reconhecer certos modos negativos da narrativa, a considerar os principais jogos de oposições por meio dos quais a narrativa se define e se constitui em face das diversas formas da não-narrativa.

Diegesis e mimesis

O autor busca o primeiro exemplo de oposição descrita na Poética de Aristóteles que, segundo Nunes (1995), é a mais recuada e duradoura matriz da teoria da literatura. Para o filósofo, a narrativa (diegesis) é um dos modos de imitação, enquanto a representação poética (mimesis) é a representação direta dos acontecimentos, que ocorre por intermédio das falas e ações dos atores perante um público.

A partir desta distinção entre poesia narrativa e poesia dramática, que já havia sido citada por Platão no 3º livro da República, com 2 diferenças. Por um lado Sócrates nega ali à narrativa a qualidade (para ele é um defeito) da imitação, e por outro lado ele toma em consideração aspectos de representação direta, que são os diálogos que podem comportar um poema não dramático como os de Homero.

Platão fala a respeito do domínio da lexis, que de acordo com o pensador é a maneira de dizer, em oposição a logos, que designa o que é dito. Podemos dividir a lexis, teoricamente, em imitação propriamente dita, que seria a mimesis e a simples narrativa, denominada de diegesis.

Platão diz que, tudo que o poeta narra falando em seu próprio nome, sem procurar fazer crer que é um outro que fala, se trata de uma simples narrativa. Para exemplificar, Platão usa o canto I da Ilíada, quando Homero fala a propósito de Crisés: ``ele tinha vindo às belas naves dos Aqueus, para reaver sua filha, trazendo um imenso resgate e segurando, sobre o seu bastão de ouro, as fitas do arqueiro Apolo; e ele suplicava a todos os Aqueus, mas sobretudo aos dois filhos de Ateu, bons estrategistas''.

Já a imitação consiste no fato de Homero fazer falar o próprio Crisés, segundo o filósofo, falar fingindo ser o próprio Crisés e ``esforçando-se para nos dar na medida do possível a ilusão de que não é Homero que fala, mas sim o velho sacerdote Apolo'' (Platão apud in Genette, 1971). Platão diz que Homero poderia ter seguido sua história sob a forma puramente narrativa, narrando as palavras de Crisés, ao invés de reproduzi-las, dando um estilo indireto e prosa.

Há uma divisão teórica oposta no interior da dicção poética, a dos modos puros e heterogêneos da narrativa e da imitação, que conduz e funda uma classificação própria dos gêneros, que compreende os dois modos puros: o narrativo, representado pelo teatro, mais um modo misto, ou mais precisamente, alternado, que é o da epopéia, como exemplo a Ilíada.

Aristóteles, por sua vez, possui uma classificação diferente, que reduz toda a poesia à imitação, distinguindo somente dois modos imitativos. O direto, que Platão nomeia de imitação, e o narrativo, que Aristóteles denomina como Platão de diegesis.

Aristóteles identifica o gênero dramático como um modo imitativo, o define pelas condições cênicas da representação dramática, sem levar em consideração seu caráter misto. Já o gênero épico se identifica ao modo narrativo puro.

A representação dramática pode justificar-se pelo fato de que a obra épica, permanece essencialmente narrativa, visto que os diálogos são enquadrados e conduzidos pelas partes narrativas que constituem, no sentido próprio, o fundo, a trama do seu discurso. Não importa a parte material dos diálogos ou discursos em estilo direto, mesmo que esta parte se sobreponha a da narrativa.

Genette afirma que, Aristóteles reconhece em Homero esta superioridade sobre os outros poetas épicos. Pois ele intervêm o menos possível em seu poema, colocando em cena, na maior parte das vezes, personagens caracterizados, conforme o papel do poeta, que é imitar o máximo possível.

Aristóteles reconhece o caráter imitativo implícito dos diálogos Homéricos e portanto o caráter misto da dicção épica, narrativa em seu fundo, mas dramática em sua extensão.

As duas classificações, tanto a de Platão quanto a de Aristóteles, concordam que existe uma oposição do dramático e do narrativo, sendo o dramático considerado mais imitativo que o segundo. Os dois filósofos acreditam que a narrativa é um modo enfraquecido, atenuado da representação literária.

Genette destaca a importância de levantar um fator que nenhum dos dois filósofos se preocupou, mas que pode restituir à narrativa todo seu valor e importância. A imitação direta, como funciona em cena, consiste em gestos e falas. Enquanto gestos, ela evidencia, representa ações, mas escapa do plano lingüístico, onde é exercida a atividade específica do poeta. Porém, constituída por falas, discursos emitidos por personagens, a parte da imitação se resume a isto, em uma obra literária.

A narrativa mista para Platão, quer dizer o modo de relação mais corrente e mais universal, ``imita'', alternativamente, sobre o mesmo tom, uma matéria não verbal que deve efetivamente representar o melhor que puder, e uma matéria verbal que se representa por si mesma, e que se contenta, na maioria das vezes, em citar.

Genette acredita que, em uma narrativa histórica, fiel, o historiador-narrador deve ser muito sensível à mudança de regime, quando passa do esforço narrativo na relação dos atos realizados à transcrição mecânica das falas pronunciadas. Mas quando se trata de uma narrativa parcial ou completamente fictícia, o trabalho da ficção se exerce igualmente sobre os conteúdos verbais e não verbais, tem por efeito mascarar a diferença que separa os dois tipos de imitação. Um está em frase direta, enquanto o outro faz intervir um sistema mais complexo.

Para imaginar fatos e falas procedemos de uma mesma operação mental, porém dizer esses atos e dizer estas falas, constituem duas operações verbais muito diferentes. Só a primeira constitui uma verdadeira operação, um ato de dicção no sentido platônico, comportando uma série de transposições e equivalências, e uma série de escolhas inevitáveis entre os homens da história a serem retidos e os elementos a serem abandonados, entre os diversos pontos de vistas possíveis, etc.. Todas as operações evidentemente ausentes, quando um poeta ou historiador se limita a transcrever o discurso.

Pode-se contestar esta diferença entre o ato de representação mental (logos) e o ato de representação verbal (lexis). Porém, Genette diz que estaremos contestando a própria teoria da imitação, que atribui à ficção poética a denominação de um simulacro da realidade, transcendente ao discurso que o institui.

Quanto ao acontecimento histórico, este é exterior ao discurso do historiador ou à paisagem representada no quadro. Teoria que não faz diferença entre ficção e representação, faz com que o objeto da ficção se reduza por ela a um real fingido e que espera ser representado.

``A noção mesmo de imitação sobre o plano da lexis é uma pura miragem, que vai desaparecendo à medida que nos aproximamos dela, a linguagem só pode imitar perfeitamente a linguagem, ou mais precisamente, o discurso só pode imitar perfeitamente um discurso idêntico; em resumo, a imitação direta é, exatamente uma tautologia''. (Genette apud in Barthes 1971: 261)

Genette conclui que, o narrativo é o único modo empregado pela literatura enquanto representação, equivalente verbal de acontecimentos não verbais e também de acontecimentos verbais, a não ser que ele se apague, neste último caso, diante de uma citação direta da qual se anula toda a função representativa.

``A representação literária, a mimesis dos antigos, não é a narrativa mais os discursos: é a narrativa, e somente a narrativa. Platão oporia mimesis a diegesis como uma imitação perfeita a uma imitação imperfeita; mas a imitação perfeita não é mais uma imitação, é a coisa mesmo, e finalmente a única imitação é a imperfeita. Mimesis é diegesis.'' (Genette apud in Barthes, 1971: 262)

Narração e descrição

Partindo do pressuposto de que a representação literária se confunde com a narrativa (sentido lato), Genette levanta indagações que não foram abordadas por Platão e Aristóteles. O autor defende que toda a narrativa comporta com efeito, porém em proporções diferentes de um lado representações de ações e de acontecimentos, que constituem a narração propriamente dita, de outro lado representações de objetos e personagens, que são o fato daquilo que se denomina descrição.

A oposição entre narração e descrição é um dos traços maiores da nossa consciência literária. A descrição nunca teve uma existência muito ativa antes do séc. XIX, quando a introdução de longas passagens descritas em romances, que são tipicamente narrativos, colocasse em evidência os recursos e as exigências deste procedimento.

A despreocupação em distinguir descrição e narração, é indicada claramente pelo emprego do termo comum diegesis, graças ao status literário, muito desigual dos dois tipos de representação.

É possível, em princípio, concebermos textos puramente descritivos, visando a representação de objetos em sua única existência espacial, fora de qualquer acontecimento e de dimensão temporal. Realizar uma descrição pura de qualquer elemento narrativo é mais fácil do que o inverso, pois a mais sóbria designação dos elementos e circunstâncias de um processo pode passar por um esboço de descrição.

Pode-se dizer que a descrição é mais indispensável do que a narração, uma vez que é mais fácil descrever sem narrar do que narrar sem descrever, pois os objetos podem existir sem movimento, mas não há movimento sem objetos.

Genette explica que a natureza da relação entre descrição e narração em textos literários, segue da seguinte maneira: a descrição poderia ser concebida independentemente da narração, mas de fato nunca se encontrará em um estado livre. A narração por sua vez, não pode existir sem a descrição, mas esta dependência não a impede de representar o primeiro papel, fazendo com que a descrição seja uma escrava sempre necessária, mas submissa, jamais sendo emancipada.

Em gêneros narrativos, como a epopéia, o conto, a novela, o romance, em que a descrição geralmente ocupa um lugar muito grande, e mesmo materialmente maior, é vista como um simples auxiliar da narrativa. Não existem, gêneros descritivos, e imagina-se mal uma obra em que a narrativa se comportaria como auxiliar da descrição.

O estudo das relações entre o narrativo e o descritivo reduz-se a considerar as funções diegéticas da descrição, isto é, o papel representado pelas paisagens, ou os aspectos descritivos na economia geral da narrativa.

A fim de detalhar este estudo sobre a descrição, Genette utiliza-se da tradição literária clássica para abordar duas de suas funções relativas distintas. A primeira, é de certa forma decorativa. A retórica tradicional classifica a descrição como um ornamento do discurso: a descrição longa e detalhada, aparece aqui como uma pausa, uma recreação na narrativa, puramente estética.

A segunda grande função da descrição, a mais manifestada hoje, que se impôs com Balzac, na tradição do gênero romanesco, é de ordem simultaneamente explicativa e simbólica, como os retratos físicos, as descrições de roupas e móveis tendem, em Balzac, e seus sucessores realistas, revelar, e ao mesmo tempo justificam a psicologia dos personagens, dos quais são simultaneamente: signo, causa e efeito.

Com a evolução das formas narrativas, a descrição ornamental foi substituída pela descrição significativa, tendendo assim a reforçar a dominação do narrativo, fazendo com que a descrição perdesse, sem nenhuma dúvida, em autonomia o que ganhou em importância dramática.

As diferenças que separam a descrição e a narração são diferenças de conteúdo, e não tem existência semiológica.

``A narração liga-se a acontecimentos ou ações, considerados como processos puros e por isso põe acento sobre o aspecto temporal e dramático da narrativa; a descrição ao contrário, uma vez que se demora sobre objetos e seres considerados em sua simultaneidade, e encara os processos como espetáculos, parece suspender o curso do tempo e contribui para espalhar a narrativa no espaço.'' (Genette apud in Barthes 1971: 265)

Estes dois tipos de discursos exprimem duas atitudes antitéticas diante do mundo e da existência, uma mais ativa, e outra mais contemplativa, consequentemente, mais poética. Mas referindo-se a representação, narrar um acontecimento e descrever um objeto são duas operações semelhantes, que utilizam os mesmos recursos de linguagem.

A diferença mais significativa seria talvez o fato de que a narração traz no seu discurso a sucessão temporal, igualmente como dos acontecimentos, enquanto que a descrição deve modular no sucessivo a representação de objetos simultâneos e justapostos no espaço. Para Genette (1971:266), ``a linguagem narrativa se distinguiria assim por uma espécie de coincidência temporal do seu objeto, do qual a linguagem descritiva seria ao contrário irremediavelmente privada''.

Porém esta oposição perde muito de sua força na literatura escrita, onde nada impede o leitor de voltar atrás e de considerar o texto, em sua simultaneidade espacial. O autor revela que, por outro lado, nenhuma narração, nem mesmo da reportagem radiofônica, não é rigorosamente sincrônica ao acontecimento que relata, e a variedade das relações que podem guardar o tempo da história e o da narrativa acaba de reduzir a especificidade da representação narrativa.

``Enquanto modo de representação literária, a descrição não se distingue nitidamente da narração, nem pela autonomia de seus fins, nem pela originalidade de seus meios, para que seja necessário romper a unidade narrativo-descritiva (a dominante narrativa), que Platão e Aristóteles designaram narrativa.'' (Genette apud in Barthes 1971: 266)

Caso a descrição marque uma fronteira da narrativa, esta será uma fronteira interior que reunirá sem prejuízo, na noção de narrativa, todas as formas de representação literária, e considerar-se-à a descrição não como um dos seus modos (o que implicaria uma especificidade de linguagem) porém, como um dos seus aspectos.

Narrativa e discurso

Retornando a Platão e Aristóteles, que nas suas obras República e a Poética, onde reduziram o campo da literatura ao domínio particular da literatura representativa: poiesis = mimesis. Genette pretende desenhar uma última fronteira da narrativa, que poderia ser a mais importante e a mais significativa, considerando tudo o que se encontrava excluído do poético. Trata-se da poesia lírica, satírica e didática, utilizando-se de alguns nomes que um grego do século V ou IV deveria conhecer, são eles: Píndaro, Alceu, Safo, Arquíloco e Hesíodo.

O que Arquíloco, Safo e Píndaro possuem em comum, é que suas obras não consistem em imitação, por narrativa ou representação cênica, de uma ação real ou fingida, exterior à pessoa e à palavra do poeta, mas simplesmente em um discurso mantido por ele diretamente em seu próprio nome.

Genette exemplifica, contando que Píndaro cantava méritos ao vencedor olímpico, Arquíloco invectivava seus inimigos políticos, Hesíodo dava conselho aos agricultores, Empédocles ou Parmênides falavam da teoria do universo. O elemento comum nestes autores é que neles não há nenhuma representação, nem ficção, simplesmente uma fala que se investe diretamente no discurso da obra.

A expressão direta escapou à reflexão da Poética, enquanto negligencia a função representativa da poesia. Surgem assim duas divisões, segundo a importância sensivelmente igual ao conjunto do que chamamos hoje literatura.

Genette adota a divisão proposta por Emile Benveniste entre narrativa (história) e discurso, com a diferença que Benviste engloba na categoria do discurso tudo que Aristóteles chamava de imitação indireta, que consiste ao menos na sua parte verbal, em discurso emprestado pelo poeta ou narrador a um dos seus personagens.

Benveniste destaca que certas formas gramaticais como o pronome ``eu'' e sua referência implícita o ``tu'', os indicadores pronominais, certos demonstrativos ou adverbiais (como aqui, agora, ontem, hoje, amanhã) e, certos tempos do verbo, como o presente, passado composto ou futuro, se encontram reservados ao discurso enquanto que a narrativa em sua forma estrita é marcada pelo emprego exclusivo da terceira pessoa e de formas como o airoso (passado simples) e o mais-que-perfeito.

Não importa o idioma, todas estas diferenças servem para criar uma oposição entre a objetividade da narrativa e a subjetividade do discurso. Porém Benveniste acredita que, é preciso lembrar que se trata de uma ``objetividade e de uma ``subjetividade'' definida por critérios de ordem propriamente lingüística: é subjetivo o discurso onde se marca, explicitamente ou não, a presença (ou a referência a) eu, mas este eu não se define de nenhum modo com a pessoa mantém o discurso. Do mesmo modo que o presente, que é o tempo por excelência do modo discursivo, não se define como o momento em que o discurso é enunciado, sem emprego marcado, para a autora ``a coincidência do acontecimento descrito com a instância do discurso que o descreve''.

Já a objetividade da narrativa se define pela ausência de toda referência ao narrador: O narrador omite-se, os acontecimentos são colocados e se produzem à medida que aparecem no horizonte da história. É como se os acontecimentos narrassem a si mesmos''.

Porém é preciso acrescentar que as essências da narrativa e do discurso, quase nunca se encontram em estado puro em nenhum texto. Em muitos casos, há uma proporção de narrativa no discurso e uma certa dose de discurso na narrativa.

Assim, se esgota a simetria, pois tudo que se passa com os dois tipos de expressão se encontram muito diferentemente afetados pela contaminação, pela inserção de elementos narrativos no plano do discurso não basta para emancipá-lo, pois estes elementos permanecem com maior freqüência ligados à referência do locutor, que fica implicitamente presente no último plano, e que pode intervir de novo a cada instante sem que este retorno seja considerado uma ``intrusão''.

Ao contrário de ser normal haver elementos da narrativa em um discurso, é visto como infração a intervenção de elementos discursivos no interior de uma narrativa. Para Genette (apud in Barthes, 1971: 272)

``A narrativa inserida no discurso se transforma em elemento do discurso, o discurso inserido na narrativa, permanece discurso e forma uma espécie de quisto muito fácil de reconhecer e localizar. A pureza da narrativa, dir-se-ia, é mais fácil de preservar do que a do discurso.''

O romance como alternativa na relação discurso X narrativa

Genette diz que uma das atividades deste estudo, poderia ser o de repertoriar e classificar os meios pelos quais a literatura narrativa (particularmente a romanesca) tem tentado organizar de uma maneira aceitável, no interior de sua própria léxis, as relações estreitas e delicadas que se encontram as exigências da narrativa e as necessidades do discurso. Porém, o autor admite que o romance nunca conseguiu solucionar o problema dessa relação.

Houveram diversas tentativas, durante séculos diferentes, de resolver esta discussão. Na época clássica, por exemplo, o autor-narrador assumia o seu próprio discurso, intervinha na narrativa com uma indiscrição marcada, interpelando o seu leitor no tom da conversação familiar.

Vê-se também ao contrário nesta mesma época, o autor transfere todas as suas responsabilidade do discurso a um personagem principal que falará, isto é, narrará e comentará ao mesmo tempo os acontecimentos em primeira pessoa.

Outra alternativa foi repartir o discurso entre os diversos atores, seja sob a forma de cartas, como fez freqüentemente o romance do séc., ou ainda de uma maneira mais ágil e sutil de um Joyce ou de um Faulkner, fazendo sucessivamente a narrativa ser assumida pelo discurso interior dos seus principais personagens.

O único momento de equilíbrio entre discurso e narrativa, sem escrúpulo e ostentação foi no séc. XIX, a idade clássica da narração objetiva, com Balzac e Tolstoi.

De acordo com Genette, Hammett ou Hemingway tentaram conduzir a narrativa ao seu mais alto grau de pureza. Para isto foi preciso excluir a exposição dos motivos psicológicos, sempre difícil de apresentar sem recurso a considerações gerais de natureza discursiva, as qualificações implicando numa apreciação pessoal do narrador, as ligações lógicas, etc; até reduzir a dicção romanesca a essa sucessão de frases curtas, sem articulações.

O que se interpretou com freqüência como uma aplicação à literatura das teorias behavioristas era talvez somente o efeito de uma sensibilidade aguda a certas incompatibilidades da linguagem. Todas essas características da escritura romanesca contemporânea ganhariam, sem dúvida, se analisadas sob este ponto de vista, além da tendência atual, manifestada em Sollers ou um Thibaudeau, por fazer desaparecer a narrativa no discurso presente do escritor no ato de escrever, no que Foucault chama ``o discurso ligado ao ato de escrever, contemporâneo de seu desenvolvimento e encerrado nele''.

Tudo se passa como se a literatura tivesse esgotado ou ultrapassado os recursos de seu modo representativo, e pretendesse refletir sobre o murmúrio indefinido de seu próprio discurso.

Genette (apud in Bathes 1971: 274) acredita que talvez o romance, após a poesia, consiga sair da idade da representação.

``Talvez a narrativa, na singularidade negativa que acabamos de reconhecer, seja já para nós, como a arte para Hegel, uma coisa do passado, que é preciso considerar às pressas em sua retirada, antes que tenha desertado completamente nosso horizonte.''

A literatura de Rubem Fonseca e o seu romance Agosto

Após uma breve incursão através dos pressupostos levantados por Genette, iremos abordar o nosso objeto de estudo que se encontra no romance Agosto de Rubem Fonseca. A fim de compreendermos um pouco melhor o estilo literário do autor, é relevante para o nosso estudo conhecermos algumas características do autor e da temática das suas obras.

Breve perfil da obra de Rubem Fonseca

Rubem Fonseca começou a se destacar em 1963, com um pequeno volume de contos intitulados Os prisioneiros. O autor sempre buscou preservar sua intimidade, afastando-se de entrevistadores, não comentava suas obras por mais escandalizadas que fossem ou criticadas. Seus romances e contos abordam temas como: assassinatos, assaltos, roubos, tráfico de drogas, corrupção policial, violência e sexualidade.

Em Agosto, obra publicada em 1990, o autor segue as suas características primordiais, de acordo com Gil (1991) seu virtuosismo está quando ele se transforma em narrador de histórias, problematizando uma ``verdade'' ficcional. Fonseca faz com que exista uma coerência entre o real e a ficção.

Gil (1991) ressalta que o conteúdo, juntamente com os pressupostos histórico-culturais, são fundamentais para dar sentido à composição dos romances de Rubem Fonseca. Podemos dizer que existe nos textos de Rubem Fonseca, uma sincronia entre o tempo histórico e o tempo ficcional. Gil afirma que há uma gradativa inserção do país na esfera do capitalismo industrial de consumo e massa, presente na obra do autor.

No que envolve seus personagens, há sempre uma identificação destes com a realidade social na qual estão inseridos. Gil (1991:162) exemplifica esta característica:

``Rubem Fonseca se ordena e toma a direção primeiro no sentido da impossibilidade de os personagens estabelecerem relações substantivas com a realidade social ( e s relações pessoais totalmente degradadas ou são vontades e desejos de vivenciar experiências desse mundo que, agora, já se tornaram inacessíveis).''

Além do desmoronamento de todas as relações pessoais entre os seus personagens, o autor os cria em uma esfera antagônica. Segundo Silva (1980), eles podem ser tanto um burguês quanto um marginal, e também um ser que sofre de um acossamento psicológico. Silva prossegue, descrevendo que os personagens ferem e matam, mas sofrem com isto uma eterna angústia, são lúcidos, mas encontram-se sempre desesperados.

Por fim, Rubem Fonseca é caracterizado por ser um escritor bem dotado e de ter um raro poder de observação do seu meio. Segundo Afrânio Coutinho (apud in Silva 1980), este é um requisito básico para um escritor, para transpor à letra artística mediante o seu imaginário e seu estilo.

`` Os livros de Rubem Fonseca são obra de arte literária no melhor sentido, seja pela sua língua vivaz e franca, seja pelo uso de todos os recursos técnicos da arte ficcional moderna, seja pela segura e arguta visão dos costumes sociais contemporâneos.'' (Coutinho, apud in Silva 1980:168)

Agosto e suas características

Agosto foi publicado em 1990 e caracteriza-se principalmente por se tratar de uma narrativa de cunho policial, de contar com um grande número de personagens que possuem ligações entre si, além do clima de mistério e investigação presente do início ao final da obra.

Para uma maior aproximação com o romance, julgamos necessário uma breve sinopse de Agosto. A história se resume no assassinato de um empresário ocorrido na madrugada de 1 de agosto de 1954, no quarto de um luxuoso duplex no Rio de Janeiro. A pouco quilômetros dali o tenente Gregório Fortunato, chefe da Guarda pessoal do Presidente Getúlio Vargas, começa a arquitetar outro crime: o atentado ao jornalista Carlos Lacerda, que terminaria vinte dias depois, na maior tragédia política do Brasil. O personagem central da trama é um delegado de Polícia chamado Mattos, muito depressivo e incorruptível, atormentado por uma úlcera gástrica e duas namoradas. Mattos sai obsessivamente atrás de provas para solucionar os dois crimes - o assassinato de Carlos Lacerda e do empresário-, sendo que os dois crimes possuíam um fato incomum: o principal suspeito era um homem negro.

Neste romance podemos identificar alguns pontos levantados por Silva (1980) quando ele caracteriza a obra do autor como a condenação de instituições, a vitória dos bandidos, a violência urbana e o uso de uma linguagem vulgar utilizada, visando o lado trágico das metrópoles, além de servir para o autor manifestar todo o seu repúdio perante a realidade da qual se ocupa.

Silva continua, destacando que a obra literária de Rubem Fonseca é realista, pois se concentra em temas extraídos de grandes concentrações urbanas e violentas - no caso de Agosto, já que a história se passa no Rio de Janeiro.

Neste romance Rubem Fonseca funde texto e contexto, apresentando um diagnóstico da sociedade em que vive. A trama dos personagens se funde com um momento de grande importância para o Brasil, é o autor aproveitando-se da realidade, do seu testemunho, transformando-o em uma forma literária. ``A literatura não é espelho, escritor não é fotógrafo. Ao invés de reproduzir, sua obra transfigura, revela'' (Silva, 1980: 14).

O pensamento de Gérard Genette como aporte teórico para a análise de conteúdo no caso Agosto

Retornaremos novamente à fundamentação teórica baseada em Gérard Genette, que irá nortear a análise do objeto escolhido, partindo dos conceitos considerados mais relevantes dentro da exposição feita pelo autor, no seu artigo Fronteiras da Narrativa.

É importante ressaltar que a escolha destes conceitos se deu através da utilização da técnica de análise de conteúdo de acordo com Laurence Bardin (1977), que une o contexto direto prolongado da investigação com o objeto pesquisado. Os pressupostos de Bardin buscam na pesquisa qualitativa e através da análise de conteúdo, uma visão precisa, mas ao mesmo tempo flexível, por acreditar que ``a compreensão exata do sentido é capital'' (1977:115)

As categorias resultantes do artigo fronteiras da narrativa de G. Genette

O artigo de Genette sofreu uma acurada análise a partir de um processo de estabelecimento de relações entre os conceitos discorridos ao longo do seu texto. Podemos dizer que, através de uma ``leitura flutuante''2 e de posse dos elementos globais abordados por Genette, organizaram-se categorias comparativas que irão permitir a análise do nosso objeto de estudo, que serão apresentadas logo após, por intermédio de quadros comparativos:

Quadro Comparativo I


Diegesis Mimesis
modo de imitação, representação poética modo de imitação, é a representação direta dos acontecimentos por atores falando ou agindo perante o público
denominada de simples narrativa por Platão, o autor fala em seu próprio nome, sem procurar fazer crer que é outro que fala Denominada por Platão de imitação propriamente dita, o autor fala através do personagem

Quadro Comparativo II


Narração Descrição
mistura representações de ações e acontecimentos Representação de objetos e personagens
Prima pela ação, pelo movimento dos objetos Representação de objetos em uma única existência espacial, fora de qualquer dimensão temporal.
Existem gêneros narrativos (como o conto, o romance, etc..), onde a descrição ocupa um lugar muito grande. é sempre um simples auxiliar da narrativa, pois não existem gêneros descritivos, porém é responsável pela dramaticidade
considerada um processo puro, considera o aspecto temporal é estético, uma pausa, uma recreação na narrativa, sem preocupação com o tempo, mas com a ordem explicativa e simbólica

Quadro Comparativo III


Narrativa Discurso
história tudo o que Aristóteles chamava de imitação indireta3
emprego exclusivo da terceira pessoa e dos verbos em passado simples e no passado mais-que-perfeito Caracterizado pelo pronome ?eu?, sua referência ao ?tu?, indicadores pronominais, certos demonstrativos ou adverbiais, e os tempos de verbos no presente, passado composto ou futuro
objetividade -ausência ao narrador subjetividade - presença ou referência ao eu
é um modo particular, definido por um certo número de exclusões e condições restritivas é um modo natural de linguagem, o mais aberto e universal.
a narrativa não pode discorrer sobre si mesma o discurso pode narrar sem cessar o discurso

A análise de conteúdo de Agosto de acordo com as categorias de G. Genette

Elegemos algumas categorias extraídas do artigo de Genette, que foram organizadas em forma de quadros comparativos, a fim de facilitar a análise do objeto em questão.

As categorias elencadas foram:

1- Diegesis e Mimesis;

2- Narração e Descrição;

3- Narrativa e Discurso.

Para estruturarmos a análise foi feita a escolha do terceiro capítulo do romance Agosto4, que servirá como corpus da pesquisa, para a partir daí, referendarmos com extratos deste capítulo, os conceitos descritos acima, seguindo os princípios de G. Genette.

1- Diegesis e Mimesis

Exemplos de diegesis:

Depois que desligou o comissário lembrou-se que tinha um encontro com seu Emílio, o maestro, às cinco e meia. Como tinha tempo, pois era muito cedo, o comissário decidiu homenagear seu Emílio ouvindo La Traviata. (p.43)

Comentário: Há uma representação verbal do ato de Mattos, um dos protagonistas do romance.

Procurar entender as coisas levava-o sempre a um frustrante círculo vicioso. (p. 48)

Comentário: O autor (narrador) fala por ele mesmo, ele não quer fazer ser acreditado ser o personagem.

Exemplos de mimesis:

`` Eu também não gosto de fuçar a vida sexual de ninguém. Mas o senador deve ser desse tipo de michê que gosta de contar vantagens para as garotas na cama, tomando champanhe. Muitas vezes conseguimos informações úteis.'' (p. 45)

Comentário: percebemos que o discurso de Rubem Fonseca se mistura ao do personagem Rosalvo, um agente de polícia.

``...Sabe quantos anos tinha Verdi quando compôs esta obra-prima, quando a história da ópera virou de cabeça para baixo, ou para cima, com o Falstaff? Oitenta anos, a minha idade menino. Mas no Brasil qualquer coisa de oitenta anos tem que ser destruída, jogada no lixo. É por isso que antigamente todos os grandes cantores vinham ao Brasil e agora ninguém mais vem aqui, nem um Del Monaco, nem mesmo um Pinza, que não sabe ler uma nota de música, ninguém!'' (p. 53)

Comentário: Este trecho foi retirado de um diálogo do maestro Emílio com Mattos. O autor fala, através do personagem.

2- Narração e Descrição

Exemplos de narrações:

Numa pequena oficina de consertos de automóveis, o mecênico Cosme, durante uma briga, dera um golpe com uma chave de cruz na cabeça de um sujeito que deixara o carro para reparos, matando-o. (p. 46)

Comentário: Há uma representação de ação e acontecimentos, com partes descritivas.

Entrou na confeitaria e sentou-se, de frente para aporto. Faltavam dez minutos para as cinco. Por alguns instantes pensou em ir embora. Por que ficar ali para rever a mulher que o havia desprezado? O que Alice estava querendo dele? Ajuda? Ele não queria desforrar-se dela deixando de ajudá-la, o vingar-se ajudando-o, o que seria ainda mais mesquinho. Ficou olhando os desenhos art-nouveau na parede. ( p. 49)

Comentário: O tempo aparece como elemento importante dentro desta narração, mas aparece novamente a descrição.

Exemplos de descrições:

Cosme seria um tipo lombrosiano com estigmas físicos de criminalidade como fonte fugidia, a proeminência dos zigomas, a agudeza do ângulo facial, o prognatismo, a plagiocefalia. (p. 47)

Comentário: Nesta frase é feito um retrato físico do personagem, causando dramaticidade, no entanto não há uma referência temporal, e sim uma ordem explicativa e simbólica.

O velho já o esperava ao lado da estátua de Chopin. Usava, como sempre, chapéu panamá e gravata borboleta, mas o chapéu estava amassado e o terno era de caroá. O colarinho sujo. A bengala de castão de prata, que segurava na mão, em vez de torná-lo elegante, como antes, dava-lha agora uma aparência frágil e enferma. (p. 51)

Comentário: A ação não é representada, não há nenhum acontecimento nem uma dimensão temporal.

3- Narrativa e Discurso

Exemplos de narrativas:

Mattos parou ao lado de um dos leões que flaqueavam a escadaria do Palácio Monroe. Virou-se para olhar o imponente edifício São Borja, que ficava bem em frente, do outro lado da avenida Rio Branco. Os senadores haviam escolhido um lugar muito conveniente para as suas folganças. (p. 48)

Comentário: Compreendemos o trecho acima mesmo sem sabermos quem fala, não há presença de um discurso, é usada a objetividade.

O mecânico, um homem franzino, de vinte e dois anos, ficara com um enorme hematoma sob a vista esquerda. A oficina dele e do pai, um português que na ocasião da briga estava ausente, no laranjal que a família tinha em Noiva Iguaçu. (p. 46)

Comentário: a narrativa pode ser sinônimo de contar uma história, com objetividade, utilizando os verbos no presente, passado simples e no passada mais-que-perfeito.

Exemplos de discursos:

``Não o vejo a muito tempo... Na última vez, matei aula para ir me encontrar com ele em frente à estátua do Chopin... Era ali que os claqueurs se reuniam... Naquele dia íamos combinar a claque do Parsifal...'' (p. 50)

Comentário: Alguém fala, sua situação no ato mesmo de falar é foco das significações mais importantes. O discurso depende de determinações essências para ser compreendido, e isto ocorre quando sabemos a situação em que a frase foi construída.

``Acho que vou deixar para outro dia...Não estou sabendo como dizer o que quero dizer...Você se encontra comigo novamente? Amanhã? Amanhã terei mais coragem...'' (p. 51)

Comentário: O discurso foi emprestado a um dos personagens( parte verbal), além de conter subjetividade, e uso de verbos no presente, passado composto e futuro.

Considerações finais

Esta pesquisa buscou cruzar a definição de narrativa, juntamente com seus elementos constituintes, com a aplicação dos conceitos, descriminados por G. Genette, no romance Agosto de Rubem Fonseca. O motivo de escolha desta obra pode tentar ser justificada através das inquietações e curiosidades a respeito da narrativa deste autor brasileiro, que possui um talento especial para vasculhar e desenvolver o imaginário dos seus leitores.

Então agregamos os conhecimentos narrativos de Genette ao estilo diferenciado de Rubem Fonseca, para desenvolvermos a tarefa de desempenhar uma análise da narrativa. Para surpresa, notamos que a narrativa está longe de ser um gênero puro. Seguidamente são encontrados traços do discurso, da descrição, nas suas entrelinhas, com o intuito de dar mais dramaticidade, seja para o conto, para a epopéia, para o romance, etc..

A literatura é um objeto de estudo, dos mais ricos e estimulantes, talvez por tratar com as nossas operações mentais de compreensão e assimilação, quando lemos uma obra. Cria-se uma nova atmosfera, a atmosfera da fantasia, da ficção, que nos remete a lugares que nunca havíamos imaginado.

Por isso, não pretendemos ser categóricos e taxativos durante a exposição dos dados, por estarmos analisando algo muito complexo e discutivo por várias correntes de autores, sejam eles medievais ou contemporâneos. Pois a preocupação com a narrativa literária é um assunto em pauta desde a sábia época onde Platão e Aristóteles discutiam o grau de imitação da narrativa.

A partir dos filófosos surgiram inúmeros estudiosos, todos com a mesma finalidade de entender a narrativa, porém o estudo fica cada vez mais complexo e desgastante, pois a produção literária se expande e muda de característica, dependendo do autor que a concebe.

Ao final deste estudo que teve como objeto Agosto, percebemos a importância de cada frase, de cada elemento dentro da narrativa, que colabora para sentirmos este efeito mágico e envolvente no momento em que lemos um livro. É uma experiência vivenciada, que reconfigura o mundo real a partir da ficção.

``Contando histórias, os homens articulam sua experiência do tempo, orientam-se no caos das modalidades de desenvolvimento, demarcando com intrigase desenlaces o curso muito conplicado das ações reais dos homens. Desse modo, o homem narrador torna inteligível para si mesmo a inconstância as coisas humanas, que tantos sábios, pertencendo a culturas diversas, opuseram à ordem imultável dos astros'' (Ricoeur apud in Nunes 1995)

Referências bibliográficas



Notas de rodapé

... Puhl1
Doutora em Comunicação Social PUCRS- Brasil.
... flutuante''2
Leitura flutuante, segundo Laurence Bardin (1977) é a leitura dos dados obtidos.
... indireta3
Consiste na parte verbal, em um discurso emprestado pelo poeta ou narrador a um dos seus personagens.
...Agosto4
O terceiro capítulo de Agosto está em Anexo, da página 43-54 da obra.