A PERSUASÃO
Estratégias para uma comunicação influente
(tese de mestrado em Ciências da Comunicação)

Américo de Sousa,Universidade da Beira Interior

Março de 2000


(Introdução; I Parte; II Parte; Conclusão; Bibliografia)


III  PARTE

RETORICA, PERSUASAO E HIPNOSE

 

1.  Os Usos da Retórica

 

1.1. A revalorização da subjectividade

A retórica suscita e dá lugar à afirmação da subjectividade. Desde logo, porque se mostra especialmente apta para lidar com valores, para justificar  preferências e, em última instância, para fundar as nossas decisões. Depois, porque a argumentação, que lhe confere operacionalidade, desenvolve-se em obediência a uma lógica do preferível, do razoável ou plausível, para além de ficar sempre vinculada a um critério de eficácia eminentemente pluralista: a adesão do respectivo auditório. Porém, mais do que reconhecer a expressão da subjectividade na dinâmica argumentativa, importa agora tentar compreendê-la através das condições em que surge e dos modos em que se manifesta.

Em primeiro lugar, deve notar-se que o espaço em que intervém esta subjectividade coincide com o campo de actuação da própria retórica, ou seja: entre o necessário e o arbitrário, entre a verdade evidente, objectiva e impessoal e a intuição, crença ou vontade individual. Confirma-o Perelman, quando diz que  somente uma teoria da argumentação permitirá “reconhecer, entre o evidente e o irracional, a existência de uma via intermediária, que é o caminho difícil e mal traçado da razoável” 1. Ora entre o evidente e o irracional está a opinião, o saber comum. E o que a nova retórica faz é recuperar a validade consensual da opinião, como portadora de uma racionalidade prática que, não obstante se afirmar decisionalmente em múltiplas situações de vida - desde logo, na esfera do nosso quotidiano - tem permanecido sistematicamente fora dos quadros de produção do chamado conhecimento racional. Simplesmente, “não é eliminando todas as opiniões, a contribuição da tradicão e os ensinamentos da história que se explicará, a um só tempo, a constituição progressiva das ciências e a persistência dos desacordos em muitos domínios” 2

Mas o que é afinal a opinião? Philippe Breton definiu-a como “conjunto das crenças, dos valores, das representações do mundo e das confianças noutros que um indivíduo forma para ser ele próprio” 3. Independentemente, porém, da maior ou menor coerência com que se estruture, a opinião não se constitui nunca como definitiva ou imutável, antes se encontra sujeita a uma perpétua mutação, pela consideração e confronto com outras opiniões. A opinião está, portanto, no centro da argumentação, da discutibilidade. Significará isso que tudo é discutível?

 Breton assinala três grandes domínios que escapam à opinião, por se integrarem na certeza: a ciência, a religião e os sentimentos. Com efeito, os resultados científicos não se discutem, impõem-se a todos, graças às suas características de objectividade e universalidade. Se existem controvérsias neste domínio elas confinam-se ao círculo restrito dos próprios cientistas e, ainda assim, subordinam-se a específicas regras técnicas, elas mesmas em ruptura com o senso comum, próprio das opiniões. Enquanto o conhecimento científico se situa do lado da objectividade e da verdade, a opinião emerge da subjectividade, do verosímil. Aliás, se a opinião fosse uma certeza objectiva, infalível, a argumentação deixaria de fazer qualquer sentido, pois não se argumenta contra o que é evidente e necessário.

Outro domínio que escapa à argumentação é a religião. A fé “partilha-se, comunica-se, mas não se explica nem se discute” 4. É certo que na religião, como salienta Breton, nem tudo é pura revelação ou fé no mistério, pelo que, naturalmente, também ocorrem debates, discussões. Mas tal como no caso dos cientistas, é necessário distinguir entre as discussões internas a uma crença e a argumentação que respeita a cada um na sua universalidade, pois não seria aceitável generalizar esse tipo de discussão a toda a sociedade humana, fazendo dele o centro de todos os debates.

Por último, também os sentimentos que nos movem e nos comovem nada têm a ver com opiniões, independentemente da sua origem ser estética ou afectiva. De resto, a própria sabedoria popular reconhece essa distinção através da expressão “gostos não se discutem”.  Pode-se ter uma opinião sobre determinada relação afectiva, mas não sobre os sentimentos que nela emergem. No mesmo sentido, um comentário em matéria estética, perfeitamente configurável na opinião, já não pertence contudo à própria arte, mas sim, a uma determinada ordem de racionalização valorativa.

Feita esta caracterização da opinião - nos precisos termos em que ela se constitui como objecto da argumentação - importa ainda assim não a confundir com a mera informação, mesmo se a fronteira entre uma e outra, nem sempre surge com muita nitidez. É que a argumentação não visa transmitir e fazer partilhar uma informação, mas sim, uma opinião. A informação é aqui entendida como traduzindo ou apontando para a objectividade, enquanto a opinião se apresenta como um ponto de vista que pressupõe sempre outro possível. Trata-se de uma distinção algo idealizada mas que ainda assim, no que respeita à argumentação, parece manter uma significativa operacionalidade. Assim, de acordo com Breton, quando alguém afirma está a nevar fá-lo num contexto de informação, sem qualquer intenção argumentativa. Mas se disser está a nevar, portanto, vamos ficar no quente, este enunciado já se apresentará como elemento de uma argumentação. É, aliás, a distinção entre informação e opinião que faz com que o jornalista dê ao mesmo facto um tratamento diferente, conforme o objectivo seja informar o público ou fazer um comentário, emitir uma opinião. 

Uma vez situada fora dos conhecimentos científicos, dos sentimentos e das crenças religiosas e não se confundindo também com a mera informação, a opinião permite delimitar o espaço  público de discussão que é, por excelência, o nosso quotidiano, onde a argumentação ocupa um lugar central. Um espaço público laico, assim o designará Breton, “feito dos mundos de representações que partilhamos com todos os outros seres humanos, das metáforas em que habitamos e que estruturam a nossa visão das coisas e dos seres. Estes mundos são, no fundo, criados pela argumentação, e é a argumentação que os transforma. Ela constitui a sua dinâmica essencial, a máquina que dá forma à matéria-prima das crenças, das opiniões, dos valores. Neste sentido, a argumentação é essencial para a ligação social. A ‘laicidade’ do espaço em que evolui e que circunscreve é uma dimensão essencial que lhe permite manter-se à distância de qualquer dogmatismo” 5.

É no seio desta discutibilidade que a retórica se traduz por uma revalorização da subjectividade ou, talvez mais exactamente, das subjectividades. Quando se pensa, por exemplo, na discussão entre dois interlocutores, é possível caracterizar as intervenções de ambos como manifestações de liberdade. Um deles inventando argumentos para sustentar a sua tese ou para rebater a tese adversa, o outro, concedendo ou recusando a sua adesão às teses que lhe são apresentadas. De um lado, a liberdade de invenção, do outro, a liberdade de adesão. Uma simetria de posições onde o fluxo comunicacional resulta da troca e do confronto dos respectivos argumentos. Num e noutro caso, uma procura de consenso com base na plena participação, na expressão e afirmação de uma subjectividade cujos sinais e presença podemos referenciar, segundo Meyer, através “(...) da contingência das opiniões, da livre expressão das crenças e das oposições entre os homens, que procuram sempre afirmar as suas diferenças ou, pelo contrário, superá-las para libertar um consenso” 6. Como diz Paul Ricoeur, a propósito do Direito, existe “(...) um lugar da sociedade – por violenta que esta seja, por origem e por costume – onde a palavra prevalece sobre a violência” 7. Esse lugar é também o da retórica pois o consenso a que esta se dirige é inseparável de uma ideia de justiça. No direito como na retórica, “é no estádio do debate que melhor vemos confrontarem-se e penetrarem-se a argumentação, em que predomina a lógica do provável e a interpretação em que prevalece o poder inovador da imaginação da própria produção dos argumentos” 8.

Mas se a retórica é esse encontro dos homens na livre exposição das suas diferenças, não menos importante é o papel que ela desempenha no reconhecimento e na reconstrução das identidades. As metáforas da distância e da proximidade revelam-se então muito apropriadas para figurar, respectivamente, a razão de ser e o efeito da  argumentação, que o mesmo é dizer, o que leva a que se argumente e o que pode resultar do acordo, do consenso. É por isso que Meyer vê a retórica como negociação da distância entre os sujeitos. “Esta negociação acontece pela linguagem (ou, de modo mais genérico, através da – ou de uma – linguagem), pouco importa se é racional ou emotiva. A distância pode ser reduzida, aumentada ou mantida consoante o caso. Um magistrado que pretenda suscitar a indignação, procurará impedir qualquer aproximação ou identificação entre o réu e os jurados. Em compensação, um advogado que pleiteia a favor de circunstâncias atenuantes, esforçar-se-á por encontrar pontos de contacto e semelhanças entre os jurados e o acusado. O que está em jogo na retórica é a distância, mesmo se o objecto do debate é sempre particularizado por uma questão9. Por uma questão que, acrescente-se, seja susceptível de receber mais do que uma solução, pois só quando portadora de diferentes possíveis justifica a convocação da argumentatividade. 

É precisamente a partir da actividade de questionação, inerente a todo o processo retórico, que Meyer chega à sua concepção de racionalidade interrogativa, para melhor captar a pluralidade de sentidos  da retórica e o contraditório de toda a argumentação. Pelo caminho, desembaraça-se, em primeiro lugar, do proposicionalismo e de um logos que raramente é entendido como o que se ocupa do problemático e da problematicidade em geral. Ele é visto antes “como aquilo que reenvia para a ordem das coisas, aquilo que corresponde aos referentes do discurso, aquilo que constitui os factos e as opiniões que debatemos, as teses que são objecto de discussão (...), etc.” 10. Para Aristóteles, com efeito, “a interrogação dialéctica, longe de ser um verdadeiro processo de questionamento, é na realidade a colocação à prova de uma tese provável para toda a gente, para a maioria, ou para os sábios” 11. Segundo o velho filósofo não nos interrogamos sobre o problemático: apenas discutimos teses opostas. Uma vez obtida a respectiva adesão, a tese aprovada ou escolhida constituir-se-ia como resposta ou afirmação exclusiva. O termo do processo retórico ficaria a assinalar igualmente o fim de toda a problematicidade ou alternativa. “Parece mesmo que o ideal proposicional se perpetua. Trata-se de chegar, tanto quanto possível, a uma proposição que exclua o seu contrário, esperando que a ciência possa decidir apodicticamente, quer dizer, com toda a precisão. Não é portanto o problemático que é preciso conceptualizar, mas as respostas que não o são e que gostaríamos muito que o fossem. A retórica seria como que um paliativo da lógica, aquilo que, à falta de melhor, utilizamos para responder com probabilidade, quer dizer, como verdade exclusiva, proposicional. É uma solução de expectativa. Mas se pretendermos julgar os problemas da lógica pela medida daquilo que impede de os tratar como problemas, como alternativas, com A e não-A como co-presentes,  talvez nos arrisquemos a condenar a retórica uma vez mais medindo-a por aquilo que ela não é e em relação ao qual é nitidamente inferior nos seus resultados. O que será mais eficaz para afirmar uma proposição do que a lógica, que conclui com toda a precisão?” 12. De qualquer modo, a proposição não é a unidade e ainda menos a medida do pensamento - lembra Meyer. Se a razão e o discurso sustentam o contraditório da retórica é porque já incorporam o problema ou a questão pois  “(...) a retórica não fala de uma tese, de uma resposta-premissa que não responde a nada, mas da problematicidade que afecta a condição humana, tanto nas suas paixões como na sua razão e no seu discurso” 13

Mas é sobretudo através da crítica que faz à classificação aristotélica dos géneros oratórios, que Meyer parece conferir maior visibilidade à sua teoria da interrogatividade retórica. Recorde-se que Aristóteles procede à classificação dos géneros oratórios segundo o bem que em cada um deles se pretende realizar. Por isso associa o útil ao género deliberativo, o justo ao género judiciário e o belo, elogioso ou honroso, ao género epidíctico. Descobre-se aqui com toda a nitidez uma preferência por um critério ontológico de classificação dos géneros oratórios. Como Meyer bem salienta, “Aristóteles parte do princípio de que é nas brechas da ontologia que se joga a emergência dos géneros” 14. Temos então uma razão e um discurso pensados a partir da questão do ser, no pressuposto de que dizer é dizer o que é. A retórica trata do que é mas poderia ter sido de outro modo. Sendo assim, o tempo assume uma importância fundamental na criação das próprias alternativas, além de permitir uma caracterização complementar de cada género. O passado define o género judiciário, na medida em que este respeita a factos ou actos que poderiam ter ocorrido de outra maneira. O presente é o tempo do género epidíctico, que se reporta ao que existe (um elogio, uma censura...) mas que poderia ser diferente. Por último, é o futuro que está em causa no género deliberativo, seja através de uma acção política, seja por uma qualquer decisão a tomar 

O que Meyer nos vem dizer é que esta classificação de géneros não faz qualquer sentido. Primeiro porque basta que abandonemos a lógica da exigência ontológica para que se diluam as linhas de fronteira entre cada um dos géneros, tanto mais que qualquer deles faz apelo à possibilidade de não-ser, quer pela admissibilidade da negação de qualquer tese ou proposta, quer em função das três modalidades de temporalidade acima referidas. Em segundo lugar, porque os três bens que supostamente os distinguiriam estão sempre mais ou menos presentes em cada género oratório. Já Quintiliano, de resto, chamara a atenção para o modo como os três géneros se apoiam mutuamente: “num elogio não se trata daquilo que é justamente útil? Numa deliberação não tocamos em aspectos da moral? E nos discursos de defesa não existe sempre algo de tudo isto? 15. Mas porque é que o útil, o justo e o honroso se misturam em qualquer relação retórica? Meyer encontra a resposta no modo como os interlocutores - que se apresentam uns aos outros com uma distância variável - procuram negociar esta última, quanto à questão cuja discutibilidade está em jogo. “A justificação é auto-justificação: assenta em valores, mas também sobre a procura de aprovação, o ‘reconhecimento’; e, para obterem isso, os homens procuram agradar e comover. Pathos, logos e ethos coincidem assim, e nem sempre conseguimos deslindá-los com precisão” 16. Deste modo os géneros oratórios diluem-se e chegam até a sobrepor-se, o que nos impede de captar a especificidade do objecto da retórica. É preciso, por isso, encontrar uma outra lógica, que supere a lógica da exigência ontológica e essa é, segundo Meyer, a lógica da interrogatividade, que assenta no reconhecimento da maior ou menor problematicidade da questão levantada. Uma questão que se inscreve, afinal, na afirmação pluralista das subjectividades, como é próprio de uma retórica dos homens e para os homens. 

É certo que já Aristóteles reconhecera o papel central da questão no processo retórico, quando, após definir a retórica como a faculdade de considerar em cada caso (ou questão) aquilo que pode ser mais apropriado para persuadir, delimitou igualmente o seu objecto: são as questões acerca das quais deliberamos, ou seja, assuntos que parecem admitir duas possibilidades 17. Meyer, porém, vai mais longe e não só retoma  a questão como objecto ou motivo da argumentação como vê nela as marcas de uma nova racionalidade - a racionalidade interrogativa - que funda e orienta o próprio argumentar. A retórica traduz-se numa negociação da distância entre os homens, daí que o seu despoletar decorra, invariavelmente, do aparecimento de uma questão para a qual não é possível apresentar apenas uma resposta ou solução. Logo, essa negociação processa-se de acordo com uma lógica própria: “Se existe uma racionalidade retórica, é preciso encará-la como uma lógica da identidade e da diferença, identidade entre eles ou identidade de uma resposta para eles, apesar da diferença entre eles e entre as suas múltiplas opiniões e saberes” 18

É no seio desse jogo de identidades e diferenças que emergem as questões, podendo a respectiva racionalidade interrogativa ser analisada justamente em função da sua maior ou menor problematicidade. Para Meyer, é a variação dessa problematicidade que irá definir os géneros oratórios, nomeadamente, em função dos meios de resolução disponíveis. Nesse sentido podemos dizer que se observa uma problematicidade crescente à medida que se caminha do género epidíctico para o género judiciário e deste para o deliberativo. No género epidíctico, diz Meyer, a questão não chega a ser verdadeira e radicalmente problemática, pois a resposta está dada, posta à disposição. No género judiciário já existe de facto um problema mas que se encontra fortemente relativizado pelas regras de juízo previamente fornecidas pelo direito. Logo, é no género deliberativo que se observa a maior problematicidade pois ninguém detém, à partida, o juízo resolutório, excepto no caso de autoridade natural ou institucional.

Em síntese, poderemos dizer, segundo Meyer, que “(...) dispomos ou não da solução para as questões; e se não se não dispomos dela, podemos encontrá-la através dos meios presentes, inventados ou não de propósito (como o direito ou os regulamentos políticos), ou então é preciso resolvê-la sem ter à mão os critérios para decidir” 19. Em qualquer caso, uma ideia interessa reter: quanto mais uma questão é incerta, menos a solução possível se limita a uma única alternativa, mais vasto é o leque de respostas possíveis, pelo que “não se trata então de aprovar ou desaprovar, de julgar uma questão que conseguimos reduzir a uma alternativa ou outra; agora convém decididamente encontrar a resposta mais útil, a mais adequada entre todas as possíveis, e até mesmo criar a alternativa” 20.

É no campo dessa interrogatividade em contínuo que os géneros retóricos poderão ser vistos como correspondendo a três grandes níveis de problematicidade no todo da argumentação. Esses três níveis de problematicidade não se autonomizam necessariamente como poderia sugerir a classificação aristotélica dos géneros, antes se completam, “interpenetram-se sempre mais ou menos, e a singularização de um deles é precisamente apenas um momento, numa estratégia argumentativa que é sempre mais global do que uma radicalização parcial deixa transparacer” 21

Mas quais são e em que consistem esses três grandes níveis de articulações interrogativas? Para Meyer são a factualização, a qualificação e a legitimação. A factualização que incide sobre o “que”, ou seja, quando está em questão se este ou aquele facto se produziu. Quanto à qualificação esta actua sobre o “o que”, onde já não está em causa se o facto se verificou ou não (por já se encontrar admitido) mas sim a sua caracterização, como por exemplo, quando encontramos uma pessoa inanimada e nos interrogamos se terá sido devido a doença, acidente ou crime. Por último, a legitimação - que pode ser considerada como um meta-nível na medida em que se trata da questão de legitimidade – onde o que está em causa é a “legitimidade daquele que fala, do seu direito a interrogar-nos, das razões que pode ou não invocar, das normas argumentativas que também reconheceremos como válidas entre nós, de facto ou de comum acordo expresso” 22. A cada uma destas três grandes articulações interrogativas Meyer associa ainda uma diferente concepção de argumentação. Assim, no primeiro tipo de interrogação teremos a argumentação como dialéctica, em que se procura saber se uma proposição é verdadeira ou se um facto ou acontecimento se produziu ou não. No segundo tipo de interrogação surge a argumentação como “retórica do sentido, das figuras, da interpretação do sentido e já não do debate contraditório” 23. O terceiro tipo de interrogação é aquele em que o objecto do debate já não é o sentido mas sim a identidade e a diferença entre os seres que, ao comunicarem o que os identifica, deixam também mais nítido tudo o que os separa.

Nestes termos, a concepção interrogativa não só pode aspirar à elaboração de uma teoria completa da argumentação como “permite compreender uma oposição entre dois usos da retórica: aquele que visa manipular os espíritos e aquele que, pelo contrário, torna públicos os procedimentos da primeira, e de um modo mais geral todos os mecanismos da inferência não-lógica” 24. Por isso a retomaremos no próximo capítulo a propósito do possível uso da retórica como instrumento de manipulação ou engano. Por agora, detenhamo-nos um pouco mais sobre o bom uso da retórica, ou seja, aquele que permite aos homens exercer em plena consciência o seu sentido crítico e o seu juízo. Uma retórica que promove “(...) o encontro dos homens e da linguagem na exposição das suas diferenças e das suas identidades. Eles afirmam-se aí para se encontrarem, para se repelirem, para encontrarem um momento de comunhão ou, pelo contrário, para evocarem essa impossibilidade e verificarem o muro que os separa” 25. É que, como sublinha Meyer,  se há uma constante na relação retórica ela é, desde sempre, a das relações entre os sujeitos, o que, pressupondo a existência de um locutor e um interlocutor (ou auditório), prefigura uma dinâmica argumentativa cuja especificidade mais notória será o papel que nela desempenham as subjectividades. E uma vez afastada a tentação dogmática, a crença numa hipotética verdade absoluta, é a relatividade que se assume como condição e possibilidade da própria argumentação. De facto, como lembra Oswaldo Porchat Pereira, 26 a força de um argumento é sempre relativa. É relativa, em primeiro lugar, à maior ou menor competência de quem o utiliza. É relativa também aos interlocutores concretos que se visa persuadir. É ainda relativa às circunstâncias particulares em que o argumento tem lugar. Mas, além disso, a argumentação, no seu todo, é sempre relativa a uma visão do mundo mais ou menos comum aos interlocutores, onde se pode encontrar as premissas consensuais, a partir das quais se estrutura a própria discutibilidade. “Exorcizado o fantasma da verdade, valorizam-se o diálogo e o consenso intersubjectivo, mesmo se apenas prático, temporário, relativo. E a argumentação, por eles trabalhando, integra os discursos da subjectividade na trama da racionalidade intersubjectiva” 27.

A retórica aparece-nos então como lugar de encontro do eu com o outro, onde os sujeitos se constituem reciprocamente, no quadro de uma “intersubjectividade na qual um Eu pode identificar-se com outro Eu, sem abandonar a não identidade entre ele e o seu outro” 28. Argumenta-se a favor ou contra uma tese, uma proposta. Mas em qualquer caso, cada participante é chamado a fazer uma escolha, a decidir sobre uma preferência, com base no critério da razoabilidade. O consenso que daí resulte, pode então ser visto como ascensão ao mundo da intersubjectividade, um mundo em que, segundo Sartre “o homem decide sobre o que ele é e o que são os outros” 29.

A subjectividade a que apela a retórica não é pois a subjectividade de uma consciência individual que se debruça sobre si própria nem a de um eu “ontológico” pre-existente a toda a relação. Pelo contrário é na relação interaccional com o outro que ela se determina. Na medida em que a auto-consciência é sempre a “consciência de algo” o eu só é pensável na co-presença de um tu. Logo, dizer tu é estabelecermos uma ponte de nós para os outros. “Não é que apenas o ‘outro’ se implicite no mais rudimentar da nossa vida quotidiana, não é que apenas o exijamos nas mais elementares necessidades do dia a dia. Mas como conceber até um ‘eu’ se o não concebêssemos inexoravelmente num ‘tu’? Como imaginar a nossa individualização sem um ‘tu’ que a determine?” 30.

Retórica dos sujeitos, sim, porque “cada vez que se destrói a ideia de sujeito, cai-se na oposição duplamente artificial entre a racionalidade instrumental pura e as multidões irracionais” 31. Mas uma retórica de sujeitos sociais em que o sujeito não se dissolve na sua individualidade nem se anula numa obediência cega a  qualquer ordem colectiva. Uma retórica, enfim, onde o exercício da liberdade pessoal se entrelaça com o reconhecimento da pertença colectiva. E é neste sentido que a retórica contemporânea se mostra apta a promover a revalorização da subjectividade.

  

1.2.             Liberdade ou manipulação?

Ponto prévio: reflectir sobre o uso da retórica é sempre ir além da própria retórica. Com efeito, uma coisa é pensar a retórica como técnica argumentativa que visa persuadir uma ou mais pessoas, ou, como diz Breton, enquanto “meio poderoso de fazer partilhar por outrem uma opinião” 32. Outra, bem diferente, é saber se ela se presta ou não a usos indevidos que cerceiem a liberdade de pensamento e de escolha dos auditórios a que se apresenta. A retórica, vimo-lo já, é lugar e encontro de subjectividades, manifestação de uma racionalidade humana que não cabe nos estreitos limites da razão científica, mas é também e acima de tudo, um instrumento de persuasão. Não é pois negligenciável a hipótese de poder ser utilizada para enganar os outros segundo as conveniências ou interesses de cada um. Pode, inclusivamente, degenerar num modo mais ou menos insidioso de “tomar o poder, de dominar o outro, pelo discurso” 33. É isso que Platão denuncia quando (embora, a nosso ver, tomando a parte pelo todo) considera que a retórica, por ele identificada à adulação, “não tem o mínimo interesse em procurar o que seja o melhor, mas, sempre por intermédio do prazer, persegue e ludibria os insensatos, que convence do seu altíssimo valor” 34.

Significará isto que devemos considerar a retórica especialmente vulnerável à manipulação? Poderemos condená-la à partida por constituir um meio privilegiado de induzir ao engano? Parece que a resposta a tais questões só pode ser negativa. Em primeiro lugar, porque, como já vimos, o próprio Aristóteles viria a relativizar as graves acusações de Platão, transferindo-as da técnica retórica para a responsabilidade moral dos seus agentes. É o que faz quando, ao nível dos respectivos usos possíveis, compara a retórica a todos os outros bens, à excepção da virtude, especialmente com os mais úteis tais como o vigor, a saúde, a riqueza ou a capacidade militar: “com eles tanto poderiam obter-se os maiores benefícios, se usados com justiça como os maiores custos, se injustamente utilizados” 35. Depois, porque não podendo ficar imune a uma dada instrumentalização abusiva, a retórica contém no entanto em si própria o melhor antídoto para  descobrir e desmascarar quem indevidamente dela se sirva. Ou seja, uma retórica só pode ser desacreditada por outra retórica. Talvez por isso a generalidade dos autores se venha referindo não apenas à sua face positiva, enquanto geradora de consensos que aproximam os homens e reforçam o pluralismo democrático mas também a uma importante acção negativa que se traduz na sua aptidão específica para desmontar argumentações de valor meramente aparente, duvidoso ou até propositadamente  manipulado. Para Rui Grácio, por exemplo, os eventuais abusos de retórica são muito mais relativos à avaliação do humano do que à retórica, pois é justamente a competência retórico-argumentativa que deles nos pode prevenir 36. No mesmo sentido, se pronuncia Perelman quando, para sublinhar a dimensão crítica da retórica,  afirma que “através do estudo dos procedimentos argumentativos, retóricos e dialécticos, é-nos possível aprender a distinguir os raciocínios aceitáveis dos raciocínios sofistas, os que procuram persuadir e convencer, dos que procuram enganar e induzir em erro” 37. Colocada assim a tónica na competência argumentativa como possibilidade de desmascarar a chamada retórica negra (sofística), impõe-se então retomar aqui a concepção interrogativa de Meyer, na medida em que, como já salientamos, ela pode proporcionar-nos  um  critério de distinção entre o uso e o abuso da retórica 38.

Tomando por base as críticas que Platão fazia aos poetas e sofistas do seu tempo 39, por se empenharem em fazer passar como verdadeiros discursos desprovidos de qualquer verdade ou até verosimelhança, que apresentavam como solução aquilo que permanecia um problema, Meyer identifica tais práticas com uma ostensiva redução ou mesmo anulação de toda a interrogatividade discursiva. A origem da manipulação retórica consistirá por isso, basicamente, numa deliberada confusão entre a resposta e a questão, com o fim de fazer tomar por concludente e razoável o que, na realidade, permanece problemático. O grande alcance desta intuição de Meyer é o de nos fornecer um critério relativamente expedito de distinguir os usos da retórica. Recordemos que à luz da teoria da interrogatividade, qualquer proposta ou tese em discussão se mantém mais ou menos incerta, pois é precisamente essa sua incerteza que justifica a necessidade de discussão. Aliás, nem mesmo depois de obtido o assentimento do auditório, essa maior ou menor incerteza desaparecerá totalmente, na medida em que qualquer escolha é sempre uma escolha provisória e o consenso que a torna possível, ao invés de lhe conferir uma evidência indiscutível ou certeza absoluta (que não possuía até aí), traduz antes o reconhecimento de uma problematicidade que nenhuma resposta esgotará, pois esta, obrigatoriamente situada no campo do preferível, sempre fica sujeita a um novo questionar e a sucessivos desenvolvimentos. É pois no seio desta questionação ou interrogatividade em contínuo de todo o discurso retórico que se pode descortinar de que lado está o orador: do lado da retórica negra, manipuladora, ou do lado da retórica branca,  de uso crítico. Meyer fornece-nos o método: “Para se compreender a essência do pensamento, importa portanto restabelecer sempre a diferença pergunta-resposta, aquilo a que eu chamei a diferença problematológica. Tendo em conta esta diferença, podemos então distinguir dois tipos de uso retórico: aquele que é crítico e lúcido sobre os procedimentos de discurso, e aquele que visa ofuscar o interlocutor, ou em todo o caso adormecê-lo” 40. Teremos assim uma retórica branca que, não suprimindo a interrogatividade nas suas respostas nem escondendo a raiz problemática destas últimas, é, por um lado, lugar de discutibilidade e afirmação do sentido crítico dos que nela participam e, por outro, um modelo aferidor dos usos retóricos abusivos. Uma retórica branca que inclui o estudo da retórica e do seu uso, já que na “(...) negociação da distância entre os questionadores, analisa-se a relação questão-resposta porque surge colocada em prática, mesmo implicitamente. Mas a retórica branca debruça-se também sobre a maneira como esta interrogatividade está implicada no responder que se ignora mais ou menos como tal, que é mais ou menos manipulador e ideológico, e que recalca a interrogação para ‘passar’ junto daquele a quem se dirige (...)” 41.

A interrogatividade de que nos fala Meyer é a que se expressa no confronto de teses opostas submetidas a um regime dialógico de explicitação que visa gerar o consenso sobre a escolha preferível. Logo, a questão de saber se a argumentação em causa se dirige para a verdade ou para o engano, remete-nos, antes de tudo, para a necessidade de detectar quais são as verdadeiras intenções que animam os participantes. É essa necessidade que leva Perelman a ver na distinção aristotélica das argumentações erísticas, críticas e dialécticas, três tipos de critérios que nos podem ajudar a avaliar os debates e as conclusões que deles resultaram. Trata-se de uma distinção que tem por base as diferentes atitudes ou motivos que animam os interlocutores. Assim, em primeiro lugar, poderemos considerar o chamado diálogo erístico, que é aquele em que a única intenção é o desejo de vencer, de vergar o adversário ao peso do ponto de vista pessoal do orador. Um segundo tipo de diálogo é o diálogo crítico, aquele em que se visa submeter uma tese a um autêntico teste, tentando mostrar a sua incompatibilidade com as outras teses já anteriormente aceites pela mesma pessoa.  Por último, temos o diálogo dialéctico quando os interlocutores, para além da coerência interna dos discursos, procuram também chegar a um consenso sobre as opiniões que reconhecem como mais sólidas ou preferíveis.

Perelman tem, porém, o cuidado de nos chamar a atenção para o facto desta distinção se situar sempre a um nível de pura idealidade 42, já que, na prática, frequentemente estes três tipos de intenção surgem misturados, embora com intensidades variáveis. Com efeito, nos debates reais, é certo que os interlocutores procuram fazer triunfar as suas teses mas, na maioria das vezes, estarão convencidos de que, não só não são incompatíveis como se apresentam dotadas da pretendida razoabilidade. De qualquer modo, pese embora as naturais dificuldades da sua aplicação, os três tipos de diálogo acima referidos configuram uma importante grelha de análise e compreensão do acto retórico que só pode favorecer a detecção de eventuais usos abusivos da argumentação.

Do que fica dito pode depreender-se que resulta muito difícil, se não mesmo impossível, distinguir entre a boa e a argumentação, com base num único critério, ou segundo regras fixas e pré-definidas. Desde logo porque uma tal distinção implica uma prévia escolha do plano em que a mesma deverá ter lugar. O que será uma boa argumentação? A mais eficaz ou a mais honesta? O desejável seria certamente que as duas coincidissem, mas como se sabe, nem sempre tal acontece, quer por incompetência argumentativa, quer por manipulação voluntária ou exigências próprias de certas situações-limite 43. Sobre a argumentação eficaz já vimos que ela se define pela adesão que obtém do auditório a que se dirige. Mas como caracterizar uma argumentação honesta?

Reconheçamos antes de mais que, como sustenta Olivier Reboul, “se um argumentação é mais ou menos desonesta, não é porque seja mais ou menos retórica. Caso contrário Platão, cujos textos são infinitamente mais retóricos, pelo conteúdo oratório, que os de Aristóteles, seria menos honesto que este!” 44. O facto da retórica se situar no mundo do razoável, do preferível, não significa qualquer desprezo pela verdade, pelo contrário, por ela se orienta e para ela caminha, no seio de uma discutibilidade onde “são elaboradas, precisadas e purificadas as verdades, que constituem apenas as nossas opiniões mais seguras e provadas” 45. A eventual desonestidade da retórica terá, pois, de ser imputada apenas aos seus agentes. Defender o contrário, seria o equivalente a pretender que todo o objecto cortante é um instrumento de agressão. Uma falácia, portanto.

Poderíamos também ceder à tentação de classificar uma argumentação em função da causa por ela defendida. Nesse caso, a argumentação honesta seria a que sustentasse uma “boa” causa, o que imediatamente pressupõe que o valor da causa possa ser conhecido antes mesmo da argumentação que visa precisamente estabelecer tal valor. Como diz Reboul, isso seria o mesmo que “julgar antes do processo, eleger antes da campanha eleitoral, saber antes de aprender. Não existe dogmatismo pior” 46.

É por isso que este mesmo autor, considerando que a característica da boa argumentação não é suprimir o aspecto retórico - pois em nenhum caso uma argumentação inexpressiva se torna, só por isso, obrigatoriamente mais honesta - adianta dois critérios gerais a que se deve submeter a boa retórica: 

1º. Critério da transparência: que o ouvinte fique consciente, ao máximo, dos meios pelos quais a crença está a ser modificada.

2º. Critério de reciprocidade: que a relação entre o orador e o auditório não seja assimétrica, para que fique assegurado o direito de resposta.

Respeitados tais critérios, Reboul considera que a argumentação não se torna por isso menos retórica, e sim mais honesta. Mas parece evidente que, sem pôr em causa a eficácia destes dois critérios, o facto deles conterem os conceitos indeterminados que o ouvinte fique consciente ao máximo e não seja assimétrica sempre introduz uma significativa ambiguidade no momento da sua concretização. Por outro lado, pode acontecer também que a incompetência argumentativa do auditório, crie a ilusão de uma relação retórica desigual e leve a que se veja manipulação no orador quando, na realidade, essa desigualdade se fica a dever à insuficiente capacidade crítica revelada por aqueles a quem se dirige.

Até aqui, no entanto, temos vindo a encarar a possibilidade da retórica degenerar em manipulação, unicamente segundo a óptica do agente manipulador, ou seja, daquele que joga com as palavras para intentar uma  adesão acrítica às suas propostas. Mas a verdade é que numa situação de manipulação para além do manipulador existe sempre o manipulado.  Poderemos isentar este último da sua quota de responsabilidade na manipulação de que é alvo? Não haverá sempre a possibilidade de se descobrir e desmontar a manipulação em causa? Ou será que o encanto de um certo modo de dizer as coisas, de oferecer as respostas como únicas e aparentemente irrebatíveis, é algo de tão subtil ou sedutor que justifica o anestesiamento e aceitação passiva por parte de um auditório?

Tentar responder a estas questões significa antes de mais deslocar a raiz problemática do ethos, vontade de seduzir ou manipular,  para o pathos, ou seja, para a aceitação mais ou menos consciente da respectiva manipulação. A pertinência deste deslocar do  problema, do orador para o auditório, está bem presente em Meyer, quando, depois de lembrar uma vez mais que a diferença entre a retórica negra e a retórica branca reside numa diferença de atitude, nos vem dizer que a verdadeira questão é a de saber porque é que os homens se deixam manipular, às vezes de forma perfeitamente deliberada e consentida:

(...) A mulher sabe que tal homem procura seduzi-la e que o que ele diz remete para um desejo que seria brutal e inaceitável exprimir francamente. O espectador sabe igualmente que este ou aquele produto não tem forçosamente as qualidades celebradas na publicidade e que é apenas a vontade de vender que se exprime (...). Tratando-se de discurso figurado, não deveria existir um espaço de liberdade na interpretação e aceitação, espaço que se cria e permite aos receptores pronunciar-se sobre o que é proposto sem ter de dizer brutalmente que não? Não existirá na sedução, qualquer que ela seja, uma etapa suplementar que, retardando a resposta final, retarda a recusa eventual, e portanto a rejeição de outrem enquanto tal? Não existe como que uma espécie de delicadeza de alma na figuratividade, um respeito que permite evitar sem combater, recusar sem negar? Tudo leva a crer que a manipulação consentida assenta numa dupla linguagem que não engana, e mesmo de que se tem necessidade para diferir a decisão própria sem ter de enfrentar directamente o outro. Um grau mais de liberdade, se se quiser, na qual só os ingénuos verão uma traição à verdade una e indivisível, de que os receptores da mensagem seriam vítimas involuntárias  47.

 É que além do mais, enquanto discurso persuasivo, a retórica faz apelo a uma linguagem natural que é inseparável do concreto contexto cultural que lhe precisa as significações e determina os seus modos de expressão. Logo, ao veicular desse modo um conhecimento implícito que remete para um determinado campo de valores e noções, a linguagem natural é ela mesma portadora de condições de compreensão e comunicação, que tornam acessível ao auditório uma adequada interpretação do discurso, nomeadamente, as eventuais segundas intenções do orador. É certamente isto que leva Rui Grácio a considerar que “o homem que fala não é uma presa indefesa contra a instrumentalização de que se tornaria alvo por via de eloquências bastardas e de seduções linguísticas duvidosas, que Platão tanto temia” 48. Do que ele não pode demitir-se é da responsabilidade de decifrar as intenções de quem lhe fala, com base nas inferências que tem o direito de fazer a partir do que lhe é literalmente dito.

De resto, em certa medida, essa tarefa aparece facilitada na retórica, pois dado que todas as propostas ou teses são submetidas ao teste da discutibilidade, sempre se poderá dizer, como o faz M. Maneli, que “os argumentos podem ser rejeitados pelos auditórios por várias razões, mas mentiras, usadas numa troca livre de argumentos, podem ser trazidas à luz mais depressa do que de qualquer outra maneira. Não há garantias contra a falácia, mas a falácia é mais difícil de realizar e de manter indetectada quando o interlocutor é livre para pensar, para falar, para recolher material, para investigar o caso, quando ele é livre e está preparado para tomar parte no processo da argumentação” 49.

Convenhamos que não é a retórica que manipula, mas sim, o manipulador. E que se este se apodera do discurso e do debate para enganar ou prejudicar o seu interlocutor, então é porque, certamente, já era um manipulador antes de recorrer à retórica. A retórica não contamina ninguém. Nenhum homem é um, fora da retórica, e outro, quando recorre a ela. A atitude moral é uma das atitudes mais estáveis no sujeito humano. Nem surge de repente, como que por insight, nem se dá bem com sucessivas oscilações. Constrói-se paulatina e duradouramente na convivência social, no reconhecimento do outro e ao situar-se na esfera do íntimo, constitui porventura o principal traço da nossa identidade. É neste quadro de permanência da atitude moral que poderemos buscar o suporte e a ligação possível entre os actos e a pessoa que os pratica. E é também através dele que se pode inferir que, por regra, só manipula pela retórica, quem já é capaz de o fazer  por qualquer outro meio. Culpar então a retórica, por induzir ao engano, parece tão absurdo como inscrever a origem da mentira na linguagem, só porque esta a veicula. No limite, mesmo considerando os mais grosseiros abusos de retórica, em que o orador recorre a um discurso emocionante, pleno de figuratividade estilística, de inebriantes sonoridades ou ritmos quase hipnóticos, ainda aí, haveria que interrogar se nos tempos que correm, as pessoas não estarão já suficientemente informadas e até “vacinadas” contra  tais métodos de persuasão, nomeadamente, pela sua contínua exposição a um mercado onde imperam  as técnicas de venda agressivas que chegam a coagir pela palavra, aos discursos demagógicos de políticos dirigidos mais para os votos do que para os eleitores e a uma publicidade que nem sempre olha a meios para invadir  a privacidade e seduzir ao consumo o mais pacato e indefeso cidadão. Até que ponto, não existe mesmo, hoje em dia, um preconceito contra a retórica, frequentemente associada aos “bem falantes”? Não existirá na generalidade das pessoas uma ideia prévia de que quem se nos apresenta a falar muito bem é porque de maneira mais ou menos encoberta ou ilusionária nos pretende forçar a alguma coisa, a uma acção ou atitude potencialmente nefastas para nós e que portanto nos deve imediatamente remeter para uma redobrada atenção e cautela? Se assim for, não será caso para dizer que uma tal tendência se constitui como aviso automático ao candidato a manipulado, que desse modo tem o ensejo de mobilizar toda a sua força de decisão e capacidade crítica para recusa da respectiva proposta retórica, podendo até nem chegar a prestar-lhe  a devida atenção? Haverá travão mais eficiente aos eventuais exageros ou abusos de um orador sem escrúpulos?

Dir-se-á que neste endossar ao manipulado de uma parte importante da responsabilidade pela manipulação, há o idealismo de quem pressupõe um justo equilíbrio inter-partes (orador-auditório), uma simetria de posições, de poderes, de saberes, de estatutos, numa palavra, uma igualdade à partida entre os que recorrem à palavra para enganar ou seduzir e os que são alvo de um tal abuso, equilíbrio e simetria que, em bom rigor, não se observa nunca numa situação retórica concreta. Mas, de facto,  não é disso que se trata. Do que se trata é de não transferir para a retórica os nocivos efeitos das desigualdades psicológicas, culturais, sociais, éticas e políticas, que caracterizam o encontro dos homens nas múltiplas situações de vida comum. Quem pretende  fazer vencer as suas teses, por certo que ficará melhor colocado para o conseguir, se detiver mais saber acumulado e mais poder do que aqueles que visa persuadir. Um professor de filosofia, por exemplo,  terá normalmente uma relação mais próxima com a linguagem e com o raciocínio verbal do que um operário que desempenha diariamente uma actividade mais ou menos mecânica, que apela, basicamente, para a sua habilidade manual. O detentor de um alto cargo público pode usar a sua autoridade institucional e o inerente poder político para fazer passar propostas ou teses que não resistiriam a um auditório política e institucionalmente menos dependente. Nos dois casos, porém, estão presentes factores de influência manifestamente extra-retóricos, porque a retórica, como já vimos, não pode dispensar a discutibilidade e o livre exercício de um juízo crítico que permita ao ouvinte não apenas dizer que sim ao que lhe é proposto, mas, fundamentalmente, compreender a justificação das razões que fundam a tese sobre a qual lhe compete opinar ou escolher. É por isso que, à adesão, enquanto critério de eficácia, é necessário juntar a compreensão e a liberdade, como pressupostos de legitimação da própria retórica, sem os quais, toda a persuasão resultará em manipulação ou ilusão de verdade. Um auditório que não compreenda o sentido e o alcance das propostas em discussão e até mesmo da sua escolha, pode manifestar a sua adesão, mas não sabe ao que está a aderir. Um auditório que, além disso, não disponha de inteira liberdade de apreciação e decisão, aceita as propostas do orador mais pelo receio das consequências que adviriam da sua eventual recusa, do que pela força dos argumentos que lhe são apresentados. Em ambos os casos, porém, estaremos já fora da retórica propriamente dita, pois esta, lembremos uma vez mais, remete para uma discutibilidade que no primeiro caso se torna impossível, pela ignorância do auditório e, no segundo, não passa de mero simulacro devido à situação de poder (e abuso?) do orador. Só a reciprocidade entre orador e auditório assegura o exercício retórico-argumentativo. Só um auditório suficientemente qualificado para debater as propostas que lhe são dirigidas poderá garantir as escolhas mais adequadas num dado contexto sócio-histórico

A retórica pressupõe, por isso, a competência argumentativa dos seus agentes, pois, como diz Aristóteles, “é preciso que se seja capaz de convencer do contrário, não para que possamos fazer indistintamente ambas as coisas (pois não se deve convencer do mal), mas para que não nos iludam e se alguém fizer um uso injusto de argumentos, sejamos capazes de refutá-los” 50. Talvez que esta recomendação de Aristóteles tenha vindo a ser sistematicamente interpretada como dizendo respeito essencialmente ao orador, mas o facto é que a discutibilidade da retórica remete desde logo para o confronto de opiniões, para o debate, para a alternância no uso da palavra, pelo que, sem dúvida, aplica-se igualmente ao auditório. Em que consiste, porém, essa capacidade de convencer do contrário? Perelman deixa muito claro que “a competência argumentativa não diz, apenas, respeito à arte de falar eloquentemente, mas a uma eloquência indissociável do raciocínio e do discernimento pensante” 51.  Não basta por isso falar fluentemente,  colocar bem as palavras, fazer um discurso que emocione e cative o auditório. Mais do que construir frases de grande efeito, mais do que dominar as técnicas do dizer, é preciso saber pensar, articular as razões ou os argumentos, perceber as eventuais objecções, decidir sobre a sua pertinência, acolhê-las ou rejeitá-las, segundo se mostrem ou não passíveis de enriquecerem as respectivas propostas. E acima de tudo, é necessário ter sempre presente que o falar só faz sentido se for a expressão de um raciocinar. É esta competência argumentativa que se assume como requisito da retórica a um tempo eficaz, racional e livre. E só nestes termos se pode falar, como o faz Rui Grácio, de uma ética da discussão, “fundada no princípio da tolerância, no pluralismo e na rejeição da violência” 52

 Como já se viu, pode acontecer  que a retórica conduza à manipulação, mas o mesmo se dirá da discursividade em geral, pois como tão incisivamente sustenta Meyer, “censurar o discurso por ser manipulador reduz-se na realidade a censurar o discurso por ser. Porque está na natureza da discursividade apresentar-se desde logo como um responder, como resposta, tal como está nas mãos dos homens decidir encarar ou não esse facto, aceitá-lo ou não, jogar ou não o jogo, procurar os problemas subjacentes, enfim, pronunciar-se livremente ou fiar-se no que os outros lhe propõem, muitas vezes em função de interesses próprios” 53. A situação retórica será pois apenas mais uma entre tantas outras situações de vida em que os homens surgem no confronto de ideias, crenças, valores, opiniões e interesses, à procura daquilo a que Norbert Elias chama de “um certo equilíbrio entre conflito e colaboração” 54 nas relações que mantêm entre si. E como este mesmo autor acentua, não se pode imaginar estas relações “como algo de semelhante a uma relação entre bolas de bilhar: batem umas nas outras e depois distanciam-se novamente umas das outras. Exercem, assim se diz, um efeito recíproco entre si” 55. Os fenómenos de interdependências que se observam no encontro de pessoas, são algo completamente distinto desse tipo de “acção recíproca” das substâncias, pois não se resumem nunca a uma convergência ou divergência, meramente aditivas. Para ilustrar a distinção, Norbert Elias recorre a uma figura relativamente simples de relações humanas, a conversação, descrevendo o processo que, regra geral, a caracteriza: “um parceiro fala; o outro replica. O primeiro responde; o outro replica novamente. Se observarmos não só o enunciado isolado como também a réplica ao mesmo, mas todo o diálogo no seu curso como um todo, a sequência dos pensamentos entrançados, a forma como mutuamente se movem numa interdependência constante, deparamos com um fenómeno que não pode ser dominado de maneira satisfatória, nem pelo modelo físico de uma acção recíproca das esferas, nem mesmo pelo fisiológico da relação entre o impulso e a reacção. Os pensamentos tanto dum falante como do outro podem mudar no decurso da conversa” 56. Ora a retórica contém em si a chave compreensiva desse fenómeno de inter-influências em que, basicamente, se funda toda a conversação, no decurso da qual, em cada um dos participantes, se formam pensamentos que neles não existiam antes ou se desenvolvem outros que já existiam, mas numa formulação diferente. A formação e o desenvolvimento de tais pensamentos, lembra Norbert Elias, “não se explica contudo apenas através da estrutura de um parceiro ou de outro mas pela relação entre este e aquele” 57. Relação essa, frisemos, de que é indissociável o elemento persuasivo, como factor determinante para a adesão total ou parcial ao pensamento do outro. É desse modo que os homens, interagindo uns com os outros, redefinem mutuamente o seu espaço de convivência e tecem os consensos que lhes proporcionam a estabilidade necessária a uma vida em comum.

Desfeita a esperança de que a razão, a experiência ou a revelação, permitam chegar à resolução de todos os problemas, os homens são chamados a deliberar sobre os valores e as normas de sua própria criação, pelo recurso a uma discussão que não garante a verdade nem tão pouco a justiça ideal, mas que radica na mais característica dignidade a que podem aspirar: o respeito pelo outro, o sentido da responsabilidade, o exercício da sua liberdade. “Quando não há nem possibilidade de escolha nem alternativa, não exercemos a nossa liberdade”, diz Perelman 58. Mas a escolha a que aqui se alude, não é uma escolha arbitrária, leviana ou comodista. É sempre a que se julgue corresponder à melhor escolha, a preferível entre todas as possíveis. É alem disso, uma escolha que permanecerá sempre discutível, apesar de se considerar a mais eficaz  face às determinações concretas em que ocorre e tendo em consideração o específico problema que urge resolver. É que o critério de eficácia, a que se subordina a retórica, não permite, obviamente, distinguir entre a argumentação de um charlatão e a de um orador que apela à compreensão e sentido crítico do auditório, desde logo, porque o verdadeiro charlatão é aquele que se faz passar  por não o ser. Daí a responsabilidade que de uma qualquer escolha sempre deriva quer para quem a propõe, quer para quem a aceita. Podemos então retomar, agora de um novo ângulo, a questão da co-responsabilidade do manipulador e do manipulado, num eventual uso indevido da retórica.

Defendemos já a ideia de que, face à actual compreensão do fenómeno retórico, não se deve isentar o manipulado da quota de responsabilidade que lhe cabe pela manipulação de que é alvo. É essa mesma ideia que aqui se pretende reafirmar, à luz do binómio responsabilidade-liberdade que preside a toda a escolha num contexto retórico.  Com efeito, parece que endossar todas as culpas ao manipulador  seria o mesmo que fazer do manipulado um mero autómato, um ser sem discernimento, sem capacidade de reacção, numa palavra, um não-humano. Uma tal posição, porém, não só se mostra moralmente condenável como estaria igualmente contra o espírito que enforma todo o movimento da nova retórica, que recordemos, desde o início se afirma como uma retórica, antes de mais, verdadeiramente  humanista. De resto, nunca a ausência de manipulação garante o bem fundado das escolhas consensuais. Para que uma questão retórica receba a melhor solução possível, exige-se sempre algo mais do que um orador técnica e eticamente irrepreensível, não sendo mesmo descabido afirmar que a qualidade da própria retórica depende mais da capacidade crítica dos auditórios do que da eloquência dos respectivos oradores. No mesmo sentido, aliás, se pronuncia Perelman, nesta passagem do seu livro Retóricas: “Qual será então a garantia de nossos raciocínios? Será o discernimento dos ouvintes aos quais se dirige a argumentação” 59. O autor explica porquê: “toda a eficácia da argumentação é relativa a um certo auditório. E a argumentação que é eficaz para um auditório de gente incompetente e ignorante não tem a mesma validade que a argumentação que é eficaz para um auditório competente. Daí resulta que derivo a validade da argumentação e a força dos argumentos da qualidade dos auditórios para os quais tais argumentos são eficazes” 60. Parece, por isso, que não se justifica cometer ao orador uma especial posição de vantagem ou sobrepoder  perante aqueles a quem se dirige, pelo menos, na perspectiva de que daí decorra, inevitavelmente, que o auditório fica automaticamente privado de controlar a situação retórica. Pelo contrário, é razoável supor que, devido ao princípio da inércia de que nos fala Perelman, os ouvintes tendam para apreciar e reagir da mesma forma que anteriormente, em situações análogas, se daí não resultarem consequências visivelmente funestas. Logo, em princípio, o ónus da mudança nos costumes e na forma habitual de um auditório apreciar e decidir sobre determinado tema, forçoso é concluir, recai, invariavelmente, sobre o orador. E este, por mais que domine as técnicas retóricas, por muito eloquente ou sedutor que se mostre, nunca tem antecipadamente garantida a adesão às suas teses. E porquê? Porque numa relação retórica é aquele que toma a palavra que se sujeita a exame e quem aprova ou reprova, quem se constitui como júri de avaliação do seu desempenho são os que o escutam, é o auditório. É sempre este que detém a ultima palavra, o poder de decisão. Decisão sobre a bondade da tese que lhe é apresentada e, correlativamente, sobre a pertinência e adequação das razões invocadas pelo orador e até, sobre a postura assumida por este último no decorrer da sua argumentação.

Algo de parecido se passa na política. Os políticos falam, discutem entre si, apresentam os seus projectos, proclamam o seu sentido de justiça, a sua competência, mas é o chamado país  real que, em última instância,  decide sobre o valor das suas propostas e candidaturas. Tomemos como exemplo, os debates que as estações de televisão habitualmente promovem em tempo de campanha eleitoral, onde os representantes das diversas forças políticas se mostram especialmente pródigos nas chamadas promessas. Precisamente por se tratar de promessas, ou seja, do mero anúncio das acções a desenvolver, a preocupação de cada representante político é a de criar o maior efeito de presença possível, a fim de que aos espectadores não passe despercebida a importância e o valor com que as rotulam. Sem dúvida que a criação desse efeito de presença, é um recurso retórico, como o são muitas outras técnicas argumentativas utilizadas pelos participantes em tais debates que, desse modo, poderão ser designados como debates retóricos. Só que não basta dotar o discurso de forma ou estrutura retórica, para que a retórica se realize. Mais do que os estilos de linguagem ou técnicas de dizer a que se recorra é preciso que os argumentos se esgrimam ao nível das próprias razões substantivas, que os participantes se subordinem a um confronto pluralista de ideias, teses ou propostas, que se empenhem honestamente na procura consensual da solução preferível ao invés de, como tantas vezes sucede, se predisporem, desde o início do debate, a fazer vencer a sua posição contra tudo e contra todos. Numa palavra, é necessário que os intervenientes, sem quebra da convicção com que defendem as suas propostas, revelem abertura às eventuais críticas ou objecções que lhes sejam dirigidas e que podem, eventualmente, enriquecer as soluções por si apresentadas. Ora como sabemos, nada disso se passa em tais debates, pois neles cada representante político costuma bater-se até à exaustão pelas soluções que o seu partido propõe, mas por regra, ignora ostensivamente as propostas dos restantes partidos, tal como se elas não pudessem conter um único aspecto ou uma única medida aceitáveis. Logo, estamos aqui em sede da já referida retórica negra, mais ou menos manipuladora. O mesmo se diga quanto ao tipo de relacionamento oposição-governo que se instala após as eleições, em que o confronto surge normalmente viciado pelos interesses de cada facção: a oposição denunciando as promessas que o governo ainda não cumpriu e o governo acentuando as promessas que já concretizou. Do ponto de vista da retórica, nenhum destes dois comportamentos é exemplar, pois ambos ficam muito aquém do que seria necessário para o cabal esclarecimento dos respectivos eleitores. Mas ainda assim, será possível afastar destes a responsabilidade pela escolha que fizeram livremente através do seu voto? Não detêm eles também a última palavra na eleição dos governantes? Eis aqui a analogia que se pode fazer entre a política e a retórica. Os eleitores, na primeira e o auditório na segunda, não se podem alhear das obrigações que lhe são próprias: escutar a palavra que lhes é dirigida, descobrir as razões expressas mas também as implícitas de quem lhes fala, analisar criticamente as soluções  propostas  e  fazer a escolha preferível. Fazer, afinal, aquilo a que já são chamados no seu quotidiano, quando negoceiam a compra de um televisor, quando entram num hipermercado, quando discutem política com um amigo: apreciar a valia de uma proposta, resistir à sedução consumista, argumentar contra ou a favor de uma causa e tomar decisões.

Desvalorizar então a retórica por ser passível de manipulação seria equivalente a negar a política só porque alguns dos seus agentes recorrem a práticas mais ou menos censuráveis e supor, além disso, que os destinatários de tais práticas, são potenciais vítimas indefesas sem qualquer outra alternativa que não seja a de caírem nas garras do discurso ardiloso. Mas o que, tanto da retórica como da política, se deve dizer, mais exactamente, é que os eventuais usos abusivos ou manipuladores que nelas têm lugar sempre se inscrevem e têm o seu ponto de partida na dimensão ética dos seus protagonistas, não sendo a retórica, como a política, mais do que campos particulares da sua manifestação.

É que nem a eventual ignorância do auditório pode justificar um preconceito especialmente negativo contra a retórica. Certamente que é desejável a maior simetria possível entre as posições de quem fala e quem escuta, entre quem propõe e quem avalia, no que se refere à formação cultural e capacidade crítica necessárias à melhor escolha possível. Um auditório menos preparado perante um orador que domina não só a técnica de argumentar mas também o foro da questão em apreço, pode não ver motivos para regatear a confiança em quem lhe parece tão senhor da situação. E há nisso uma certa dose de risco, sem dúvida, como haverá, sempre que se tome uma decisão ou se tenha por válido algo que, por esta ou aquela razão, não tivemos a possibilidade de comprovar. Mas porque deveria a confiança assumir uma conotação tão “perigosa” só porque ocorre no seio da retórica? A verdade é que confiança e risco são, e sempre foram, inerentes ao existir humano, tanto no que diz respeito à acção como ao pensamento. Por mais que se estude, por mais que se aprenda, aquilo que conhecemos é ínfimo se comparado com o que continuamos a ignorar. Além disso, regra geral, sabemos pouco sobre o que sabemos. Só a confiança nas fontes desse saber nos proporciona a indispensável estabilidade psicológica. Como diz Giddens, até “a confiança básica na continuidade do mundo tem de alicerçar-se na simples convicção de que ele continuará e isto é algo de que não podemos estar inteiramente seguros” 61. Que fazemos nós ao longo da vida senão confiar nos outros? Não utilizamos no dia-a-dia um conjunto de conhecimentos  cujo fundamento e validade nunca nos foi dado testar? O que são as nossas relações sociais senão “laços baseados na confiança, uma confiança que não é predeterminada mas construída, e em que a construção envolvida significa um processo mútuo de autodesvendamento”? 62. Além disso quando, por exemplo, acendemos uma luz, abrimos uma torneira ou ligamos a televisão, não estamos a fazer mais do que reconhecer a nossa confiança naquilo a que Giddens chama de sistemas abstractos, que organizam e asseguram uma prestação de serviços cuja concretização ou funcionamento nem ousamos pôr em causa. Isso mostra como cada vez mais nos vemos forçados a confiar em princípios impessoais e em pessoas anónimas que estão por detrás desses sistemas e organizações. Faria sentido confiar em todas estas pessoas ausentes e não confiar num orador que temos à nossa frente, desenvolvendo uma argumentação que podemos acompanhar passo a passo, refutar e sancionar com a nossa eventual não adesão?

Sublinhe-se que, na retórica, o auditor é livre de conceder ou não essa confiança, podendo igualmente condicionar o sentido da sua decisão em função da maior ou menor confiança que lhe mereça o orador e a proposta que este lhe apresenta. Tem, inclusivamente, a possibilidade de contra argumentar, propor alterações à proposta inicial, participar na sua reelaboração e contribuir, desse modo, para o enriquecimento da solução que virá a aprovar, o que nem sempre acontece com os referidos sistemas abstractos, nomeadamente aqueles em que predominam os chamados contratos de adesão. Energia eléctrica, leasing e seguros, são apenas alguns exemplos de actividades sócio-económicas onde vigoram tais contratos-tipo cuja principal característica reside no facto do utente apenas poder exercer uma versão mitigada do seu direito de contratar, já que a elaboração de todo o clausulado compete exclusivamente à entidade que presta o serviço, o que faz com que à outra parte contratante, não reste outra prerrogativa que não seja a de aderir ou não. Ao contrário, a retórica configura uma liberdade individual, no sentido convencional definido por Villaverde Cabral como indo “da ausência de constrangimentos (...) até à liberdade de escolha” 63, o que proporciona, sem dúvida, bases mais sólidas para a criação de um clima de confiança entre os interlocutores. Contudo, a natureza do próprio acto de argumentar faz com que subsistam sempre algumas dificuldades, duas das quais saltam imediatamente à vista. Uma primeira dificuldade assenta na diversidade do humano, que tem a ver com a não homogeneidade das características biológicas e psico-sociais que estão por detrás das desiguais competências argumentativas e atitudes dos sujeitos da retórica. Mas como bem sustenta Joaquim Aguiar, “o tudo igual, o somos todos primos de toda a gente, leva à morte. Não há liberdade sem risco” 64. A cada um e só a cada um compete decidir sobre o grau de investimento cultural a fazer na sua auto-formação, em função das necessidades e ambições pessoais que também só ele tem legitimidade para definir. E se assim é, assumir a responsabilidade pelos seus êxitos e fracassos é uma justa contrapartida dessa liberdade.  Outra dificuldade da relação retórica, de que já nos ocupamos mas sobre a qual se justifica agora um maior aprofundamento, é o problema da mentira e do engano, cuja possibilidade nunca está, à partida, afastada.

Mendacium est enunciatio cum voluntate falsum enuntiandi – assim definia Santo Agostinho a mentira. E, de facto, mentir é dizer o falso com a intenção de enganar. Mas a aparente simplicidade desta expressão poderia levar-nos a descurar a problematicidade que a encerra, nomeadamente quanto ao que se deve entender por falso e por intenção de enganar. Assim, dizer o falso não significa tão somente dizer o contrário do verdadeiro. No que à mentira concerne,  dizer  falso integra igualmente o dizer o diferente e até, dizer o que nem é falso nem verdadeiro. Por outro lado, limitar o discurso da mentira àquele em que o respectivo autor tem a intenção de enganar o ouvinte, pressupõe, desde logo, a exclusão do discurso meramente equivocado, ou seja, aquele em que o orador diz, sinceramente, algo de errado, que, no entanto, tem como certo. Quando o sujeito que fala está convencido de que diz a verdade, ele não mente, apenas erra. Como assinala Castilla del Pino 65, para que estejamos perante uma mentira é necessário que quem fala, preencha as seguintes condições: 

a) Ter consciência do que é o certo

b) Ter consciência de que não é o certo que diz

c) Ter a intenção de enganar

d) Ter a intenção de ser considerado sincero

 Como se pode ver, as três primeiras condições configuram uma situação de má-fé perante o interlocutor, na medida em que o sujeito que fala tem consciência de que não diz a verdade e ainda assim, fá-lo, porque deliberadamente pretende enganar aquele a quem se dirige. Note-se que, ao contrário do que pode parecer, as duas primeiras condições são por si só insuficientes para que se possa caracterizar uma situação de má-fé. Basta pensar no caso do professor que enuncia aos seus alunos uma solução falsa (apesar de conhecer a verdadeira) com o único propósito de testar o saber dos seus alunos ou neles estimular o espírito de descoberta, na resolução de um dado problema. Logo, apenas a intenção de enganar torna a acção de dizer o falso, inequivocamente censurável. Resta analisar a quarta condição, ou seja, a intenção do sujeito que fala em ser tomado como sincero por quem o escuta. De certa forma, temos aqui a alusão a uma preocupação muito em voga nos nossos dias que é a de manter a imagem e que constitui um filão sistematicamente explorado pela publicidade mediática. Manter a imagem, claro está, mas somente quando dela se possam retirar alguns dividendos, mesmo quando estes se restrinjam ao mais elementar nível do reconhecimento pessoal. Mas não é seguramente este tipo de reconhecimento que, em primeira linha, busca aquele que quer fazer passar uma mentira, na retórica. Os seus objectivos são bem mais pragmáticos: ele pretende, antes de mais, valer-se da credibilidade de que goza para mais fácil e eficazmente fazer aceitar como verdadeiro aquilo que sabe ser falso. Estamos aqui, por assim dizer, numa aplicação pela negativa, da ligação acto-pessoa de que nos fala Perelman. O interlocutor que fica com a sensação de que está a escutar alguém cuja integridade moral é inatacável tenderá a deduzir que os seus actos são igualmente íntegros. Confia na boa-fé de quem lhe fala,  age por sua parte com real boa-fé e predispõe-se a aceitar naturalmente como verídico tudo o que lhe é dito por essa mesma pessoa. Torna-se assim presa fácil da mentira, pois regra geral, só mente quem consegue aparentar que diz a verdade. E ao conseguir manter a sua imagem de credibilidade, mesmo mentindo, o mentiroso, como que prepara, inclusivamente, o terreno para novas mentiras, reforçando no seu interlocutor uma presunção de veracidade para todos os seus futuros discursos, sejam eles falsos ou verdadeiros. Com efeito, o mentiroso que é desmacarado, não só vê fugir-lhe os efeitos que da sua mentira pretendia retirar como terá dificuldades acrescidas, no futuro, em se fazer acreditar, mesmo quando pronuncie um discurso verídico, pois cabe aqui lembrar o provérbio cesteiro que faz um cesto, faz um cento

Há por isso que fazer uma distinção que, além de se revestir da maior importância para a compreensão do fenómeno da manipulação na retórica, parece vir confirmar a perspectiva que aqui vimos assumindo e que outra não é, senão a de se considerar que a responsabilidade por tal manipulação deve ser repartida e co-assumida pelo manipulador e pelo manipulado. É que uma coisa é a mentira, outra, o engano. Se há engano, é porque houve mentira, mas – e este é o ponto que pretendemos salientar – da mentira não tem que, obrigatoriamente, decorrer o engano. Mentir é um propósito, uma intenção. Enganar é algo mais, é obter o resultado ou o efeito intentado. A mentira é do foro do mentiroso. O engano está sobe a jurisdição do enganado. O mentiroso pode mentir sempre, mas só engana quando alguém se deixa enganar. Há sempre, portanto, uma divisão de responsabilidades na manipulação da retórica e, de modo algum, aquele que escuta pode furtar-se ao ónus de detectar as possíveis transgressões ou rupturas do contrato de sinceridade que torna possível tanto a retórica como, afinal, toda e qualquer outra forma de comunicação. Como diz Lozano, “que a mentira possa supor uma ruptura do contrato fiduciário corresponde unicamente à vontade do destinatário ou à sua interpretação, sempre regida pelo ‘crer’ que é, não em vão, uma modalidade ‘subversiva’, já que se pode crer tanto no possível como no impossível, no verdadeiro como no falso. E, porque não, também na mentira” 66.

Este modo de olhar a mentira, pressupõe, naturalmente, um juízo de vincada negatividade ético-social e discursiva. Mas a questão que agora se coloca  é a de saber se, ainda assim, poderemos ignorar o papel que a mentira desempenha ao nível praxis. Uma primeira advertência, a este respeito,  parece vir de Simel, para quem “o valor negativo que no plano ético tem a mentira, não deve enganar-nos sobre a sua positiva importância sociológica, na conformação de certas relações concretas” 67. Ora foi precisamente a partir de uma perspectiva sociológica que Goffman estudou a estrutura dos encontros em sociedade, aqueles em que “as pessoas se vêem na presença física imediata umas das outras” 68, pondo em marcha estratégias de relacionamento que pouco devem a uma atitude de sinceridade integral. Para este autor o factor-chave na estrutura de tais encontros é a manutenção de uma definição da situação que deve ser expressa e sustentada perante uma multiplicidade de rupturas ou perturbações potenciais. Daí a sua analogia com a dramatização teatral, já que “os indivíduos que conduzem a uma interacção  cara a cara no palco de um teatro têm que dar resposta às mesmas exigências de base que encontramos nas situações reais” 69. É quanto basta para se vislumbrar aqui não só a possibilidade da mentira mas também a sua própria relativização, quando encarada no concreto contexto social em que ocorre.

Seguindo de perto o ponto de vista de Goffman, teremos de dizer que é através da definição de situação de que nos fala, que os participantes de um auditório concreto fazem uma primeira formulação do que o orador espera deles e, igualmente, do que poderão eles esperar do orador. A maior ou menor segurança dessa formulação dependerá, é certo, da quantidade de informação disponível sobre o orador, mas por maior que esta seja, não será nunca possível prescindir de um complexo jogo de inferências, a partir daquilo que o orador transmite. E é aqui que podemos situar o ponto crítico da definição da situação. É que o orador, em função do seu particular interesse ou objectivo, pode mentir, recorrer a um discurso fraudulento, à dissimulação, tanto mais que também ele faz as suas inferências sobre o auditório que tem à sua frente, além de nunca ser descartável a hipótese de facilitar ou impedir intencionalmente o processo inferencial dos seus interlocutores. Como minuciosamente descreve Goffman, “pode querer que eles façam uma grande ideia a seu respeito, ou que pensem que ele faz deles uma grande ideia, ou que se dêem conta do modo como ele realmente os sente, ou que não cheguem a qualquer impressão demasiado precisa; pode querer garantir uma harmonia suficiente para que a interacção se mantenha, ou, pelo contrário, enganá-los, desorientá-los, confundi-los, desembaraçar-se deles, opor-se-lhes ou insultá-los” 70. Ao orador, interessará, pois, controlar o comportamento dos que o escutam, especialmente no que respeite ao modo como lhe respondam ou como o tratem. Como chegar a esse controlo? Sem dúvida, exercendo maior ou menor influência sobre a definição que os outros formulam, para o que se exprimirá de maneira a proporcionar-lhes a impressão que os levará a agirem voluntariamente de acordo com a sua própria intenção ou plano. Resta saber se ele próprio mantém um controlo total sobre o acto de se expressar.

Partindo da clássica distinção entre dois tipos de comunicação, expressões transmitidas e expressões emitidas, as primeras, predominantemente verbais e as segundas, predominantemente não verbais, Goffman - para quem o indivíduo, regra geral, se apresentará do modo que lhe é mais favorável - constata que “os outros poderão dividir em duas partes aquilo de que são testemunhas; numa parte, que é relativamente fácil para o indivíduo manipular à sua vontade, e que consiste sobretudo nas suas declarações verbais, e numa outra parte, relativamente à qual ele parece dispor de um menor controlo ou a que dá menos atenção, e que consiste sobretudo nas expressões que emite” 71. E se assim é, a maior ou menor discrepância frequentemente observada entre o que o manipulador transmite verbalmente e aquilo que ele emite num registo não verbal, constitui para o candidato a manipulado forte indício de que poderá estar perante uma mentira ou tentativa de manipulação. Logo, uma vez detectado tal indício, manter o mesmo nível de credulidade perante o orador em causa, será, de certa forma, sujeitar-se ao engano, por sua conta e risco.

Trata-se aqui, portanto, de descobrir se o orador está ou não a simular apenas um comportamento espontâneo, para fazer crer numa sinceridade que, de facto, não está presente no seu discurso. A tarefa, não sendo  fácil, estará, contudo,  ao alcance dos mais avisados, tanto mais que, segundo Goffman, “a arte de penetrar no esforço calculado de existir um comportamento não intencional por parte do indivíduo, parece mais desenvolvida do que a nossa capacidade de manipulação do comportamento próprio, de tal maneira que, seja qual for a fase alcançada pelo jogo de informação, a testemunha estará provavelmente em vantagem sobre o actor...” 72.

 

 

2.  Da persuasão retórica à persuasão hipnótica

 

2.1. A emoção na retórica

Apesar de ter identificado a nova retórica como teoria geral do discurso persuasivo “que visa ganhar a adesão, tanto intelectual como emotiva, de um auditório...” 73 e de nas suas principais obras  -  Tratado da argumentação, O império da retórica e Retóricas - ter recorrido frequentemente a expressões tais como persuasão, discurso persuasivo, linguagem para persuadir e influenciar com a sua argumentação, Perelman nada ou quase nada nos diz sobre a persuasão.  E contudo, é o próprio Perelman que reconhece a insuficiência da estrutura argumentativa quer para explicar quer para provocar a adesão do auditório: “quando se trata de argumentar, de influenciar, por meio do discurso, aumentar a intensidade de adesão de um auditório a certas teses, já não é possível menosprezar completamente, considerando-as irrelevantes, as condições psíquicas e sociais sem as quais a argumentação ficaria sem objecto ou sem efeito” 74. Não se trata pois de uma intencional ocultação dos factores “não intelectuais” sempre presentes no acto persuasivo e a que, de resto, alude logo nas primeiras páginas do seu Tratado da argumentação quando  deixa bem claro que a adesão retórica é de natureza tanto intelectual como emotiva mas sim de uma opção pessoal que cedo anuncia e justifica: “nosso estudo, preocupando-se sobretudo com a estrutura da argumentação, não insistirá, portanto, na maneira pela qual se efectua a comunicação com o auditório” 75.

Mas não será a estrutura da argumentação, ela própria, uma maneira pela qual se efectua a comunicação com o auditório? Salvo melhor opinião, a resposta só pode ser afirmativa, pelo que se a intenção fica clara, o mesmo já não sucede com a justificação. É de admitir que a esta sua posição não seja de todo alheia a intenção de se demarcar da propaganda e dos meios persuasivos de duvidosa legitimidade a que aquela muitas vezes recorre. Pelo menos, é o que se pode inferir do modo comparativo como Perelman delimita o condicionamento do auditório no interior da retórica. “Um dos factores essenciais da propaganda (....) é o condicionamento do auditório mercê de numerosas e variadas técnicas que utilizam tudo quanto pode influenciar o comportamento. Essas técnicas exercem um efeito inegável para preparar o auditório, para torná-lo mais acessível aos argumentos que se lhe apresentarão. Esse é mais um ponto de vista que a nossa análise deixará de lado: trataremos apenas do condicionamento do auditório mediante o discurso...” 76.

Uma outra razão que pode ter levado Perelman a cingir-se praticamente ao estudo da estrutura racional da argumentação, tem a ver com a sua confessada preferência pelo apelo à razão em desfavor do apelo à vontade. Essa preferência poderemos descortiná-la na forma como justifica a importância particular que no seu Tratado da argumentação irá conceder às argumentações filosóficas, as quais, no seu entender, são “tradicionalmente consideradas as mais ‘racionais’ possíveis, justamente por se presumir que se dirigem a leitores sobre os quais a sugestão, a pressão ou o interesse têm pouca ascendência” 77. Não admira por isso que, de quando em vez, nos fale de persuasão racional, no aparente propósito de esconjurar definitivamente toda e qualquer hipótese de actuação directa sobre a emoção do auditório. É o que podemos ver nas suas referências aos “ataques dos filósofos à teoria da persuasão racional desenvolvida nas obras de retórica” 78 ou quando, a propósito da oposição entre argumentação e violência, vem afirmar que “o uso da argumentação implica que se tenha renunciado a recorrer unicamente à força, que se dê apreço à adesão do interlocutor, obtida graças a uma persuasão racional...” 79.

Percebe-se aqui uma certa preocupação de Perelman em evitar, desde logo, que a persuasão da retórica, melhor dizendo, da “sua” nova retórica, pudesse ser vista como mais uma entre as muitas formas de manipulação emocional, sabendo-se, como se sabe, que esta última surge habitualmente associada ao cercear da liberdade do interpelado, através de uma pressão ou bloqueamento psicológico que tendem para a redução da sua capacidade crítica e para o inerente conformismo com a solução que lhe é apresentada. Ainda assim, surpreende o seu quase total silêncio sobre a persuasão.

Antes de mais, porque é o próprio Perelman quem reconhece a presença da emoção e até da sugestão na própria relação argumentativa, como se pode confirmar por esta sua passagem na Retóricas, onde depois de observar que a área da argumentação retórica não pode ser  reduzida nem ao argumento lógico nem à sugestão pura e simples, caracteriza deste modo os dois possíveis caminhos de investigação: “A primeira tentativa consistiria evidentemente em fazer da argumentação retórica uma lógica do provável (....) a segunda tentativa consistiria em estudar os efeitos sugestivos produzidos por certos meios verbais de expressão...80. Tratando-se, provavelmente, da sua mais explícita aceitação da emocionalidade que os argumentos provocam no auditório, não é, porém, a única. Com efeito, já no seu Tratado de Argumentação admitira que “a intensidade da adesão que se tem de obter não se limita à produção de resultados puramente intelectuais, ao facto de declarar que uma tese parece mais provável que outra, mas muitas vezes será reforçada até que a acção, que ela deveria desencadear, tenha ocorrido” 81. Ou seja, não só a argumentação produz determinadas alterações emocionais no auditório, como tais alterações são voluntariamente provocadas, quando o orador as considere necessárias para obter a adesão à respectiva tese ou proposta.

Compreende-se portanto que Perelman tenha limitado o âmbito da sua investigação aos “recursos discursivos para se obter a adesão dos espíritos” 82, mas já parece pouco consistente que depois de ter admitido que a tentativa de estudar os efeitos sugestivos produzidos pela argumentação poderia ser fecunda, nos venha dizer que isso, porém, “deixaria escapar o aspecto de argumentação que queremos, precisamente, pôr em evidência” 83. Principalmente se, como pensamos, a dissociação operada entre os elementos intelectuais e emocionais da argumentação, levar  a uma artificial fragmentação do acto retórico que só pode dificultar a comprensão global deste último.

Com efeito se a eficácia da retórica é medida pela adesão do auditório, o orador precisará de avaliar previamente a força dos argumentos a utilizar, tanto do ponto de vista do raciocínio em que se estruturam como do seu impacto emocional. E isto porque a argumentação do orador não se dirige apenas à inteligência dos seus ouvintes, ou seja, aquela não é exclusivamente recebida por uma mente puramente racional. O orador fala para pessoas, não fala para máquinas. Fala para pessoas que pensam e sentem e que, segundo os mais recentes dados científicos disponíveis, analisam os argumentos e tomam as suas decisões com base não só no raciocínio puro mas também na emoção e na afectividade. O que implica, a nosso ver, que se encare a adesão de um auditório como um acto complexo que o mero valor lógico ou quase lógico de um argumento não permite esclarecer ou justificar. Sendo certo, como sustenta Perelman, que a adesão do auditório representa a comunhão das mentes, importa porém, esclarecer previamente de que mentes falamos.

Ora, como diz António Damásio, não parece sensato “excluir as emoções e os sentimentos de qualquer concepção geral da mente, muito embora seja exactamente o que vários estudos científicos e respeitáveis fazem quando separam as emoções e os sentimentos dos tratamentos dos sistemas cognitivos” 84. E referindo-se a tais estudos, o mesmo autor afirma ainda: “as emoções e os sentimentos são considerados entidades diáfanas, incapazes de partilhar o palco com o conteúdo palpável dos pensamentos, que, não obstante, qualificam (...). Não partilho estas opiniões. Em primeiro lugar, é evidente que a emoção se desenrola sob o controlo tanto da estrutura subcortical como da estrutura neocortical. Em segundo, e talvez mais importante, os sentimentos são tão cognitivos como qualquer outra imagem perceptual e tão dependentes do córtex cerebral como qualquer outra imagem” 85.

Interessa aqui reter sobretudo esta ideia de que “os sentimentos são tão cognitivos como qualquer outra imagem perceptual”, por ser fácil adivinhar o seu alcance no âmbito de um estudo sobre a persuasão. É certo que já o filósofo da corrente fenomenológica, Robert Solomon, tinha defendido no seu livro The Passions.The Myth and Nature of Human Emotions (1976), que as emoções desempenham um papel fundamental nos nossos juízos ou decisões: “diz-se que as emoções distorcem a nossa realidade; eu defendo que elas são responsáveis por ela. As emoções, dizem, dividem-nos e desencaminham-nos dos nossos interesses; eu defendo que as emoções criam os nossos interesses e os nossos propósitos. As emoções, e consequentemente as paixões em geral, são as nossas razões na vida. Aquilo a que se chama ‘razão’ são as paixões esclarecidas, ‘iluminadas’ pela reflexão e apoiadas pela deliberação perspicaz que as emoções na sua urgência normalmente excluem” 86.

Esta intuição sobre a racionalidade das emoções foi aliás partilhada por diversos outros autores, cujas obras, entre as quais se destaca The Rationality of Emotion do filósofo luso-canadiano Ronald De Sousa (1991), vieram pôr em causa a clássica dicotomia entre razão e emoção. Mas é com Damásio que a impossibilidade de separar a racionalidade das emoções surge devidamente caucionada pela metodologia científica. Em O Erro de Descartes ele dá-nos conta do importante trabalho de investigação que há duas décadas vem desenvolvendo no domínio da Neurociência, o que faz com invulgar clareza expositiva se atendermos ao rigor e à profundidade do seu pensamento. Um bom exemplo disso, é a descrição que nos dá do momento a partir do qual se convenceu que a perspectiva tradicional de encarar a racionalidade não poderia estar correcta. Essa perspectiva implicava, como se sabe, o reconhecimento de uma radical separação entre a razão e a emoção, no pressuposto de que a cada uma corresponderiam sistemas neurológicos autónomos.  Daí que, ao nível do pensamento, a emoção fosse tida como fonte perturbadora de todo o raciocínio. Sempre que se pretendesse tomar uma decisão sensata, haveria, por isso, que fazê-lo de cabeça fria. Foi exactamente este modo de olhar a relação entre a razão e a emoção que António Damásio veio pôr em causa depois de ter observado que um dos seus doentes não conseguia resolver ou decidir adequadamente sobre pequenos e triviais problemas de cáracter prático, apesar da doença neurológica que, de um dia para o outro, o vitimara, não ter afectado a sua capacidade racional:

Tinha agora (....) diante de mim, o ser mais inteligente mais frio e menos emotivo que se poderia imaginar, e, apesar disso, o seu raciocínio prático encontrava-se tão diminuído que produzia, nas andanças da vida quotidiana, erros sucessivos numa contínua violação do que o leitor e eu consideraríamos ser socialmente adequado e pessoalmente vantajoso (....). Os instrumentos habitualmente considerados necessários e suficientes para um comportamento racional encontravam-se intactos. Ele possuía o conhecimento, a atenção e a memória indispensáveis para tal; a sua linguagem era impecável; conseguia executar cálculos; conseguia lidar com a lógica de um problema abstracto. Apenas um outro defeito se aliava à sua deficiência de decisão: uma pronunciada alteração da capacidade de sentir emoções. Razão embotada e sentimentos deficientes surgiam a par, como consequências de uma lesão cerebral específica, e esta correlação foi para mim bastante sugestiva de que a emoção era uma componente integral da maquinaria da razão. Duas décadas de trabalho clínico e experimental com muitos doentes neurológicos permitiram-me repetir inúmeras vezes esta observação e transformar uma pista numa hipótese testável 87. 

No que mais directamente pode interessar ao estudo da persuasão discursiva, notemos aqui como as perturbações observadas no comportamento deste indivíduo se confinam à racionalidade prática e correspondente tomada de decisão, uma e outra, nucleares no processo retórico. A primeira, porque, desde Perelman, constitui-se como fundamento e legitimação do acto de argumentar e persuadir. A segunda, por que está na base do que este mesmo autor considera ser o critério de eficácia da retórica: a adesão (ou decisão de aderir). Daí que, uma nova concepção da mente, que implique um diferente modo de olhar a relação entre razão e emoção, seja susceptível de vir a alterar também o nosso modo habitual de pensar a persuasão.

Damásio não pretende, porém, negar o entendimento tradicional, aliás confirmado por  investigações recentes, de que as emoções e os sentimentos podem, em certas circunstâncias, perturbar o processo normal de raciocínio. Pelo contrário, vale-se desse conhecimento adquirido para sublinhar que precisamente por se aceitar a influência  prejudicial das emoções sobre o raciocínio é que é “ainda mais surpreendente e inédito que a ausência de emoções não seja menos incapacitadora nem menos susceptível de comprometer a racionalidade que nos torna distintamente humanos e nos permite decidir em conformidade com um sentido de futuro pessoal, convenção social e princípio moral” 88. De facto, à primeira vista, parece elementarmente lógico que se as emoções perturbam o raciocínio, a perturbação deste último cesse ou deva cessar quando destituído dessa influência emotiva. Mas foi justamente esta falsa evidência que veio a ser denunciada pela sistemática investigação de Damásio, em doentes neurológicos portadores de lesões cerebrais específicas que lhes diminuiram a capacidade de sentir emoções, sem afectar contudo os instrumentos habitualmente considerados necessários e suficientes para um comportamento racional. Apesar  de estarem agora em condições de raciocinar com a maior frieza, tais indivíduos não conseguiam porém tomar as decisões  mais adequadas  quer  segundo os padrões socialmente convencionados, quer na óptica dos seus interesses pessoais, como o faziam normalmente antes de terem sofrido as ditas lesões.

Confirmados os factos que prefiguravam uma ruptura com o modelo clássico de articular a racionalidade com a emoção, faltava porém indagar sobre a sua razão de ser, constituir um quadro explicativo, formular hipóteses, mesmo se estas, na ausência  de avanços científicos e interdisciplinares sobre tão particular objecto de estudo, tiverem que se limitar, temporariamente, ao domínio do senso comum e da intuição.  É esse quadro explicativo que Damásio vai traçando e enriquecendo, passo a passo, ao longo desta sua obra de referência obrigatória para quem quiser fica a par dos fundamentos neurobiológicos da mente. Como afirmou o Prémio Nobel David Hubel, da Universidade de Harvard, “Eis, finalmente, uma tentativa, de um dos mais famosos neurologistas mundiais, de sintetizar o que é conhecido acerca do funcionamento do cérebro humano. O Erro de Descartes  merece tornar-se um clássico” 89. Puras razões de economia de texto levam-nos, contudo, a destacar apenas uma entre as inúmeras  propostas teóricas de Damásio, recaindo a escolha sobre aquela que - por se aplicar às operações de raciocinar e decidir - se nos afigura de maior valia para a compreensão dos mecanismos e condicionamentos psico-biológicos da persuasão: a hipótese do marcador-somático.

Damásio começa por recordar que a mente não está vazia no começo do processo de raciocínio. Pelo contrário, encontra-se repleta daquilo a que chama um repertório variado de imagens 90, produzidas pela situação concreta que enfrenta. Sucede que essas imagens entram e saem da consciência numa apresentação demasiado rica para ser rápida ou completamente abarcada. É esse o tipo de dilema com que nos vemos confrontados quotidianamente e para o resolver, dispomos, pelo menos, de duas possibilidades distintas: a primeira, baseia-se na perspectiva tradicional da razão nobre, que concebe a tomada de decisão “racional”; a segunda, na hipótese do marcador-somático.

Segundo a perspectiva racionalista (ou da razão nobre), para decidirmos bem, bastará que deixemos a lógica formal conduzir-nos à melhor solução para o problema. O que é preciso é deixar as emoções de fora, para que o processo racional não seja adulterado pela paixão. Os diferentes cenários serão assim considerados um a um a fim de serem submetidos a uma análise do tipo custos/benefícios de cada um deles, para, mediante uma estimativa da utilidade subjectiva deduzirmos logicamente o que é bom e o que é mau. Nessa análise são portanto consideradas as consequências de cada opção em diferentes pontos do futuro e calculadas as perdas e os ganhos que daí decorreriam. Simplesmente, como a maior parte dos problemas tem muito mais que duas alternativas de solução a sua análise torna-se cada vez mais difícil à medida que se vai avançando nas deduções 91.

É por isso que Damásio vem afirmar que, se só dispuséssemos desta estratégia, a racionalidade nela presente não iria funcionar. E, dirigindo-se directamente ao leitor, explica porquê: “na melhor das hipóteses, a sua decisão levará um tempo enorme, muito superior ao aceitável se quiser fazer mais alguma coisa nesse dia. Na pior, pode nem chegar a uma decisão porque se perderá nos meandros do seu cálculo. Porquê? Porque não vai ser fácil reter na memória as muitas listas de perdas e ganhos que necessita de consultar para as suas comparações (...). A atenção e a memória de trabalho possuem uma capacidade limitada. Se a sua mente dispuser apenas do cálculo puramente racional, vai acabar por escolher mal e depois lamentar o erro, ou simplesmente desistir de escolher, em desespero de causa (...). E no entanto, apesar de todos estes problemas, os nossos cérebros são capazes de decidir bem, em segundos ou minutos, consoante a fracção de tempo considerada adequada à meta que pretendemos atingir e, se o conseguem com tanto ou tão regular êxito, terão de efectuar essa prodigiosa tarefa com mais do que a razão pura. Precisam de qualquer coisa bem diferente” 92.

É aqui que surge a hipótese do marcador-somático, que Damásio concebe como um caso especial do uso de sentimentos que foram criados a partir de emoções secundárias. À medida que estas emoções e sentimentos se manifestam, vão sendo ligados por via da aprendizagem a certos tipos de resultados futuros conexionados, por sua vez, a determinados cenários. De tal forma que, quando um marcador- somático é justaposto a um determinado resultado futuro, a combinação funciona ou como uma campaínha de alarme, no caso do marcador ser negativo, ou como um incentivo, quando o marcador é positivo. É esta a essência da hipótese do marcador- somático. No momento em que nos surgem os diversos cenários, desdobrados na nossa mente, de modo demasiado rápido para que os pormenores possam ser bem definidos (e antes que tenha lugar tanto a análise lógica de custo/benefícios como o raciocínio tendente à solução), se surge um mau resultado associado a uma dada opção de resposta, por mais fugaz que seja, sente-se uma sensação visceral desagradável. Daí que Damásio explique nestes termos a designação que deu à sua hipótese: “Como a sensação é corporal, atribuí ao fenómeno o termo técnico de estado somático e porque o estado ‘marca’ uma imagem, chamo-lhe marcador93.

É porém chegado o momento de nos interrogarmos sobre o papel que o marcador- somático de Damásio pode desempenhar na compreensão interdisciplinar da persuasão, sabendo-se, como se sabe, que esta última se afirma como fenómeno humano complexo, insusceptível de ser apreendido sem um olhar pelos diferentes planos em que se manifesta: lógico, argumentativo, neurobiológico, psicológico e social. É o que procuraremos estabelecer, ao situar agora o marcador somático e a sua função, na dinâmica inerente a todo o processo de decidir.

Vamos imaginar uma situação persuasiva, por excelência: a venda de um seguro. De um lado, o agente de seguros, procurando realizar mais um negócio. Do outro, um candidato a cliente, avaliando as possíveis vantagens de subscrever um seguro de vida. A comunicação está a correr bem para ambos: o agente-vendedor sente que conseguiu prender a atenção e o interesse do seu interlocutor, enquanto que este se mostra visivelmente satisfeito pelo modo como está a ser esclarecido sobre a utilidade do respectivo seguro. Até que a certa altura, o vendedor, pretendendo dar uma ideia o mais exacta possível de como o seguro de vida funciona e, ao mesmo tempo, “acelerar” a persuasão do cliente, socorre-se de uma ilustração claramente retórica: “imagine que o senhor vai morrer amanhã. Nesse caso, a seguradora pagaria imediatamente o respectivo capital seguro”. E confiante neste efeito de presença, conclui a sua argumentação, ficando somente a aguardar a tomada de decisão do interlocutor, na expectativa de que, tendo este dado o seu acordo a cada uma das premissas da sua argumentação, irá agora, finalmente, subscrever o respectivo seguro de vida. Surpreendentemente, porém, o cliente desinteressa-se do seguro e, pedindo apressadas desculpas, some da sua vista. Em suma, uma venda fracassada, um acto persuasivo ineficaz.

Algo correu mal nesta situação argumentativa. O que terá falhado? Há fortes razões para pensar que foi o tipo de ilustração, ou seja, a particular situação ficcionada pelo agente, que não surtiu o desejado efeito. De facto, qualquer profissional mais experiente na venda de seguros teria evitado proferir a expressão imagine que o senhor vai morrer amanhã substituindo-a por uma outra que servisse idêntico fim mas que não apresentasse o mesmo risco de surgir com uma carga emocional negativa aos olhos do cliente e que poderia ser, por exemplo, imagine que tinha morrido ontem. Notemos que embora as duas frases em causa cumpram a mesma função no contexto argumentativo (situar a morte da pessoa segura, como acontecimento que faz funcionar as garantias da apólice), criam porém, automaticamente, dois cenários radicalmente distintos na mente do candidato a segurado, quer no tempo em que se situam (passado ou futuro), quer  na possibilidade da sua concretização. Ou seja, a expressão imagine que vai morrer amanhã é, à partida, muito menos “simpática” para o cliente, porque o leva a representar mentalmente um acontecimento fatídico (a morte) como algo que lhe pode muito bem vir a acontecer já no próprio dia seguinte. Daí que origine uma sensação tanto mais desagradável quanto mais impressionável ou supersticiosa for a pessoa em causa. Pelo contrário, a mesma pessoa, ao escutar a frase imagine que tinha morrido ontem, quase respira de alívio, pois sabendo-se viva, tem a imediata noção de que é totalmente impossível vir a ser vítima dessa fatalidade (a morte) nos exactos termos em que é chamada a representá-la, ou seja, como um acontecimento do passado. É, de resto, para evitar cargas emocionais negativas deste mesmo tipo que as seguradoras continuam a chamar seguro de vida a um seguro que, afinal, só funciona em caso de morte, tal como insistem em designar como seguro de saúde uma apólice que só cobre a doença.

Voltemos porém à surpreendente decisão do cliente de não efectuar o seguro que lhe foi proposto. Em que medida essa sua reacção pode ser explicada pela hipótese do marcador-somático? Vejamos: o cliente tinha que decidir, pelo menos, entre duas opções, fazer ou não fazer o respectivo seguro e, do ponto de vista  lógico-racional, nada obstava a que a sua resposta fosse positiva. Mas ao proferir aquela “fatídica” frase, o agente de seguros terá feito convergir a atenção do cliente para o cenário da sua própria morte, despoletando-lhe emoções e sentimentos mais ou menos penosos. E como diz Damásio, um “mau resultado” quando associado a uma dada resposta, por mais fugaz que seja, faz aparecer uma sensação visceral desagradável. A partir desse momento, a escolha de fazer ou não fazer o seguro passa para segundo plano, pois o cliente tem agora um novo quadro opcional pela frente que já não diz respeito  à bondade da argumentação do agente nem sequer à subscrição do próprio seguro. Houve, por assim dizer, uma antecipação e um deslocamento do núcleo problemático, que passou a ser o de ter de escolher entre decidir ou não decidir (fosse qual fosse o sentido dessa decisão, o de fazer ou não fazer o seguro). E, obviamente, é a opção decidir que surge associada às já citadas emoções secundárias, constituindo-se o marcador-somático como um “avisador automático” do mal estar que essa opção representa ou provocaria, pois decidir, neste caso, significaria ter de enfrentar o fantasma da própria morte. Antecipando-se à análise racional das duas opções iniciais (decidir ou não decidir) em função dos custos/benefícios quer de uma quer de outra opção, o marcador-somático funciona assim como uma espécie de filtro, que no caso em apreço, apenas deixa à consideração racional uma hipótese: não decidir. E foi o que o cliente fez.

Podemos então vislumbrar a importância de que se reveste a teorização de Damásio para o conhecimento dos mecanismos do raciocínio e da tomada de decisão presentes na retórica e na persuasão em geral. Com efeito, a somatização do discurso, a inseparabilidade entre razão e emoção, o papel do marcador-somático na prévia selecção (ou filtragem) das opções de resposta e, de uma maneira geral, “a simbiose  entre os chamados processos cognitivos e os processos geralmente designados por emocionais” 94, parece influenciar e condicionar de tal modo a tomada de decisão, que seria absurdo prescindir da sua consideração no âmbito de qualquer estudo retórico.


2.2. Persuasão e retórica

No quadro da persuasão, onde se situa a retórica, pode afirmar-se - ainda mais acentuadamente do que em qualquer outro tipo de discurso - que a finalidade do raciocínio é a decisão, uma decisão que fundamentalmente consiste em escolher uma das duas opções sempre em aberto: aderir ou não aderir. Referimo-nos aqui não apenas ao acordo final do auditório quanto à validade das teses que lhe foram propostas, mas também à adesão a cada uma das premissas e dos argumentos avançados pelo orador nas diferentes fases do seu discurso. É este o entendimento que se mostra mais de acordo com a interrogatividade em contínuo defendida por Meyer e que implica que, para decidir e raciocinar em cada uma dessas diferentes fases, o auditório (ou decisor) deva ter conhecimento prévio:

a)      da situação ou problema que requer uma decisão

b)      das diferentes opções de resposta

c)      das consequências de cada uma dessas opções

São estas as três condições em que a retórica e a persuasão podem aspirar à adesão crítica do auditório. Do lado do orador, correspondem ao imperativo ético de não escamotear a verdadeira natureza do problema que carece de solução consensual,  dar a conhecer ao auditório as diferentes respostas possíveis em vez de ocultar as que lhe pareçam “inconvenientes” e, por último, enunciar as previsíveis consequências de cada uma dessas opções. Do lado do auditório, prefiguram as três exigências básicas da respectiva tomada de decisão, de tal modo, que, uma vez não satisfeitas, legitimam, por si só, o silêncio ou recusa de aderir. E se a adesão (ou não adesão) é a consequência natural do raciocinar e decidir, então, dir-se-á, há-de ser também nessas duas instâncias do pensamento que a persuasão se submeterá à mais dura prova da sua eficácia.

Tratando-se porém de agir sobre uma opinião mais ou menos estruturada e estável, o persuasor terá que, antes de mais, vencer a inércia do interlocutor,  captar a sua atenção e interesse pela discussão, sob pena da própria interacção ficar comprometida. Ao raciocínio e à decisão é preciso então juntar agora também a atenção, não só como factor persuasivo, mas também como condição prévia e necessária da própria argumentação. Mais adiante iremos ver, aliás, como determinadas técnicas de focalizar a atenção podem ser usadas para introduzir na persuasão uma sugestibilidade exagerada que leva à redução da capacidade crítica do decisor. Antes porém, precisamos caracterizar, ainda que sumariamente, a persuasão e os diferentes modos em que se exerce ou manifesta.

Retomando uma ideia que expressamos logo no início deste estudo, diremos que não é fácil definir a persuasão, de tal modo ela parece esquivar-se a qualquer tentativa de a autonomizar de domínos tão intercomunicantes como são os da retórica, argumentação e sedução. Várias são as razões que parecem concorrer para tal dificuldade. Em primeiro lugar, o carácter semi-oculto da sua manifestação, que, obviamente, constitui uma excepção à regra da transparência no acto de comunicar. Com efeito, não raras vezes, a eficácia da persuasão reside mais no não dito do que naquilo que é realmente expresso e isto porque a persuasão, tal como a surpresa, não se anuncia, faz-se. Iniciar uma argumentação persuasiva com a frase “vou persuadir-te...” seria comprometer a sua própria possibilidade, tal como se, pretendendo fazer uma surpresa a alguém, começássemos por preveni-lo com um “vou surpreender-te...”. Num e noutro caso, haveria por assim dizer, uma notória incompatibilidade entre o dito e o feito, na medida em que o próprio dizer já inviabiliza o fazer. Em segundo lugar, temos que essa falta de visibilidade do elemento persuasivo parece conferir à persuasão uma aparência de natureza indecifrável, quando não transcendental, susceptível de levar a concepções tão bizarras como a que podemos surpreender na Enciclopédia Koogan-Larousse (1979), onde o adjectivo “persuasivo” ainda aparece definido como aquele “que tem o poder, o dom de persuadir”. Será um exagero descortinar nestes termos, poder e dom, uma certa remissão para o domínio sobrenatural ou, no mínimo, para uma persuasão só ao alcance dos eleitos? Finalmente, a constatação de que uma grande parte dos autores [Bellenger (1996); Breton (1998); Roselló (1998), etc.] que se referem à persuasão, fazem-no em obediência a uma ideia prévia e marcadamente negativa, associando-a a toda a espécie de malefícios, que vão desde a ameaça ao livre arbítrio da pessoa humana até à prossecução de interesses inconfessáveis, ao mascarar da verdade, ao deliberado engano.

Entendemos porém que não se pode definir a persuasão a partir dos seus usos e muito menos, quando se considerem exclusivamente os maus usos. Porque a par de manifestos abusos ocorridos, por vezes, nas áreas do jornalismo, das vendas, da publicidade, da propaganda política (mas também nas relações do quotidiano, inclusive, familiares...), são inúmeras as situações em que o discurso persuasivo continua a mostrar-se o instrumento mais eficaz e nalguns casos, até, o único humanamente admissível. Estamos a pensar no trabalho do psicólogo, no médico que recupera a esperança de um doente descrente quanto à sua cura, nas campanhas contra o álcool e contra a droga,  na prevenção rodoviária, mas também no professor que incentiva nos seus alunos o gosto pela leitura e pelo saber em geral, na mãe que consola  e ajuda a sua filha a ultrapassar um desgosto de amor, enfim, no amigo que nos faz ver quando erramos. Quem se atreveria a censurar alguma destas actividades ou procedimentos? E contudo, em cada um dessas situações, o que está em causa é um querer agir sobre o outro, levá-lo a modificar o seu comportamento, a sua atitude ou ideia, perante problemas ou questões cuja resolução implica uma mudança na actual forma de os pensar. Ora persuadir (do lat. persuadere) é isso mesmo, convencer, levar alguém a crer, a aceitar ou decidir (fazer algo), sem que daí decorra, necessariamente, uma intenção de o iludir ou prejudicar, tão pouco a de desvalorizar a sua aptidão cognitiva e accional. Pelo contrário, o acto de persuadir pressupõe um destinatário que compreenda e saiba avaliar os respectivos argumentos, o que implica reconhecer o seu valor como pessoa, como centro das suas próprias decisões. Não subscreveríamos, por isso, a afirmação de Pedro Miguel Frade de que “o discurso persuasivo parte sempre, em primeira mão, de uma desqualificação mais ou menos assumida das capacidades e dos propósitos do outro” (os sublinhados em itálico são nossos) 95. Porque na “interacção a dois”  (a que este mesmo autor se refere), a persuasão não tem que significar a desqualificação do persuadido mas sim um confronto de opiniões, onde os argumentos ou razões invocadas tanto podem merecer acolhimento como serem liminarmente refutados. Como em tantas outras situações comunicacionais, a manipulação sempre pode instalar-se nos discursos persuasivos.  Condenar, porém, a persuasão em abstracto, seria um juízo a priori muito semelhante ao de admitir uma ilicitude sem ilícito.

As já referidas dificuldades de autonomização conceptual, não têm impedido, porém, que cada autor procure fixar o tipo de relação que a persuasão mantém com as restantes formas de influência. Em Perelman, por exemplo, a persuasão como que surge de tal maneira “colada” à retórica que com ela se confunde. O que essencialmente persuade é a argumentação, pois são as razões nela invocadas que levam à adesão do auditório. Disso nos dá conta, nomeadamente no seu Tratado da argumentação onde a par de uma identificação expressa da retórica à argumentação, surge também uma identificação presumida ou virtual desta última à persuasão. Tal identificação parece, no entanto, colocar o acento nos elementos intelectuais do discurso persuasivo à custa de uma aparente desqualificação do papel que a emoção e a afectividade desempenham, de facto, tanto na formação e desenvolvimento dos raciocínios, como nas tomadas de decisão. Não que Perelman ignore ou menospreze as condições psicológicas que concorrem para a eficácia da argumentação, pois ele próprio reconhece que o resultado a que tendem as argumentações “é um estado de consciência particular, uma certa intensidade de adesão” 96 mas sim porque o que realmente pretende apreender é “o aspecto lógico, no sentido muito amplo do termo, dos meios empregados, a título de prova, para obter esse estado de consciência” 97. E é também, certamente, por estas mesmas razões, que se limita a abordar a distinção entre persuasão e convencimento, aliás, em termos que já mereceram as nossas reservas.

Uma outra forma de situar a persuasão é a assumida por Murilo César Soares 98, para quem persuasão e sedução são apenas dois modos da retórica. A persuasão, derivando da argumentação e a sedução, proveniente da dramatização. Tem, sem dúvida, o mérito de reconhecer a presença de determinações estéticas e emotivas no discurso retórico, mas, ao pressupor que a persuasão deriva unicamente da argumentação (aqui, obviamente, subentendida como argumentação racional) permanece, ainda assim, refém de uma artificial separação entre razão e emoção que colide com a impossibilidade prática de se demarcarem fronteiras entre o que é persuasivo e o que é sedutor. E sem um critério de demarcação é a própria distinção que fica em causa. Mas a ideia de ver a persuasão e a sedução como modos da retórica, merece acolhimento como modelo  hermenêutico de chegar a um entendimento menos divisionista da retórica, enquanto prática discursiva orientada  para a produção de determinados efeitos.  Já Meyer admite sem qualquer relutância que a sedução tem também o seu lugar na argumentação, ao dizer que “a relação retórica consagra uma distância social, psicológica, intelectual, que é constringente e de circunstância, que é estrutural porque, entre outras coisas, se manifesta por argumentos ou por sedução” 99.

Curiosamente, há também quem deixe a sedução fora quer da retórica quer da persuasão. É o que faz Bellenger, no seu livro La Persuasion 100, onde depois de proceder à distinção entre persuasão dissimulada e persuasão manifesta - ligando a primeira ao estratagema do ardil, da sugestão ou dominação e a segunda, tanto ao que chama de persuasão “sadia” como à retórica - remete a sedução para o campo da incitação meramente espontânea, com base no carisma, no encanto, no prestígio e na fascinação, fora, portanto, da prática intencional calculada, que é própria da persuasão em geral. Recorrendo a um processo de subdivisões sucessivas, Bellenger como que procede, além disso, a uma depuração de todas as “impurezas” da persuasão, as quais, segundo o seu ponto de vista, são mais próprias do estratagema e, imagine-se, da retórica: a arte do desvio, a inteligência ardilosa, a sugestão, a dominação e o mito do  chefe, no caso do estratagema, e os sofismas, as figuras do discurso e o condicionamento psico-linguístico, no que à retórica diz respeito. Não surpreende, assim, que no seu afã discriminatório, acabe por classificar como racional a persuasão “sadia” e como emocional, a retórica. Deve dizer-se, no entanto, que a sua concepção de retórica não resistiria ao mínimo confronto com os desenvolvimentos teóricos mais recentes, especialmente a partir de Perelman, de que este trabalho procura dar conta.  Daí que a sua classificação das diferentes formas de influência redunde numa sucessão de equívocos, que vão desde o rigoroso enclausurar da sugestão no estratagema até à suposta purificação da racionalidade persuasiva, uma vez desligada de toda a “irracionalidade” da retórica.

Mas se chamamos aqui estes distintos modos de situar o lugar da persuasão face à retórica, foi unicamente para ilustrar a dificuldade, aparentemente incontornável, de se distinguir uma da outra. Aliás, ocorre mesmo perguntar se, ainda que tal fosse possível, daí resultaria algum benefício significativo para a compreensão do processo argumentativo. Esta interrogação parece ganhar ainda mais sentido quando vemos Breton fazer apenas a distinção entre a argumentação (enquanto meio poderoso de fazer partilhar por outrem uma opinião) e a violência persuasiva, o recurso à sedução e à demonstração científica 101. Aliás, considera que mesmo esta distinção é passível de algumas reservas, nomeadamente no que respeita à sedução, pois ela é muito menos simples do que parece. E explica porquê:  “Uma das principais características das acções humanas é, com efeito, para além da sua complexidade, o facto de elas parecerem mobilizar sempre, de modo indivisível, toda a riqueza dos possíveis. Assim, raramente se encontram situações puras de sedução, nem situações puras de demonstração ou argumentação. Toda a história da retórica, a antiga ‘arte de convencer’, é atravessada pelo lugar que deve ocupar o ‘agradar’ ou o ‘comover’ relativamente ao estrito raciocínio argumentativo. Da mesma forma, a publicidade moderna, objecto complexo como ela é, deve a sua temível eficácia ao facto de jogar simultaneamente em todos os registos de convencer. Todos esses elementos estão muitas vezes inextricavelmente ligados. Seria, portanto, preferível descrever essas situações, segundo os casos, como predominantemente de sedução ou predominantemente de argumentação” 102.

Poderia Breton ter ido ainda mais longe, no sentido de incluir a sedução no contexto da própria argumentação? Inclinamo-nos para uma resposta afirmativa. Com efeito, sendo a sedução ou o encantamento um fenómeno intrinsecamente humano, não se vê como poderia a argumentação prescindir desse registo de convencer. Poderemos, aliás, formular uma segunda questão: será possível influenciar ou convencer alguém apenas pelo recurso à mais fria razão?

Ensina Perelman, ao distinguir entre demonstração e argumentação, que esta última só tem lugar quando não é possível “estabelecer uma relação entre a verdade das premissas e a da conclusão” 103 e, consequentemente, não dispomos de uma linguagem formal de natureza lógico-matemática que nos permitisse demonstrar o carácter necessário de uma dada solução. De resto, mesmo que, por mera hipótese, pudéssemos recorrer a um mecanismo de inferência puramente formal, ainda assim, do nosso interlocutor não se poderia nunca dizer que fora persuadido, pois os factos, as noções e as regras de raciocínio ou de cálculo constituintes da própria demonstração, tornariam automaticamente evidente o caminho a seguir, na direcção da única decisão certa possível. Estaríamos, portanto, perante uma situação em que a palavra e o conceito para que esta sempre remete seriam suficientes por si só para se imporem a uma outra mente racional. Sabemos, porém, que na argumentação a palavra ou, dito de outro modo, as premissas, as razões invocadas e as provas fornecidas pelo orador não têm a força nem o rigor do cálculo matemático, pelo que nunca poderiam conduzir à evidência,  à necessidade ou à verdade única. Logo, diferentemente do que se passa na demonstração, a palavra da argumentação é uma palavra fraca e insegura que, à partida, legitima todas as dúvidas. Há então boas razões para daqui se inferir que se essa fraca palavra argumentativa (logos) ainda assim triunfa, é porque na específica situação de comunicação em que tem lugar, conta com um quid de afirmação que lhe é adicionado no momento em que se encontra com um ethos e com um pathos que se mostram favoráveis à sua aceitação. 

Deste entendimento da persuasão pode, por isso, dizer-se que corresponde a um descentramento dos elementos puramente intelectuais em favor de uma concepção de racionalidade não só mais abrangente como também mais humana, na justa medida em que radica na inquestionável unidade do pensar e do sentir. E se a razão é indissociável da sensibilidade, então, afastar da argumentação, o bem estar, o agrado, a sugestão e a sedução ou encantamento, só poderia redundar num exercício de purismo tão artificial como o de passar a beber água destilada às refeições. Corresponderia, além disso, a uma excessiva idealização dos factos retóricos ou argumentativos, susceptível de nos conduzir para uma argumentação que nunca existiu, que não existe e que, tudo leva a crer, nunca existirá.

Em coerência com a linha de raciocínio que seguimos até aqui, é então chegado o momento de propor um novo entendimento da persuasão discursiva, com base no alargamento do conceito de argumentação. E a hipótese que formulamos é a seguinte: a argumentação (ou retórica) - enquanto processo discursivo de influência - deita mão de todos os recursos persuasivos disponíveis e o raciocínio lógico ou quase lógico, a sugestão e até a sedução, não são senão diferentes e interligados modos dela se manifestar. 

Testar esta hipótese e ao mesmo tempo indagar sobre o que pode levar  alguém a modificar a sua opinião inicial, são os dois principais objectivos da  incursão que a partir de agora faremos aos domínios da persuasão e da própria hipnose.

 

2.3. Critérios, tipologias e mecanismos da persuasão

Se o principal traço distintivo da comunicação persuasiva é o de visar a produção deliberada de certos efeitos previamente definidos, a primeira coisa de que precisamos para avaliar a sua eficácia é de um critério que nos permita determinar se tais efeitos ocorreram ou não. Para Perelman, esse critério, é, como já vimos, a adesão do auditório. Se este aderiu às teses que lhe foram apresentadas, a persuasão funcionou. Se as rejeitou ou se se manteve em silêncio, é porque a argumentação falhou o seu principal objectivo que é o de persuadir. Parece-nos, contudo, que esta maneira de olhar a persuasão  é demasiado linear, algo simplista e por isso mesmo, insuficiente para nos dar conta da verdadeira natureza, extensão ou intensidade dos efeitos persuasivos, já que deixa por esclarecer o que é ou em que consiste o acto de aderir. Será um assentimento total ou parcial? Se a concordância do auditório incidir apenas sobre uma parte da tese poder-se-á afirmar que não houve persuasão? E quanto ao conteúdo da proposta, os efeitos persuasivos terão sido os mesmos quer quando respeitem à proposta inicial do orador quer quando obtidos apenas por uma versão final enriquecida (logo, alterada...) pelas sugestões do auditório? Finalmente, imaginemos um caso extremo em que não se verifique a respectiva adesão. Ainda assim, fará sentido afirmar que nenhuma persuasão  teve lugar? O mínimo que se pode dizer é que este conjunto de questões parece pôr em crise a operacionalidade do conceito de adesão para determinar a eficácia do discurso persuasivo. Mas, por outro lado, ao dizê-lo, corremos provavelmente o risco de estar também a traçar um quadro demasiado negro para a adesão perelmaniana.  É que tudo depende do particular entendimento que tivermos do acto retórico ou persuasivo. Para os que o pensam em termos de competição entre dois adversários (orador e auditório), na disputa  de um troféu a que só o vencedor tem direito, naturalmente que a rejeição de uma proposta ou solução inicial e até mesmo uma adesão meramente parcial, sempre hão-de ter o sabor de uma derrota. É o caso de quem procura a todo o custo dominar um auditório para impor os seus pontos de vista como se estes fossem irrebatíveis, iluminados ou, numa palavra, intocáveis.  Para estes, certamente que só a adesão total funciona como critério de persuasão. Mas para quem veja a situação argumentativa como um encontro de subjectividades, mútua e solidariamente empenhadas em avaliar ou construir a melhor solução possível para um problema ou questão em aberto, sem abdicar do respeito pela liberdade de pensamento e expressão do outro e tendo sempre em conta a interrogatividade subjacente nas suas próprias respostas, qualquer que seja o resultado desse esforço conjunto, adesão total, rejeição ou adesão parcial às teses iniciais, será sempre um avanço positivo, o avanço possível na descoberta da melhor solução consensual. Para estes últimos, a adesão é sempre sinónimo de persuasão porque esta não é mais entendida como domínio de uma parte sobre a outra, mas sim como expressão da capacidade de acolher os melhores argumentos, independentemente destes últimos serem provenientes do orador ou do auditório. É o abandono da rigidez dicotómica orador-auditório, no quadro da qual, erradamente,  se tende para cometer a função de persuadir ao orador e reservar para o auditório apenas a liberdade de se deixar persuadir ou não, em favor de um concepção retórica ou persuasiva onde o regime de livre alternância da palavra faz de todos os interlocutores potenciais persuasores e persuadidos. O objectivo da argumentação é agora chegar à solução que se revele mais adequada, quer esta coincida com a proposta inicialmente apresentada, quer se fique a dever aos posteriores desenvolvimentos trazidos pela respectiva discussão. A adesão pode assim manter-se como critério de eficácia de uma dada argumentação, na medida em que determina se se (todos) os efeitos pretendidos foram atingidos ou não, mas já não apresenta a mesma fiabilidade como indicador de persuasão. Basta pensar nas inúmeras situações em que o orador persuade o auditório apenas parcialmente ou num grau de intensidade que se revela insuficiente para levar a adesão. Um bom exemplo talvez seja o caso do vendedor que no final da entrevista com o cliente, verifica que a sua argumentação não produziu neste último o efeito esperado: levá-lo à decisão da compra. Isso não significa porém que nenhum efeito persuasivo tenha tido lugar. No decorrer da entrevista, ambos os interlocutores, vendedor e cliente, terão certamente trocado ideias e pontos de vista, que, enriquecendo o seu conhecimento mútuo, tendem a deixar marcas persuasivas mais ou menos estáveis. E são essas marcas persuasivas que uma vez recuperadas pelo vendedor na próxima visita ao mesmo cliente, podem vir a ser decisivas, dessa vez,  para se fechar negócio.

Esta aparente incapacidade da adesão se constituir como critério revelador de toda a acção persuasiva abre caminho para uma primeira tipologia da persuasão, em função dos efeitos produzidos: persuasão total e persuasão parcial, conforme o assentimento do auditório recaia sobre toda a proposta inicial ou apenas sobre uma parte da mesma; persuasão imediata e persuasão mediata, segundo os efeitos se manifestem logo na altura da argumentação ou somente em data posterior;  persuasão objectiva e persuasão subjectiva, consoante se repercuta num comportamento público e observável ou se limite a meras (mas, por vezes, relevantes) modificações interiores aos sujeitos, predominantemente psicológicas. À luz desta classificação poderemos então dizer que a adesão perelmaniana surge como um importante indicador da persuasão total, imediata e objectiva,  mas já o mesmo não  acontece no tocante à persuasão parcial, mediata e subjectiva, onde se mostra praticamente inoperante ou mesmo inaplicável. Daí que a tarefa de persuadir nunca possa ser dissociada da maior ou menor habilidade para antever a reacção do outro, nem da perspicácia com que se avalia o efeito produzido. “O processo argumentativo é sempre realizado no concreto, nesta ou naquela situação, perante este ou aquele auditório, sendo impossível, a priori, definir as estratégias que vão ser efectivamente eficazes, ou saber antecipadamente que argumentos usar, como utilizá-los, como dispô-los, qual o momento certo para o fazer e que resultados se irão obter. A argumentação remete para o contexto e só este pode fornecer, caso a caso, as pistas que guiarão no desenrolar do processo argumentativo” 104. Por outras palavras, nenhuma estratégia de persuasão pode escapar a uma certa margem de imprevisibilidade e de risco. Não pode, pois, o orador guiar-se apenas pelos dois polos extremos da adesão ou da não adesão. Tem que procurar descortinar na reacção do auditório se a não adesão significa nenhuma persuasão ou persuasão parcial e, no caso desta última, estimar ainda o respectivo grau ou intensidade. Se os efeitos da persuasão não se concretizam imediatamente, avaliar da possibilidade e interesse duma eventual manifestação diferida. Se a persuasão não é observável ou visível - maxime no caso de total silêncio do interlocutor - inferir dos elementos não verbais todos os indícios que possam legitimar uma conclusão, ainda que hipotética. É neste ponto que a distinção da persuasão acima referida, com base na extensão, no tempo e na visibilidade com que se manifesta, pode revelar-se especialmente útil para o orientar, em cada fase do processo argumentativo, sobre a direcção a seguir e principalmente, sobre a necessidade ou não necessidade de aduzir mais argumentos.

Uma segunda tipologia da persuasão que apresenta também grande interesse, tanto do ponto de vista da sua investigação como ao nível da própria estratégia argumentativa, é a que  pode ser traçada com base nos diferentes auditórios possíveis. O pressuposto aqui é o de que a particular relação interlocutiva aliada ao maior ou menor número de integrantes do auditório é um factor decisivo na escolha das mais adequadas técnicas ou modos de persuadir. Poderemos então falar de persuasão pessoal ou auto-persuasão, quando alguém avalia os argumentos por si próprio elaborados (deliberação íntima); persuasão interpessoal ou face a face, a que se dirige apenas a uma outra pessoa  (pai-filho, vendedor-cliente, etc.) e persuasão colectiva (quando são múltiplos os destinatários da mensagem persuasiva). É nesta última que poderemos integrar a persuasão de grupo, a persuasão de massas e, no limite, a persuasão universal, que corresponderia à noção perelmaniana de auditório universal. É certo que há nestes tipos de persuasão muitos elementos comuns, quer no plano comunicacional, quer no estrito nível da persuasão. Em primeiro lugar, todos eles  são dirigidos a pessoas, onde a atenção, a percepção, a memória e a acção,  jogam um papel fundamental quanto à possibilidade deste ou daquele estímulo nelas produzir a resposta pretendida. Em segundo lugar, em qualquer deles sempre está presente também, em maior ou menor grau, a influência da cultura, das expectativas sociais e da própria linguagem. Mas é inegável que cada um destes tipos de persuasão tem lugar em contextos muito distintos, que obrigam ao uso de meios e técnicas de persuasão específicas. Por exemplo, usar microfone para falar a um único cliente seria tão disparatado como falar sem ele para um auditório de várias centenas de pessoas. O mesmo se diga das confidências pessoais que num contacto face a face são não só possíveis como podem revelar-se até muito persuasivas, enquanto que numa palestra já será muito maior o risco de serem encaradas pela assistência como liberalidades excessivas e despropositadas do orador. Ainda no âmbito desta tipologia fundada nos diferentes auditórios possíveis, urge fazer, porém, uma segunda distinção de eminente interesse prático. Trata-se agora de distinguir a persuasão já não com base na particular relação interlocutiva para que somos remetidos em função do maior ou menor número de participantes, mas sim a partir da presença ou visibilidade do respectivo auditório. Depararemos assim com uma assinalável diferença entre a persuasão-interpessoal e persuasão de grupo, por um lado, e a persuasão de massas, por outro.  É que nas duas primeiras, o número dos destinatários e até muitas das suas características pessoais são previamente observáveis (tanto no caso do cliente isolado, como nos participantes que enchem a sala de uma conferência) enquanto que na persuasão de massas, reina a maior anonimidade humana e social: o persuasor não o persuadido, pode apenas imaginá-lo. E daqui decorre, inevitavelmente, um maior grau de complexidade e incerteza no respectivo processo de persuasão, a começar pelas acrescidas dificuldades em conhecer e seleccionar as próprias premissas. Mas porque a eficácia do processo argumentativo não passa exclusivamente pelo reconhecimento das especificidades relacionais que caracterizam os diferentes tipos de auditório, seria necessário, antes de mais, ter uma ideia precisa do que é, afinal, a persuasão e dos mecanismos que asseguram a sua performatividade. Só que colocar a questão nestes termos  leva a uma interrogação que permanece até hoje sem resposta unívoca e satisfatória: o que faz com que alguém mude a sua opinião inicial?

É a esta pergunta que inúmeros pesquisadores têm procurado responder, quer através de um persistente esforço reflexivo, quer pelo recurso à experiência e à experimentação. Os resultados concretos de cerca de cinco décadas de estudo e investigação, levados a cabo especialmente na área da psicologia social, estão, porém, longe de colher a aprovação geral. Fala-se mesmo de uma  quase total ausência de progresso teórico na compreensão do fenómeno da  persuasão e dela nos dão conta, entre outros, Marvin Karlins e Herbert I. Abelson, citados por M. L. De Fleur: “apesar do extenso número de páginas escritas e dos inúmeros estudos empreendidos acerca da persuasão, muitos estudantes de comunicação vêem como algo impossível o sacudir de um certo sentimento de desassossego quando pensam que dispomos de um conhecimento muito pouco fiável e de escassa relevância social sobre a dita persuasão. Os lamentos relativos à nossa ignorância colectiva acerca da persuasão são já um tópico....” 105. É bem possível que esta visão tão céptica sobre os estudos do processo persuasivo se fique a dever, em grande parte, ao facto de não ter sido possível, até hoje, elaborar uma teoria unificada da persuasão. Como salientam Pio Bitti e Bruna Zani, embora a literatura neste campo seja muito vasta, quer no que respeita ao aprofundamento dos aspectos mais teóricos com base em diversos paradigmas explicativos, quer no tocante à recolha de dados empíricos acerca dos muitos parâmetros envolvidos no processo, “o resultado é um acervo muito heterogéneo de elementos que dificulta a tarefa de reconhecimento de uma direcção expositiva no labirinto das teorias e dos dados existentes” 106. Acresce que, segundo estes mesmos autores, para além das dificuldades criadas pela diversidade dos paradigmas em que se inscrevem, as numerosas pesquisas efectuadas têm sido “pouco entusiasmantes e, mesmo, marcados por contradições e superficialidades” 107. Ainda assim, parece manifestamente abusivo daí deduzir uma total ausência de progresso teórico, porque se não dispomos ainda de uma teoria que nos dê conta da multiplicidade de atitudes que estão por trás da adesão persuasiva, a verdade é que, como bem mostram Petty e Cacioppo, na sua obra Attitudes and Persuasion: Classic and Contemporary Approches, “cada uma dessas aproximações teóricas contribuiram numa importante medida para o entendimento do processo de persuasão” 108. E de facto, apesar de, em alguns casos, os resultados da investigação experimental não terem ido muito além dos já obtidos por mera inferência empirica, foi não só possível identificar os principais factores envolvidos  na persuasão como também, através do recurso a outras orientações teóricas, compreender melhor a complexidade e articulação da atitude considerada, bem como o tipo de reorganização cognitiva produzida pela respectiva modificação. Antes, porém, importa perceber porque razão a psicologia social tem encarado a comunicação persuasiva do ponto de vista da sua estrita ligação com a modificação das atitudes. Petty e Cacioppo justificam essa ligação de uma maneira muito clara. Não basta dizer que a persuasão representa uma tentativa de modificar o pensamento de alguém. É preciso ver também o que é que, especificamente, a tentativa de persuadir visa influenciar. E neste ponto, distinguem-se habitualmente três alvos possíveis: atitude, crença e comportamento. A atitude define um sentimento geral e estruturado, positivo ou negativo, acerca de determinada pessoa, objecto ou questão. Neste sentido, a expressão a pena de morte é horrível será um bom exemplo de atitude porque exprime um sentimento geral e negativo sobre algo, que, no caso, é a pena de morte. A crença, já se refere basicamente à informação que se tem sobre outra pessoa, objecto ou questão e poderia ser representada por uma afirmação do género de a pena de morte é ilegal no meu país. Quanto ao termo comportamento, ele representa uma categoria de acção em aberto e pode ser ilustrada pela expressão participei numa campanha contra a pena de morte. Destaquemos aqui como particularmente relevante para o estudo da persuasão o facto da atitude, segundo Petty e Cacioppo, aparecer ligada a um sentimento geral enquanto a crença se circunscreve, basicamente, ao domínio da informação. É que, à luz de tal distinção, forçoso será reconhecer que mesmo quando o interlocutor não põe em causa o carácter lógico e bem fundado da  nossa argumentação, isso não significa, por si só, que venha a aderir efectivamente à proposta ou ideia que lhe apresentamos. Para além da mera concordância intelectual é preciso igualmente suscitar-lhe o agrado, um sentimento favorável que lhe permita remover sem dor ou com a menor dor possível a atitude que até aí vinha adoptando e que, a manter-se, inviabilizaria o sucesso do acto persuasivo. Esse é o “segredo” do persuasor que não se contenta com a modificação de uma crença e prossegue na sua argumentação até conseguir igualmente a mudança da própria atitude.

Mas se as atitudes emergiram como principal foco dos pesquisadores de persuasão, foi, em grande parte, por se presumir que influenciam (quando não ditam mesmo) a orientação do comportamento, tornando assim este último mais ou menos previsível. Como os citados autores sublinham, constatou-se a existência de uma forte interligação entre crenças, atitudes e comportamentos, já que os princípios envolvidos pela modificação de atitudes são os mesmos que presidem à modificação de uma crença ou comportamento. Não surpreende, por isso, que as atitudes possam ser vistas como sumário condensado de uma larga variedade de crenças e, nessa medida, constituam uma parte muito importante da interacção social. Mas os investigadores  da persuasão têm pelo menos mais duas boas razões para centrar a sua atenção nas atitudes. Em primeiro lugar, porque elas permitem aos outros uma estimativa ou previsão do tipo de comportamentos que estamos predispostos a assumir e fazem-no de um modo muito mais apurado do que tudo ou quase tudo o que lhes pudessemos dizer. Assim, por exemplo, se dizemos a alguém que os filmes americanos dão mais realce ao entretenimento do que à mensagem essa pessoa continuará sem saber se deve ou não convidar-nos a ir ao cinema. Mas se, ao invés, lhe dissermos os filmes hoje em dia são tão maus e repugnantes que me dão vómitos, aí já toda a dúvida e incerteza será removida da sua mente e seguramente que só por brincadeira ou provocação ousaria fazer-nos um tal convite. Ou seja, a atitude pessoal neutra (nem positiva nem negativa) nunca é tão afirmativa como a atitude polarizada ou extrema.

Uma segunda razão porque os investigadores da persuasão se orientam particularmente para as atitudes, prende-se com o facto destas últimas expressarem importantes aspectos da personalidade individual. Segundo Katz, citado por Petty e Cacioppo 109, são quatro os tipos de funções que as atitudes asseguram a uma pessoa:  função ego-defensiva -  atitudes que ajudam as pessoas a proteger-se das verdades desagradáveis para si próprias ou para aqueles que lhe são próximos;  função expressão de valor – quando manter uma determinada atitude permite à pessoa expressar um valor importante; função conhecimento – atitudes que levam a pessoa a entender melhor o que se passa à sua volta; finalmente, função utilitária – atitudes que ajudam a pessoa a ganhar recompensas ou evitar punições. Exemplos de atitudes ligadas a cada uma destas funções,  seriam, respectivamente, os homens que por desprezarem os homossexuais reforçam os seus próprios sentimentos de masculinidade (função ego-defensiva), a pessoa que prefere o aquecimento através de painéis solares por o seu uso demonstrar uma preocupação pela conservação da energia (função expressão de valor), a constatação de que o não se gostar de uma pessoa favorece ou predispõe para melhor conhecer os seus actos mais reprováveis (função conhecimento) e por último, o empregado que adopta as atitudes do patrão antes de lhe ir pedir um aumento de salário (função utilitária).

Até que ponto esta classificação das diferentes funções psicológicas asseguradas pelas atitudes pode revelar-se importante para a escolha e implementação da melhor estratégia persuasiva? Poderemos dizer que há nela, sem dúvida, um certo artificialismo, pois na prática, nunca é possível isolar tão nitidamente cada uma das funções que a integram, seja pela falta de um rigoroso critério delimitador ou porque uma só atitude pode muito bem assegurar, simultâneamente, dois ou mais tipos de funções. Mas esse é, muito provavelmente, o preço a pagar pela maior operacionalidade analítica que esta classificação parece vir conferir ao estudo da persuasão. Além do mais, a simples tomada de consciência de tal limitação sempre permitirá ao sujeito persuasor uma reelaboração correctiva no momento em que tem de inferir as verdadeiras razões porque o seu interlocutor  se mostra mais inclinado a aceitar ou a rejeitar os seus argumentos. Tomemos como exemplo o caso da função conhecimento: o facto de alguém a quem queremos influenciar  se mostrar relutante em aceitar  a nossa opinião sobre um qualquer acto praticado por uma terceira pessoa, pode ficar a dever-se muito mais à atitude geral negativa que o nosso interlocutor  já possui sobre essa pessoa do que propriamente a um juízo particular sobre o isolado acto em causa, mesmo quando o seu comentário ou crítica se refira exclusivamente a este último. Nesse caso, continuar a fazer incidir a nossa argumentação exclusivamente sobre a diferença que aparentemente nos separa (ao nível da apreciação de tal acto) pode tornar-se no equivalente a “falar para as paredes” pois é a atitude que permanece oculta por detrás das palavras proferidas pelo nosso interlocutor a verdadeira  responsável pela sua dificuldade em se deixar persuadir e não o motivo circunstancial que ele, eventualmente, nos verbalize. A atitude aparece assim estreitamentre relacionada com a motivação e, como vimos na definição que nos é dada por Petty e Cacioppo, tanto pode ser positiva como negativa. Logo, da mesma forma que uma atitude positiva sobre determinada pessoa, objecto ou questão predispõe para o conhecimento de actos, características  ou aspectos directa ou indirectamente ligados a cada um desses seus três alvos, também uma eventual atitude negativa levará, regra geral, à situação inversa. Em síntese, se vemos melhor e mais facilmente aquilo que queremos ver, também conhecemos pior e com mais dificuldade aquilo que não queremos conhecer.

A compreensão dos mecanismos da persuasão passa, por isso, pelo reconhecimento da importância que a modificação das atitudes assume na mudança do comportamento. Essa tem sido, pelo menos, a ideia base que tem presidido à generalidade das pesquisas experimentais sobre a persuasão. Mas como dar conta de um tão heterogéneo conjunto de investigações em que sobressaem diferentes e por vezes contraditórias opções em termos de perspectivas teóricas, planos e variáveis do acto persuasivo?  Dentro da linha de raciocínio que temos vindo a desenvolver e reconhecendo  a centralidade do triângulo argumentativo, de que nos fala Breton 110, no processo de persuasão discursiva, recorreremos ao critério de análise já seguido por Bitti e Zani que é o de considerar o contributo das diferentes pesquisas em função dos três parâmetros presentes em todos os modelos de comunicação na modificação de atitudes: a fonte, a mensagem e o receptor.

Asssim, do ponto de vista da fonte, os investigadores têm procurado determinar quais são os principais factores ligados à figura do persuasor que concorrem para a modificação de atitude do auditório, que o mesmo é dizer, para o sucesso da respectiva argumentação. Em lugar de grande destaque surge desde logo, a credibilidade, que, na linha de Carl Hovland e seus seguidores, é geralmente associada à perícia ou competência na matéria em questão, mas também à posição de prestígio social do persuasor e a outras características pessoais, nomeadamente de cariz ético, reconhecidas pelos respectivos interlocutores. A experiência-tipo consiste em apresentar aos sujeitos experimentais determinadas declarações sobre um certo tema, quer insertas em artigos de jornais ou revistas quer em gravações de discursos e atribuí-las a pessoas com alto ou baixo grau de credibilidade. O exemplo de que nos falam Bitti e Zani, é o de um caso de uma palestra sobre a desvalorização da moeda cuja autoria, ora era associada a um prestigiado e imparcial professor de economia ora a um empresário que iria ficar muito prejudicado nos seus negócios com tal desvalorização. O que se verificou foi que o auditório era nitidamente mais influenciado no primeiro caso do que no segundo, ou seja, confirmou-se que “uma comunicação é julgada de um modo mais favorável quando apresentada por um sujeito de maior credibilidade que quando apresentada por outro de credibilidade menor” 111. Bitti e Zani assinalam porém três reservas a esta conclusão que afastam a possibilidade da sua aceitação incondicional. Em primeiro lugar, dizem, há modificações quando um perito produz comunicações de carácter instrumental mas não quando ele fala de valores. Em segundo lugar, situações existem em que, mesmo nas questões de foro técnico, é mais influente um líder de opinião local do que um perito de fora. Finalmente,  apesar de ser de esperar que um auditório se deixe influenciar mais facilmente por uma fonte tida por imparcial, há contudo provas empíricas que indicam o contrário.

A atractividade é um outro factor  de influência na modificação das atitudes. Como dizem Petty e Cacciopo, dois comunicadores podem ambos ser reconhecidos especialistas numa dada questão, mas o facto de um ser mais simpático, mais apreciado ou fisicamente mais atractivo que o outro, confere-lhes diferentes graus de persuadibilidade. Foi isso mesmo que Chaiken (1979) procurou comprovar quando pediu a um grupo de estudantes - previamente seleccionado em função das suas características físicas e da aptidão para comunicar - que efectuassem uma comunicação persuasiva aos seus colegas. A tarefa consistia em obter destes a resposta a um questionário de opinião e a assinatura de uma petição. No final, Chaiken constatou que os estudantes fisicamente mais atractivos foram mais persuasivos do que os comunicadores fisicamente menos atractivos. Subsiste, porém, a dificuldade de estabelecer quais as características do persuasor que podem ser tomadas como  índices de atractividade, quer no plano da sua aparência física quer no da simpatia pessoal. Em que medida a atracção entre as pessoas deriva do respectivo aspecto físico?  O que é uma pessoa atraente? É dificil, se não impossível, encontrar as respostas certas, além do mais, porque não se pode ignorar que tanto a atracção que tem por base o aspecto físico como a que se fica a dever à irradiação de uma particular simpatia manifestam-se sempre numa concreta dimensão relacional, através da adequação ou ajustamento das respectivas subjectividades, o que, só por si, afastaria toda e qualquer tentativa de apressada generalização. No mesmo sentido crítico vão Bitti e Zani quando, depois de acolherem a ideia de que a atracção entre as pessoas e, portanto, entre a fonte e o receptor, conduz a semelhanças de atitude, vêm, porém, dizer que, apesar da evidência de tal fenómeno, a verdade é que ainda “não se conseguiu definir com exactidão qual o tipo de semelhança que deve existir (no plano ideológico, ou social, ou mesmo simplesmente superficial) para influenciar as atitudes de um sujeito” 112.

A persuadibilidade da fonte, porém, não se joga apenas ao nível das características estritamente pessoais do persuasor, antes vai depender também das estratégias a que este recorra. Uma dessas estratégias - de resto, muito estudada experimentalmente - é a da administração de recompensas ou punições. E, porque aqui nos ocupamos tão somente da persuasão discursiva, ficar-nos-emos pela investigação que mais directamente lhe diz respeito, ou seja, a que se subordina ao condicionamento verbal das atitudes. Segundo Petty e Cacioppo, um grande interesse teórico por este tipo de condicionamento operatório surgiu a partir do momento em que Greenspoon  (1955) levou a efeito uma experiencia na qual usou recompensas verbais para mudar  aquilo que as pessoas deveriam dizer. Ele foi assim capaz de aumentar a frequência com que a pessoa usava um substantivo plural pronunciando simplesmente um “mm-hmmm” cada vez que o sujeito usava um. Hildum e Brown 113 formularam então a hipótese da assunção de atitudes poder ser condicionada da mesma maneira e resolveram testá-la junto dos estudantes de Harvard aos quais foi perguntado, telefonicamente,  que atitudes tinham perante o sistema educacional de Harvard. O inquérito processou-se da seguinte forma: a metade dos estudantes inquiridos, o experimentador dizia “good” ou “mm-hmmm” cada vez que um estudante elogiava o respectivo sistema; à outra metade dos estudantes o experimentador dizia “good” ou “mm-hmmm” cada vez que um estudante criticava o dito sistema educacional. Os dois investigadores concluiram assim que os estudantes que tinham sido recompensados por dizerem bem do sistema fizeram mais comentários positivos acerca do mesmo que os estudantes que tinham sido recompensados por dizerem mal.

A explicação deste resultado assenta na teoria dos dois factores do condicionamento verbal formulada por Insko e Cialdini 114 à luz da qual a recompensa verbal  faz duas coisas: primeiro, fornece ao sujeito informação sobre a atitude do entrevistador e, segundo, diz-lhe quais as respostas que o entrevistador aprova ou aprecia e, consequentemente, quando o aprova ou aprecia a ele próprio. É a relação criada por este segundo processo que proporciona ao sujeito um maior incentivo para emitir a resposta recompensável e com a qual obtém consequências positivas (a implícita aprovação por uma outra pessoa). Como se pode ver, está aqui bem presente a ideia-base subjacente ao condicionamento skinneriano e que é a de que as pessoas tendem a agir para maximizar as consequências positivas (recompensas) e minimizar as consequências negativas (punições) do seu comportamento.

Mas os factores mais influentes na modificação das atitudes têm sido estudados igualmente ao nível da mensagem a transmitir, com particular ênfase nas caracaterísticas (racionais ou emotivas) dos conteúdos, na configuração estilística  e nos aspectos directamente ligados à estrutura e ordem da comunicação. No que respeita à emotividade, por exemplo, a crença generalizada de que os discursos emotivos são mais eficazes do que os discursos lógicos ou racionais para modificar as atitudes, fez com que as mensagens ansiógenas, que “assustam” ou “angustiam” o indivíduo mediante explicitação das consequências desagradáveis (no caso de não se seguir os conselhos do sujeito comunicante), passassem a ser associadas a uma maior probabilidade de modificar a atitude. Com efeito, um pai que pretende motivar o seu filho para prosseguir os estudos pode ter mais êxito se lhe chamar a atenção para a dura vida que o esperaria se não concluisse o curso, tal como um vendedor de seguros experimentado não hesitará em fazer sentir ao cliente os potenciais riscos (ex: o perigo de um incêndio lhe devastar a habitação) a que ele se sujeitaria, se não contratasse o seguro que lhe é proposto. Em ambos os casos, a acção persuasiva centra-se mais no anúncio e dramatização das desvantagens que se seguiriam à eventual recusa da proposta do que na particular valia ou acerto da mesma. Algumas experiências vieram mostrar, contudo, que nem sempre sucede assim e que, em última análise, tudo depende  do grau de ansiedade produzido: “as mensagens fortemente ansiógenas tendem para a ineficácia, pois fazem surgir suspeitas sobre as verdadeiras intenções da fonte, de tal modo que os sujeitos recorram a mecanismos de defesa, como a negação, para ignorar ou pelo menos atenuar a ameaça, ao passo que uma mensagem fracamente ansiógena produz um maior grau de modificação” 115.

A questão dos estilos poderem aumentar (ou reduzir) a persuasividade de um discurso foi igualmente submetida ao controlo de uma série de experiências cujos resultados parecem fazer luz sobre o que pode ser uma mensagem argumentativa eficaz. Referimo-nos ao facto de ter sido possível relacionar certas figuras de estilo e modos de expressão verbal com os particulares efeitos retóricos ou persuasivos que a sua utilização discursiva tende a provocar em qualquer auditório. Verificou-se, por exemplo, que as frases curtas, perguntas retóricas, a paráfrase e a repetição, produzem força e impacto directo no receptor. A ironia, o humorismo e até certo tipo de  propositados exageros, atraem a atenção das pessoas e conferem à comunicação mais vivacidade. A metáfora, por sua vez, contribui para uma maior intensidade do discurso, especialmente quando a concluir este último, por produzir “efeitos diferentes dos da expressão literal correspondente – e mais eficazes que eles –,  influenciando os juízos sobre a credibilidade da fonte e especificamente sobre a sua competência, a sua fidedignidade e a sua objectividade” 116. Verificou-se ainda  uma clara superioridade persuasiva da linguagem concreta sobre a linguagem abstracta, na medida em que a primeira, ao permitir uma relação directa e observável (ainda que imaginariamente) facilita a actividade de elaboração e compreensão da mensagem.

No que mais directamente diz respeito à estrutura e ordem da comunicação, foram também estudados alguns dos principais problemas que se colocam  a todo o orador: como ordenar os diferentes elementos (ou partes) da mensagem?  Que papel poderá desempenhar a apresentação conjunta de argumentos favoráveis e argumentos contrários, no contexto persuasivo? Deve o orador retirar e anunciar explicitamente as conclusões ou, pelo contrário, deixar essa tarefa ao auditório? Não foi possível ainda encontrar uma solução geral (e suficientemente testada) para cada um destes problemas. Comprovou-se, por exemplo, que a parte da mensagem que é transmitida em primeiro lugar tem, por vezes, maior efeito (primacy effect) que as seguintes mas a verdade é que nem sempre isso acontece. Já no que se refere à eficácia da comunicação foi possível verificar que os elementos “devem ser ordenados de maneira que sejam apresentados primeiramente os que tendem a suscitar no auditório uma necessidade e depois os que tendem a fornecer informação sobre o modo de satisfazer essa necessidade” 117. Quanto à apresentação conjunta de argumentos favoráveis e argumentos contrários à tese do orador trata-se de um método que parece apresentar a dupla vantagem de reforçar, por um lado, a imparcialidade e a competência de quem fala e por outro, de “tornar o receptor mais imune em relação a ulteriores tentativas de influenciá-lo” 118. Mas ainda assim, advertem Secord e Backan (1964), “os elementos favoráveis devem ser apresentados de tal maneira que determinem a aceitação do falante e da sua mensagem antes que o receptor seja exposto a comunicações em contrário” 119. Estas indicações, porém, não chegam a pôr em crise o método de apresentar apenas argumentos favoráveis que mantém a sua utilidade e eficácia num grande número de situações argumentativas. Hovland (1949) aliás, há muito estabelecera a necessidade de se recorrer a ambas as formas de argumentar, em função das particulares características do respectivo auditório, depois de ter chegado experimentalmente a uma conclusão deveras interessante: que a comunicação através de argumentos contrários é mais efectiva para as pessoas que estão melhor informadas sobre a questão em apreço e que inicialmente se opõem à respectiva proposta mas o mesmo já não sucede com aqueles que pouco sabem da questão e que inicialmente estão de acordo com o que lhes é sugerido, perante os quais a comunicação exclusivamente à base de argumentos favoráveis se revela mais eficaz 120.

Um outro problema que se apresenta ao orador é o de, no final da sua argumentação, descobrir  qual a melhor forma de tornar a conclusão verdeiramente persuasiva:  apresentá-la explicitamente ao auditório, ou, pelo contrário, deixar que este a descubra pelos seus próprios meios? Temos aqui um confronto entre o método directivo e o método não-directivo, que Jaspars (1978) resolve a favor do primeiro ao sustentar que os estudos sobre a modificação de atitudes mostram que é mais eficaz a apresentação directa das conclusões ao receptor 121. As múltiplas variáveis que afectam o processo persuasivo alertam-nos, porém, também neste aspecto, para os perigos de uma visão demasiado simples ou redutora. Urge por isso ter sempre presente as condições concretas da persuasão, nomeadamente, as características particulares do auditório, pois como verificaram Hovland e os seus colegas, o que se passa, mais exactamente, é que se, em geral, o anunciar da conclusão pode incrementar a probabilidade do interlocutor compreender e reter os argumentos, já no caso especial dos receptores que são capazes de, por eles próprios, chegarem à conclusão, a probabilidade de reterem a mensagem e operarem a modificação da sua atitude será bem mais  elevada. McGuire (1969) resume e explica deste modo a posição actual sobre o problema: “pode ser que se uma pessoa tira a conclusão por ela própria seja mais persuadida do que o seria se fosse o falante a fazê-lo por ela; o problema é que nas situações de comunicação mais usuais o sujeito é insuficientemente inteligente ou não está suficientemente motivado para tirar a conclusão por ele próprio e por isso, não capta o núcleo da mensagem, a menos que a fonte tire a moral da mesma por ele. Na comunicação, parece que não é suficiente conduzir o cavalo à água; alguém tem que puxar-lhe a cabeça para baixo e fazê-lo beber” 122.

Impõe-se, finalmente, um olhar sobre a persuasão, também do ponto de vista de quem recebe a mensagem. Entendemos, aliás, que praticamente tudo o que atrás ficou dito a propósito da fonte e da mensagem aplica-se igualmente à recepção, seu natural escopo, pois tanto as características persuasivas da fonte como as da mensagem  só produzem efeitos graças à persuadibilidade  dos respectivos destinatários. É habitual distinguir-se as múltiplas investigações realizadas neste campo em função das diferentes estratégias em que se inscrevem. Segundo a estratégia da personalidade, a probabilidade de ficar mais exposto à influência de uma comunicação persuasiva  está directamente relacionada com determinados traços de personalidade. Logo, remete-nos para o estudo de variáveis tais como inteligência, sexo e, sobretudo, auto-estima. Ao nível da inteligência McGuire (1968) propôs um modelo de personalidade e persuadibilidade que veio clarificar muitas das pesquisas anteriormente realizadas. Segundo ele, a modificação da atitude é determinada em duas fases: numa primeira, pela  recepção dos argumentos da mensagem, incluindo o processo de atenção, compreensão e retenção; numa segunda, pela anuência à própria modificação. Sucede que muitas vezes ocorrem efeitos opostos nessas duas fases. Por exemplo, os membros mais inteligentes de uma audiência podem compreender e recordar uma comunicação melhor do que os restantes membros, menos inteligentes. Logo, poder-se-ia supor que a modificação de atitude seria tanto maior quanto mais inteligentes fossem as pessoas que constituissem a audiência. Só que a inteligência pode igualmente tornar os receptores menos predispostos à influência por serem mais confiantes nas suas próprias capacidades e, consequentemente, mais refractários a abandonarem a sua atitude inicial, o que atenua a modificação da atitude. Logo, mau grado a clarificação que o modelo de McGuire veio conferir à comprensão do papel da inteligência no processo persuasivo, o entendimento das relações entre os traços de personalidade e a persuadibilidade permanecia num certo impasse. Contudo, retomando o estudo dos efeitos relativos a cada uma das duas fases acima referidas, Eagly e Warren (1976),  viriam a constatar que a inteligência surge associada à melhor compreensão e a uma (ligeira) maior anuência para com a mensagem complexa e, em contrapartida, a igual compreensão e menor modificação de atitude na mensagem simples. Conclui-se assim que o nível de complexidade da mensagem é determinante para se definir o papel que o factor inteligência pode desempenhar no processo de modificação de atitudes.

A variável sexo foi igualmente estudada, apontando os primeiros trabalhos para uma maior susceptibilidade das mulheres à persuasão. Uma das justificações era a de que, tendo as mulheres maior aptidão verbal do que os homens, seriam também capazes de compreender melhor os argumentos da mensagem e, consequentemente, ficariam mais receptivas à modificação das atitudes. Eagly (1974), porém, veio pôr tudo isto em causa já que dos estudos que visavam descobrir as diferenças de compreensão entre homens e mulheres não resultaram quaisquer provas que apoiassem uma tal posição. Na prática, porém, as diferenças entre homens e mulheres, ao nível da persuadibilidade existem, sem dúvida. A questão é a de determinar a que se ficam a dever. Ora, para Petty e Cacioppo 123, as duas explicações (sobre tais diferenças) que se mostram actualmente mais credíveis, são as seguintes:

Primeiro, as diferenças em função do sexo podem ser devidas aos papéis sociais para que as mulheres e os homens são educados: as mulheres socializadas para a cooperação e manutenção da harmonia social, o que as tornaria mais acessíveis ao acordo, enquanto os homens, socializados para serem assertivos e independentes, tenderão, naturalmente, a oferecer mais resistência à influência.

Segundo, as diferenças relativas ao sexo podem ocorrer porque a mensagem persuasiva em muitos estudos de influência versa sobre temas em que os homens  estão muito mais interessados e mais conhecedores do que as mulheres (tópicos masculinos versus tópicos femininos). E, neste caso, as diferenças de persuadibilidade em função do sexo, podem muito bem ser uma consequência de ser mais fácil persuadir alguém que não tem muito interesse ou conhecimento sobre o assunto que está em discussão.

Se a primeiras destas duas explicações nos parece ter entretanto perdido grande parte do seu sentido, face ao cada vez maior esbatimento das diferenças sexuais na socialização actual, já no que se refere à segunda, parece ser inquestionável a sua pertinência, por radicar num factor extremamente importante e decisivo em qualquer processo de persuasão: o grau de relevância pessoal que o assunto em questão possa ter para a pessoa a persuadir. Em todo o caso, trata-se de um factor que está presente em todos os actos persuasivos, independentemente dos seus destinatários poderem ser homens ou mulheres. Logo, apesar deste indicador centrado na maior ou menor relevância do tema se revestir de muito interesse para a compreensão e até para a operacionalização do processo persuasivo, a questão essencial das eventuais diferenças de persuadibilidade em função do sexo, permanece, contudo, em aberto.

O modelo de personalidade e persuadibilidade de McGuire permitiu também associar positivamente a auto-estima com a recepção da mensagem e negativamente com a anuência à modificação que a mesma sugere ou propõe. As pessoas com baixa auto-estima seriam por isso menos propensas a prestar atenção e a apreender os conteúdos da mensagem, mas, por outro lado, mais susceptíveis à comunicação persuasiva. Nisbett e Gordon 124 definiram mesmo uma relação entre a auto-estima e a modificação de atitudes com base na maior ou menor dificuldade de compreensão da mensagem, nos seguintes moldes: quando a mensagem é simples, as pessoas com moderada auto-estima mostram a maior modificação de atitude, mas quando a mensagem é complexa a maior modificação de atitude pertence às pessoas com alta auto-estima. Trata-se porém, uma vez mais, de uma indicação a seguir com alguma prudência, tanto mais que surgiram, entretanto, alguns estudos obedecendo a diferentes orientações teóricas, que vieram pôr em causa qualquer distinção dos efeitos persuasivos em função da compreensibilidade da mensagem.

Estudar a persuasão (e, desde logo, a persuadibilidade) em função da sua relação com a personalidade tem a vantagem de sublinhar a necessidade de se centrar a atenção no receptor quando o que está em causa é tentar perceber o que leva à modificação das atitudes. Mas a compreensão global dos mecanismos que asseguram tal modificação, requer a consideração de diferentes perspectivas de análise. Daí o recurso a outras estratégias de abordagem, como a estratégia da motivação e a das respostas cognitivas. Relativamente à primeira, o maior relevo vai para a famosa Teoria da dissonância cognitiva, de Festinger (1957), que procura dar conta do processo de modificação das atitudes, numa perpectiva internalista que vai muito para além das determinações da personalidade. Festinger descreve a dissonância como sendo essencialmente um estado de motivação que fornece energia e direcção ao comportamento. Não hesita por isso em fazer a analogia com o que se passa com a fome: “just as hunger is motivating, cognitive dissonance is motivating” 125. Isto é, a dissonância cognitiva faz aparecer uma actividade orientada para a redução ou eliminação dessa dissonância e o sucesso na sua redução ou anulação é a recompensa, no mesmo sentido em que o é, igualmente, o comer quando se está com fome. Dito de outro modo, se detectamos alguma incoerência nas nossas atitudes ou crenças ou comportamento, experimentamos um certo estado de dessassego (dissonância cognitiva) que se converte num impulso dirigido para a reposição do nosso equlíbrio psicológico. Logo, para reduzirmos ou anularmos essa dissonância cognitiva temos que fazer algo. E Festinger sugere três modos possíveis de se reagir à dissonância: primeiro, a pessoa muda um dos elementos para tornar os dois elementos mais consonantes. Por exemplo, o fumador que toma consciência de que o fumo prejudica gravemente a saúde  pode parar de fumar e assim, mudando o elemento comportamental, elimina a dissonância entre as cognições de conhecimento eu fumo para gozar a vida e fumar pode causar-me a doença e uma vida miserável. Sabe-se, contudo, como em muitos casos as pessoas experimentam sérias dificuldades em alterar este elemento do comportamento. Segundo, a pessoa pode reduzir a mesma dissonância, pela adição de cognições consonantes. É o caso do fumador, que a despeito da evidência de que o fumo provoca graves doenças, resolve fazer uma pesquisa de informação que ponha em causa a validade científica dessa conclusão. Por último, a pessoa pode reduzir a dissonância cognitiva relativizando a importância de tais cognições, como o faz o fumador que se convence a si mesmo de que o prazer que o cigarro lhe dá é muito superior ao risco que constitui para a sua saúde. Estes são os três modos que, segundo Festinger, levam à redução da dissonância. Resta dizer que, em princípio, será seleccionado aquele que menos resistência oferecer à respectiva modificação de atitude.

Quanto à estratégia das respostas cognitivas ela centra-se ainda no receptor e nos processos cognitivos que fazem a mediação das suas reacções às comunicações persuasivas. Está agora em foco o papel do pensamento no processo de persuasão e na modificação da atitude. O pressuposto-base desta estratégia é o de que os pensamentos que as pessoas elaboram por si mesmas podem ser tão ou mais efectivos na produção de uma mudança de atitude do que as próprias mensagens que lhes chegam do exterior. O processo é descrito deste modo por Petty e Cacciopo: “quando uma pessoa antecipa ou recebe uma comunicação persuasiva, tenta relacionar a informação contida na mensagem (ou na esperada mensagem) com o conhecimento pré-existente que ela tem acerca do assunto em causa. Ao fazer isto,  estará a considerar uma substancial quantidade de informação que não se encontra na comunicação em si mesma. Estas adicionais respostas cognitivas auto-elaboradas (pensamentos) podem concordar com as propostas feitas pela mensagem, discordar ou serem inteiramente irrelevantes para a comunicação” 126. Por exemplo, quando o Primeiro-Ministro anuncia que vai aumentar os impostos para resolver a situação financeira da Segurança Social e garantir o pagamento de reformas mais dignas, as pessoas podem pensar para elas próprias: “Mas que excelente ideia! Até que enfim que vamos ter uma boa reforma!” ou “Que estúpido! Já pagamos impostos a mais!”. O que a teoria das respostas cognitivas sustenta, é que este tipo de cognições eleitas pela pessoa no momento em que recebe a mensagem, determinarão a intensidade e a direcção da modificação de atitude produzida. Logo, na medida em que a comunicação evoque respostas cognitivas de apoio (pró-argumentos ou pensamentos favoráveis), a pessoa tenderá a concordar e a aderir ao conteúdo da mensagem. Se tais respostas cognitivas forem antagónicas (contra-argumentos ou pensamentos desfavoráveis) a tendência será para discordar da mensagem.

Acabamos de nos referir a algumas das principais orientações teóricas que estão por trás das sucessivas investigações sobre o fenómeno persuasivo. Cada uma com os seus méritos próprios, mas também, por vezes, com evidentes limitações, tanto ao nível dos resultados obtidos como no que concerne às respectivas metodologias de pesquisa. O que é curioso, no entanto, é que, apesar de muitas dessas diferentes aproximações à persuasão competirem entre si na interpretação dos resultados de uma particular experiência, nenhuma delas foi até hoje completamente abandonada, verificando-se antes, isso sim, uma cada vez maior tendência para restringir os seus domínios de aplicação. Não podemos, por isso, terminar esta incursão ao estudo experimental da modificação de atitudes, sem fazer uma breve referência ao “quadro geral de entendimento” elaborado por Petty e Cacioppo,  através do qual estes dois autores procuram fazer uma síntese da maioria dos conceitos presentes nas inúmeras investigações já realizadas.

 Petty e Cacioppo defendem que embora tais investigações difiram nos nomes, postulados e particulares efeitos que procuram explicar, podem ser pensadas como correspondendo a duas vias únicas para modificar a atitude. Uma primeira, a que chamam via central que enfatiza a informação que a pessoa tem sobre a atitude, objecto ou questão em causa. Teremos aqui um processo de persuasão acentuadamente racional, em que o receptor atenta nos argumentos da mensagem para os compreender e avaliar. Alguns argumentos conduzi-lo-ão para pensamentos favoráveis enquanto outros lhe suscitarão contra-argumentos. Uma segunda via para a modificação da atitude, pelos mesmos autores designada como via periférica, consistirá no recurso a outros factores de persuasão tais como administração de recompensas ou punições e as inferências que a pessoa retira sobre os motivos pelos quais o falante argumenta em favor de determinada posição. Esta segunda via para a persuasão já não passa predominantemente pelo pensamento e reflexão: se a mensagem é associada a uma sensação agradável ou a uma fonte atractiva ou credível, ela é aceite; se a mensagem coloca o sujeito numa posição demasiado discrepante, é rejeitada. Ou seja, o receptor toma consciência da sua própria resposta comportamental ou fisiológica e daí infere qual a atitude que tem que assumir.  À primeira vista, parece que a diferença entre estas duas vias de persuasão, poderia ser assim definida: a primeira é racional ou lógica e a segunda não é. Mas Petty e Cacioppo advertem que tanto os pensamentos favoráveis como os contra-argumentos que a pessoa elabora em resposta à mensagem não necessitam de ser estritamente lógicos ou racionais. Basta que façam sentido para a pessoa que os elabora 127.

Essa diferença, dizem os autores, tem mais a ver com o alcance da mudança de atitude que se fique a dever ao pensamento activo sobre a informação relevante fornecida pela mensagem quanto à atitude, questão ou objecto considerados. Assim, na via central, o pensamento sobre a informação relevante para a questão em apreço é o que mais directamente determina a direcção e intensidade da mudança de atitude produzida. E é nesta via que recai toda a persuasão que resulta do pensamento acerca da questão ou dos próprios argumentos em causa. Já na via periférica, a mudança de atitude fica a dever-se aos factores e motivos inerentes à persuasão que se mostram suficientes para levar a uma mudança da atitude inicial sem que seja necessário qualquer pensamento activo sobre os atributos da questão ou assunto em apreço.  Tais factores e motivos são de natureza diversa mas podem consistir, por exemplo, no associar a posição que se defende a outras coisas sobre as quais o receptor já tem um sentimento favorável (tais como o alimento, o dinheiro ou o prestígio), em atribuir a autoria de uma afirmação ou declaração a uma fonte especializada, atractiva ou detentora de poder, ou no expôr a causa somente depois de ter apresentado uma série de outras causas menores a que o receptor não dê grande importância, para que em comparação possa parecer  menos má ou melhor.

Qual destas duas vias é de mais fácil implementação? Quando deveremos optar por uma ou por outra? Petty e Cacioppo concluem que a via central é a mais difícil forma de modificar as atitudes, dado, sobretudo, a dificuldade de se construir mensagens altamente persuasivas. É que se os argumentos inventados não forem irresistíveis, as pessoas poderão contra-argumentar. Por outro lado, se forem irresistíveis mas demasiado complexos para serem inteiramente compreendidos, os destinatários deixar-se-ão guiar mais pela sua atitude inicial do que  pelos próprios argumentos.  A esta dificuldade, aliás, junta-se igualmente o facto da informação apresentada ter que  provocar no sujeito respostas cognitivas favoráveis à aceitação do que lhe é proposto, bem como a necessidade do receptor estar não só habilitado como também motivado para compreender o conteúdo da comunicação. É, aliás, no campo da motivação que se situa o principal problema a resolver, sempre que o esforço persuasivo incida exclusiva ou basicamente sobre a força dos respectivos argumentos: como motivar alguém a prestar atenção e a pensar sobre o que temos para lhe dizer? Tudo isto faz com que em certos casos, a via central, que aposta na atenção e compreensão da mensagem, tenha que ser preterida em favor de uma persuasão via periférica, que não exige um nível tão acentuado de pensamento activo nem incide sobre informação relevante para a compreensão da questão em aberto. Segundo o quadro geral de entendimento proposto por Petty e Cacioppo para a compreensão da modificação de atitudes, saber então quando se deve optar por uma ou outra destas duas vias de persuasão é uma questão que só pode ser resolvida em concreto, conhecidos que sejam a força dos argumentos e a capacidade de elaboração do auditório: se é alta a probabilidade de elaboração por parte do receptor e se os argumentos são persuasivamente fortes, a via central pode ser a melhor estratégia a seguir; se, pelo contrário, é baixa a probabilidade de elaboração e os argumentos são fracos, nesse caso, a melhor estratégia será o recurso à via periférica

Por muito sedutora que seja esta proposta de Petty e Cacioppo, não parece possível isentá-la de alguns reparos, nomeadamente, quando confrontada com o conceito de persuasão crítica que vimos sustentando, ao qual, em nossa opinião, não se ajusta. É o caso, por exemplo, da excessiva generalização empreendida pelos respectivos autores, que, na ânsia de uma grande síntese, viram-se forçados a deixar de lado muitas das particularidades de cada uma das diferentes investigações, teorias e situações persuasivas que lhes serviram de referência. Foram assim conduzidos, em nome de um único e algo arbitrário princípio unificador – o princípio do pensamento  activo – à separação entre a persuasão que enfatiza a informação de que o receptor dispõe sobre a questão em aberto (via central) e a persuasão que se orienta e rege por factores e motivos que parecem não possuir qualquer relevância informativa ao nível da apreciação da causa (via periférica), tais como sublinhar a credibilidade do comunicador ou as consequências da não adopção da solução proposta, a administração de recompensas e punições, a atractibilidade da mensagem ou da sua apresentação e um muito vasto leque de técnicas ou procedimentos persuasivos mais virados directamente para a decisão ou acção do receptor do que para a sua compreensão da respectiva mensagem. O resultado foi o agrupar em cada um dos lados (via central e via periférica), distintas investigações cuja autonomia e diversidade  tendem a passar despercebidas quando classificadas apenas em função da informação relevante sobre a questão em apreço

Por outro lado, independentemente dessa falta de homogeneidade teórica no interior de cada uma das referidas vias de persuasão, o critério subjacente à classificação dicotómica de Petty e Cacioppo levanta alguns problemas de difícil solução, a nível interpretativo. Que devemos entender por informação relevante para a compreensão da mensagem? A informação pré-existente no receptor sobre o assunto em causa  ou a que lhe é fornecida pela própria mensagem? E a sua relevância deverá ser apreciada em termos objectivos e universais, ou pelo contrário, avaliar-se-á segundo as necessidades próprias de cada auditório? 

Finalmente, uma questão relacionada com os limites ético-filosóficos da persuasão. Referimo-nos exactamente à pretensa autonomia da via periférica nos moldes em que os autores a deixam entender, nomeadamente, na afirmação com que terminam o seu livro: “se os únicos argumentos disponíveis são fracos ou se a probabilidade de elaboração é baixa, então a via periférica será a estratégia mais indicada” 128. É que, de acordo com a orientação que temos vindo a desenvolver, o que parece mais indicado quando os argumentos são fracos é, simplesmente, não argumentar. Se nós próprios reconhecemos a fraqueza dos argumentos, que legitimidade teríamos para tentar influenciar o nosso interlocutor? É certo que, em alguns casos, para persuadir alguém sem qualquer infracção ética, não precisamos sequer de acreditar nas razões que lhe expomos, de reconhecê-las como suficientemente fortes para nos convencerem, bastando que tenhamos a convicção íntima de que são boas para essa pessoa ou por ela vistas como tais. De facto, contrariamente ao pensamento comum, nem sempre é rigorosamente necessário que o vendedor acredite no seu próprio produto. Basta-lhe a convicção de que há pessoas (clientes) para quem esses produtos são, na verdade, a melhor solução, dado o seu particular quadro de crenças e valores. Isto quer dizer apenas que a avaliação da força dos argumentos não pode deixar de ter em conta o perfil dos destinatários da persuasão. Outra coisa é admitir que a persuasão se pode ficar pela dita via periférica, ou seja, prescindir da informação necessária para a apreciação do mérito da questão. Fazê-lo, seria incorrer na manipulação mais grosseira do auditório, um pouco à semelhança do ilusionista que chama a atenção sobre a mão vazia só para esconder o que tem na outra, que mantém fechada. A persuasão discursiva que está no centro da nova retórica reparte-se pelo ethos, pelo logos e pelo pathos mas não prescinde de uma dimensão crítica fundada na ética da discutibilidade. Impõe-se, por isso, reconhecer o primado da via central em todo o acto persuasivo, embora sem menosprezar o importante papel que a via periférica pode desempenhar para a ele se aceder. Deste modo, poderemos encarar estas duas vias como complementares em vez de alternativas, pois a inserção humana e relacional de todo o processo de persuasão fatalmente leva a que, em maior ou menor grau, ambas estejam sempre presentes.

 

2.4. O modelo hipnótico da persuasão  

Parecerá surpreendente ou até despropositado chamar a hipnose a um estudo sobre a retórica - enquanto técnica de persusão discursiva - principalmente quando se pretende privilegiar a sua dimensão crítica. É que o simples enunciar da palavra hipnose pode remeter-nos, tão somente, para um cenário de submissão, de interrupção dos processos lógicos e enfraquecimento da vontade de um sujeito  (hipnotizado) que sucumbe à manipulação mais ou menos autoritária de outro (hipnotizador). A hipnose estaria pois nos antípodas da nova retórica, pelo que a pertinência da sua convocação resumir-se-ia, quando muito, a uma utilidade meramente comparativa. E ainda assim, apenas para ilustrar o que a retórica não é, nem deve ser.

A hipótese que aqui queremos formular vai, porém, num outro sentido. Funda-se na convicção de que, sob o ponto de vista da relação com o outro, logo, ao nível comunicacional, entre retórica e hipnose as diferenças serão mais de grau ou intensidade do que de natureza. Esta afirmação carece, no entanto, de um prévio esclarecimento sobre a particular acepção de hipnose 129 que aqui acolhemos. Por um lado, porque até ao momento, “não existem teorias exaustivas que expliquem a hipnose.Todas as teorias são parciais. Cada uma fornece uma explicação a um certo nível” 130 e por outro, porque mesmo no domínio terminológico, subsistem distinções cuja relevância varia de autor para autor 131. Subjacente a esta falta de unidade teórica sobre a hipnose, está uma questão que permanece por resolver: a de saber se o estado hipnótico “contém algo de específico ou unicamente os elementos introduzidos pelo hipnotizador” 132.  Para uns 133, a hipnose não é mais do que sugestão. Para outros, é de admitir “a existência específica de um estado hipnótico assente sobre uma base quase orgânica”, 134 chegando Chertok a defini-lo como um “quarto estado do organismo, actualmente não objectivável (ao inverso de três outros: a vigília, o sono, o sonho): uma espécie de potencialidade natural, de dispositivo inato....” 135. Seja, porém, qual for o desfecho desta polémica, notemos que ela se centra muito mais sobre a causa primeira da hipnose do que nas condições e factores que lhe dão origem, para além de igualmente não questionar a positividade dos seus efeitos. Estes últimos viriam mesmo a ser devidamente certificados, em 1959, quando a Comissão da British Medical Association  estabeleceu a seguinte definição:

[A hipnose é] ...um estado passageiro de atenção modificada no sujeito, estado que pode ser produzido por uma outra pessoa e no qual diversos fenómenos podem aparecer espontaneamente ou em resposta a estímulos verbais ou outros. Estes fenómenos compreendem uma modificação da consciência e da memória, uma susceptibilidade acrescida à sugestão e o aparecimento no sujeito de respostas e ideias que não lhe são familiares no seu estado de espírito habitual  136. 

Se atentarmos bem nesta insuspeita definição, não poderemos deixar de descortinar uma assinalável semelhança entre a descrição nela contida e o que em grande parte se passa no processo de persuasão inerente a toda a situação retórica. É que, como diz Mambourg, “toda a interacção entre duas pessoas conduz a uma modificação do estado de consciência e a respostas diversas e imprevisíveis como o riso, o choro, a cólera, a empatia, os envolvimentos públicos ou secretos, o sofrimento, o prazer, etc.” 137. Tal modificação, no entanto, varia de intensidade conforme o contexto, o tipo de relação e os efeitos visados em cada situação interaccional. O que equivale a dizer que “certos tipos de relações interpessoais provocam um estado de consciência modificada mais profundo do que outros. É o caso de situações onde a relação é notoriamente complementar: relações pais/filhos, patrão/empregado, juiz/arguido, comandante/soldado e, entre outras, a relação médico/paciente” 138. A relação orador/auditório não pode pois deixar de ser igualmente compreendida à luz da modificação do estado de consciência que nela e por ela se opera, ainda que sem a profundidade que caracteriza a relação hipnotizador/hipnotizado. Neste sentido, o acolhimento da definição avançada pela Comissão da British Medical Association, constitui, por si só, um primeiro enquadramento da nossa hipótese na similitude estrutural e figurativa em que pensamos a retórica e a hipnose. Mas a afirmação de que as diferenças entre uma e outra serão mais de grau ou intensidade do que de natureza, ganhará em rigor e possibilidade de aplicação prática, se a fizermos incidir fundamentalmente sobre a fase do processo hipnótico em que o sujeito permanece no estado de vigília. Ou seja, aquele maior ou menor  lapso de tempo que decorre entre o início da chamada indução hipnótica e o “mergulhar” no estado de hipnose. Porque é aí que se joga o sucesso ou o fracasso da sessão hipnótica, que a eficácia das técnicas usadas pelo hipnotizador será submetida à prova de fogo, que a força persuasiva dos seus “argumentos” ditará ou não a “adesão” do paciente. É verdadeiramente nessa fase que a hipnose se mostra passível de confronto com a situação persuasiva em que tem lugar a retórica. Pela simples razão de que para que se possa falar de persuasão será sempre necessário que se verifique uma condição: que a pessoa a quem queremos persuadir não esteja já (por sua própria iniciativa) na disposição de pensar o que pretendemos que pense ou de agir como intentamos que aja. Não persuadimos a caminhar quem já se encontra a fazê-lo ou com predisposição para o fazer. E, por conseguinte, também não podemos falar de persuasão a partir do momento em que o sujeito está hipnotizado, pois aí, o natural enfraquecimento das suas defesas psíquicas e físicas  leva a uma anormal redução da capacidade crítica que mantém habitualmente no estado de vigília. Nesse estádio da hipnose, o sujeito já está predisposto para aceitar a sugestão, para a pôr em prática sem a submeter ao crivo do seu raciocínio, pelo menos nos moldes em que o faria antes da respectiva indução hipnótica. É certo que algumas situações retóricas, nomeadamente, as mais emotivas e, em especial, quando lideradas por oradores virtuosos, podem, por vezes, dar origem a estados de passividade ou mimetismo do auditório (ainda que não intencionalmente provocados). A verdade, porém, é que o grau ou intensidade da redução de capacidade crítica que daí deriva, é incomensuravelmente inferior ao que se observa em qualquer estádio de hipnose média ou profunda 139. Daí que restrinjamos o campo de aplicação da nossa hipótese à fase da indução hipnótica, onde o sujeito, partindo do estado de vigília (tal como na retórica), isto é, de uma situação em que mantém o seu livre raciocínio, passa por um estádio intermédio de sugestibilidade aumentada  e, finalmente,  “cai” em hipnose. O facto de o método de sugestão verbal ocupar um lugar de grande relevo entre as diversas técnicas de indução hipnótica, só vem confirmar que,  na retórica como na hipnose, é visível a centralidade de um processo de comunicação cujos mecanismos e efeitos podem ser compreendidos à luz de uma grelha analítica comum: a tríade aristotélica ethos-logos-pathos. Para tanto, basta que  substituamos o orador pelo hipnotizador, a argumentação retórica pela indução hipnótica (verbal) e o auditório pelo paciente. Ao triângulo da argumentação suceder-se-á assim o triângulo da hipnose.

A adesão como critério de eficácia, a adaptação ao auditório (ou paciente), o uso da linguagem, a forma de dizer, o encadeamento de ideias ou argumentos intimamente solidários entre si, a ordem da sua apresentação, o efeito de presença e as figuras de estilo, são apenas alguns dos inúmeros critérios e recursos preponderantes tanto no discurso e na acção do orador como do hipnotizador. Mas é sem dúvida ao nível do ethos que a afinidade entre ambos melhor pode ser estabelecida, porque tal como sucede na retórica, o poder de influência do hipnotizador não deriva nunca exclusivamente das técnicas que usa. A condição primeira da sua força persuasiva advém-lhe do seu carácter, ou, melhor dizendo, do carácter que revela, do modo como se torna digno de confiança e das qualidades que o paciente nele possa reconhecer.  E se a credibilidade do orador retórico joga um papel decisivo no processo de persuasão - na medida em que, por si só, desperta ou justifica a atenção do auditório e nele faz emergir um sentimento de confiança moral e técnica nos seus argumentos - por maioria de razão, terá que estar presente na indução hipnótica. É que, diferentemente do que se passa na retórica, onde o sujeito é persuadido, basicamente, a imprimir uma diferente direcção ao seu raciocínio e à sua decisão, na hipnose, a adesão do paciente incide sobre o progressivo abandono ou redução da sua própria capacidade de raciocinar e de decidir autonomamente. Logo se vê, então, como embora orientadas para um objectivo geral comum – a modificação de atitudes e comportamentos – retórica e hipnose correspondem, no entanto, a processos de influência de diferente grau ou intensidade, ao nível da acção sobre o outro. Processos que nem sempre é fácil distinguir por ser praticamente impossível eleger um critério objectivo e inequívoco para estabelecer com segurança se, em dado momento, o sujeito se encontra ou não sob influência hipnótica. Ora é justamente este ponto que pretendemos realçar - a inexistência de uma rigorosa fronteira entre os dois fenómenos. De um lado, a retórica, em que o predomínio da discutibilidade crítica é inseparável do registo de sensibilidade em que se inscrevem os estados emocionais do auditório. Do outro, a indução hipnótica, cuja focalização sensorial e subjectiva reduz, mas não chega nunca a anular, a capacidade de raciocínio do paciente (nem mesmo no mais profundo estádio hipnótico), pois, de outra forma, ele ficaria sem poder compreender e agir em conformidade com as sugestões do hipnotizador. Confirma-o D.-L. Araoz, citado por Yves Halfon, quando destaca que “o hipnoterapeuta põe o acento sobre a imagem e não a razão; sobre a sensação e não a lógica; sobre o afecto e não a compreensão, se bem que a razão, a lógica e a compreensão não sejam totalmente negligenciados na hipnose” 140.

A mesma indeterminação ou ambiguidade pode ser detectada ao nível da linguagem e demais recursos persuasivos, pois a estreita vizinhança das técnicas discursivas presentes tanto na retórica como na hipnose leva a que, em cada uma, seja frequente a utilização de procedimentos mais conotados com a outra. É o caso, por exemplo, da metáfora. Tradicionalmente associada à retórica, ela surge também como recurso hipnoterapêutico tão valioso que Bertoni, psiquiatra e investigador associado ao Grupo de investigadores sobre comunicações, da Universidade de Nancy, não hesita em dizer: “nada melhor do que a metáfora permite esclarecer-nos sobre as crenças, os desejos, as intenções que presidem às relações que o paciente mantém com o mundo...” 141. A utilização da metáfora na hipnose vai, contudo, muito para além desta sua função hermenêutica. O facto de a indução hipnótica se apoiar num específico uso da linguagem que, seguindo a terminologia de Austin, poderemos descrever como uma série de actos perlocucionais, faz com que o dizer do hipnotizador se assuma, ao mesmo tempo, como um fazer, um actuar sobre a radical interioridade do paciente, que o mesmo é dizer, sobre a esfera mais básica e essencial da sua vivência. Além disso, o discurso do hipnotizador, os seus comandos, as suas sugestões, apelam para o novo, para uma mudança cujos efeitos são por ele antecipadamente anunciados, mas que o paciente verdadeiramente só reconhecerá depois de os experienciar. E é esta remissão para o domínio do vivo e do novo que a expressão literal se mostra incapaz de efectuar. Ora, como se sabe, a metáfora acrescenta sempre um mais de sentido do que o faria a correspondente expressão literal, já que, como refere Innerarity , ela “mostra o indizível enquanto indizível na sua radical singularidade” 142.

Um segundo exemplo tem a ver com as técnicas de focalização da atenção inerentes à hipnose que, embora sem a mesma intensidade, se revelam também muito úteis, quando não, imprescindíveis, na recepção dos argumentos proferidos pelo orador.  Com efeito, o que a indução hipnótica põe em marcha não é outra coisa senão uma redução do campo de consciência do paciente, que, partindo de uma situação inicial de vigília em que a sua atenção se encontra dispersa por tudo o que ocorre à sua volta, é levado a concentrar-se cada vez mais em si mesmo e na relação que mantém com o hipnotizador. E são dois os principais efeitos que daqui decorrem: “por um lado, a imobilidade do corpo que fica indiferente a todos os estímulos exteriores para além da voz do terapeuta, por outro, uma vivacidade da atenção do sujeito a tudo o que se passa nele e por ele, ligada à possibilidade de uma proliferação imaginária” 143. Dá-se assim uma focalização da atenção que, sendo particularmente intensa no caso da hipnose, nem por isso deixa de estar igualmente presente, como diz Cudicio, “em outros tipos de interacções que têm por fim influenciar ou convencer. O orador que se dirige aos seus auditores, olha-os, interpela-os, serve-se dos seus motivos de preocupação para melhor destacar quaisquer pontos de vista que, em seguida, lhe servirão de base para modificar, segundo a sua conveniência, as posições e os sinais daqueles que o escutam” 144.  Descobrir o que mais preocupa o auditório, aquilo a que atribui mais significado, interesse ou valor, insere-se numa estratégia que visa prender a sua atenção, despertando-lhe o desejo de escutar o que o orador tem para lhe dizer. O que constitui uma condição prévia da argumentação a que nenhum orador se pode furtar, pois como diz Perelman, “é preciso que um discurso seja escutado” 145 para que possa ter lugar o contacto de espíritos entre orador e auditório, próprio de toda a relação retórica. Logo, enquanto condição necessária tanto à retórica como à indução hipnótica, a focalização da atenção dos interlocutores oferece-se como ponto de partida ideal para a compreensão da proximidade processual entre uma e outra. E senão vejamos: em que consiste e como se realiza essa focalização da atenção? Todos sabemos como numa situação ou estado normal a nossa atenção permanece mais ou menos distribuída por um sem número de factos ou estímulos. A imagem e o som do televisor, o tocar do telefone, o amigo que nos bate à porta, a temperatura que faz na sala, o sol que nos entra pela janela, o conforto do sofá sobre o qual repousamos, o fumo de um cigarro entre os dedos, o jornal que folheamos algo displicentemente, são apenas algumas das percepções quase simultâneas que a nossa memória imediata se encarrega de manter perfeitamente disponíveis, ao alcance da nossa consciência. Trata-se, porém, de uma atenção minimalista, superficial e algo difusa, que, ao não incidir especialmente sobre nada, tudo nos permite ter à mão. Mas imaginemos agora que, a certa altura, somos surpreendidos, no decurso da nossa despreocupada leitura do jornal, por uma notícia que, por este ou aquele motivo, consideramos muito preocupante, ou então, excepcionalmente favorável a um qualquer interesse que nos diz directamente respeito. A nossa curiosidade agudiza-se, a leitura pode tornar-se anormalmente apressada, mas, acima de tudo, por nada deste mundo quereremos perder o menor detalhe de uma informação tão importante. Precisamos pois de prestar a maior atenção ao que é dito na respectiva notícia. Simplesmente, como diz Damásio, “a atenção e a memória de trabalho possuem uma capacidade limitada” 146, o que faz com que esse acréscimo de atenção que passamos a colocar na leitura do jornal, tenha como consequência directa uma correspondente diminuição da atenção sobre aquela pluralidade de factos e acontecimentos sobre os quais mantínhamos até aí um apreciável controlo e vigilância. Isto, no que respeita aos estímulos que nos são exteriores. Mas, com a redução do campo de consciência, é de admitir que um processo análogo ocorra também dentro de nós, ao nível dos conteúdos mentais a que passamos a ter acesso, pois, ainda no dizer de Damásio, “as imagens que reconstituímos por evocação ocorrem lado a lado com as imagens formadas segundo a estimulação vinda do exterior”  147. E, como sustenta este mesmo autor, as imagens são provavelmente o principal conteúdo dos nossos pensamentos, independentemente da modalidade em que são geradas e de serem sobre uma coisa ou sobre um processo que envolve coisas, palavras ou outros símbolos. Logo, retomando o exemplo da notícia do jornal, o embrenharmo-nos profundamente na sua leitura  dá-se à custa de uma focalização da nossa atenção sobre o respectivo texto que, embora necessária à melhor compreensão possível, pode, a partir de determinado nível de intensidade, levar-nos à perda daquelas referências concretas ou idealizadas que normalmente nos asseguram a relativização do raciocínio e da própria avaliação. Ora o esfumar dessas referências só pode levar a uma tendência para a absolutização dos nossos juízos, na medida em que, desaparecendo os padrões comparativos, o que é pensado surge-nos como valendo por si mesmo, ou seja, não é verdadeiro nem falso, não é certo ou incerto, não é preciso nem impreciso. É, simplesmente. E como tal é assumido. Nenhuma comparação, nenhuma resistência: eis o limiar da própria hipnose 148.

A focalização da atenção que acabamos de descrever é a que, em maior ou menor grau, podemos encontrar tanto na indução hipnótica como na retórica, com a diferença de que nestas tal focalização é intencionalmente provocada e já não espontânea, como no exemplo dado. Mas se a sua inserção na indução hipnótica não levanta qualquer problema, pois é justamente para o enfraquecimento dos processos lógicos do paciente que ela se orienta e dirige, o mesmo já não se poderá dizer quanto à retórica, onde a inevitabilidade da sua presença tem que ser articulada com a manutenção da capacidade crítica do auditório. O mesmo é dizer que, se na hipnose o aprofundamento da atenção do paciente parece não encontrar qualquer restrição ou reserva, por se confundir com o próprio efeito por ela visado, já na retórica, o nível de concentração da atenção do auditório não deve nunca ultrapassar aquele limite que faça perigar a respectiva autonomia de raciocínio e liberdade de decisão. Somos assim remetidos para a necessidade dos destinatários da argumentação se manterem atentos ao orador e à sua mensagem, mas conservando sempre a descentração necessária a uma avaliação comparativa e crítica. Determinar, porém, a intensidade máxima de atenção que ainda lhes assegure essas duas condições, é algo que só pode fazer-se em concreto, casuisticamente, pois, na retórica, os efeitos da focalização da atenção parecem funcionar de modo análogo aos dos medicamentos: até certa dosagem são muito úteis e necessários, mas quando tomados em excesso, só podem fazer mal.

Finalmente observemos que os riscos de uma excessiva focalização da atenção do auditório são indissociáveis do grau de sedução do orador e da tonalidade mais ou menos sugestiva do seu discurso. Negá-lo, seria o mesmo que ver no sujeito da persuasão – retórica ou hipnótica – um ser exclusivamente lógico ou então, à boa maneira cartesiana, uma simples união de duas substâncias distintas, o corpo e o espírito, que nos permitiria separar, ao nível das diferentes manifestações humanas, as que respeitam ao corpo e as que derivam do espírito. Mas como bem salienta Roustang, “há uma outra maneira de pensar o ser humano, quer dizer, não mais como união da alma e do corpo ou do espírito e do corpo, mas como unidade vivente onde o espírito é já corpo e onde o corpo é sempre espírito” 149. Tal unidade não pode, contudo, ser compreendida senão num plano holístico. É por isso que Roustang afirma (a propósito do que dá origem à indução hipnótica): “posso dizer que, segundo as circunstâncias, a potência modificadora é o vosso coração ou a pele que recobre o vosso corpo ou o vosso ventre ou os vossos pés que vos sustentam ou tal pensamento ou tal emoção, porque é a relação ao todo que dá a cada um a sua força” 150

É neste regime de totalidade em que inteligência, espírito, liberdade, movimento, sensibilidade, afecto e emoção permanecem como registos inseparáveis no ser humano que poderemos olhar, quer a indução hipnótica quer a persuasão pelo discurso, como passagem de um desses registos a outro. De resto, no caso especial da retórica, sabemos como esta nunca é nem a expressão de uma verdade pura, nem sequer o domínio do certo ou incerto, do correcto ou do incorrecto, mas sim do plausível e consensual. Que sentido teria, então, valorizar as premissas de uma argumentação à luz deste último critério (consenso)  se ao mesmo tempo se desvalorizassem os usos e efeitos da sugestão ou sedução, mesmo quando do agrado geral do auditório? “A racionalidade mergulha as suas raízes naquilo a que os fenomenólogos chamam o mundo da vida” 151. Não há propriamente uma ruptura entre o intelecto e a emoção. Seguindo de perto a feliz expressão de Innerarity, nem a paixão e o prazer estão fora da razão, nem o exercício da inteligência é uma disciplina insuportável 152. Parece-nos, pois, que a desejável  dimensão crítica da retórica em nenhum caso deve degenerar numa discutibilidade estritamente intelectualizada, sob pena de se cair numa logicização do homem em muito idêntica à mera categorização das coisas. E, no entanto, em nosso entender, seria a isso que nos conduziria a retirada da emoção, da sugestão e da sedução do interior de todo e qualquer processo argumentativo.

A distinção entre retórica e indução hipnótica não se centra, por isso, numa diferença de natureza do respectivo processo de comunicação que, em muitos casos, é igualmente verbal, persuasivo, metafórico, analógico, repetitivo e redutor do campo de consciência do ouvinte. Notemos, aliás, que a própria argumentatividade retórica está sempre mais ou menos presente na indução hipnótica quer quando o hipnoterapeuta justifica e debate com o paciente (ainda no estado de vigília) as razões ou motivos porque este deve submeter-se à hipnose (fase da argumentação propriamente dita),  quer quando o seu discurso persuasivo não obtém a resposta pretendida ao nível da respectiva somatização ou ainda, quando se expõe à recusa do paciente em aceitar algum dos seus comandos (no limite, quando estes violem o seu código moral). Em qualquer destas situações, o hipnoterapeuta pode ser confrontado com os contra-argumentos do paciente, com a sua resistência à modificação de atitude e comportamento visados pela indução. O mesmo se diga quanto ao predomínio do carácter monológico na comunicação hipnótica, pois se, por um lado, o paciente mergulha num estado de cada vez maior passividade, por outro, mantém e desenvolve uma espécie de comunicação interna 153 que ditará a sua reacção última às instruções hipnóticas, ainda que no domínio não verbal. Algo de semelhante se passa na retórica, como, por exemplo, no caso de um discurso epidíctico ou numa palestra pública: o auditório escuta muito mais do que fala mas sem que deixe alguma vez de reagir (comunicar), quer mentalmente, quer também exteriormente, ao nível da postura física, do gesto ou da expressão facial.

Evidentemente que, apesar dos inúmeros pontos que têm em comum, não há qualquer dificuldade especial em saber se estamos perante uma situação retórica ou uma situação hipnótica. Para tanto, basta atender ao contexto espacial em que decorrem, ao contrato de comunicação subjacente e, principalmente, aos objectivos e efeitos que prosseguem. A entrevista da venda não se confunde com uma consulta hipnoterapêutica, nem a palestra ou conferência pública têm a teatralidade de um espectáculo de hipnose colectiva. O que mais exactamente pretendemos realçar é que, em certas situações, pode ser difícil distinguir entre comunicação retórica e comunicação hipnótica, se para o efeito tomarmos apenas como base as estratégias e as técnicas discursivas que nelas têm lugar. Somos assim confrontados com a extraordinária força perlocutória da palavra e o correspondente imperativo retórico de vigiar a sua intensidade, para que a sempre possível redução da capacidade crítica dos seus destinatários, não ponha em causa o sentido do próprio acto de argumentar.

O estudo comparativo da retórica e da hipnose parece pois amplamente justificado, sempre que se trate de aprofundar o conhecimento sobre o verdadeiro alcance das diferentes técnicas da persuasão discursiva. É que, se não em acto, ao menos em potência, a hipnose está sempre mais ou menos presente no contexto relacional ou intersubjectivo em que o homem se encontra e reconhece. Não é assim de estranhar que Moscovici faça da sugestão hipnótica o “modelo principal das acções e reacções sociais” 154 e Edgar Morin, em correspondência pessoal trocada com Chertock (em 13.08.1982), tenha afirmado que vê na hipnose “um dos nós górdios para todo o conhecimento, não somente do espírito humano, mas possivelmente, para compreender algo de vital” 155. Por outro lado, desde sempre que a retórica é, como se sabe, técnica de argumentar mas também arte de persuadir. E isso pressupõe, não só lucidez crítica, engenho e imaginação, como também apurado sentido estético, sensibilidade e emoção. A investigação de Damásio  veio atestar o que até aí não passava de uma mera conjectura teórica: inteligência e emoção são indissociáveis na nossa racionalidade. E a relação de interdependência entre uma e outra é de tal ordem que, isoladamente, nenhuma delas cumpre sequer a específica função que ao nível do senso comum sempre lhe foi atribuída.  Recordemos que embora a inteligência seja habitualmente relacionada com a capacidade de análise e de cálculo lógico - ao mesmo tempo que a emoção, neste tipo de operações, surge como fonte de perturbação do respectivo raciocínio - a verdade é que o paciente de Damásio não conseguia resolver satisfatoriamente pequenos problemas do dia-a-dia, apesar de manter intactas todas as suas faculdades intelectuais. Uma retórica orientada exlusivamente para o intelecto seria, portanto, um equívoco. Mas se a sensibilidade e a emoção nela podem jogar um papel determinante, então, já não restam quaisquer dúvidas sobre as vantagens do recurso ao conhecimento hipnótico. Porque é através da indução hipnótica que melhor se pode avaliar a real extensão e profundidade dos efeitos perlocutórios ou somáticos da palavra, enquanto mediador comum aos dois fenómenos. E nessa medida, o orador poderá ficar com uma noção mais aproximada quer do tipo quer da intensidade dos efeitos que se podem seguir se usar esta ou aquela expressão, este ou aquele procedimento. Alguns desses efeitos serão perfeitamente adequados aos objectivos de uma argumentação crítica. Outros, evidentemente que não. Terá, por isso, que decidir sobre quais os recursos retóricos por que deve optar. Essa sua decisão exige, como é natural, uma avaliação prévia dos respectivos efeitos, pelo menos, a dois níveis: ao nível da eficácia da própria retórica, onde a utilização de procedimentos hipnóticos pode potenciar a persuasividade do seu discurso mas também ao nível da intenção ética subjacente à sua argumentação, onde o conhecimento hipnótico lhe permitirá vislumbrar mais rapidamente e com maior clareza os inconvenientes desta ou daquela opção argumentativa.



1 Perelman, C., Retóricas, S. Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 217

2 Ibidem

3 Breton, P., A argumentação na comunicação, Lisboa: Publicações D. Quixote, 1998, p. 29

4 Breton, P., A argumentação na comunicação, Lisboa: Publicações D. Quixote, 1998, p. 31 

5 Breton, P., A argumentação na comunicação, Lisboa: Publicações D. Quixote, 1998, p. 33 

6 Meyer, M., Questões de retórica: linguagem, razão e sedução, Lisboa: Edições 70, Lda., 1998,  p. 19

7 Ricoeur, P., O Justo ou a essência da Justiça, Lisboa: Instituto Piaget, 1997, p. 9

8 Ibidem, p. 22

9 Meyer, M., Questões de retórica: linguagem, razão e sedução, Lisboa: Edições 70, Lda., 1998,  p. 26

10 Ibidem, p. 29

11 Ibidem

12 Meyer, M., Questões de retórica: linguagem, razão e sedução, Lisboa: Edições 70, Lda., 1998,  p. 29

13 Ibidem, p. 31

14 Ibidem

15 Cf. Meyer, M., Questões de retórica: linguagem, razão e sedução, Lisboa: Edições 70, Lda., 1998,  p. 33

16 Ibidem

17 Cf. Aristóteles, Retórica, Madrid: Alianza Editorial, 1998, p. 57

19 Meyer, M., Questões de retórica: linguagem, razão e sedução, Lisboa: Edições 70, Lda., 1998,  p. 35

20 Ibidem

21 Ibidem, p. 44

22 Meyer, M., Questões de retórica: linguagem, razão e sedução, Lisboa: Edições 70, Lda., 1998,  p. 45

23 Meyer, M., As bases da retórica, in Carrilho, M. (org.), Retórica e Comunicação, Porto: Edições ASA, 1994, p. 63

24 Meyer, M., Questões de retórica: linguagem, razão e sedução, Lisboa: Edições 70, Lda., 1998,  p. 46

25 Meyer, M., Questões de retórica: linguagem, razão e sedução, Lisboa: Edições 70, Lda., 1998,  p. 26

26 Pereira, O., Cepticismo e argumentação, in Carrilho, M. (org.), Retórica e comunicação, Porto: Edições ASA, 1994,  p. 152

27 Ibidem,  p.154

28 Habermas, J., Técnica e ciência como ideologia, Lisboa: Edições 70, 1997, p. 36

29 Sartre, J. e Ferreira, V., O Existencialismo é um humanismo, Lisboa: Editorial Presença, 1978, p. 250

30 Ferreira, V., II-Existencialismo, in Sartre, J. e Ferreira, V., O Existencialismo é um humanismo, Lisboa: Editorial Presença, 1978, p. 104

31 Touraine, A., Crítica da Modernidade, Lisboa: Instituto Piaget, 1994,  p. 310

32 Breton, P., A argumentação na comunicação, Lisboa: Publicações D. Quixote, 1998, p. 13

33 Reboul, A., Introdução à retórica, S. Paulo: Martins Fontes,1998,  p. XX

34 Platão, Górgias, Lisboa: Edições 70,1997, p. 61

35 Aristóteles, Retórica, Madrid: Alianza Editorial, 1998, p. 51

36 Grácio, R., Introdução à tradução portuguesa, in Perelman, C., O império retórico, Porto: Edições ASA, 1993, p. 9

37 Perelman, C., L’usage et l’abus des notions confuses, in Éthique et Droit, Éditions de l’Université de Bruxelles, 1990, p. 817

38 Equivalente à diferença entre um uso crítico e um uso manipulador.

39 Atente-se no violento ataque que Platão faz à retórica na sua obra Górgias,  pp. 47-82

40 Meyer, M., Questões de retórica: linguagem, razão e sedução, Lisboa: Edições 70, Lda., 1998,  p. 47

41 Meyer, M., Questões de retórica: linguagem, razão e sedução, Lisboa: Edições 70, Lda., 1998,  p. 47

42 Perelman, C., Retóricas, S. Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 51

43 Em que se opta pela omissão ou pela mentira piedosa para evitar o choque de verdades brutais e desumanas 

44 Reboul, A ., Introdução à retórica, S. Paulo: Martins Fontes, 1998,  p. 99

45 Perelman, C., Retóricas, S. Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 367

46 Reboul, A., Introdução à retórica, S. Paulo: Martins Fontes,1998,  p. 99

47 Meyer, M., As bases da retórica, in Carrilho, M. (org.), Retórica e Comunicação, Porto: Edições ASA, 1994, p. 69

48 Grácio, R., Racionalidade argumentativa, Porto: Edições ASA, 1993, p. 103

49 Cit. in. Grácio, R., Racionalidade argumentativa, Porto: Edições ASA, 1993, p. 104

50 Aristóteles, Retórica, Madrid: Alianza Editorial, 1998, p. 50

51 Cit. in Grácio, R., Racionalidade argumentativa, Porto: Edições ASA, 1993, p. 148

52 Grácio, R., Racionalidade argumentativa, Porto: Edições ASA, 1993, p. 103

53 Meyer, M., As bases da retórica, in Carrilho, M. (org.), Retórica e Comunicação, Porto: Edições ASA, 1994, p. 70

54 Elias, N., A sociedade dos indivíduos, Lisboa: Publicações D. Quixote, 1993, p. 199

55 Elias, N., A sociedade dos indivíduos, Lisboa: Publicações D. Quixote, 1993,  p. 42

56 Ibidem

57 Ibidem, p. 43

58 Perelman, C., Retóricas, S. Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 90

59 Perelman, C., Retóricas, S. Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 87

60 Ibidem, p. 313

61 Giddens, A., Consequências da Modernidade, Oeiras: Celta Editora, 1996, p. 102

62 Ibidem, p. 85

63 Cabral, M., in Rebelo, J. (Org.), Saber e poder, Lisboa: Livros e Leituras, 1998, p. 109

65 del Pino, C., Los discursos de la mentira, in del Pino, C. (Org.), El discurso de la mentira, Madrid: Alianza Editorial, 1998, p. 164

66 Lozano, J., La mentira como efecto de sentido, in del Pino, C. (Org.), El discurso de la mentira, Madrid: Alianza Editorial, 1998, p. 140

67 Cit. in Carmen, M., La máscara y el signo:modelos ilustrados, in del Pino, C. (Org.), El discurso de la mentira, Madrid: Alianza Editorial, 1998, p. 81

68 Goffman, E., A Apresentação do eu na vida de todos os dias, Lisboa: Relógio D’Água,1993, p. 297

69 Ibidem 

70 Goffman, E., A Apresentação do eu na vida de todos os dias, Lisboa: Relógio D’Água,1993, p.14

71 Ibidem, p.17

72 Goffman, E., A Apresentação do eu na vida de todos os dias, Lisboa: Relógio D’Água,1993, p. 19

73 Perelman, C., O império retórico, Porto: Edições ASA, 1993, p. 172

74 Perelman, C., Tratado da argumentação, S. Paulo: Martins Fontes, 1999,  p. 16

75 Ibidem, p. 6

76 Ibidem, p. 9

77 Perelman, C., Tratado da argumentação, S. Paulo: Martins Fontes, 1999,  p. 8

78 Ibidem, p. 51

79 Ibidem, p. 61

80 Perelman, C., Retóricas, S. Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 82

81 Perelman, C., Tratado da argumentação, S. Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 55

82 Ibidem, p. 8

83 Perelman, C., Retóricas, S. Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 82

84 Damásio, A., O Erro de Descartes, Mem Martins: Publicações Europa-América, (15ª. ed.), 1995, p. 172

85 Ibidem

86 Cit. in Goleman, D., Inteligência Emocional, Lisboa: Círculo dos Leitores, 1996,  p. 11 

87 Damásio, A., O Erro de Descartes, Mem Martins: Publicações Europa-América, (15ª. ed.), 1995, p. 13

88 Damásio, A., O Erro de Descartes, Mem Martins: Publicações Europa-América, (15ª. ed.), 1995, p. 14

89 Inscrição na contracapa do livro Damásio, A., O Erro de Descartes, Mem Martins: Publicações Europa-América, (15ª. ed.), 1995 

90 Segundo Damásio, o conhecimento factual que é necessário para o raciocínio e para a tomada de decisões chega à mente sob a forma de imagens.

91 Cfr.  Damásio, A., O Erro de Descartes, Mem Martins: Publicações Europa-América, (15ª. ed.), 1995, p. 183

92 Damásio, A., O Erro de Descartes, Mem Martins: Publicações Europa-América, (15ª. ed.), 1995, pp.184 ss

93 Damásio, A., O Erro de Descartes, Mem Martins: Publicações Europa-América, (15ª. ed.), 1995,  p. 185

94 Damásio, A., O Erro de Descartes, Mem Martins: Publicações Europa-América, (15ª. Ed.), 1995, p. 187

95 Frade, P., Comunicação, in Carrilho, M. (Org.), Dicionário do Pensamento Contemporâneo, Lisboa: Publicações D. Quixote,1991, p. 52

96 Perelman, C., Retóricas, S. Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 59

97 Ibidem

98 Soares, M., Retórica e Política, in Revista Comunicação & Política, Rio de Janeiro: Centro de Estudos Superiores Latino-Americanos, 1996, vol. III, nº. 2, nova série, Maio-Agosto. Murilo Soares é Professor de Sociologia da Comunicação,  na Fac. de Arq., Artes e Comunicação da  UNESP,  São Paulo, Brasil.

99 Meyer, M., Questões de retórica: linguagem, razão e sedução, Lisboa: Edições 70, Ldª., 1998, p. 26

100 Bellenger, L., La Persuasion, Paris: Presses Universitaires de France, 1996, p. 8

101 Breton, P., A argumentação na comunicação, Lisboa: Publicações D. Quixote, 1998,  p. 13

102 Breton, P., A argumentação na comunicação, Lisboa: Publicações D. Quixote, 1998,  p. 13

103 Perelman, C., O império retórico, Porto: Edições ASA, 1993, p. 21

104 Grácio, R., Consequências da retórica, Coimbra: Pé de Página Editores, 1998, p. 78

105 Cit. in De Fleur, M. e Ball-Rokeach, Teorías de la comunicación de masas, Barcelona: Ediciones Paidós Ibérica, S. A., 1993,  p. 352

106 Bitti, P. e Zani, B., A comunicação como processo social, Lisboa: Editorial Estampa, (2ª. ed.), 1997,  p. 238

107 Ibidem

108 Petty, R. e Cacioppo, J., Attitudes and Persuasion: Classic and Contemporary Approaches, Oxford: Westview Press, 1996,  p. XV 

109 in Petty, R. e Cacioppo, J., Attitudes and Persuasion: Classic and Contemporary Approaches, Oxford: Westview Press, 1996, p. 8 

110 Breton, P., A argumentação na comunicação, Lisboa: Publicações D. Quixote, 1998,  p. 24

111 Bitti, P. e Zani, B., A comunicação como processo social, Lisboa: Editorial Estampa, (2ª. ed.), 1997,  p. 247 

112 Bitti, P. e Zani, B., A comunicação como processo social, Lisboa: Editorial Estampa, (2ª. ed.), 1997, p. 248

113 Cit. in Petty, R. e Cacioppo, J., Attitudes and Persuasion: Classic and Contemporary Approaches, Oxford: Westview Press, 1996, p. 47 

114 Cit. in Petty, R. e Cacioppo, J., Attitudes and Persuasion: Classic and Contemporary Approaches, Oxford: Westview Press, 1996, p. 49

115 Janis e Feshbach [1953] cit. in Bitti, P. e Zani, B., A comunicação como processo social, Lisboa: Editorial Estampa, (2ª. ed.), 1997, p. 249

116 Bowers e Osborn [1966], cit. in ibidem

117 Bitti, P. e Zani, B., A comunicação como processo social, Lisboa: Editorial Estampa, (2ª. ed.), 1997, p. 250

118 Ibidem, p. 251

119 Ibidem, p. 250

120 Cf. Petty, E. e Cacioppo, J., Attitudes and Persuasion: Classic and Contemporary Approaches, Oxford: Westview Press, 1996, p. 74

121 Cit. in Bitti, P. e Zani, B., A comunicação como processo social, Lisboa: Editorial Estampa, (2ª. ed.), 1997, p. 251

122 Cit. in Petty, E. e Cacioppo, J., Attitudes and Persuasion: Classic and Contemporary Approaches, Oxford: Westview Press, 1996, p. 76 

123 Petty, E. e Cacioppo, J., Attitudes and Persuasion: Classic and Contemporary Approaches, Oxford: Westview Press, 1996, p. 83 

124 in Petty, E. e Cacioppo, J., Attitudes and Persuasion: Classic and Contemporary Approaches, Oxford: Westview Press, 1996, p. 82

125 in Petty, E. e Cacioppo, J., Attitudes and Persuasion: Classic and Contemporary Approaches, Oxford: Westview Press, 1996, p. 138

126 Petty, E. e Cacioppo, J., Attitudes and Persuasion: Classic and Contemporary Approaches, Oxford: Westview Press, 1996, p. 225

127  Afirmação que parece compatível com o conceito damasiano de uma racionalidade integradora da emoção e dos afectos. 

128 Petty, E. e Cacioppo, J., Attitudes and Persuasion: Classic and Contemporary Approaches, Oxford: Westview Press, 1996, p. 268

129 Referir-nos-emos aqui, sobretudo, à hipnose psicoterapêutica, por corresponder, incontestavelmente, ao campo de aplicação mais testado pela investigação científica.

130 Chertok, L. L’hypnose, Paris: Éditions Payot, 1989, p. 35

131 Situação muito análoga ao que se passa com a investigação experimental da persuasão

132 Chertok, L. L’hypnose, Paris: Éditions Payot, 1989, p. 33

133 Bernheim e seus seguidores.

134 Chertok, L. L’hypnose, Paris: Éditions Payot, 1989, p. 33

135 Ibidem, p. 260

136 Cit. in ibidem, p. 32

137 Mambourg, P.-H., Du rôle de l’hypnose dans la formation des thérapeutes, in Michaux, D. (Org.), Hypnose, Langage et Communication, Paris: Editions Imago, 1998, p. 209

138 Ibidem

139 Para a classificação dos diferentes estados intermediários entre a plena vigília e o transe profundo, a generalidade dos autores [Chertock, 1989; Liguori, 1979; Eysenck,1956; Rhodes, 1950, etc.] recorre  à conhecida Escala  de Davis e Husband que estabelece quatro graus de hipnose por ordem crescente: estado hipnoidal, transe ligeiro, transe médio e transe profundo. Segundo esta mesma escala, o transe médio e o transe profundo são os únicos estádios da hipnose em que já se registam alterações de personalidade no paciente. 

140 Halfon, Y., Le langage figuratif en hypnose, in Michaux, D. (Org.), Hypnose, Langage et Communication, Paris: Editions Imago, 1998, p. 68

141 Bertoni, N., La métaphore en hypnothérapie des maladies psychosomatiques, in Michaux, D. (Org.), Hypnose, Langage et Communication, Paris: Editions Imago, 1998, p. 156 

142 Innerarity, D., A Filosofia como uma das Belas Artes, Lisboa: Editorial Teorema, Lda., 1996, p. 78

143 Bertoni, N., La métaphore en hypnothérapie des maladies psychosomatiques, in Michaux, D. (Org.), Hypnose, Langage et Communication, Paris: Editions Imago, 1998, p. 151

144 Cudicio, P., Des manipulations mentales, in Michaux, D. (Org.), Hypnose, Langage et Communication, Paris: Editions Imago, 1998, p. 191

145  Perelman, C., O império retórico, Porto: Edições ASA, 1993,  p. 29

146 Damásio, A., O Erro de Descartes, Mem Martins: Publicações Europa-América, (15ª. ed.), 1995,  p. 184. Note-se que Damásio define a “atenção” como capacidade de concentração num determinado conteúdo mental em detrimento de outros, e “memória de trabalho” como consistindo na capacidade de reter informação durante um período de muitos segundos e de a manipular mentalmente (p. 61, op. cit.).

147 Damásio, A., O Erro de Descartes, Mem Martins: Publicações Europa-América, (15ª. ed.), 1995,  p. 124

148 Apesar deste exemplo se relacionar mais directamente com a chamada auto-hipnose, o processo de focalização da atenção que nele se descreve é em tudo idêntico ao da hipnose induzida por uma terceira pessoa. Acresce que, para Chertock, a auto-hipnose é, em geral, mais difícil de obter que a hetero-hipnose, para além de ser tida como incapaz de produzir um transe profundo (p. 196, op. cit.).

149 Roustang, F., L’hypnose est communication, in Michaux, D. (Org.), Hypnose, Langage et Communication, Paris: Editions Imago, 1998, p. 27

150 Roustang, F., L’hypnose est communication, in Michaux, D. (Org.), Hypnose, Langage et Communication, Paris: Editions Imago, 1998, p. 31

151 Innerarity, D., A Filosofia como uma das Belas Artes, Lisboa: Editorial Teorema, Lda., 1996, p. 15

152 Ibidem, p. 24

153 Jean Adrian sustenta que a hipnose permite uma comunicação interna, entre o consciente e o inconsciente (Adrian, J. L’hypnose, outil de communication interne, in Michaux, D. (Org.), Hypnose, Langage et Communication, Paris: Editions Imago, 1998, p. 128). Pela nossa parte, contudo, utilizamos aqui a mesma expressão mais no sentido perelmaniano de uma comunicação do sujeito consigo próprio assente  no diálogo interior que, regra geral, antecede a deliberação íntima.

154 Moscovici, S., L’Âge des foules, Paris: Fayard, 1981, p. 124 

155 Cf. Chertok, L. L’hypnose, Paris: Éditions Payot, 1989, p. 235