AS NOTÍCIAS E OS SEUS EFEITOS

AS “TEORIAS” DO JORNALISMO E DOS EFEITOS SOCIAIS DOS MEDIA JORNALÍSTICOS

 

Jorge Pedro Sousa, Universidade Fernando Pessoa

1999

 

PRÓLOGO

Este livro diz respeito a uma realidade que nos cerca e que é largamente comentada e, quantas vezes, superficialmente criticada no meio social: o jornalismo.  Por esta razão, trata-se de um texto com intenções predominantemente pedagógicas.  Mas quando aqui falo de pedagogia, não quero com isto dizer que este seja um livro dirigido unicamente aos estudantes de jornalismo e comunicação.  Pelo contrário.  Este livro pretende chegar a todos os que se interessam pelos meios de comunicação jornalística.  Através dele, procurarei exercer uma espécie de pedagogia social, contribuindo para afastar a crítica fácil do campo dos media jornalísticos, e, em contrapartida, contribuindo igualmente para permitir uma crítica fundamentada e pertinente do jornalismo.

Apesar de se dirigir a um público vasto, não será menos verdade que, sendo este um livro sobre jornalismo, nele procurarei aplanar o caminho aos jornalistas, aos que intentam tornar-se jornalistas e estudam jornalismo, aos profissionais equiparados e equiparáveis e àqueles que apenas querem saber mais sobre a actividade jornalística.  É, assim, um livro que aborda formulações teóricas, que, na minha opinião, são esclarecedoras e contextuais, mas também problemáticas. 

Este não é um livro amorfo ou sem ponto de vista. Por isso, em frequentes passagens, não me abstive de assumir posições pessoais..

Na primeira parte do livro, abordo a teoria e a história do jornalismo, consagrando atenção especial à imprensa.  Tento explicar “por que é que as notícias são como são” e “por que é que temos umas notícias e não outras”, entrando no domínio da “Teoria” da Notícia e sugerindo um modelo explicativo para as mesmas, baseado na interacção de cinco forças: acção pessoal, acção social, acção ideológica, acção cultural e acção tecnológica, todas elas modeladas por uma sexta força: a história. 

Na segunda parte, atento nos efeitos da comunicação social jornalística, descrevendo perspectivas e “teorias” diferenciadas, desde as primeiras hipóteses behavioristas e funcionalistas às relativamente recentes “teorias” do agenda-setting ou da espiral do silêncio, entre outras, passando por correntes de pensamento críticas, como a Escola de Frankfurt.

Foi minha ambição procurar que a estrutura deste trabalho permitisse dar uma resposta às necessidades de várias licenciaturas em Jornalismo e Ciências da Comunicação.   Julgo, de facto, que este livro poderá ser usado do primeiro ao último ano desses cursos.  De qualquer modo, não ambiciono a que as páginas aqui escritas sejam mais do que um “texto-guia”, necessariamente não exaustivo, antes sistemático e sintético.  Aponto, aliás, pistas bibliográficas pertinentes para o aprofundamento do estudo.

Este livro será tanto mais útil quanto mais contribuir para lançar luz sobre o jornalismo e os jornalistas.  Se, além disso, este livro contribuir para que os jornalistas e os estudantes de jornalismo encontrem formas de superar os muitos obstáculos que juncam o seu caminho, o esforço será ainda mais recompensado.

Não queria terminar sem deixar uma palavra de agradecimento à minha editora, pois tenho plena consciência que no domínio das publicações científicas e pedagógicas publicar ainda é arriscado.

 

Jorge Pedro Sousa

(1999)

PARTE I

 

AS “TEORIAS” DA NOTÍCIA – EXPLICAÇÕES PARA QUE AS NOTÍCIAS SEJAM AQUILO QUE SÃO

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

Este é um livro sobre jornalismo.  Por consequência, quando aqui falo de notícias, falo delas no sentido jornalístico do termo.  Defini-las-ia, assim, e chamando desde já a atenção para a rudimentaridade da definição que irei dar, como artefactos linguísticos[1] que procuram representar[2] determinados aspectos da realidade e que resultam de um processo de construção e fabrico onde interagem, entre outros, diversos factores de natureza pessoal, social, ideológica, cultural e do meio físico/tecnológico, que são difundidos pelos meios jornalísticos e aportam novidades com sentido compreensível num determinado momento histórico e num determinado meio sócio-cultural, embora a atribuição última de sentido dependa do consumidor da notícia[3].  Registe-se ainda que embora as notícias representem determinados aspectos da realidade quotidiana, pela sua mera existência contribuem para construir socialmente novas realidades e novos referentes[4].

Se bem que a notícia não se esgote na sua produção, fase que compreende essencialmente a recolha, selecção, processamento e hierarquização da informação, provavelmente essa é a etapa que mais concentra as atenções dos estudiosos, paradoxalmente talvez porque é a menos visível.  Por conseguinte, é a fase de que mais falaremos neste livro.  Porém, e como Alsina (1993) faz notar, a essa fase há que juntar a circulação e o consumo, sendo esta última a fase decisiva na outorgação final de sentido, já que é a fase em que intervém o consumidor das mensagens mediáticas. 

De facto, nada garante que aquilo que os agentes que intervêm no processo de construção e fabrico da informação jornalística “põem” na notícia seja aquilo que o consumidor apreende e entende.  E nada garante que o mesmo sentido dado a essas mensagens seja o sentido que lhe é outorgado pelo consumidor.  Se bem que não seja um exemplo jornalístico, eu lembro, neste campo, a famosa campanha publicitária de uma companhia de aviação na qual se realçava o número assombroso de operações de segurança que a companhia fazia aos aviões antes de cada voo e que teve um efeito exactamente ao contrário do pretendido junto de alguns dos receptores porque as pessoas pensaram que se era preciso fazer tantas operações de segurança era porque voar era mesmo perigoso.  Claro está que essa caríssima campanha acabou por ser suspensa.

Michael Schudson (1988) escreveu que poderíamos explicar as notícias em função de três tipos de forças interligadas e interactuantes: uma acção pessoal, uma acção social e uma acção cultural.  Desta forma, e com base na perspectiva do autor, seria possível traçar um quadro explicativo sistemático e global para termos as notícias que temos em cada meio sócio-cultural e em cada momento histórico.  Isto é, com base no modelo schudsodiano não só podemos identificar os principais factores de influência no processo de construção e fabrico das notícias como também podemos integrar essas explicações num paradigma explicativo, com contornos de teoria científica, que se sirva de determinadas denominações desses factores para se tornar de mais fácil apreensão e compreensão.

Porém, se me parece que o modelo de Schudson  possui virtualidades pedagógicas, também me parece que o mesmo modelo é insuficiente para explicar por que razão as notícias que temos são estas e não outras.  Mesmo os factores de influência sobre as notícias que Schudson identifica são escassos (por exemplo, o autor não fala dos factores psicológicos ao nível da acção pessoal e resume a acção social aos mecanismos organizacionais).  Além disso, eu julgo que esse modelo, da forma como é apresentado pelo sociólogo norte-americano, promove, por vezes, uma certa indistinção nominal entre as forças que identifica e as ciências que corporizam e validam essas explicações.  Isto parece-me particularmente claro quando Schudson (1988, 24-25) parece falar das variantes explicativas das notícias fornecidas pela antropologia e pelas ciências literárias como sendo variantes da força cultural que se faz sentir sobre as notícias.  De qualquer modo, reorientando e alargando esse modelo, parece-me que encontramos uma forma fecunda e pertinente de explicar “por que é que as notícias são como são”, conforme o título que Michael Schudson (1988, 17) dá ao seu artigo.  Friso, todavia, que há um aspecto em que difiro de Schudson.  Para este académico (1996, 31 et passim), as notícias são cultura, não ideologia, enquanto que, na minha visão, existe uma acção ideológica que se faz sentir sobre as notícias; estas, além do mais, segundo me parece, têm também efeitos ideológicos.  Sublinho, igualmente, que no domínio da influência sócio-cultural sobre o processo de construção e fabrico das notícias difundidas pelos meios jornalísticos haveria ainda que enfatizar o papel da história na conformação das notícias, um tema que Schudson havia abordado em 1978, no livro Discovering the News, e ao qual retorna em 1996, no livro The Power of News, mas que surge relativamente ignorado no artigo de 1988 a que fui beber a proposição central do modelo explicativo para as notícias que apresento neste livro.

Face ao exposto, organizarei este livro em função de níveis de influência sobre as notícias, um pouco à semelhança do que fizeram Shoemaker e Reese (1996) em Mediating the Message, livro em que estes autores tentam construir uma teoria do conteúdo das notícias.   Esses níveis, que se têm de observar como interdependentes, integrados, interactuantes e sem fronteiras rígidas e cuja denominação e caracterização, como é visível, em parte vou buscar a Schudson (1988), são os seguintes:

1)   Acção pessoal – as notícias resultam parcialmente das pessoas e das suas intenções;

2)   Acção social – as notícias são fruto das dinâmicas e dos constrangimentos do sistema social, particularmente do meio organizacional, em que foram construídas e fabricadas;

3)   Acção ideológica – as notícias são originadas por forças de interesse que dão coesão aos grupos, seja esse interesse consciente e assumido ou não;

4)   Acção cultural – as notícias são um produto do sistema cultural em que são produzidas, que condiciona quer as perspectivas que se têm do mundo quer a significação que se atribui a esse mesmo mundo (mundividência);

5)   Acção do meio físico e tecnológico – as notícias dependem dos dispositivos tecnológicos que são usados no seu processo de fabrico e do meio físico em que são produzidas;

6)   Acção histórica - as notícias são um produto da história, durante a qual interagiram as restantes cinco forças que enformam as notícias que temos (acções pessoal, social, ideológica, cultural e tecnológica).

Assumo neste livro uma visão construcionista[5] das notícias, que representa simultaneamente uma ultrapassagem e um aproveitamento no que têm de pertinente das “teorias” organizacional[6] e estruturalista[7], bem como das “teorias” da acção pessoal, entre as quais as chamadas “teorias” da conspiração, tão em voga numa altura como a presente em que se notam movimentos de concentração pró-monopolista, oligopólica e intersectorial (agrupando telecomunicações, meios jornalísticos, novas tecnologias, etc.) das empresas jornalísticas[8] e em que, por via disso, se clama por uma nova regulamentação que garanta o pluralismo e o mercado livre das ideias nos meios jornalísticos e que “defenda” jornalistas e público de tão poderosos patrões.  A assunção do referido ponto de vista representa também a rejeição de “teorias” estafadas como a “teoria” do espelho, que vê as notícias como o espelho da realidade, embora não negue que esta visão ainda é forte quer no meio social em geral, talvez ainda marcado pelos valores positivistas, quer mesmo em certos sectores do meio profissional dos jornalistas, onde permanece viva a ideologia da objectividade e os procedimentos que dela resultam[9].

É preciso que se note que o corpo da “teoria da notícia” (newsmaking) ou “teoria do jornalismo” é vasto e que só recentemente se têm feito tentativas de sistematização rumo ao que poderíamos considerar como uma teoria do conteúdo das notícias.  Entre esses trabalhos destaca-se, na minha opinião, o já referido Mediating the Message, de Shoemaker e Reese (1996), que subscrevo e que foi uma obra de referência central, a par das de Schudson, para a elaboração do presente livro.  Na mesma linha surge Mauro Wolf (1987), um outro autor cuja síntese dos temas marcantes do corpo teórico do newsmaking me parece pertinente, embora o seu trabalho, precocemente interrompido, não seja tão abrangente quanto a obra de Shoemaker e Reese.

Entre os autores portugueses consultados realço, naturalmente, o professor Nelson Traquina, na minha opinião um dos pioneiros a trazer alguma cientificidade aos discursos que vêm a ser produzidos sobre jornalismo em Portugal.  Desse catedrático saliento nomeadamente o livro Jornalismo: Questões, Teorias e histórias (1993), uma antologia por ele organizada que reúne alguns dos artigos científicos mais relevantes sobre jornalismo.

Não quero fazer deste livro nem um resumo das “teorias” da notícia nem um resumo das conclusões das pesquisas que se fizeram no seu âmbito, mas tão só sistematizar algumas considerações que me permitem demonstrar o paradigma explicativo que desenhei: as notícias são um artefacto construído pela interacção de várias forças que podemos situar ao nível das pessoas, do sistema social, da ideologia, da cultura, do meio físico e tecnológico e da história.  A minha assunção primordial é a seguinte: os meios noticiosos conferem notoriedade pública a determinadas ocorrências, ideias e temáticas, que representam discursivamente, democratizando o acesso às (representações das) mesmas e tornando habitual (ritual?) o seu consumo.  Os meios jornalísticos contribuem ainda para dotar essas ocorrências, ideias e temáticas de significação, isto é, contribuem para que a essas ocorrências, ideias e temáticas seja atribuído um determinado sentido, embora a outorgação última de sentido dependa do consumidor das mensagens mediáticas e das várias mediações sociais (escola, família, grupos sociais em que o indivíduo se integra, etc.).  Em parte, a acção descrita é exercida porque os meios jornalísticos integram essas representações de determinadas ocorrências, ideias e temáticas, enquanto fragmentos que são, num sistema racionalizado e organizado que globalmente fornece um quadro referencial explicativo do mundo, num processo que poderíamos genericamente designar por construção social da realidade pelos media, a exemplo da noção avançada por Berger e Luckmann (1976).  Adriano Duarte Rodrigues (1988) mostra até que entre a acção dos meios noticiosos e a função do mito para o homem antigo haveria semelhanças, já que, à semelhança do mito, os discursos mediáticos organizariam racionalmente a experiência do aleatório, integrariam representações fragmentadas da realidade num discurso organizado e ofereceriam um quadro explicativo do mundo.  “A essa prosa do presente confia o homem moderno a função remitificadora de uma perspectiva unitária securizante perante a desintegração da identidade colectiva e de uma ordem identitária que lhe devolva uma imagem coerente do destino.” (Rodrigues, 1988: 15)

Assumo igualmente que os meios jornalísticos podem ser meios de debate que, em alguns casos, permitem alguma interactividade ao receptor (por exemplo, através das cartas ao director em determinados jornais).  E também assumo que os meios jornalísticos funcionam, pelo menos em certas circunstâncias, como agentes de vigilância e controle dos poderes, embora dentro de limites mais ou menos amplos, consoante os poderes, os órgãos de comunicação e os jornalistas (e os autores que se debruçam sobre o problema).  Assim sendo, parece-me inegável que, especialmente em sistemas de democracia de partidos assentes em estados de direito ou noutros sistemas democráticos, os meios jornalísticos são um instrumento vital de troca de informações e de estimulação da cidadania, em que o jornalista-mediador assume ou deve assumir um papel essencial.  Pelo menos, será este o enquadramento “ideal” da imprensa.  Todavia, não será menos certo, a acreditar em vários estudos, designadamente entre os que orbitam em torno dos estudos culturais (Hoggart, Williams, Hall, etc.), da teoria crítica (Adorno, etc.) e da teoria da hegemonia (Gramsci, etc.), que os meios jornalísticos são também usados em função de interesses particulares, como os interesses de determinados poderes, podendo, igualmente, contribuir para a amplificação dos poderes e para a sustentação do statu quo.  Por vezes, determinados políticos, querendo avaliar a receptividade pública de uma medida antes de esta ser tomada, poderão também , ao abrigo do anonimato, dar a conhecê-la em órgãos de comunicação escolhidos, de forma a poder “emendar a mão” caso notem grandes protestos públicos.  Os próprios jornalistas podem recorrer a fontes com que partilhem pontos de vista para, por via da cobertura destas fontes, ser objecto de discurso jornalístico o que eles próprios gostariam de dizer.  Mas nesta área de estudos destaca-se sobretudo a ideia de que os meios jornalísticos são estruturas que tendem a representar as relações sociais dominantes de poder, naturalizando-as, tornando difícil imaginar outras relações de poder no seio da sociedade e, por consequência, trabalhando no sentido de inviabilizar quaisquer mudanças sociais.

Apesar de ocasionalmente identificar algumas salutares desconfianças em relação aos enunciados jornalísticos, não me parece que essa seja a visão dominante ou a visão “de facto” que a generalidade das pessoas tem do jornalismo nas sociedades pós-modernas.  Ao invés, parece-me que formulações retóricas como a “separação” entre informação e opinião, entre o “facto” e o “comentário” que os valores jornalísticos clássicos propõem favorecem a construção de uma imagem do jornalismo como espelho da realidade.  Se os media agirem, realmente, como agentes de sustentação do statu quo e de amplificação dos poderes, a sua imagem dominante, ao nível do ser humano comum, poderá, por consequência, facilitar perigosamente a manipulação e a desinformação do público.  Note-se, inclusivamente, que o público, na minha opinião, não repara que factores como por exemplo (a) a relação entre jornalistas e os acontecimentos e as pessoas nestes envolvidas, (b) a selecção e hierarquização dos elementos expostos nos enunciados jornalísticos e (c) a escolha de termos nos discursos jornalísticos pressupõem já por si a existência de critérios e juízos de valor.  Estes critérios e juízos de valor, em maior ou menor grau, serão mesmo compartilhados, já que as construções discursivas em jornalismo são relativamente semelhantes.

 

 

1. O JORNALISMO E OS SEUS REFERENTES

 

Determinados acontecimentos, ideias e temáticas são, de algum modo, os referentes dos discursos jornalísticos.  Porém, o “acontecimento” ganha na competição, até porque o ritmo do trabalho jornalístico dificultaria que se desse um ênfase semelhante às problemáticas (Tudescq, 1973) e aos processos sociais invisíveis e de longa duração (Fontcuberta, 1993).  Todavia, aquilo que, de uma forma geral, entendemos por acontecimento, e do qual podemos falar como acontecimento, parece-me que tem naturezas profundas distintas: não podemos, julgo, meter no mesmo bolso os Jogos Olímpicos, a Guerra do Golfo, uma conferência de imprensa, um grave acidente automobilístico ou o homem que morde o cão, embora todos estes exemplos sejam de acontecimentos.

Se pensarmos no que une os diversos fenómenos genericamente denominados por acontecimentos talvez encontremos o seu carácter de notoriedade, dentro de um contexto social, histórico e cultural que co-determina essa notoriedade.

Aparentemente, os acontecimentos são também ocorrências singulares, concretas, observáveis e delimitadas, quer no tempo, quer no espaço, quer em relação a outros acontecimentos, que irrompem da superfície aplanada dos factos (Rodrigues, 1988).  Tal realidade é, para mim, uma das razões que torna "manipuláveis" essas ocorrências, isto é, que permite o seu tratamento através de determinadas linguagens, como a escrita ou a linguagem das imagens, pois os acontecimentos necessitam de ser comunicáveis para se tornarem referentes dos discursos jornalísticos e serem, consequentemente, comunicados.  Todavia, a percepção de que o acontecimento é concreto e delimitado é uma falácia, já que o real é contínuo e os fenómenos são estreitamente interligados.  Mas é também uma falácia a que, de algum modo, os seres humanos necessitam de recorrer para interpretarem e estudarem o real — o que se faz no jornalismo faz-se também na ciência, apesar de esta não perder de vista nem a ideia da infragmentabilidade do real nem métodos científicos que permitem reduzir as distorções induzidas no processo de construção de conhecimentos sobre a realidade.

Atentemos, agora, no que pode distinguir a natureza dos acontecimentos. 

A previsibibilidade ou imprevisibilidade dos acontecimentos poderá ser uma marca distintiva, embora não em exclusivo.  De qualquer modo, com base nesse pressuposto, poderemos classificar como, à falta de melhor, “verdadeiros” acontecimentos os acontecimentos imprevistos, como uma catástrofe natural; por outro lado, em consonância com Boorstin (1971), podemos falar de pseudo-acontecimentos, como as conferências de imprensa, ou seja, acontecimentos provocados e fabricados com o fito de se tornarem objecto de discurso jornalístico, que seriam, obviamente, acontecimentos previsíveis.  Dentro desta ideia, também é possível falar dos acontecimentos mediáticos, uma noção que Katz (1980) apresenta para designar acontecimentos programados e planeados para se tornarem notícia, mas que ocorreriam mesmo sem a presença dos meios de comunicação, como as ocasiões de Estado (a cerimónia de assinatura de um tratado, por exemplo), as missões heróicas (a partida de um vaivém espacial…) ou as competições simbólicas (jogos olímpicos…).

Há alguns acontecimentos dificilmente categorizáveis, talvez porque não o sejam dentro do sistema que propus.  Por exemplo, como categorizar a Guerra do Golfo?  Em grande medida, terá sido um acontecimento previsível, planeado para ser objecto de um determinado tipo de cobertura jornalística (que enfatizou, por exemplo, o arsenal militar de alta-tecnologia americano, quase como se fosse um catálogo de vendas - Sousa, 1999), pelo que poderíamos falar do conflito como um acontecimento mediático, embora contaminado por vários acontecimentos “verdadeiros”, os acasos da guerra.  Assim sendo, há sempre ocorrências que extravasam a taxionomização a que procedi.  Parcialmente, ganham, assim, relevo as ideias de Pierre Nora (1983) e Tudescq (1973).  Para eles, a actual sociedade seria uma espécie de sociedade acontecedora, que segregaria diversificados acontecimentos, pelo que não existiriam “pseudo-acontecimentos” ou similares.  A diversificação seria, não obstante, acompanhada por uma uniformização formal do desenvolvimento desses “pseudo-acontecimentos” e desses “acontecimentos mediáticos”.  Esta uniformização teria correspondência nas próprias representações jornalísticas desses acontecimentos, que teriam caminhado para uma certa homogeneização, apesar da segmentação dos mercados que permitiu a proliferação dos meios jornalísticos em função de públicos-alvo cada vez mais específicos.  Tudescq já em 1973, em La presse et l´´evénement, tinha percepcionado estes fenómenos.

Recentemente, segundo Mar de Fontcuberta (1993), os news media começaram a difundir relatos de não-acontecimentos, ou seja, a construir, produzir e difundir notícias a partir de factos não sucedidos (como, por exemplo, o Conselho de Ministros não se pronunciar sobre o que nem sequer estava previsto que se pronunciasse), o que minaria aquelas que a autora considera serem as bases tradicionais do jornalismo: realidade, veracidade e actualidade (Fontcuberta, 1993: 26).

Verificamos, pela exposição, que os referentes do discurso jornalístico são de diversa natureza, centrando-se, contudo, em torno de ocorrências actuais.  Para efeitos do presente livro, parece-me pertinente falar genericamente dessa ocorrências actuais como acontecimentos, que poderão ser subclassificados em acontecimentos imprevistos (os “verdadeiros” acontecimentos), pseudo-acontecimentos, acontecimentos mediáticos, acontecimentos não categorizados e não acontecimentos.

Apesar das dificuldades de categorização, podemos afirmar, parece-me, que os acontecimentos imprevistos e notórios de alguma maneira se impõem aos media.  Mas podemos igualmente considerar que alguns dos acontecimentos previsíveis, mais do que se imporem aos media, são quase como que "impostos" aos media (conferências de imprensa…) ou até mesmo "impostos" pelos media (alimentação de uma história já encerrada, etc.).

Seria para fazer face à imprevisibilidade de alguns acontecimentos que as organizações noticiosas procurariam impor alguma ordem ao tempo, através da agenda (Traquina, 1988), e ao espaço, lançando uma "rede" que procuraria capturar os acontecimentos nas suas malhas (Tuchman, 1978).  Essa rede seria tecida em três vectores: 1) responsabilidade jornalística em função de áreas geográficas (emprego de correspondentes, delegações, etc.); 2) especialização organizacional (instalação de um "sistema de vigia" nas principais organizações produtoras de matéria-prima jornalística, como a Assembleia da República); e 3) especialização temática (divisão da redacção em secções).  Frequentemente, porém, as redes dos órgãos jornalísticos apresentam buracos de grandes dimensões (vd. Sousa, 1997, sobre a Agência Lusa), sendo um facto que quase 60% dos órgãos de comunicação social estão sedeados em Lisboa, conforme revelou o Segundo Inquérito Nacional aos Jornalistas Portugueses, dirigido por José Luís Garcia; outras vezes ainda, e apesar dos buracos que desequilibram a produção noticiosa, a rede captura mais temas do que aqueles que podem ser processados pelos recursos existentes, especialmente pelos jornalistas (Sousa, 1997).

Quanto ao serviço de agenda, ele faz parte integrante das rotinas organizadas de recolha de informação.  Porém, a agenda revela, igualmente, o tipo de acontecimentos sobre os quais um determinado órgão de comunicação se concentra de forma mais ou menos estável e, consequentemente, as representações da realidade que oferece.  A previsibilidade das informações e a planificação norteiam, portanto, grande parte dos procedimentos de recolha de informação, pois permitem que, em cada período de trabalho, regulado pela agenda e pelas deadlines, não se comece do nada.  Seria inclusivamente planificando que a imprensa poderia emergir para um “jornalismo puro e duro”, profundo e contextual, embora cativante, que a distinguisse dos restantes meios jornalísticos e que a fizesse regressar aos anos de glória das vendas, conforme a receita do consultor Juan António Giner apresentada ao III Congresso dos Jornalistas Portugueses.

A propósito da agenda, é interessante notar que: “(…) assiste-se ao fenómeno pelo qual as redacções estão, tecnologicamente, cada vez mais em condições de dar informações em tempo real mas a propósito de um número de assuntos, temas e indivíduos cada vez mais delimitado antecipadamente.” (Wolf, 1987: 211-212)

Miquel Rodrigo Alsina (1993: 96-109) estabelece como elementos principais do acontecimento jornalístico:

a)    a variação no sistema, uma vez que o acontecimento jornalístico suporia a ruptura espectacular das normas, embora a manutenção da variação levasse à perda da novidade e à normalização, trazendo por consequência a cessação do entendimento da ocorrência como acontecimento;

b)   a comunicabilidade dos factos, pois só existiria acontecimento jornalístico quando este é comunicado e comunicável;

c)   a implicação do sujeito, uma vez que os consumidores das mensagens mediáticas participariam na construção de sentido para essas mensagens e adeririam a elas em maior ou menor grau, já que as mensagens poderiam afectá-los directa e pessoalmente (subida de impostos...), directa mas não pessoalmente (vitória da equipa com a qual se simpatiza...), indirectamente (vitória de outra equipa) ou até não os afectar de todo (baixa bolsista num país distante sem repercussões fora daí).

Para Mar de Fontcuberta (1993), a actualidade seria o factor determinante para a conversão de um acontecimento em notícia, ao ponto de o jornalismo se distinguir por difundir enunciados sobre acontecimentos actuais.  A autora distingue, inclusivamente, a “actualidade curta” (acidentes...), da “actualidade média” (congressos partidários) e da “actualidade longa” (moeda única...).

Rodrigo Alsina (1993) perspectiva o acontecimento em relação com o sistema que o suporta e lhe dá sentido.  O acontecimento seria assim um fenómeno de percepção do sistema, enquanto a notícia seria um fenómeno de geração do sistema.

 

 

A unidade discursiva: a notícia

Os acontecimentos são transformados em notícias pelo sistema jornalístico.  Elas são, na óptica de McQuail (1991: 263), “(…) uma das poucas aportações originais dos meios jornalísticos ao reportório das formas de expressão humanas.”  Segundo Rodrigues (1988), a notícia seria mesmo um meta-acontecimento, um acontecimento que se debruça sobre outro acontecimento, sendo acontecimento por ser notável, singular e potencial fonte de acontecimentos notáveis.  Notícia e acontecimento estariam, aliás, interligados.  Muitas vezes, a própria notícia funciona como acontecimento susceptível de desencadear novos acontecimentos.

Enquanto acontecimento, a notícia teria características específicas: 1) seria um acontecimento discursivo; 2) possuiria uma dimensão ilocutória, já que aconteceria ao “dizer-se”; e 3) possuiria igualmente uma dimensão perlocutória, já que produziria qualquer coisa pelo facto de a enunciar.  (Rodrigues, 1988: 11-13)  De qualquer modo, autores como Nora (1977) já anteriormente haviam referenciado que o jornalismo moderno transformava a notícia em acontecimento, legitimando o ingresso dos acontecimentos na história.

Seguindo a denominação “tradicional” anglo-saxónica extraída dos conhecimentos de rotina dos jornalistas (Tuchman, 1978), as notícias podem subdividir-se em hard news (notícias “duras”, respeitantes a acontecimentos) e soft news (notícias “brandas”, referentes a ocorrências sem grande importância e que, geralmente, são armazenadas e apenas difundidas quando tal é conveniente para a organização noticiosa).  As hot news, notícias “quentes”, seriam aquelas que, sendo hard news, se reportam a acontecimentos muito recentes.  As spot news são as notícias que dizem respeito a acontecimentos imprevistos.  Finalmente, as running stories são notícias em desenvolvimento.

Em consonância com Denis McQuail (1991: 263), também podemos distinguir notícias programadas (como as notícias resultantes do serviço de agenda) de notícias não programadas (notícias sobre acontecimentos inesperados) e de notícias fora do programa (geralmente soft news que não necessitariam de difusão imediata).

De qualquer modo, toda a notícia é notícia de determinada maneira devido à acção enformadora de uma série de forças, que, como vimos, poderão, parece-me, ser categorizadas numa acção pessoal, numa acção social, numa acção ideológica, numa acção cultural e numa acção física e tecnológica, sem esquecermos que essas acções não são estanques e admitem várias submodalidades, como a força conformadora da história, que se faria sentir, sobretudo, ao nível socio-cultural, ou a força conformadora da economia, quer a um nível socio-organizacional quer ao nível social mais abrangente dos mercados.

A notícia não se esgota na sua produção.  Engloba também a sua circulação e o seu consumo (Alsina, 1993).  Para Maria Dolores Montero (1993: 67-68), haveria igualmente a considerar três momentos com uma lógica própria, ou seja, “com uma estruturação diferente dos acontecimentos tidos por importantes para a sociedade e do seu significado”,  que fazem a notícia.  Estes momentos, ademais, corresponderiam a agrupamentos teóricos desenhados pelos resultados das investigações empíricas sobre a comunicação social (mas corresponderão igualmente a uma visão das coisas sob o marco da sociologia -ou perspectiva- interpretativa)[10]:

1.      Produção, “(...) processo pelo qual se seleccionam e elaboram os acontecimentos susceptíveis de transformar-se em notícias (...).  O processo de produção de notícias releva a inter-relação entre os interesses dos diferentes grupos (...): as empresas de comunicação e os profissionais do jornalismo e (...) as fontes e o público (..).  As empresas de comunicação (...) estabelecem os seus fins económicos ou políticos (...) e definem mecanismos de control que criam (...) uma perspectiva para a interpretação dos acontecimentos.  Os profissionais do jornalismo estabelecem (...) os princípios do seu trabalho e os fundamentos das normas que os legitimam ante a sociedade (...).  As fontes de informação e o público influenciam os conteúdos da informação de forma mais ou menos directa.  Os meios de comunicação convertem-se num espaço de mediação (...) e a informação deve rentabilizar-se de acordo com as necessidades e os gostos do público.”

2.      Circulação, “(...) processo através do qual os temas do dia (...) se convertem em elemento de debate público (...).  É a etapa em que se produzem os efeitos da informação a curto prazo (...) os públicos (...) estruturam o conteúdo da informação em função das propostas explícitas ou implícitas da tematização da informação, mas também segundo a sua própria valorização dos temas.”

3.      Objectivização, “(...) processo pelo qual alguns elementos da informação (...) se convertem em elementos consolidados e persistentes no pensamento colectivo e, por consequência, em elementos que tomam parte da realidade social. (...)  É um processo a longo prazo não determinado em exclusivo pelos meios de comunicação, mas dependente de outras situações que dão sentido ao mundo real.”

 

 

2. UM SÓ MUNDO, VÁRIOS JORNALISMOS

 

Além das forças já mencionadas que enformam a notícia, há a considerar que no mundo existem vários conceitos de jornalismo, que possuem uma natureza simultaneamente social, ideológica e cultural.  Esses conceitos, que se configuram como uma espécie de “teorias da imprensa”, procuram descrever aquilo que, dentro de determinadas perspectivas, o jornalismo deve ser.  Esses modelos de jornalismo, que autores como Hachten (1996) ou McQuail (1991) procuram sistematizar e denominar (embora diferenciadamente), possuem componentes normativas e funcionais que direccionam, enformam e circunscrevem o jornalismo, os jornalistas e os discursos jornalísticos.  Por isso, o jornalismo não é igual em toda a parte.  As “teorias” que abordo neste livro dizem respeito, principalmente, à forma como o jornalismo ocidental funciona.  No entanto, existem outras maneiras de olhar para os news media, cuja análise é pertinente. 

Antes de prosseguir, quero salientar duas coisas.  Em primeiro lugar, além das conceptualizações genéricas atrás referidas, cada país ou grupos de países têm as suas “escolas” de jornalismo.  Embora de forma muito redutora, e apenas a título superficialmente exemplificativo, poderia dizer que o jornalismo britânico “de qualidade” é conhecido pelo rigor e pela sobriedade, o jornalismo italiano é conhecido pela paixão na defesa de pontos de vista, o francês pelo envolvimento interpretativo, etc.  Em segundo lugar, gostaria de salientar que as denominações que aqui emprego para abordar os conceitos de jornalismo não são universais.  Uso, portanto, aquelas que me pareceram mais adequadas, embora recorra aos contributos de Hachten (1996) e McQuail (1991) para a caracterização dos diferentes paradimas de jornalismo.

 

 

Modelo Autoritário de Jornalismo

 

O primeiro modelo de jornalismo que nos surge na história é o Modelo Autoritário.  Este paradigma perdurou até ao presente em países como a Indonésia ou a Tailândia, tendo sido o modelo vigente em Portugal até ao 25 de Abril de 1974.

Nos países que impuseram um Modelo Autoritário de jornalismo, o exercício da actividade jornalística é sujeito ao controle directo do estado, através do Governo ou de outras instâncias.  Geralmente existe censura.  O jornalismo não pode ser usado para promover mudanças, para criticar o governo, os governantes e o estado ou para minar as relações de poder e a soberania.  Assim, o jornalismo aparece subordinado aos interesses de uma classe dominante, aquela que governa o país, funcionando de cima para baixo: é o poder autoritário que decide, através dos organismos de censura e outros, o que deve e não deve e o que pode e não pode ser publicado.  Assiste-se a uma monopolização da “verdade” pelo poder estatal.  As diferenças de pontos de vista são tidas como desnecessárias, quando não irresponsáveis e até subversivas.  A estandardização e o consenso tornam-se, assim, metas do poder estatal adoptadas pelos meios jornalísticos.  Os correspondentes estrangeiros são, deste modo, frequentemente vistos como uma ameaça.

Como é evidente, os jornalistas ficam sujeitos à autoridade do estado, não existindo liberdade de imprensa.  Porém, o controle do estado sobre as empresas de comunicação social nem sempre é económico.  Isto é, os órgãos jornalísticos geralmente estão na posse de empresas privadas.  Mas o estado pode impor multas, sanções económicas, códigos de conduta, penas de prisão e a impossibilidade do exercício profissional do jornalismo aos jornalistas, editores, directores e proprietários que colidam com os princípios do Modelo Autoritário de jornalismo.  A suspensão das publicações/emissões e a apreensão de jornais são também dispositivos usados pelos estados autoritários para controlar o jornalismo e os jornalistas.

Um dos argumentos mais usados para defesa do Modelo Autoritário de jornalismo pelos seus promotores num determinado país prende-se com as necessidades de desenvolvimento e sobrevivência desse país.  Aliás, o próprio paradigma Ocidental possui mecanismos capazes de impor a autoridade do estado sobre os órgãos jornalísticos e os jornalistas em situações de crise ou emergência.  Mas no Modelo Ocidental a assunção da autoridade do estado é sempre provisória, dura unicamente enquanto existe uma crise ou uma emergência e está claramente regulada na lei, o que não sucede em países autoritários.

 

 

Modelo Revolucionário de Jornalismo

 

Com a prática de um jornalismo revolucionário pretende-se, geralmente, derrubar um sistema político.  Mais raramente, a sua prática visa contribuir para o fim do controlo estrangeiro de uma nação ou persegue um objectivo similar.  Assim, normalmente os media revolucionários são clandestinos, embora nos estados de direito democráticos as liberdades cívicas propiciem a proliferação de publicações underground com objectivos revolucionários (como os jornais anarquistas portugueses). 

O Pravda, na época anterior à revolução bolchevique, é um bom exemplo de um jornal que se guiava por uma concepção revolucionária do jornalismo, tal como a imprensa dos partisans de Tito, na Juguslávia ocupada pelos nazis, durante a II Guerra Mundial.  Publicações e rádios clandestinas e revolucionárias surgiram também nas lutas pela libertação dos países africanos e asiáticos sujeitos a regimes coloniais e as gravações áudio de Khomeiny serviram para animar os revolucionários iraquianos que derrubaram o Xá.  Hoje em dia, as redes transnacionais (como a Internet) e as tecnologias da comunicação (faxes, fotocopiadoras, etc.) permitiram a proliferação de órgãos de comunicação alternativos, muitos deles revolucionários, já que se torna fácil e barato difundir informação.

 

 

Modelo Comunista de Jornalismo

 

Nos países sujeitos a uma concepção comunista do jornalismo, como a China ou o Vietname, o estado domina a imprensa e, normalmente, é igualmente o proprietário monopolista dos meios de comunicação.  O acesso aos media fica, assim, restringido aos que perseguem os objectivos comunistas do estado, subordinado à ditadura do proletariado enquanto a sociedade socialista se encontra em transição para uma sociedade comunista.  Existe censura, até porque se entende que a imprensa socialista deve estar ao serviço do proletariado, impedindo a contra-revolução e a tomada do poder pela burguesia.  A procura da “verdade”, um valor caro no Ocidente, torna-se, irrelevante se não contribuir para a construção do comunismo.  A imprensa orienta-se, desta forma, por dois princípios: (1) há coisas que não se podem publicar; e (2) há coisas que se têm de publicar.  Para a definição de notícia contribui uma outra categoria: deve ser informação que sirva os interesses e objectivos do estado socialista e do partido comunista, o único partido consentido.

Embora, em grande medida, tenha sido o Modelo Autoritário de jornalismo a dar aos “pais” do comunismo, nomeadamente a Lenine, um ponto de partida para a concepção de um Modelo Comunista para a imprensa, este último difere do primeiro porque nos estados socialistas todos os media são, quase sempre, propriedade do estado, devendo apoiar activamente o governo e o partido comunista.

 

 

Modelo de Jornalismo para o Desenvolvimento

 

O Modelo de Jornalismo para o Desenvolvimento é (foi) essencialmente praticado (ou tentou praticar-se) nos países em vias de desenvolvimento, na sua maioria com passado colonial.  Caracteriza-se por misturar ideias e influências, tais como:

1)     Concepções marxistas e neo-marxistas da imprensa;

2)     Teorias que atribuíam à comunicação uma grande importância como motor das economias e até das sociedades;

3)     Ideias decorrentes dos debates e das publicações da UNESCO;

4)     Reacções contra os conceitos do livre fluxo de informação;

5)     Reacções à diferenciação entre países pobres e ricos no que respeita à capacidade de comunicação.

Nos países que implementaram um Modelo de Jornalismo para o Desenvolvimento, entende-se que todos os órgãos de comunicação social devem ser usados para a construção da identidade nacional (quando os estados são multi-étnicos), para combater o analfabetismo e a pobreza e para desenvolver o país.  Assim, entende-se que os news media devem apoiar as autoridades, pelo que a liberdade de imprensa é restringida de acordo com as necessidades de desenvolvimento da sociedade (existe censura), a informação é tida como sendo propriedade do estado e os direitos à liberdade de expressão são tidos como irrelevantes face aos enormes problemas de pobreza, doença, subdesenvolvimento, analfabetismo e/ou outros que esses países enfrentam.  Para justificar a imposição de limites à liberdade de imprensa e a adesão a um modelo de Jornalismo para o Desenvolvimento tem sido invocado um outro problema: a coexistência de etnias em países cujas fronteiras não coincidem com as das nações.

No Modelo de Jornalismo para o Desenvolvimento presume-se também que cada país tem o direito a controlar não só os jornalistas estrangeiros que aí residem como também os fluxos de informação que nele penetram.  Esse direito é justificado com vários argumentos: a necessidade de se equilibrarem os fluxos de informação entre países ricos e pobres; o facto de a informação ser vista como riqueza e motor de progresso; o facto de a informação ser tida como um factor de hipotética instabilidade.  Todavia, na actualidade os novos media, como a televisão por satélite ou a Internet, tornam quase impossível controlar os fluxos de informação que circulam no mundo.

Segundo Hachten (1996), alguns dos apoiantes do Jornalismo para o Desenvolvimento defendem-no unicamente como uma etapa antes da implementação de um Modelo Ocidental de Jornalismo.

 

 

Modelo Ocidental de Jornalismo

 

O Modelo Ocidental de Jornalismo preconiza que a imprensa deve ser independente do estado e dos poderes,t endo o direito a reportar, comentar, interpretar e criticar as actividades dos agentes de poder, inclusivamente dos agentes institucionais, sem repressão ou ameaça de repressão.  Teoricamente, os jornalistas seriam apenas limitados pela lei (tida por justa), pela ética e pela deontologia.  O campo jornalístico configurar-se-ia assim, teoricamente, como uma espécie de ágora, ou seja, como uma espécie de espaço público onde se ouviriam e, por vezes, onde se digladariam as diferentes correntes de opinião.  Nestas últimas ocasiões, o jornalismo funcionaria como uma arena pública.  Teoricamente, o campo jornalístico funcionaria, assim, como um mercado livre das ideias.  Na realidade, sabemos que factores como o acesso socialmente estratificado aos media[11], entre outros, introduzem distorções ao funcionamento teórico do sistema.

Hachten (1996) afirma que os estados que possuem uma imprensa “livre” normalmente possuem:

1)     Leis que protegem as liberdades individuais e os direitos de propriedade;

2)     Elevados níveis de rendimento económico, alfabetização e educação;

3)     Sistemas de governo baseados em democracias constitucionais parlamentárias ou, pelo menos, existência de oposição política legítima;

4)     Mercado publicitário capaz de gerar receitas suficientes que sustentem os news media;

5)     Tradição de jornalismo independente.

Subjacente à implementação dó Modelo Ocidental de Jornalismo estão as ideias de que o pluralismo e a democracia são benéficos para o para a sociedade em geral e de que só uma população informática pode, em consciência, participar nos processos de tomada de decisão (principalmente través do voto).  Segundo Hachten (1996), esta ideia ampliou-se e levou à concepção do free-flow da informação a nível mundial. 

As ideias de uma imprensa livre e do livre acesso à imprensa foram exportadas para todo o planeta a partir do Ocidente.  Porém, o fluxo livre de informação poderá ter aspectos negativos, já que se faz, predominantemente, dos países ricos (geralmente situados no Hemisfério Norte) para os países pobres (geralmente situados no Hemisfério Sul).  Para os críticos do free-flow da informação, segundo Hachten (1996), esta doutrina traduz-se numa ingerência constante nos assuntos internos dos países e na imposição de valores ocidentais a todo o mundo, mina os esforços de desenvolvimento e promove um alegado “imperialismo cultural”.  Além disso, para esses críticos o free-flow inscrever-se-ia numa estratégia de dominação dos mercados por parte dos grandes oligopólios ocidentais.

As pessoas que advogam a filosofia do free-flow da informação afirmam que o acesso aos media ocidentais fornece visões alternativas às pessoas que vivem sob regimes autoritários, frequentemente totalitários.  Além disso, o free-flow da informação promoveria os direitos humanos, publicitaria os abusos a esses mesmos direitos e forneceria informação que poderia ser usada para as pessoas de diferentes países tomarem melhores decisões.

Existem outros tipos de críticas que têm sido feitas ao Modelo Ocidental de Jornalismo, tendo em conta a forma como é teorizado e a expressão dessa teorização na Lei.  Uma das críticas que pessoalmente considero mais pertinentes e consistentes foi feita por Chomsky e Herman (1988) ao jornalismo norte-americano, embora, pessoalmente, eu julgue que aquilo que se passa nos Estados Unidos ocorre igualmente noutros países ocidentais. 

Para os autores, quando se reúnem um certo número de circunstâncias o Modelo Ocidental de Jornalismo funciona, pontualmente, como um Modelo de Propaganda.  Porém, esse sistema de propaganda é de difícil detecção nos países democráticos, onde os órgãos jornalísticos geralmente são privados e onde a censura formal está ausente, até porque esses íorgãos criticam com frequência o governo e as grandes empresas, surgindo como representantes e garantes da liberdade de expressão e defensores da comunidade (Chomsky e Herman, 1988).

Dete modo, para Chomsky e Herman (1988) o mercado das ideias e das informações não é inteiramente livre.  Um Modelo de Propaganda que beneficia os interesses governamentais e os grandes poderes económicos estabelece-se pela limitação extra-jurídica e extra-deontológica à liberdade jornalística, no contexto do mercado, regulado pelas leis da oferta e da procura.  O funcionamento de um sistema de propaganda através do jornalismo decorreria de quatro grandes factores:

1)     Recrutamento, pelas empresas, de jornalistas respeitadores dos (pre)conceitos e normas internas, dos constrangimentos organizacionais, das orientações patronais e do mercado, regulado pelas leis da oferta e da procura;

2)     Interiorização, pelos jornalistas, das limitações impostas pelos proprietários e pelos poderes político e económico;

3)     Auto-censura derivada dos mecanismos não-lineares de controlo;

4)     Existência de elementos interactivos e que filtram as notícias, destacando as matérias favoráveis aos interesses do governo e dos grandes interesses económicos privados.  Estes filtros actuariam com naturalidade.  Assim, os jornalistas não colocariam em causa a sua honestidade profissional e estariam convencidos de que escolhem e interpretam as notícias baseados em critérios jornalísticos desligados de pressões externas.  Esta situação tornaria difícil imaginar formas alternativas de se seleccionar e processar o que se noticia.  Segundo Chomsky e Herman (1988), os filtros que levariam o jornalismo americano a tornar-se um Modelo de Propaganda são os seguintes:

- Concentração da propriedade (formação de oligopólios) e orientação lucrativa das empresas jornalísticas (menos pessoas dominam um grande número de órgãos jornalísticos, facilitando as pressões e a dependência e impedindo os jornalistas descontentes de obterem empregos alternativos com facilidade);

- Publicidade como primeira fonte de rendimento das empresas jornalísticas (o que levaria as empresas jornalísticas a evitar ofender os clientes -entre os quais os diversos órgãos de governo e a administração pública- com matérias que estes possam considerar indesejáveis);

- Confiança nas informações dadas por responsáveis dos diversos órgãos do governo e das empresas dominantes (por um lado, os meios jornalísticos, burocratizados e rotinizados, têm necessidade de fluxos contínuos de informação credível, o que só pode ser assegurado por outros agentes burocratizados de produção de informação (como as agências de relações públicas); por outro lado, torna-se menos dispendioso difundir as notícias oriundas de fontes credíveis e prestigiadas do que notícias sujeitas a confirmação e pesquisa);

- Ditames da audiência e críticas do público (a imprensa seria criticada e abandonada quando atraiçoasse os valores e expectativas mais profundas do público);

- Anti-comunismo como mecanismo de controle, nos Estados Unidos (o que levaria o público americano a rejeitar a informação positiva para o comunismo e, por consequência, os órgãos jornalísticos que a veiculassem).

Entre vários outros estudos de caso apresentados pelos autores, na versão de Chomsky e Herman (1988) a invasão indonésia de Timor e os crimes subsequentemente perpetrados contra os timorenses foram temas pouco relatados na imprensa norte-americana porque a Indonésia era vista como um país amigo dos Estados Unidos, como um país vital para a política externa e para os interesses políticos e diplomáticos dos EUA, que, ao invadir Timor, estava a impedir o alastramento do comunismo na Ásia.  Pelo contrário, os crimes perpetrados no Cambodja pelo sangrento regime comunista de Pol Pot e dos Khmer vermelhos foram amplamente noticiados pela imprensa norte-americana, isto porque, na versão de Chomsky e Herman (1988), esse ângulo de cobertura ia ao encontro das crenças e expectativas da audiência e servia os interesses políticos dos Estados Unidos.

 

 

3. NEWSMAKING E A VERSÃO SCHUDSODIANA DE SISTEMATIZAÇÃO DAS TEORIAS DA NOTÍCIA

 

Vimos já que Michael Schudson (1988) oferece uma visão sistematizada das teorias e das razões que procuram explicar por que é que as notícias são como são, visão essa que, devido ao seu carácter sintético, me parece ser particularmente útil e funcional e me parece ter virtualidades pedagógicas.  Tentei, porém, complementar a visão schudsoniana com elementos que parecem ter-lhe passado mais ou menos despercebidos, como a tecnologia, ou elementos que ele não enfatiza, como a acção do meio social não organizacional.

Segundo Schudson, a acção pessoal, a acção social e a acção cultural, em inter-relação, são as três principais explicações para que as notícias sejam como são.  Em conformidade com a acção pessoal, as notícias são vistas como um produto das pessoas e das suas intenções; a acção social dá ênfase ao papel das organizações (vistas como mais do que a soma das pessoas que as constituem) e dos seus constrangimentos na conformação da notícia; a acção cultural perspectiva as notícias como um produto da cultura e dos limites do que é culturalmente concebível no seio dessa cultura: isto é, uma dada sociedade, num determinado momento, só consegue produzir uma determinada classe de notícias.  (Schudson, 1988: 20)  Esta última asserção vai ao encontro do que diz McQuail (1991: 256), que refere que grande parte dos conteúdos das notícias resultam da reelaboração de temas e imagens procedentes do passado cultural. 

Se, na perspectiva da acção pessoal, as notícias dependem do que as fontes dizem, da forma como pessoas poderosas actuam sobre os news media (querendo lucro ou a promoção de determinados pontos de vista e a secundarização de outros, etc.; estas ideias sobre a influência acção pessoal muitas vezes orbitam em torno das chamadas teorias da conspiração) ou da maneira como os jornalistas e seus chefes percepcionam, avaliam, seleccionam e transformam a matéria-prima informativa em notícias, na perspectiva da acção social, para além desses factores, há a considerar que frequentemente os produtos de uma organização podem “(…) ser mais a consequência não planeada de um pequeno número de pequenas escolhas do que o resultado de um pequeno número de decisões críticas”.  (Schudson, 1988: 22)  Por isso, “(…)  temos notícias que ninguém queria (…), a notícia é [também] o resultado não planificado da dinâmica organizacional”.  (Schudson, 1988: 23)

Embora aceite as asserções de Schudson, para mim a acção social não se esgota nas organizações noticiosas, pois estas relacionam-se com o meio social e sofrem as influências deste, desde logo através das fontes — e as relações entre as fontes e os jornalistas são problemáticas.  Assim sendo, julgo que o contexto da acção social deve ser aferido de uma forma mais ampla.

Por outro lado, ao falar-se de meio social, temos de pensar na cultura que lhe é implícita e, na minha opinião, também da ideologia, a um nível intermédio entre o social e o cultural.  Schudson (1988: 23), porém, enfatiza sobretudo a questão cultural:

 

 

“(…) o defensor de uma perspectiva de acção social pode muito bem explicar por que é que um padrão estabelecido logicamente persiste, mas não nos pode ajudar a compreender as suas origens.  O ponto de vista da teoria da acção social explica por que é que existem padrões, por que é que as rotinas e os rituais sobrevivem e têm poder, mas diz muito pouco sobre a razão pela qual as rotinas e os rituais são esses e não outros.”

 

 

As limitações explicativas da acção pessoal e da acção social seriam, na versão de Schudson (1988: 24), ultrapassadas pela adicionação da acção cultural — as notícias seriam vistas não apenas como um produto das pessoas ou um artefacto produzido por organizações sociais, mas também como um artefacto que, mesmo involuntariamente, se apoia e faz uso de padrões culturais pré-existentes para ser realizado e para produzir sentido (por exemplo, na nossa cultura, notícia é, de alguma forma, o que é novo, a resposta à questão “Que novidades há?”).  A antropologia, com a ideia de sistema cultural, conjunto de categorias cognitivas através das quais uma sociedade vê o mundo, ofereceria, neste campo, um contributo importante (Schudson, 1988: 24) — o conceito de frame, ou seja, de “enquadramento”, por exemplo, enquadra-se aqui.

Note-se, porém, que o conteúdo não se esgota numa manifestação de cultura.  Os conteúdos dos news media também são uma fonte de cultura, também exercem um determinado papel na construção cultural, um processo activo e contínuo.  Segundo Shoemaker e Reese (1996: 60), os media tomam até elementos da cultura, reenquadram-nos, relevam-nos e remetem-nos para a audiência após este processo de mediação, impondo assim a sua própria lógica na criação de um ecossistema simbólico.  Para os autores, se a cultura muda, se se adapta e evolui, os conteúdos mediáticos podem funcionar quer como catalisadores, quer como travões da mudança.  Por exemplo, neste último campo, o conteúdo dos media poderia tomar as piores características da sociedade, disseminá-las e, por consequência, fortalecê-las, tornando a mudança difícil.  Além disso, numa abordagem mais estruturalista, as representações sociais patentes nos conteúdos mediáticos, podendo reflectir as relações de poder existentes na sociedade, poderiam também levar a que dificilmente outros tipos de relacionamento fossem concebíveis.  (Shoemaker e Reese, 1996: 60)

Nos pontos seguintes, aplicarei a proposta sistemática de Schudson, complementada com as minhas próprias ideias, ao corpo teórico do newsmaking, para testar da sua aplicabilidade.

 

 

Acção pessoal

 

Desde que White (1950) lançou os estudos com base na útil metáfora do gatekeeping (selecção de informação em “portões” controlados por “porteiros”, havendo informação que passa e outra que fica retida) que se estuda o papel do jornalista, enquanto pessoa individual, na conformação da notícia.  De facto, no seu estudo pioneiro, o autor concluía que a selecção das notícias era um processo altamente subjectivo, fortemente influenciado pelas experiências, valores e expectativas do gatekeeper mais do que por constrangimentos organizacionais.  Ao chegar a essa conclusão deu um forte impulso à superação científica das “teorias do espelho”, que viam a notícia como um espelho dos acontecimentos.

Não obstante, se os estudos mais antigos (de que o de White é exemplo) salientavam o papel individual dos repórteres e editores na selecção e configuração das notícias, os estudos mais recentes parecem indicar que factores “ambientais”, “ecossistemáticos”, como as deadlines, o espaço, as políticas organizacionais, as características do meio social e da cultura, entre outros, desempenham um papel importante na construção das notícias[12]. Podemos mesmo afirmar que os factores “ecossistemáticos” são vistos agora como o factor crítico para a construção das notícias e, consequentemente, para a dissonância não pretendida (unwitting bias) entre as representações da realidade que as notícias são e a realidade em si.  Em relação com isto, podemos ainda dizer que, se as notícias são dissonantes da realidade, isso acontece menos ou tanto devido às pessoas que processam as notícias e mais ou tanto a factores que, de certa forma, escapam ao controle dessas pessoas, como as organizações, o meio social e comunitário e as culturas e ideologias em que os jornalistas trabalham.

Contudo, é preciso notar-se, também, que a ênfase recente nos factores “ecossistemáticos” teve, por consequência, algum alheamento da comunidade académica em relação "ao que vai na mente" dos jornalistas, nomeadamente no campo do papel das cognições dos jornalistas para a construção das notícias, isto é, um certo alheamento para a forma como a “mente” ajuda a construir as notícias, que é um aspecto de acção pessoal conformativa das notícias, porventura tão importante como o campo das intenções, crenças, valores e expectativas individuais de cada jornalista.

Embora o campo da análise da forma como os jornalistas operam em termos cognitivos escape um pouco ao espírito deste livro, é importante referir que a investigação chegou a conclusões interessantes.  Por exemplo, como o ser humano só processa uma pequena quantidade de informação a cada momento, os jornalistas, sob a pressão do tempo, farão um uso adaptado de rotinas cognitivas que lhes sejam familiares para organizar as informações e produzir sentido.  Por outro lado, tenderão também a procurar e seleccionar informações que confirmem as suas convicções.  (cf. Stocking e Gross, 1989: 4)  Por exemplo, se aplicarmos estas conclusões das pesquisas ao fotojornalismo, poderemos considerar que esses fenómenos são uma das razões pelas quais alguns fotojornalistas mantêm abordagens fotográficas mais ou menos padronizadas da realidade social — convictamente, eles podem julgar que “fotojornalismo é isso” e, sob a pressão do tempo, fotografarão como estão habituados a fazer. (cf. Sousa, 1997)

Outras pesquisas no campo da psicologia cognitiva mostraram que em condições de sobre-informação as pessoas e, por conseguinte, os jornalistas, recorrem a formas estereotipadas de pensamento (o que pode ajudar a explicar a padronização noticiosa); e também que, quando fazem inferências, as pessoas, como os jornalistas, baseiam-se mais em episódios anedóticos do que em dados sistemáticos, como os dados estatísticos. (cf. Stocking e Gross, 1989: 4)  Além disso, as dissonâncias cognitivamente induzidas, em parte devidas à rotinização cognitiva, constrangem as percepções que uma pessoa tem da realidade, podendo, por conseguinte, favorecer a ocorrência de erros de julgamento na avaliação do que é noticioso (news judgement). (cf. Stocking e Gross, 1989: 4)   Assim, um jornalista, constrangido pelas formas rotinizadas de avaliar as situações e a sua própria actividade, poderá tender a fabricar informação padronizada (por exemplo, a redigir notícias com base na técnica da pirâmide invertida) e a seleccionar sempre como tendo valor noticioso o mesmo tipo de acontecimentos (por alguma razão as conferências de imprensa dos políticos parece terem sempre valor noticioso aos olhos dos jornalistas enquanto, por exemplo, as dissertações de mestrado e doutoramento, por mais relevantes que sejam, não o parecem ter) sem procurar outras vias de actuação (que poderiam ser, eventualmente, mais eficazes em certas circunstâncias).  Esta talvez seja até, provavelmente, uma das razões pela qual a imprensa diária está a perder leitores: fala sempre do mesmo e da mesma maneira, entediando e aborrecendo, sem atender às necessidades informativas dos leitores, que buscarão também no consumo de jornais e revistas gratificações (ensina-nos a teoria dos usos e gratificações dos meios de comunicação) que lhes evitem o tédio.

A auto-imagem que os jornalistas têm do seu papel poderá ser um factor de grande influência na selecção de informação e, portanto, um elemento importante para a configuração da notícia.  Por exemplo, Johnstone, Slawski e Bowman (1972) mostraram que alguns jornalistas se consideravam “neutros”, perspectivando as suas profissões como meros canais de transmissão, e que outros se viam como "participantes", acreditando que os jornalistas necessitariam de explorar, esquadrinhar e sacar a informação em ordem a descobrir e desenvolver as histórias.  Os jornalistas "neutros" olhavam para as suas obrigações profissionais como resumindo-se a recolher, processar e difundir rapidamente informação para uma audiência o mais vasta possível, evitando histórias cujo conteúdo não estivesse suficientemente verificado; os “participantes” viam-se como “cães de guarda”, paladinos da investigação jornalística, em ordem a controlar os poderes, pelo que investigavam as informações governamentais, providenciavam análises para problemas complexos, discutiam as políticas e desenvolviam interesses intelectuais e culturais.

Parece, assim, ser mais ou menos claro que a forma como os jornalistas definem a sua profissão pode afectar o conteúdo que produzem: os jornalistas que se vêem como “neutros”, em princípio, fabricarão histórias diferenciadas dos “participantes” (veja-se, por exemplo, as pedradas no charco que em Portugal foram o aparecimento da TSF, do Público, de O Independente e das televisões privadas; ou a enorme diferença que existe entre a massa anónima de grande parte jornalistas de agência e a personalidade combativa, mas independente, de Miguel Sousa Tavares).  No fotojornalismo, retomando um exemplo citado na minha tese de doutoramento (Sousa, 1997), um fotojornalista que se veja como “neutro” provavelmente abordará a realidade social usando essencialmente ângulos normais de captação de imagem (enquadramento ao nível dos olhos), enquanto um participante poderá procurar deliberadamente um ponto de vista, usando outros ângulos, como o “picado” (tendencialmente desvalorizante do motivo) ou o “contrapicado” (tendencialmente valorizante do motivo).

A concepção ética do papel do jornalista na sociedade que cada jornalista possui também pode influenciar a construção de conteúdos para os news media.

A ética, na definição de Altschull (1984), que partilho, corresponde, sinteticamente, à definição dos valores morais e dos princípios do certo e do errado.  Neste campo, o jornalista tem algum espaço de manobra.  Exemplificando, pode perceber como ético o serviço à humanidade em geral em detrimento da satisfação dos seus próprios fins ou dos desejos de uma determinada audiência; ou, pelo contrário, poderá ver-se, por exemplo, como um agente cuja função é somente ser fiel aos desejos de uma determinada audiência.  Mas parece ser claro que, em função das considerações do seu papel ético, o jornalista poderá afectar os conteúdos que produz.

Seguindo a opinião de Shoemaker e Resse (1996), que subscrevo, podemos associar a heurística cognitiva  (“obtenção de conhecimento por descoberta”) à acção pessoal na conformação da notícia.  De facto, se, conforme enunciaram Niebett e Ross (1980: 36), as mensagens recebidas raramente são vistas como únicas ou originais, sendo antes categorizadas em função de estruturas mentais pré-existentes, esta categorização das mensagens que se apresentam nos pontos de selecção dos canais de gatekeeping em (a) mensagens que passam e (b) mensagens que não passam parece deixar um espaço de decisão aos jornalistas que contraria ideias sobre a sua hipotética passividade.  Pamela Shoemaker (1991: 39) fala mesmo da utilização hipotética de um esquema noticioso (news schema, isto é, uma espécie de esquema categorial relativo às notícias) para avaliar as mensagens que são consideradas notícias, sendo seleccionadas, e as que não são consideradas notícias, que não seriam seleccionadas — as mensagens seleccionadas seriam aquelas que estivessem associadas a um esquema noticioso (news schema) (relembre-se que Piaget tinha também uma aproximação semelhante para muitos dos nossos actos, que explicava através da ideia de uma espécie de esquema mental-comportamental).

Também podemos associar a heurística representativa a uma acção pessoal dos jornalistas na conformação da notícia que está bastante próxima da proposta do “esquema noticioso”.

Basicamente, a heurística representativa está relacionada com uma forma automática e irreflectida de categorização por comparação com outros itens já incluídos numa categoria.  Exemplificando, um editor pode ter uma ideia do que é a categoria “notícia de uma conferência de imprensa”, pelo que as notícias que potencialmente seleccionará (acção pessoal) serão as que se inscrevem nessa categoria mental previamente existente.  Todavia, estou em crer que a construção de categorias é um processo que ultrapassa cada pessoa em particular, especialmente quando esta se integra num grupo, como sucederia na generalidade dos órgãos de comunicação jornalística.

Os news items que atacam as crenças do gatekeeper podem, segundo Greenberg e Tannenbaum (1962), causar stress cognitivo e, assim, atrasar a selecção, bem como causar erros no news judgement, como por exemplo levar o jornalista a errar na classificação de uma mensagem como soft news ou hard news.  Em conformidade com Shoemaker (1991: 22-23), os itens potencialmente capazes de passar os diversos pontos de selecção são aqueles que revelam maior qualidade e atractividade, enquanto de entre os menos reveladores dessa capacidade se encontram os itens que duplicam os que já atravessaram os canais de gatekeeping e aqueles que são desmerecedores de confiança, pelo menos na forma em que são recebidos.    Para se ter uma ideia da influência desse processo sobre o gatekeeping, Tuchman (1972) sugeriu que os jornalistas tendem a procurar reinterpretar os julgamentos dos seus superiores para tornarem as suas mensagens mais susceptíveis de passarem pelos portões, sendo essa uma das razões hipotéticas pelas quais as histórias de determinados jornalistas eram mais publicadas do que as de outros.

Hickey (1966) sustentou, por seu turno, que uma interpretação mais eficaz do processo de gatekeeping passava pelas percepções que os gatekeepers têm uns dos outros e pelas reacções de cada gatekeeper à sua função.  Epstein (1973: 29) tinha até salientado que as funções ocupadas pelos jornalistas e administrativos dentro de uma organização noticiosa originava tensões, devido às distintas concepções dos valores jornalísticos.  Os próprios jornalistas teriam, por vezes, valores diferenciados consoante a posição que ocupavam (redactores, correspondentes, chefes, etc.).

Flegel e Chafee (1971) testaram a ideia original de White, segundo a qual o processo de gatekeeping seria subjectivo, inquirindo directamente a jornalistas de dois jornais de diferente orientação política se as suas opiniões influenciavam os conteúdos das notícias.  Os resultados mostraram que, pelo menos em parte, o processo de gatekeeping também depende da acção pessoal dos gatekeepers, já que os jornalistas inquiridos revelaram que eram fortemente influenciados pelas suas próprias opiniões, a que se seguia as opiniões de editores, leitores e anunciantes (acção social).

Diferentes estilos e interpretações diversificadas do que a administração, direcção e chefias de um órgão jornalístico querem também podem resultar em diferentes decisões de selecção.  (Shoemaker, 1991:26)  Mas, segundo Schudson (1988: 21), é preciso não esquecer que os jornalistas aparentam ser cada vez mais sensíveis uns aos outros e cada vez menos sintonizados com os pontos de vista dos seus chefes, pelo que a acção social se sobreporia, aqui, à acção pessoal.

Por sua vez, o processo de tomada de decisão (decision making) ao nível individual do gatekeeping pode ser visto como um processo de decisões binárias, que consistiria na aplicação de uma série de regras de decisão para se decidir se uma mensagem passa os “portões” (gates) ou não.  (Gans, 1980)  Todavia, se existem regras de decisão, elas, à partida, deverão, pelo menos parcialmente, depender da organização.  A diversidade do produto será, em princípio, tanto menor quanto maior for a minúcia e exaustividade dessas regras, bem como quanto maior for o nível de habituação a essas regras (rotinização da aplicação das regras).  A pressão do tempo afectará também o processo de decisão, já que, a meu ver, quanto menor é o tempo para a tomada de decisão, menores são as opções que podem ser consciencializadas e tomadas.

Para falarmos de acção pessoal sobre as notícias teríamos ainda de falar das teorias da conspiração, como as que vêem as notícias como o resultado da definição pelos poderosos do que é notícia e da forma como as notícias se devem apresentar (veja-se, por exemplo, a exposição que Schudson (1988) faz de algumas das teorias da conspiração).  Embora algumas destas teorias toquem em pontos problemáticos, como a relevante ou por vezes mesmo crucial ou definitiva influência que certos agentes de poder, certos jornalistas e certos empresários têm sobre as notícias, regra geral são teorias que pouco têm de científico e que se baseiam essencialmente num pequeno número de experiências concretas vividas por aqueles que apresentam essas teorias ou que lhes foram contadas por quem as viveu.  Pecam, por isso, frequentemente, pelo exagero e pela tomada de diversas partes pelo todo (metonimização teórica).

Em resumo, julgamos que os dados referidos permitem concluir que as notícias possuem sempre a marca da acção pessoal de quem as produz, embora temperada por outras forças conformadoras.

 

 

Jornalistas: os principais protagonistas do jornalismo

 

Embora existam vários agentes que com a sua acção pessoal podem modificar “o que é notícia” e o modo como a notícia é construída e fabricada, os jornalistas são, provavelmente, o elo mais relevante do processo, muito embora outros agentes, como as fontes, sejam também seus protagonistas destacados.  Importa, então, conhecer minimamente qual é o perfil desses profissionais de comunicação.

Em Portugal, de acordo com o Segundo Inquérito Nacional aos Jornalistas Portugueses, levado a cabo por uma equipa dirigida pelo sociólogo José Luís Garcia e apresentado ao III Congresso dos Jornalistas Portugueses (1998), existiam, em 1997, 4247 profissionais, entre os quais 1394 mulheres, ou seja, 32,8%, estando-se a notar uma certa feminilização da profissão, a acompanhar duas outras tendências marcantes, que são a do aumento da formação académica (37,4% dos jornalistas inquiridos eram licenciados, enquanto 68,5% passaram pelo ensino superior ou ainda frequentam estabelecimentos desse grau de ensino) e a do rejuvenescimento da “classe”, uma vez que 66% dos jornalistas tem menos de 40 anos.  Ora, não é de excluir, muito pelo contrário, que estas tendências possam ter tido algum reflexo no processo jornalístico: por exemplo, juventude, em alguns casos, pode significar também inexperiência, mas o contraponto a esta hipótese é a maior formação; e entre homens e mulheres podem existir diferenças de vária ordem, como em matéria de sensibilidade, que acarretem diferenças nas notícias produzidas.

Dos profissionais titulares de carteira, a maioria (57,7%) encontra-se na Área Metropolitana de Lisboa, aumentando os “buracos” na rede de cobertura jornalística do país, contando a Área Metropolitana do Porto com 13,9% dos jornalistas portugueses; 61,3% trabalham na imprensa escrita, enquanto a percentagem dos que trabalham em televisão se fica pelos 14,6% e na rádio pelos 18,5%.

Os jornalistas não auferem salários equivalentes.  Através do inquérito –e apesar de o responsável pelo mesmo admitir uma margem de erro de cerca de cinco pontos percentuais– notam-se alguns desequilíbrios salariais, com cerca 11,3% dos inquiridos a responder que ganham menos de cem contos, 19,5% entre 101 contos e 150 contos, 19,9% entre 151 e 200 contos, 17,7% entre 201 e 250 contos e os restantes 31,6% acima disso.

“Honestidade” e “rigor” são, por seu turno, as regras de ouro para a maioria dos jornalistas do país (49,5%), sendo seguidas pela “credibilidade” (21,6%).  A “objectividade/imparcialidade” surge em terceiro lugar neste grupo de parâmetros importantes para a actividade jornalística, evidenciando que vai alguma crise no paradigma da objectividade enquanto regulador fundamental do trabalho jornalístico, como era há alguns anos atrás.

 

 

Acção social

 

Podemos, intuitivamente, dizer que, independentemente da vontade dos jornalistas, apenas uma pequena parcela de todo o tipo de factos se converte em notícia, até porque grande parte deles não são promovidos ou representam situações perspectivadas como “normais” numa sociedade.  Por consequência, podemos intuir que há notícias potenciais que acabam por participar na construção social da realidade e que outras não.  Os estudos sobre newsmaking lançam alguma luz sobre esse fenómeno global, enfatizando vários mecanismos que transcendem a acção pessoal do jornalista, entre os quais a acção social.

Em termos de acção social, é preciso fazer notar, por exemplo, que as organizações burocratizadas em que os news media se tornaram têm uma grande dependência dos canais de rotina (conferências de imprensa, tribunais, agências noticiosas, press-releases —algumas organizações têm mesmo agentes especializados em tornar as mensagens suficientemente atractivas para passarem todos os gates—, acontecimentos mediáticos, photo opportunities, etc.).  Essa dependência é, provavelmente, mais elevada do que a dependência das actividades empreendedoras dos jornalistas e dos canais informais (troca de informação em background, etc.). 

Por outro lado, a negociação entre os jornalistas e as fontes pode, julgo, situar-se ao nível da acção social, uma vez que traduz interacções em sociedade que transcendem uma única pessoa, embora não seja de excluir que a vontade de uma pessoa poderosa possa sobrepor-se e não “compatibilizar-se” com a do jornalista, representando, deste modo, um dispositivo categorizável na acção pessoal.  Porém, reportando-nos à negociação entre os jornalistas e as fontes, importa dizer que 90,6% dos jornalistas inquiridos no Segundo Inquérito Nacional aos Jornalistas Portugueses, dirigido por José Luís Garcia, dá conta de já ter sofrido pressões no exercício da sua actividade profissional, sendo que 30,3% revelam que essas pressões se sentem “muitas vezes” e  60,3% “poucas vezes”.  De acordo com os dados do mesmo inquérito, 43,2% dos jornalistas inquiridos afirmou que existem tantas pressões internas como externas, 29,7% que existem mais pressões externas do que internas e 24,5% que existem mais pressões internas do que externas.  As pressões externas proviriam de grupos de interesse político-partidários (85,8%), empresariais (61,5%), governamentais (57,1%), desportivos (41,6%), religiosos (20,8%) e jornalísticos (20,4%).  As pressões internas seriam principalmente provenientes da administração (47,1%), da direcção de informação (43,4%) e das chefias (41,2%).

Os valores compartilhados pelos jornalistas também podem ser considerados como um mecanismo de acção social que se sobrepõe à acção pessoal, embora ambas sejam temperadas por uma acção cultural.  Por exemplo, Gans (1980) defendeu —e parece-me que com alguma oportunidade— que os valores partilhados pelos jornalistas dos órgãos de comunicação social americanos que ele analisou eram um dos factores conformativos das notícias, uma vez que viriam ao de cima na hora de selecção dos acontecimentos e das notícias durante as reuniões de coordenação editorial.  Os valores identificados por Gans foram: etnocentrismo, democracia altruística, capitalismo responsável, nostalgia das pequenas cidades de província, individualismo, moderação, desejo de liderança nacional e desejo de ordem social.  Todavia, apesar do seu interesse, o trabalho de Gans não está isento de críticas.  Michael Schudson (1988) refere, nomeadamente, que as origens sociais comuns dos jornalistas —explicação que Gans dá para o carácter partilhado dos valores que identificou— podem não determinar os seus valores: a socialização faria o jornalista abrir-se às opiniões e valores que encontraria na redacção.

 

 

A tirania do factor tempo

 

O factor tempo é algo que conforma a notícia e que transcende a acção pessoal do jornalista, encontrando expressão nos constrangimentos socio-organizacionais e socio-económicos que condicionam o sistema jornalístico e na própria cultura profissional.

Durkheim (citado por Schlesinger, 1977) defendeu que o tempo é mais um produto objectivado na vida social do homem do que uma categoria a priori.  É uma ideia que partilho e que constitui o ponto de partida de Schlesinger (1977) para a análise da tirania do factor tempo no jornalismo, profissão que necessitaria de um excepcional grau de precisão nos timings (Schlesinger, 1977: 178).

Para este autor, a compreensão das origens das notícias aumenta quando se considera o factor tempo.  Os jornalistas seriam membros de uma cultura cronometrada, teriam uma espécie de cronomentalidade que os faria até associar a classificação de notícias ao factor tempo (spot news, running story, hot news, etc.) e a perspectivar a capacidade de vencer o tempo como a demonstração mais clara de competência profissional.  “O curso segue um regular ciclo diário, cuja cadência é pautada pelas deadlines.  Estas e os inexoráveis ponteiros do cronómetro são dois dos mais potentes símbolos na cultura profissional do jornalista.”  (Schlesinger, 1977; 1993: 179)  Consequentemente, julgo que o factor tempo afecta o news judgement, logo até por estabelecer um conceito de actualidade.  E, afectando o julgamento noticioso, afectará igualmente o processo global de newsmaking, nomeadamente ao nível da selecção (gatekeeping).  As informações mais actuais teriam, assim, mais hipóteses de passar pelos portões.

As horas de fecho forçam o jornalista a parar a recolha de informação e a apresentar a história, classificando, hierarquizando, seleccionando e integrando apenas as informações  recolhidas até esses limites horários (pegando nas palavras de Giner ao III Congresso dos Jornalistas Portugueses, os jornalistas permanecerão mesmo mais tempo a “fechar” do que a planificar, que seria aquilo que mais falta lhes faria).  Tuchman (1977) nota que a situação relatada tende a causar buracos temporais na rede de captura de acontecimentos (à semelhança dos buracos geográficos, institucionais e organizacionais), pois os acontecimentos fora das horas normais de trabalho apresentam menores hipóteses de serem cobertos.

Philip Schlesinger (1977; 1993: 179), referindo-se a Park (1966), faz notar que a notícia é efémera, transitória, altamente deteriorável e possuidora de um valor de utilização que baixa rapidamente.  A isto acresce que a noção de actualidade jornalística variaria em função do mercado para o qual se produzem as notícias.  (Schlesinger, 1977; 1993)  Para uma agência, por exemplo, quase só a actualidade "quente" (valores do imediatismo e da rapidez) constituiria a actualidade, mas num semanário a informação que já tem três ou quatro dias poderá ser informação considerada actual.

Para Schlesinger (1977), foram as condições de mercado, nomeadamente a competitividade empresarial entre as empresas jornalísticas, a moldar inicialmente os valores temporais que hoje se encontram inseridos na cultura profissional dos jornalistas, ou seja, a ligação actual do jornalista ao factor tempo já é mais baseada na cultura profissional do que no carácter da notícia como mercadoria rapidamente deteriorável.  Ainda assim, “A definição da notícia como artigo deteriorável, a concorrência dentro de uma estrutura (restrita) de mercado, e uma atitude particular em relação à passagem do tempo estão estritamente ligadas.”  (Schlesinger, 1977; 1993: 180)

A pressão do tempo, agudizada pela competitividade, levaria ainda os jornalistas a relatar frequentemente as histórias em situações de incerteza, quer porque nem sempre reúnem os dados desejados quer porque necessitam de seleccionar rapidamente acontecimentos e informações.  O factor tempo impediria também a profundidade, razão pela qual as notícias se concentrariam no primeiro plano (foreground) em detrimento do plano contextual de fundo (background), o que contribuiria para abolir a consciência histórica.  (Schlesinger, 1977)

 

 

Rotinas

 

Podemos considerar que rotinas são os processos convencionalizados e algo mecanicistas de produção de alguma coisa que, sem excluir que determinadas pessoas tenham rotinas próprias ou que a cultura e o meio social afectem essa produção, me parece obedecerem essencialmente a factores socio-organizacionais. 

Quer as ciências sociais quer o jornalismo têm rotinas e tanto num como noutro caso elas desenvolveram-se para ajudar as pessoas envolvidas a construir sentidos para o mundo e a interpretar situações ambíguas.  (Tuchman, 1972; 1974;  Kidder e Judd, 1986)  No jornalismo, podem ser consideradas como respostas práticas às necessidades das organizações noticiosas e dos jornalistas.  (Shoemaker e Reese, 1996: 108)

As rotinas, enquanto padrões comportamentais estabelecidos, são, entre os processos de fabrico da informação jornalística, os procedimentos que, sem grandes sobressaltos ou complicações, asseguram ao jornalista, sob a pressão do tempo, um fluxo constante e seguro de notícias e uma rápida transformação do acontecimento em notícia, isto é, permitem ao jornalista que “controle” o seu trabalho (Traquina, 1988).  Ao mesmo tempo, as rotinas defendem os jornalistas e as organizações noticiosas das críticas e dos riscos elevados (o uso de aspas, ou a contrastação de fontes, tal como Tuchman (1972) chamou a atenção, seriam exemplos dessas “rotinas defensivas”). 

O facto de serem usadas como mecanismos de defesa não torna as rotinas jornalísticas em instrumentos perfeitos ou menos problemáticos.  Pelo contrário, enquanto sistemas de processamento de informação, estão sujeitas a distorções (bias), até porque não haveria sistemas de processamento de informação totalmente adequados, mesmo nas ciências sociais. (Tuchman, 1977)  Ao invés, quer os cientistas sociais quer os jornalistas parecem recorrer rotineiramente ao que Kuhn (1962) designou por paradigmas, ou seja, a formas de representação da realidade baseadas em suposições largamente compartilhadas sobre como processar e interpretar a informação.  Estes paradigmas apenas nos dão informação sobre coisas que consideramos úteis em formas que consideramos aceitáveis e são baseados em crenças correntes e expectativas compartilhadas, pelo que as pessoas tendem a considerá-los como dados adquiridos.  (Shoemaker e Reese, 1996: 17)

Um caso relatado por Shoemaker e Reese (1996: 251), que tem a ver com o exercício profissional do fotojornalismo, pode ajudar-nos a compreender que os paradigmas jornalísticos não são directamente impostos (tal como acontece com as ideologias jornalísticas), embora sejam, parcialmente, um produto dos processos jornalísticos —organizacionais, ideológicos, culturais, etc.— de mediação da informação.  Os paradigmas estão continuamente a ser negociados, pois, frequentemente, os valores confrontam-se, como acontece no caso que a seguir relatamos: em 1993, Mike Meadows, um fotojornalista do Los Angeles Times, foi despedido por ter realizado uma fotografia encenada de um bombeiro aspergindo-se com água de uma piscina, tendo por fundo uma casa a arder.  O seu editor considerou que se tratava de uma forma de manipulação da notícia.  Ele tinha, afinal, ultrapassado o paradigma jornalístico que considera determinados procedimentos rituais e rotineiros de “objectividade” fotojornalística a única forma de reportar a realidade social, o mesmo paradigma que promove, de certa forma, na nossa opinião, a ideia de que a fotografia pode ser um espelho do real, quando, de facto, ela não o parece ser.

As rotinas podem ser consideradas como meios para a prossecução de um fim, que se institucionalizaram, adquirindo uma espécie de vida e legitimidade próprias.  Tuchman (1977) assinalou até que os jornalistas que fizeram das rotinas os seus modos de processamento de notícias são valorizados pelo seu profissionalismo, embora, na minha opinião, talvez na actualidade esse fenómeno esteja mais atenuado, pois o jornalismo, usando um casamento de conveniência com o entretenimento, por um lado, e com a análise profunda, contextual e rigorosa, por outro (Barnhurst e Mutz, 1997), cada vez necessita mais da diferença e da criatividade.  Porém, Daniel Hallin (1992) frisou que, ao longo do tempo, os jornalistas foram aceitando as estruturas burocratizadas da sala de redacção e as correspondentes rotinas profissionais.

As rotinas, até porque muitas vezes diferem de organização para organização, são frequentemente corrigidas, mas, na minha opinião, são também o elemento mais visível que permite mostrar que a maior parte do trabalho jornalístico não decorre de uma pretensa capacidade intuitiva para a notícia nem de um hipotético “faro” jornalístico, mas de procedimentos rotineiros, convencionais e mais ou menos estandardizados de fabrico da informação de actualidade.

As características empresariais dos órgãos de comunicação também tiveram —na minha opinião— o seu papel no surgimento das rotinas profissionais, já que implicam uma gestão criteriosa dos recursos humanos e materiais, de forma a potenciar os lucros, diminuir os custos de exploração e racionalizar os processos de trabalho.  A divisão do trabalho surge, assim, como uma forma de assegurar que o fabrico do produto se realize, bastando, para tal, assegurar o fornecimento regular de matéria-prima, que, no caso do jornalismo, é, principalmente, matéria-prima informativa, isto é, o seu referente discursivo, o acontecimento em bruto.

As rotinas jornalísticas trazem, a meu ver, algumas desvantagens:

— Podem distorcer ou simplificar arbitrariamente o mundo dos acontecimentos (Traquina, 1988);

— Constrangem os jornalistas;

— O jornalismo tende a cair numa actividade burocrática e o jornalista passa a assemelhar-se a um burocrata, o que pode ter consequências directas para as funções socialmente instituídas dos news media, sobretudo para as funções da informação, da vigilância e do controle dos poderes; por outro lado, só burocracias podem garantir ao “jornalismo burocrático” fluxos constantes de matéria-prima informativa garantida e minimamente credível, pelo que os órgãos jornalísticos, face à pressão do tempo e devido à escassez relativa de recursos humanos, vão preferir fontes acessíveis, com horários compatíveis, centralizadas e sistemáticas, de onde o privilégio outorgado às instâncias políticas, económicas, desportivas ou outras susceptíveis de garantir o fornecimento constante de “acontecimentos”, nem que seja o lançamento de comunicados;

— O jornalismo, como se vê pelo ponto anterior, cai na dependência dos canais de rotina, o que leva à institucionalização (e legitimação “normalizada”) de determinadas fontes e aos problemas decorrentes das relações pessoais aprofundadas, como o estabelecimento de laços de amizade e confiança que possam, em determinados momentos, comprometer ou condicionar os jornalistas e desvirtuar a informação.  A grande dependência da matéria-prima informativa que os órgãos de comunicação jornalística sentem em conjunção com a institucionalização de determinadas fontes e com a atenção votada às figuras-públicas gera, por seu turno, as seguintes consequências: 1) acesso socialmente estratificado aos news media; 2) utilização dos news media para difusão de enunciados oriundos das agências de relações públicas e de assessoria de imprensa, de outras organizações ou até de determinadas pessoas; 3) utilização frequente da informação de agência, muitas vezes em detrimento da produção própria, o que traz, por consequência, uma diminuição da polifonia democratizante em favor da uniformidade; e 4) impossibilidade de substituição das fontes institucionais sob pena de parar o fluxo de matéria-prima.  Por todas estas razões, as rotinas transformaram-se, a meu ver, num poderoso inimigo da abertura democrática e polifónica dos órgãos jornalísticos ao público em geral;

— A utilização rotineira de fontes “oficiais”, podendo explicar-se porque essas fontes têm capacidade para fornecer regular e convenientemente informação autorizada e clara que poupa aos jornalistas os inconvenientes das investigações em profundidade e da recorrência a especialistas para descodificação, facilita a manipulação. Daniel Hallin (1989) salientou, inclusivamente, que o profissionalismo —promovendo a dependência das rotinas— fortaleceu as relações entre a imprensa e o Estado, nomeadamente através do recurso por parte dos jornalistas às fontes “oficiais”.  Estas, crescentemente usadas, ter-se-iam tornado responsáveis pela validação e autenticação do produto noticioso, em detrimento do jornalista.  Porém, ao praticar crescentemente a análise, o jornalista estará, na minha perspectiva, a recuperar algum do seu protagonismo;

— As rotinas tornam as notícias semelhantes  nos diversos órgãos de comunicação social; esta semelhança poderá dar ao jornalista a sensação de que, se todos fazem igual a ele, é porque a forma como faz as coisas é a "correcta", mas gera uniformidade nos produtos informativos em circulação, o que não traz nada de bom à democracia, que vive da diferença e dos consensos que se geram apesar dessas diferenças.  Poderá ainda dar ao jornalista a sensação de que compreende realmente o que se passa.  (Traquina, 1988)

Nas organizações noticiosas em que as rotinas são mais importantes, o produto será, à partida, menos diversificado, até porque a selecção operada pelos gatekeepers tenderá para a uniformidade.  As variações produtivas em função de cada pessoa indicia a relevância da acção pessoal do gatekeeper.

Intuitivamente também, podemos dizer que as deadlines rotineiras também afectarão a produção noticiosa, já que os gatekeepers ficam constrangidos a seleccionar em função das opções que têm e dos factores que conseguem ponderar num espaço de tempo limitado.

A consulta de outros jornalistas e media também pode, julgo, após tantas vezes a ter observado, ser considerada uma rotina.  Podemos talvez mesmo afirmar, em consonância com o que já foi dito, que os jornalistas são tendencialmente bastante sensíveis uns aos outros e que tendem, igualmente, a confirmar as percepções que têm do mundo uns pelos outros.  Os fotojornalistas da Agência Lusa, por exemplo, consultam diariamente os jornais, observando o seu trabalho que foi publicado, mas também o trabalho dos outros, que, frequentemente comentam e comparam com o seu.  Por um lado, isso pode levar à imitação de certos estilos e abordagens, avaliadas como “correctas”; por outro, pode, inversamente, estimular o desejo de diferenciação, quer quando os formatos observados são diferentes das convenções profissionais, quer quando, paradoxalmente, se pretende fugir às convenções.  (Sousa, 1997)

 As sessões para fotografias (photo opportunities), usuais nas ocasiões de Estado, e as conferências de imprensa mostram, por seu turno, as rotinas empregues pelos interessados para aparecerem nas notícias.   Todavia, o crescente recurso a photo opportunities, a conferências de imprensa, ao mecanismo da acreditação dos jornalistas, ao funcionamento em pools ou mecanismos similares fez crescer a dependência das organizações noticiosas, tornando, consequentemente, mais fácil a manipulação.

 

 

Acção socio-organizacional

 

Geralmente, os jornalistas não trabalham sozinhos, mas em organizações, uma espécie de sistemas mais ou menos abertos e interactuantes com o meio que, no caso das organizações noticiosas, a partir de inputs informativos fabricam notícias e disseminam ideias, participando, portanto, na indústria cultural ou indústria de produção simbólica (conferidora de sentidos para o mundo).  A actuação dos jornalistas depende, pois, das circunstâncias, diria Ortega y Gasset.  E essas circunstâncias, parcialmente, remetem-nos para as organizações e, por conseguinte, para uma acção socio-organizacional de conformação da notícia.

A análise organizacional permitir-nos-ia, assim, explicar algumas das variações no conteúdo dos media que não podem ser atribuídas às rotinas, às convenções ou aos jornalistas individualmente considerados.  Por exemplo, um editor pode pretender a criação de novas delegações para mais adequadamente cobrir a comunidade ou o país em que se insere, mas a Administração da empresa poderá não aceitar.  As razões financeiras —e não esqueçamos que a generalidade das organizações noticiosas visa o lucro— funcionam, assim, como constrangimentos organizacionais ao conteúdo dos news media, podendo mesmo afectar as decisões editoriais.  A rede que as organizações noticiosas estendem para capturar o acontecimento funciona na prática como um dispositivo de constrangimento organizacional, pois os locais onde a empresa jornalística não coloca “pescadores” de notícias serão inevitavelmente objecto de menor cobertura.  Por outro lado, os locais onde o órgão de comunicação mais esforços concentra apresentarão um índice maior de potencialidade de cobertura.  Em Portugal, o facto de Lisboa concentrar um maior número de jornalistas do que o resto do País leva precisamente a esse tipo de distorções não pretendidas na cobertura noticiosa da sociedade portuguesa, pois tende-se a conferir um protagonismo inusitado à capital em detrimento do resto do País, principalmente do interior.

Apesar de tudo, mesmo quando falamos de rotinas falamos essencialmente de uma acção socio-organizacional ou, pelo menos, de um nível intermédio entre a acção pessoal e a acção organizacional, já que cada jornalista também terá os seus próprios procedimentos de rotina (por exemplo, um jornalista poderá noticiar as conferências de imprensa sempre da mesma forma).

Warren Breed (1955) foi um dos primeiros investigadores a sugerir que alguns jornalistas eram influenciados por forças socializadoras na redacção.  Breed afirmava que a socialização dos jornalistas numa organização noticiosa dependeria de seis processos não evidentes de recompensa-punição: 1) autoridade institucional e sanções; 2) progressão na carreira profissional; 3) sentimentos de obrigação e estima para com os seus superiores; 4) ausência de conflitos de lealdade; 5) prazer do exercício do jornalismo; e 6) jornalismo como valor.  Para o autor, a gratificação do jornalista socializado na redacção concretizava-se sobretudo no alcançar de um estatuto entre os seus colegas e os seus superiores, mais do que na capacidade de influenciar pessoas, na resposta do público perante o seu trabalho ou na defesa de ideais pessoais ou profissionais.

Leon Sigal (1973), por seu turno, descobriu, num estudo sobre as primeiras páginas do The New York Times e do Washington Post, que o número de assuntos sobre as cidades, o país e o mundo tendia a ser o mesmo ao longo do tempo, tendo concluído que isso se devia à organização da redacção em três secções principais (cidade, país e estrangeiro) e à competição entre os editores das três secções pelo espaço na primeira página.  Seria também a lógica de funcionamento das organizações jornalísticas, especificamente as rotinas, que, para o autor, levaria a que os leads de notícias sobre o mesmo assunto, embora editadas por órgãos de comunicação social diferentes, fossem semelhantes.

As organizações noticiosas exercerão, de facto, algum poder sobre os jornalistas, logo até devido aos mecanismos da contratação, do despedimento e da progressão na carreira.  Como à organização interessa, à partida, ter pessoas adaptadas à sua dinâmica interna, percebe-se que o jornalista será sempre constrangido pela política editorial e pela forma de fazer as coisas no órgão de comunicação social para o qual trabalha.  Parafraseando o que Carey (1986) escreveu, podemos até dizer que entre os constrangimentos organizacionais se inscrevem os processos que levam à rotinização da produção jornalística, ao estabelecimento de hierarquias e à imposição artificial de alguma ordem na erupção aleatória dos acontecimentos.

Matejko (1967) analisou a redacção (newsroom) como um sistema social e a maneira como este sistema influenciava os jornalistas e o trabalho que estes faziam.  Para ele, a redacção, enquanto sistema social, (1) conduziria à realização dos fins pessoais e profissionais dos seus membros, (2) estaria ajustada ao ambiente, (3) seria dirigida com maior ou menor eficácia e (4) permitiria mais criatividade quanto mais elástica fosse.

Em grande medida, a aprendizagem socializadora de um jornalista ao integrar uma organização noticiosa passa pela observação e pela experiência, talvez até pela imitação (cf. Sousa, 1997).  A apreensão de determinados procedimentos organizacionais evitará, por exemplo, as críticas dos seus superiores, como Tuchman (1972) mostrou ao falar dos “rituais estratégicos de objectividade”.  Através da socialização, apreendem-se também os valores já existentes partilhados pelos jornalistas da organização.  Por exemplo, um jornalista de uma determinada organização poderá pensar que o jornalismo que aí se faz não o satisfaz pessoalmente, já que preferiria, por exemplo, um jornalismo mais planificado e menos centrado quase unicamente na vital preocupação de “fechar”, ou mais investigação jornalística, etc..  No entanto, ele, enquanto profissional, sujeitar-se-á aos constrangimentos organizacionais para poder continuar empregado e a ser reconhecido pelos seus pares, usufruir de um salário e progredir na carreira.  Neste caso, um determinado tipo de profissionalismo leva a que um jornalista se integre na organização e às formas de aí se fazerem as coisas, sendo recompensado, “em troca” da sua integração, através do sistema de recompensas dessa mesma organização, como os salários e a progressão na carreira.  Bastante a propósito, Soloski (1989; 1993:100) assinala:

 

 

“A natureza organizacional das notícias é determinada pela interacção entre o mecanismo de controlo transorganizacional representado pelo profissionalismo jornalístico e os mecanismos de controlo representados pela política editorial.  Em conjunto, estes mecanismos de controlo ajudam a estabelecer as fronteiras do comportamento profissional dos jornalistas.  Seria errado supor que essas fronteiras ditam acções específicas da parte dos jornalistas; melhor, estas fronteiras fornecem uma estrutura para a acção.  As fronteiras são suficientemente amplas para permitir aos jornalistas alguma criatividade (…).  Por outro lado, as fronteiras são suficientemente estreitas para se poder confiar que os jornalistas agem no interesse da organização jornalística.”

 

 

Saliente-se ainda que as organizações noticiosas que não possuem uma estrutura burocratizada poderão, à partida, apresentar produtos mais variados do que aquelas que a possuem.  A dimensão de uma organização também poderá influenciar o processo de fabrico jornalístico das notícias, tal como o podem os recursos organizacionais.  As grandes organizações tendem a ser mais regulamentadas e menos flexíveis, pelo que o seu produto é mais uniforme.  E se uma organização não tiver recursos (técnicos, humanos, financeiros…) para enviar um jornalista a cobrir certos acontecimentos, então a produção noticiosa tenderá igualmente para uma menor diversidade.

A adopção de novas tecnologias por uma organização também pode ter os seus efeitos ao nível do conteúdo das notícias.  Por exemplo, a adopção de tecnologias digitais de tratamento de imagem permite a manipulação das imagens fotográficas a um nível impensável nos laboratórios tradicionais.  Um jornal também poderá, através de redes como a Internet ou televisões como a CNN, dilatar as suas fontes de dados e imagens; e se esse jornal for cliente de uma agência como a Lusa, a concorrência aumentará.

Por outro lado, a integração de jornalistas dentro de um grupo coeso poderá transformar esse grupo, em larga medida, numa comunidade interpretativa[13] (cf. Zelizer, 1993), sujeita, enquanto tal, a fenómenos de pensamento de grupo (groupthink), conforme a noção avançada por Janis (1983).

 

 

Acção social extra-organizacional

 

O processo de newsmaking deve, em princípio, ser afectado pelo sistema social global em que uma organização noticiosa se insere.  É com base nesse pressuposto que falamos de uma acção social extra-organizacional de conformação das notícias.

As fontes, uma vez que são, de alguma forma, e quase sempre, gatekeepers externos aos órgãos de comunicação social, são também, talvez, o factor externo aos media em que se pode atentar de imediato.  Elas seleccionam as informações que passam às organizações noticiosas e aos jornalistas, quando estes não têm experiência directa do que ocorre.  Consequentemente, podem mobilizar ou não a atenção do jornalista, co-determinando se um assunto será ou não agendado e, por consequência, se uma mensagem passará ou não o “portão”.

Será também preciso notar que, apesar de todas as “desconfianças” com que os jornalistas tratam certas fontes, ambos estes pólos são interdependentes, pois fácil é concluir que, geralmente, o jornalista está tão interessado nas fontes como as fontes nos jornalistas.  Um jornalista pode, por exemplo, desconfiar da sinceridade do Presidente da República, mas, de algum modo, ele precisa de cobrir as acções do Presidente da República, porque, à luz dos critérios de noticiabilidade vigentes, esse é um modo de assegurar que a produção de informação se faz em contínuo e sem grandes sobressaltos ou complicações.

Quase intuitiva e empiricamente podemos dizer que as fontes não são iguais, nem em posição e relevância social, nem em poder de influência, nem nos meios a que recorrem, nem em volume de produção de informação direccionada para os jornalistas, nem na qualidade das mensagens que emitem, etc.  Mais: podemos afirmar que quaisquer mensagens de quaisquer fontes, uma vez enquadradas, tratadas, apresentadas e difundidas pelos news media, são, à partida, passíveis de ter efeitos, nomeadamente ao nível da construção social da realidade, particularmente da outorgação de sentidos e da edificação de referentes.  Em última análise, porém, tudo dependerá da resposta do consumidor da informação.

O jornalismo, na visão ocidental e democrática, existe para informar, comunicar utilmente, analisar, explicar, contextualizar, educar, formar, etc., mas também existe para tornar transparentes os poderes, para vigiar e controlar os poderes de indivíduos, instituições ou organizações, mesmo que se tratem de poderes legítimos manifestados no sistema social.  Este, como qualquer outro sistema, terá tendência a perpetuar-se.  Por vezes, todavia, a ideia que fica é que a situação inversa é dominante, isto é, os poderes controlariam e influenciariam mais os meios jornalísticos do que o contrário. 

Os meios jornalísticos actuariam sobretudo através do acto de informar os cidadãos, no pressuposto de que estes são actores responsáveis num sistema social de que fazem parte e sobre o qual devem intervir.  Informar jornalisticamente será, assim, em síntese, permitir que os cidadãos possam agir responsavelmente.  Entreter “jornalisticamente”, pelo contrário, tende a degradar, em maior ou menor grau, essa função informativa e, consequentemente, reguladora e mediadora, que os meios de comunicação possuem na sociedade.

Face ao que disse, não será difícil concluir que os processos de selecção das fontes jornalísticas são importantes e mesmo problemáticos.  Gans (1980), por exemplo, provou que nos Estados Unidos as fontes de maior poder económico e político tinham um acesso privilegiado aos meios de comunicação social e, portanto, tinham também um poder maior de fazerem passar as mensagens que desejassem pelos vários “portões” e de influenciarem os conteúdos dos meios jornalísticos.  Além disso, os poderosos tendiam a ser representados em actividades “dignificantes” enquanto as restantes pessoas —que se teriam de se fazer notar para terem acesso aos media— eram geralmente notícia por actividades “menos ou nada dignificantes”, como crimes, manifestações, etc.  Goldenberg (1975), já tinha também chamado a atenção para o facto de que os grupos e as pessoas com poucos recursos poderiam ter de recorrer a actos desviantes para atrair a atenção dos news media.

Da mesma maneira, James Curran (1996) distinguiu várias formas de pressão que os poderes podem exercer sobre a comunicação social, na mira de a tornar dócil, acomodada e orbitando em torno desses poderes.  Entre elas, podem-se relevar algumas:

— Rotinas e valores-notícia tendem a excluir da cobertura noticiosa as pessoas de menor prestígio, em favor das poderosas;

— As convenções estéticas centram-se nas pessoas;

— O poder e os recursos têm uma divisão desigual; ora, na versão do autor, os sistemas de pensamento e as imagens que ocorrem aos jornalistas, sob a pressão do tempo, seriam os sistemas e as imagens dominantes na sociedade, que, por sua vez, seriam os sistemas e as imagens dos poderes com mais recursos;

— O poder ambivalente do Estado levaria as elites tradicionais a terem um acesso mais facilitado às instituições do Estado e a poderem, assim, controlar ou influenciar com maior peso a comunicação social, mantendo-a dentro das fronteiras do “aceitável”.

Os jornalistas, à partida, estão interessados em fontes abertas, capazes de providenciar toda a informação credível de que eles necessitam “desesperadamente” para que o produto noticioso possa ser fabricado.  Em princípio, as fontes estão interessadas em que os jornalistas usem tudo o que elas pretendem, ou seja, que toda a informação que disponibilizam passe pelos “portões”.

Dyer e Nayman (1977) salientaram que fontes e jornalistas (gatekeepers) beneficiavam mutuamente com a sua relação, já que as primeiras ganhavam acesso a uma determinada audiência e os segundos obteriam regularmente informações credíveis para a fabricação de notícias.  Mas a necessidade regular de informações credíveis que os jornalistas revelam resulta na dependência de fontes burocratizadas.  (Gandy Jr., 1982)

Segundo Donohue et al. (1972), a identificação do jornalista com a fonte ou com a informação disponibilizada por esta pode estimular o controle da fonte sobre os conteúdos da informação.  E, segundo penso, poderá também levar o jornalista a ser acrítico para com a fonte, a recorrer a essa fonte para que ela diga o que ele próprio gostaria de dizer e a poder mais facilmente ser usado pela fonte como um simples intermediário para informação manipuladora ou para informação que funcione como um “balão de ensaio”.  Também é uma hipótese a considerar que a informação com que cada jornalista-gatekeeper se identifica passe mais facilmente por alguns portões.

Os problemas de acesso às fontes podem levar os jornalistas a usar mais as fontes organizacionais que as individuais, pois, geralmente, as organizações têm um horário de funcionamento mais ou menos coincidente com a laboração jornalística e possuem um staff a tempo inteiro, contactável, portanto, na generalidade das ocasiões.  O recurso às fontes “oficiais” elevaria a performatividade dos jornalistas, já que estes estariam concentrados em pessoas acessíveis, vistas como tendo coisas importantes e credíveis para dizer.

Os políticos, os grupos de pressão e os agentes de relações públicas, nomeadamente quando estão afectos aos poderes político e económico bem como a determinados grupos de interesse —e enquanto fontes interessadas na divulgação de determinadas informações e ideias, bem como na supressão da divulgação de outras— incluem-se, provavelmente, entre as fontes mais problemáticas, até porque, frequentemente, actuam como promotores de pseudo-acontecimentos, de acontecimentos-mediáticos ou mesmo de determinadas construções de sentido para certas notícias e para certos acontecimentos, por exemplo quando intervêm nos debates dentro do espaço público com todo o seu peso mediático.  De facto, o espaço público jornalístico é essencialmente um espaço tendencialmente ocupado por meia dúzia de protagonistas.

Os outros órgãos de comunicação social —sobretudo as agências noticiosas, mas também certos quality papers, etc.—, nomeadamente devido ao seu papel de definidores da agenda (agenda-setters) para com outros órgãos de comunicação social, também podem influenciar o processo de gatekeeping numa dada organização noticiosa.  (Shoemaker, 1991: 67)

Os interesses da audiência —e até porque, se não tiverem subsídios ou outras modalidades de apoio, os órgãos de comunicação social não subsistem sem audiência— poderá também ser um factor susceptível de influenciar o processo de fabrico das notícias, porque o jornalista pensará naquilo que a audiência pretende.  Apesar de alguns estudos apresentarem conclusões contraditórias, é provável que as percepções dos jornalistas sobre aquilo que a audiência quer possam ser um factor influente da selecção de informação.  (Shoemaker, 1991: 62-63)  Porém, apesar de os jornalistas continuarem, geralmente, subinformados sobre as suas audiências (Shoemaker e Reese, 1996), os estudos de marketing devem ter contribuído para atenuar a situação.  Daí que os desejos e as necessidades das audiências devam estar a crescer de facto em importância como um factor de conformação das notícias.

Como a generalidade dos órgãos de comunicação social nos sistemas capitalistas visam o lucro (ou, pelo menos, o equilíbrio financeiro), é preciso contar ainda com o factor mercado como potencial influenciador do processo de fabricação de notícias.

O peso dos anunciantes, entre os quais se inscreve o próprio Estado, nomeadamente o Governo, também poderá ser grande na generalidade dos órgãos de comunicação social e, portanto, as suas pressões poderão ser um factor constrangedor do processo de fabrico das notícias.  Se houver um enfeudamento ao poder, nomeadamente ao Governo —e todos os governos exercem sempre algum controle sobre os news media, nem que seja ao nível das leis, regulamentos, licenças, impostos e, eventualmente, subsídios ou outras formas de ajuda financeira— tal pode trazer consequências negativas para a informação produzida.

Em síntese, podemos dizer que existe uma vasta gama de factores externos às organizações noticiosas que são susceptíveis de influenciar o conteúdo das notícias.  Por exemplo, as fontes podem reter, travar ou acelerar a difusão de informação e moldá-la aos seus interesses.  O jornalista, ao seleccionar as fontes que vai usar, já está a influenciar o conteúdo das notícias.  As fontes são, frequentemente, entidades interessadas na cobertura mediática, pelo que põem em campo tácticas adequadas a garantir não só essa cobertura mas também que essa cobertura se faça num ângulo favorável, que sejam desprezadas informações negativas para essas mesmas fontes e que acontecimentos desfavoráveis possam ser cobertos favoravelmente (actividade em que os spin doctors são especialistas).

A natureza e a dimensão do mercado em que uma organização noticiosa opera também são agentes provavelmente configuradores das histórias jornalísticas, em interligação com a busca do lucro ou, pelo menos, do equilíbrio financeiro, e com a saúde da economia da(s) empresa(s), do país e dos seus cidadãos.  Note-se, porém, que a competição não assegurará, julgo, só por si, uma crescente diversidade num determinado mercado.  Por exemplo, em Portugal, com ligeiras variações em alguns quality papers, a informação editada nos jornais parece-me globalmente padronizada nos temas abordados e nos estilos, embora ainda estejam por realizar pesquisas que confirmem esta hipótese.

 

 

Algumas “teorias” e estudos sobre fontes de informação e jornalistas

 

Algumas “teorias” sobre fontes de informação podem ajudar-nos a compreender as considerações atrás descritas.  Elas oscilam entre uma visão que enfatiza a ideia de negociação do sentido para os acontecimentos (entre jornalistas e fontes) e uma visão mais pessimista que vê o sentido de determinados acontecimentos como sendo previamente determinado, sobretudo quando as fontes são poderosas em recursos humanos e materiais e posicionamento socio-simbólico.  Alguns autores desenvolvem igualmente os seus estudos enfatizando o papel das rotinas, dos constrangimentos organizacionais, etc. na relação entre jornalistas e fontes.

 

 

A)     Sigal (1973)

 

Leon Sigal (1973) coloca a ênfase do seu estudo na ideia de que os conteúdos das notícias dependem daquilo que as fontes dizem e do tipo de fontes consultadas (oficiais e não oficiais), apesar da mediação das organizações noticiosas e das rotinas e convenções jornalísticas, entre as quais as formas através das quais o jornalista procura e/ou recebe informação. 

Sigal (1973) considera a existência de três tipos de canais informativos: 1) canais de rotina (que se estendem desde os acontecimentos oficiais aos press-releases); 2) canais informais (que vão dos encontros de associações cívicas às informações de outras organizações noticiosas); e 3) canais de iniciativa (que resultam da iniciativa dos jornalistas, como acontece num pedido de entrevista).  Segundo o autor, a confiança dos jornalistas nos canais de rotina diminui quando aumenta o recurso aos canais de iniciativa e quando aumenta o número de fontes contactadas (que podem trazer novas abordagens aos assuntos).  Porém, Sigal faz notar que as fontes de informação dominantes (governo, etc.) detêm um peso significativo nas notícias e que os “desconhecidos” necessitam de se fazer notar, frequentemente através de actos espectaculares, para serem notícia, o que os coloca em desvantagem, inclusivamente porque pareceriam menos respeitáveis que as fontes oficiais.

 

 

B) Molotch e Lester (1974)

 

Molotch e Lester (1974) apresentam o conceito de “promotores de notícias” para caracterizar as fontes que tentam transformar, por interesse, um facto num acontecimento público e/ou que tentam, por vezes simultaneamente, impedir que outros factos atinjam idêntico estatuto, destacando, por esta via, a intencionalidade como razão de ser do que a fonte divulga e do que não divulga.   Um agente de relações públicas, ao organizar uma conferência de imprensa, funcionaria, assim, como um “promotor de notícias”.  Porém -salientam os autores-, para que um facto adquira a dimensão de acontecimento público, ele necessita da actividade processadora, selectiva e difusora dos jornalistas.  No intuito de atingirem os seus objectivos, os news promoters tenderiam a aproveitar as rotinas vigentes nas organizações noticiosas.  Os “promotores de notícias” mais poderosos conseguiriam, inclusivamente, alterar essas rotinas produtivas a seu favor (Molotch e Lester, 1974: 124).  Os news media agiriam, consequentemente, no sentido da manutenção de uma espécie de hegemonia ideológica no meio social.  As notícias seriam uma construção e o campo jornalismo um espaço dinâmico em que interagiriam promotores de notícias e jornalistas (e o próprio público), que lutariam pela definição de sentidos para os factos, havendo factos que, nesse espaço negocial, seriam avaliados como acontecimentos e outros que não.

Entre os contributos interessantes do trabalho de Molotch e Lester (1974) estão a avaliação dos acontecimentos em termos de “carreira” (carreer line) e a apresentação de uma tipologia de acontecimentos relacionada com a forma de promoção dos mesmos (intencional ou não intencional) e com os “promotores” (quem transforma um facto num acontecimento pode ser um executor -ou seja, a pessoa ou pessoas envolvidas- ou um informador).  Nos acontecimentos de rotina coincidiriam promotores e executores, como acontece nas conferências de imprensa (embora, por vezes, seja difícil estabelecer a distinção entre quem promove e quem executa).    Nos acidentes, acontecimentos não-intencionais, os promotores diferem dos executores.  Por exemplo, um acidente numa central nuclear pode levar a que se conheçam falhas nos seus sistemas de segurança.  O terceiro tipo de acontecimentos é classificado na categoria de escândalos.  Estes ocorrem quando os informadores tornam um facto num acontecimento por terem propósitos diferentes dos executores, que ficam surpreendidos com a revelação pública das informações.  O quarto e último tipo de acontecimentos seria o serendipity, um acontecimento involuntário mas promovido pelo executor, que o tenta transformar num acontecimento de rotina ou modificar o seu sentido público primário através da sua actividade promocional.  Esses acontecimentos seriam, geralmente, invisíveis, e, portanto, não recuperáveis para a investigação sociológica.

 

 

C) Hall et al. (1978)

 

Hall et al. (1978) apresentaram o conceito do “primeiro definidor” de sentido para os assuntos noticiados.  Para esses autores, filiados na escola dos Estudos Culturais, esses primeiros definidores, devido ao seu poder e posição numa espécie de hierarquia de credibilidade, conseguiriam condicionar todas as interpretações posteriores àquelas que eles dão a um acontecimento.  Por exemplo, durante a Guerra do Golfo (1991) os militares de ambos os lados condicionaram o campo jornalístico, mas os militares americanos conseguiram, inclusivamente, passar a ideia de que a guerra era um conflito inteligente, cirúrgico e asséptico, quando a maioria das bombas que caíram sobre o Iraque eram gravitacionais, tal e qual as da Segunda Guerra Mundial.  Assim, os meios de comunicação jornalística estariam ao serviço da manutenção de uma hegemonia ideológica na sociedade, que suportaria estratégias não lineares de poder e dominação.  Porém, como notam Santos (1997) ou Traquina (1993), o modelo é excessivamente estruturalista, já que admite pouca autonomia dos jornalistas para a definição de sentidos para os acontecimentos e não dá espaço para ocorrências como as fugas de informação ou as iniciativas jornalísticas de demanda de informações junto das fontes.  Além disso, embora o acesso aos meios jornalísticos seja socialmente estratificado, Hall et al. ignorariam o facto de, por vezes, existirem definidores primários de sentidos para os acontecimentos com poder e credibilidade semelhantes que, não obstante, teriam visões diferentes sobre esses mesmos acontecimentos e competiriam pela outorgação de sentidos.  Esta situação alargaria o campo (negocial) onde se jogaria o sentido do acontecimento.

 

 

D) Gans (1980)

 

Gans (1980) observa que existem vários tipos de fontes informativas (institucionais, oficiosas, provisórias...; passivas e activas; conhecidos e desconhecidos) que interagem num sistema que alberga igualmente jornalistas (especializados ou não especializados) e público(s).  Os órgãos jornalísticos estabeleceriam as suas fontes de acordo com as suas necessidades produtivas e com o posicionamento das mesmas na estrutura social.  O acesso aos news media seria socialmente estratificado porque também as fontes não são idênticas nem têm idêntico relevo.  Por seu turno, os jornalistas especializados poderiam cultivar laços mais profundos com as fontes, no seio de uma relação negocial onde se vão estabelecendo direitos e obrigações recíprocas.  As fontes tentariam fazer passar a informação que mais lhes interessaria segundo o ângulo pretendido, enquanto os jornalistas procurariam obter informações que as fontes por vezes pretenderiam esconder, explorando ângulos alternativos. 

Para Herbert Gans (1980), as organizações noticiosas tendem para a passividade, enquanto as fontes interessadas tendem para a actividade.  Este facto tornaria os órgãos jornalísticos mais permeáveis às fontes mais activas, designadamente àquelas capazes de corresponderem rapidamente às suas necessidades informativas.  Mas Gans (1980) nunca abandona a sua perspectiva construcionista da notícia, onde destaca a ideia da negociação entre jornalistas e fontes informativas.  Todavia, o autor realça que existem vários factores que influenciariam a dominância de determinadas fontes sobre outras, como o seu poder, a sua credibilidade e a sua proximidade em relação aos jornalistas.  Os jornalistas, por seu turno, escolheriam as fontes em função da sua conveniência, aferida, segundo Gans (1980), não só em termos de fiabilidade e respeitabilidade mas também em termos de capacidade de produção de informação.  Além disso, para o autor, as fontes capazes de antecipar aos jornalistas oportunidades de recolha de informação tenderiam a ser mais seleccionadas (Gans, 1980).

 

 

E) Schlesinger (1992)

 

Philip Schlesinger (1992) recusa a classificação redutora das fontes nas categorias “oficial” e “não oficial”, uma vez que há grupos sociais que beneficiam do sistema (por exemplo, através de subsídios estatais) mas que conservam uma esfera de liberdade que lhes possibilita a crítica ao Governo e ao sistema.  Todavia, Schlesinger (1992) atenta na dominância das fontes enquadráveis no aparelho governativo.  Para ele, as fontes, de alguma maneira, competem pelo acesso aos meios jornalísticos, desenvolvendo acções tácticas ao serviço dessa estratégia do acesso, como sejam (a) a criação e manutenção de um ambiente capaz de garantir à fonte o sucesso da comunicação, através da cativação e sensibilização dos jornalistas, (b) a selecção apropriada dos meios-alvo ou (c) o fornecimento de mensagens capazes de corresponder aos critérios de noticiabilidade e a convenções jornalísticas, como as técnicas profissionais de redacção.  Nesse ambiente competitivo, seria ainda uma mais-valia para a fonte de informação conseguir prever e/ou neutralizar as reacções das fontes adversas.  Porém, como, segundo o autor, as fontes possuem recursos diferentes e como também é diferente o seu posicionamento social, torna-se identicamente desigual o acesso a esses meios (Schlesinger, 1992).

 

 

F) Blumler e Gurevitch (1995)

 

Blumler e Gurevitch (1995) estudam, principalmente, a relação entre políticos e jornalistas.  Eles destacam que as fontes informativas e os jornalistas desempenham papéis ajustados e muitas vezes cooperativos, devido aos interesses dos jornalistas em obter informação nova e aos interesses dos políticos em serem conhecidos e em fazerem passar determinadas informações, escondendo, neutralizando ou impedindo outras.  Todavia, frequentemente fontes e jornalistas teriam objectivos diferentes, o que enfatiza a ideia de negociação entre ambas as partes.  Porém, entre fontes e jornalistas tendem a estabelecer-se relações que assentam em direitos e obrigações mútuas, decorrentes de uma cultura partilhada.  Os jornalistas, por exemplo, tenderiam a defender a confidencialidade das fontes, os embargos ou os off-the-record, mas as fontes também compreenderiam, por exemplo, o valor da imparcialidade jornalística.  Os autores propõem, assim, um modelo de análise entre fontes e jornalistas.  Este modelo assenta na ideia de troca e decorre da prossecução dos interesses próprios de jornalistas e fontes informativas (Blumler e Gurevitch, 1995).

Para os autores, o conceito de fonte é ambíguo, devido à sua amplitude.  As informações de uma fonte individual podem ser avaliadas pela noticiabilidade do acontecimento, mas as informações fornecidas pelas fontes institucionais, para as quais os jornalistas orientariam a sua actividade, podem ser aceites devido à sua posição, autoridade e credibilidade. (Blumler e Gurevitch, 1995)

 

 

G) Curran (1996)

 

Curran (1996) considera a existência de dois tipos de pressões sobre os meios jornalísticos, as pressões do “topo para a base” e as pressões da “base para o topo”.  No primeiro caso inscrevem-se, segundo o autor, as pressões que levam o jornalismo a aproximar-se dos grupos socialmente dominantes.  No segundo caso, encontraríamos as pressões que levam o jornalismo a aproximar-se dos grupos sociais de base.

Entre as principais pressões “do topo para a base” encontraríamos as seguintes:

1)     Restrição à entrada no mercado jornalístico, devido aos elevados custos da actividade;

2)     Fenómenos de concentração da propriedade das empresas jornalísticas, agrupando, por vezes, os diferentes media (imprensa, rádio, TV, novos meios);

3)     Orientação consensual do jornalismo para o centro político, o que além do mais permitiria economias de escala;

4)     Orientação do jornalismo para os consumidores que garantam maiores níveis de consumo, que seriam os mais ricos;

5)     Fenómenos de censura e auto-censura decorrentes das tentativas de não ofender as entidades que publicitam nos órgãos jornalísticos;

6)     Rotinas e critérios de noticiabilidade tendem a excluir os “desconhecidos” do campo noticioso;

7)     Personalização das histórias, que centram as notícias nos indivíduos de maior projecção social;

8)     Desigualdade dos recursos dos grupos que querem ter acesso aos news media;

9)     Acesso privilegiado das elites ao Estado.

Entre as principais pressões exercidas da base para o topo situar-se-iam as seguintes:

1)     Práticas culturais alternativas dos “grupos sociais dominados”, o que permite a transmissão de uma herança cultural e de saberes alternativos sem recurso aos principais media;

2)     Pressões exercidas por grupos sociais de base;

3)     Poder, independência e autonomia dos jornalistas;

4)     Poder do consumidor, que pode deixar de consumir produtos jornalísticos;

5)     Capacidade de alguns grupos sociais de base criarem os seus próprios órgãos jornalísticos.

Para Curran (1996), as fontes, mesmo as privilegiadas, têm desigual acesso aos órgãos jornalísticos e diferentes estatutos perante os jornalistas.  Os órgãos jornalísticos não são, deste modo, identicamente acessíveis a todos nem tratam todos da mesma maneira.  No entanto, segundo o autor, não só os órgãos jornalísticos diferem entre si como também não excluem de todo os “grupos sociais dominados”.

 

 

H) Santos (1997)

 

Rogério Santos (1997) desenvolve um estudo em Portugal sobre as fontes e os jornalistas.  Entre as principais conclusões do autor ganha volume a ideia de que as fontes burocratizadas tendem a manter uma permanente disponibilidade de atendimento dos jornalistas e que procurariam traçar antecipadamente a ocorrência de acontecimentos, processando sistematicamente a informação que, depois, remeteriam aos jornalistas, de acordo com critérios de noticiabilidade adequados.  A fonte procuraria aceder aos meios jornalísticos através de tácticas destinadas a garantir a sua notoriedade e reconhecimento perante os jornalistas, como a continuidade nos contactos e o desenvolvimento de rotinas produtivas.  Porém, a credibilidade da fonte, segundo Santos (1997), dependeria sempre da instituição.  Os jornalistas, por seu turno, processariam a informação de acordo com os objectivos e a cultura da organização noticiosa que os enquadra.  A autonomia dos jornalistas dependeria não apenas da esfera de liberdade inscrita na matriz cultural da organização noticiosa, mas também da cotação interna desses profissionais.  Entre as duas partes haveria espaços de cooperação, negociação e luta, pois objectivos de fontes e jornalistas nem sempre coincidiriam.

 

 

I) Outros estudos

 

Diversos outros autores desenvolveram estudos sobre as relações entre fontes de informação e jornalistas (v.g., em Portugal: Santos, 1997).  Apenas a título referencial, Hess (1984), por exemplo, sustenta que jornalistas e fontes tendem mais a reagir uns com os outros do que a iniciarem processos relacionais.  Este autor realça, igualmente, que os assessores de imprensa podem ver-se a si mesmos como realizadores de uma função útil.  Mancini (1993), por seu turno, diz que as relações entre jornalistas e fontes oscilam frequentemente entre a suspeita e a confiança.

 

 

Acção ideológica

 

O conceito de ideologia não é universal.  Embora julgue que podemos falar de ideologia, de uma forma geral, como um mecanismo simbólico que, integrando um sistema de ideias, cimenta a coesão e integração de um grupo social em função de interesses, conscientes ou não conscientes (a cultura também cimenta coesões, mas não em função de interesses), há autores que têm perspectivas diferentes ou mais minuciosas.  De qualquer modo, quero desde já deixar claro que aqui vou procurar falar essencialmente das forças ideológicas que se exercem sobre os meios jornalísticos e que funcionam como elementos configuradores das notícias e não da influência ideológica dos meios de comunicação sobre a sociedade.

Para Samuel Becker (1984), por exemplo, a ideologia é um sistema de enquadramentos de referência através dos quais uma pessoa vê o mundo e aos quais ajusta as suas acções, pelo que a ideologia governaria a forma como cada pessoa se percebe a si mesma e ao mundo e controlaria o que é visto como natural ou óbvio.  Raymond Williams (1977), por seu turno, define ideologia como um sistema articulado de significados, valores e crenças.  Hackett (1984), por outro lado, descreve três conceitos de ideologia especialmente aplicáveis ao jornalismo:

1) Ideologia como estrutura profunda (no que vai ao encontro de Hall), originada pela integração inconsciente de pressupostos sobre o mundo;

2) Ideologia como naturalização, que corresponderia à apresentação do trabalho jornalístico como não ideológico;

3) Ideologia como interpelação, na base da qual as notícias são apresentadas realisticamente, ocultando a produtividade da linguagem.

No campo da construção de sentidos, a acção ideológica dos mass media poderá ser relevante, tal como poderá ser relevante a acção ideológica sobre os media, as organizações jornalísticas e, consequentemente, as notícias.  O papel dos meios de comunicação na propagação de uma ideologia e do fortalecimento das forças que determinam a natureza dessa ideologia é aparentemente um facto que merece reflexão. 

Stuart Hall (1989) argumenta que a ideologia tem sido crescentemente relevada nos estudos sobre a comunicação social por duas razões:

1) Crescente reconhecimento da capacidade que os media têm de construir sentidos prevalecentes para a realidade, “definir situações” e catalogar determinadas pessoas e acontecimentos como “desviantes” (ajudando a definir a norma);

2) Quebra do “consenso social” após os perturbados anos sessenta, trazendo por arrastamento uma maior polarização ideológica e focalizando a atenção no controle ideológico exercido pelos media, que seria, em certa medida, orientado para a manutenção do statu quo e para a legitimação e exercício do poder simbólico.

Gouldner (1976: 230-231) sustentou, na mesma área, que a ideologia, enquanto mecanismo simbólico, integrava os interesses dos diversos estratos sociais e permitia ao estrato dominante gerar respostas sociais compatíveis com os seus interesses.  Vejamos um exemplo.  Os meios de comunicação social representam as actividades dos partidos políticos, frequentemente tensas e conflituais.  Mas, ao fazê-lo, não só dão cobertura às diferentes ideologias que integram as pessoas nesses partidos políticos como também promovem a ideologia dominante que enforma o sistema de democracia de partidos, sistema esse que, algo anquilosado, talvez não esteja já a dar resposta às demandas multifacetadas da dinâmica sociedade civil (por alguma razão os partidos começam cada vez mais a considerar as candidaturas de independentes).  Por consequência, os meios de comunicação dão cobertura aos interesses dos poderes de “classe” dominantes —transpartidários— que se escondem por trás da aparência de normalidade do statu quo e contribuem para a manutenção de um estado de coisas que me parece não satisfazer a generalidade dos cidadãos.  Ao mesmo tempo, os media contribuem para que eventuais mudanças sociais sejam travadas e controladas pelos interesses dos detentores do poder político, poder este que tende a ser tanto maior quanto mais elevada for a posição dos seus detentores nas cúpulas partidárias.  As rotinas dos jornalistas e das fontes, as convenções profissionais, os valores e a estrutura organizacional combinam-se, assim, para manter um sistema de controle e reprodução das ideologias dominantes (Shoemaker e Reese, 1996: 224), levando os media a gerar construções simbólicas que fazem percepcionar a ordem existente como natural e imutável (Hall, 1982).  Aliás, ao oferecerem representações ideológicas, como a que atrás vimos sobre o sistema de democracia de partidos, os news media, através dos seus conteúdos, constroem mapas que nos permitem entender as relações de poder nas sociedades, mas que também amplificam e provavelmente solidificam essas relações de poder.  Algumas ideologias estarão, assim, relacionadas com os interesses e os poderes, pelo que mesmo o poder de criação simbólica não pode ser considerado uma força neutral — não só grande parte das notícias são sobre os poderes como também as interpretações dessas notícias são feitas em função dos interesses dos poderes.  Não é pois inocentemente que, por exemplo, conforme relevam Shoemaker e Reese (1996: 224), as posições sindicais são usualmente apresentadas como exigências e as posições patronais como ofertas.

Conforme os mesmos autores apontam, uma das funções chave que os news media desempenham é a manutenção das fronteiras do legítimo e do aceitável numa sociedade. (Shoemaker e Reese, 1996: 225)  Os meios jornalísticos são, consequentemente, uma peça fundamental para a conceitualização do desvio.  Porém, o desvio é algo que constantemente é redefinido e renegociado no seio da sociedade, devido às interacções simbólicas entre os seus membros (Shoemaker e Reese, 1996: 225).  E esta é uma acção de cariz ideológico.

Numa visão político-económica e estruturalista, a propriedade poderia ser o factor principal na promoção de um hipotético controle ideológico da “classe” dominante sobre as organizações mediáticas.  Quando a propriedade dos media está predominantemente nas mãos do Estado, como acontece na Agência Lusa e na RTP, os media poderão tender a reflectir a ideologia do poder estatal.

A teoria da hegemonia, proposta por Gramsci, é uma das ferramentas teóricas usadas nos cultural studies.  Na versão do autor, enquanto a ideologia seria uma força unificadora, a hegemonia teria a ver com a forma como a ordem vigente mantém a sua dominância. (cf. Gramsci, 1971)

Sob a perspectiva da teoria de Gramsci, interpretada por Gitlin (1980: 51), a hegemonia seria vista como um processo conflituoso e dinâmico que teria de continuamente incorporar e absorver valores  diferentes e, por vezes, opostos, bem como normas frequentemente díspares.  Para Williams (1977: 112-113), a hegemonia não subsiste na passividade; pelo contrário, necessitaria de se renovar, recriar, defender e modificar continuamente, o que se encontraria expresso no limitado debate público que ocorre dentro dos órgãos de comunicação social.

Gitlin (1980: 253) define hegemonia como a maneira sistemática, embora não necessariamente deliberada, através da qual se consegue fabricar o consentimento em massa à ordem estabelecida.  O controle social teria de ser mantido sem o sacrifício da legitimidade de que os poderes dominantes necessitariam para manter o seu domínio, reflectindo-se essa acção na comunicação jornalística.

Os meios de comunicação social, apesar de não serem um monólito ideológico, serviriam uma função hegemónica por continuamente produzirem uma ideologia que, integrando valores e normas do senso-comum, serviria para reproduzir e legitimar a estrutura e ordem sociais.  Essa permeabilidade ao senso-comum adviria da necessidade de fazer passar a ordem socialmente construída por “natural” de forma não coerciva.  Por sua vez, a autonomia relativa dos media e dos jornalistas daria às mensagens mediáticas maior credibilidade e legitimidade do que se estas fossem directamente controladas.  (Shoemaker e Reese, 1996: 237)

Ao aceitarem as interpretações “oficiais” dos acontecimentos, ao centrarem-se nas fontes de poder que se concentram nos círculos das elites dominantes e ao marginalizarem ou secundarizarem, deslegitimizando, as vozes alternativas ou as dos cidadãos sem grande poder, os media serviriam uma hegemonia que não necessitaria de recorrer à coerção.  As notícias teriam as marcas dessa hegemonia.

As rotinas também podem, assim, ser vistas como correspondendo às exigências da hegemonia e não apenas a necessidades organizacionais e profissionais.  O contraste de fontes, por exemplo, seria feito unicamente num quadro de controvérsia “legítima”. (Shoemaker e Reese, 1996: 237)  A isto acresce que os news media podem tender a ser menos imparciais e objectivos quanto mais radical é a dissidência ou o desvio, chegando ao ponto da ridicularização.  (Miliband, 1969)  De facto, nenhum meio de comunicação social de grande expansão dará, por exemplo, um significativo espaço aos grupos extremistas, que passam frequentemente por perigosos ou ridículos (construção de sentido), e às ideologias que eles apregoam.

O ideal da objectividade pode também ser um instrumento da hegemonia.  Se bem que, segundo me parece, se possa colocar por hipótese que a evolução socio-cultural e profissional, tal como a crescente formação, tenham levado os jornalistas a substituir o ideal da objectividade pelos da honestidade, rigor, precisão, contrastação e equilíbrio, continua a notar-se que as formas de trabalhar, processar a informação e apresentá-la ainda mantêm entranhado esse ideal: bastará reparar nos procedimentos de “objectivização”, como a contrastação de fontes sem intervenção do jornalista, o uso e abuso do jornalismo de citações, etc.  Ora, os jornalistas, seguindo rotineiramente os procedimentos rituais de “objectividade”, deixarão, de algum modo, os actores sociais representados nas notícias ditar a forma das mesmas, pois serão as afirmações desses actores a fabricar a história (a representação) do que aconteceu.  Os jornalistas seriam, assim, considerados "objectivos".  Inversamente, quando procuram analisar afirmações e outros dados e chegar a conclusões, fugindo a abordagens típicas do “jornalismo de citações”, os jornalistas são, muitas vezes, perspectivados como distorcedores da informação, mormente pelo poder político, que se pretenderá autoperpetuar, relegitimando-se continuamente.

Considero também a existência de determinadas forças de cariz ideológico no campo profissional do jornalismo susceptivel de contribuir para dar uma determinada forma, e não outra, às notícias.  Entre essas forças ideológicas encontraríamos, sobretudo, a ideologia da objectividade e a ideologia do profissionalismo (Sousa, 1997).

O conceito de objectividade representa coisas diferentes em consonância com o autor que o utiliza.  Porém, como ideologia fundadora do corpo profissional dos jornalistas no ocidente, emergiu nos Estados Unidos, entre os finais dos anos vinte e meados da década de trinta, devido ao despertar daquilo a que Schudson (1978) chamou a “subjectivização dos factos”.  De facto, na sequência das manobras propagandísticas da I Guerra Mundial, do aparecimento de profissionais de relações públicas, como Ivy Lee, e da quebra de confiança na democracia e no progresso económico, os jornalistas, na versão de Schudson (1978), teriam começado a perceber que os factos eram merecedores de desconfiança, pelo que teriam adoptado procedimentos de estilo e de abordagem dos acontecimentos face às suas novas preocupações, a “objectividade”.  Até aí, o termo “objectividade” teria correspondido nada mais nada menos do que à aplicação do método científico e dos princípios do positivismo lógico.  (Schudson, 1978)

Schudson (1978) argumenta também que a objectividade, enquanto princípio de reportação de notícias, provou ser enganadora e ilusória com o fenómeno do Mccarthismo nos Estados Unidos, tornando-se suspeita e levando ao aparecimento de uma cultura crítica que, na minha opinião, terá sido uma das razões que conduziram à emergência do movimento do Novo Jornalismo nos anos sessenta[14].

Todavia, Gaye Tuchman (1972), do meu ponto de vista, provou que a objectividade ainda estaria viva, na forma de um “ritual estratégico” destinado a defender os jornalistas e o produto organizacional de críticas e, numa certa medida, pelo menos na minha visão, a desculpabilizá-los pelas informações erradas, incorrectas, ensaísticas (da opinião dos públicos) ou manipuladoras que por vezes dão.  De entre esses “rituais” que contribuiriam para que os jornalistas se defendessem de possíveis críticas encontramos, a título exemplificativo, as citações entre aspas ou a contrastação de fontes, dois procedimentos enraizados no seio da profissão.

A ideologia da objectividade parece-me, assim, ainda bem entranhada no campo jornalístico, apesar da crescente formação académica específica dos jornalistas.  Empírica e ingénua, é, provavelmente, essa ideologia uma das responsáveis para que o jornalista continue a ser visto e se veja a si próprio, particularmente ao nível do senso-comum, como um simples intermediário —e não um “verdadeiro” mediador— cuja existência se anularia a partir do momento em que um acontecimento fosse “reproduzido” na notícia.  Ao contrário, então, da que teria sido a sua formulação inicial — um método concebido em função de um mundo em que os factos eram desmerecedores de confiança— o conceito de objectividade evoluiu para a fé nos factos (Traquina, 1993: 168).

Schudson (1996) sugere que os procedimentos de objectividade seriam unicamente de cariz cultural.  Porém, para mim a objectividade encontra explicação se não predominantemente pelo menos em parte no conceito de ideologia (ver, especialmente: Sousa, 1997), entendendo ideologia por conjunto de valores, crenças, etc. que dão coesão a um grupo em função de interesses.  E esta é a palavra chave.  Na minha visão, o “poder” jornalístico (e, por consequência, os jornalistas) carece de legitimação democrática, uma vez que se trata de um poder não sujeito ao sufrágio popular.  Daí nasce o interesse que os jornalistas têm na obtenção de outro tipo de legitimação, que passaria pelo seu papel de fornecedores de informações não deturpadas de interesse público.  Desta necessidade de se legitimarem aos olhos do público através do fornecimento de informação de interesse público “fiel” à realidade decorreria a adopção interessada, ainda que nem sempre conscientemente formulada, dos procedimentos de objectividade.

Entre outros posicionamentos ideológicos do mesmo teor encontramos, na minha perspectiva, a ideologia do profissionalismo.  De facto, os jornalistas têm interesse em serem aceites e reconhecidos como (bons) profissionais, quer aos olhos dos colegas (através de mecanismos como a progressão na carreira e o salário) quer aos olhos do público (posicionando-se como os únicos profissionais capazes de fornecer informação “jornalística” de interesse público).  Assim sendo, seriam, por exemplo, capazes de sacrificar a necessidade que possam ter de agir sobre as dinâmicas sociais aos “ditames” profissionais (reportar o “facto” sem cair na “opinião...); seriam, por exemplo, capazes de obedecer à política editorial da empresa em que estão (registada no estatuto editorial e em manuais como os livros de estilo) mesmo que com ela não concordem, etc.

 

 

Acção socio-cultural, acção ideológica e acção cultural

 

Os processos de newsmaking ocorrem num sistema socio-cultural.  Intuitivamente, podemos mesmo afirmar que o processo de fabrico e construção das notícias sofre uma acção enformadora por parte do sistema socio-cultural em que se insere.  Por exemplo, a forma como se fotografa para jornais evoluiu ao longo dos anos.  Isto é, mesmo que os meios técnicos o permitissem e os temas estivessem à disposição dos fotojornalistas, ao longo da história houve temas que só foram abordados a partir do momento em que as condições culturais levaram os fotógrafos a reparar neles.  Por outro lado, as próprias formas de abordagem dos temas modificaram-se bastante.  Veja-se o caso do fotodocumentalismo actual, que envereda frequentemente pelo universo onírico-ficcional, pela encenação, pela figuração simbólica.  Há alguns anos atrás uma fotografia de dois queijos galegos, de Miguel Rio Branco, hipoteticamente transportadora do observador para o universo feminino (podem evocar seios), não seria, provavelmente, considerada como um exemplo de uma foto documental, como hoje o é.

Existem vários estudos que favorecem a ideia de que o ambiente social e cultural tem efeitos no processo de selecção de informação.  Assim, Brown (1979) concluiu que nos Estados Unidos, entre 1935 e 1964, a cobertura média do crescimento populacional e do planeamento familiar aumentava em épocas de instabilidade económica, tendo sugerido que isso se devia às hesitações das famílias sobre se deviam ou não ter mais filhos, uma vez que os empregos eram igualmente instáveis.  Por sua vez, Tichenor et al., (1986) publicaram um estudo em que se tornava notório que as opiniões de 78 editores do Estado do Minnesota mudaram ao longo de vinte anos, tendo avançado com a hipótese de que tal reflectiria a crescente diversidade social e o aumento do pluralismo.  Atwater e Fico (1986) postularam, por seu turno, que existiria um sistema compartilhado e transorganizacional de valores jornalísticos, fortalecido pela proximidade estreita, pela partilha de informações e pela observação mútua do trabalho.  Do meu ponto de vista, poder-se-ia talvez mesmo falar de uma socialização e aculturação de segundo nível (o primeiro seria o nível organizacional; este segundo nível seria o da cultura profissional, que, em certa medida, seria, vê-se também por aqui, transorganizacional).

Ao nível das influências socioculturais, é preciso ainda que não esqueçamos que as notícias transportam consigo os “enquadramentos” (frames) em que foram produzidas.  Por vezes, não havendo outros enquadramentos disponíveis, os jornalistas usariam enquadramentos já usados para interpretar os novos acontecimentos (Traquina, 1988), o que poderá, quanto a nós, gerar erros de julgamento.  Foi devido à utilização de um frame anterior (“totonegócio”) que o “cinenegócio” se chamou assim.

Karl Manoff (1986) fez notar que a escolha de um frame não é inteiramente livre, pois depende do “catálogo de frames disponíveis” num determinado momento socio-histórico-cultural, isto é, depende do  aspecto que para o selector de um enquadramento, como um jornalista, o real assume nesse momento, bem como da sua experiência, que lhe molda a percepção.  Dependeria ainda das rotinas, do peso das instituições e de outros constrangimentos ao processo jornalístico de produção de informação de actualidade.

Gaye Tuchman (1976) foi das autoras que mais relevou o conceito de frame.  Remetendo a noção original para Erving Goffman (1975), que falava dos frames como as formas de organizar a vida quotidiana para se compreenderem as situações sociais e para a estas dar resposta, a socióloga americana usa o conceito como sinónimo de ideia organizadora usada na atribuição de sentido aos acontecimentos (o “enquadramento” de que eu falo).  Também para ela, há acontecimentos que nunca podem ser notícia porque o catálogo de frames não contém um que seja aplicável.

Elisabeth Bird e Robert Dardenne (1988) falam das histórias que as notícias seriam como sendo construídas no seio de uma gramática da cultura.  Seriam, assim, representativas dessa cultura e ajudariam a compreender os seus valores e símbolos com significantes.  Inclusivamente, enquanto narrativas míticas, as notícias possuiriam códigos simbólicos reconhecidos pela audiência.  Por exemplo, as notícias, segundo os autores, recriariam um sentimento de segurança ao promoverem uma certa ordem e ao estabelecerem fronteiras para o comportamento aceitável.  Shoemaker e Reese (1996: 114) dizem, por seu turno, que as histórias jornalísticas, para serem atraentes, tendem a integrar os mitos, parábolas, lendas e histórias orais mais proeminentes numa determinada cultura.

Por seu turno, Hall (1984) assinalou que no processo jornalístico de fabrico de informação é mobilizado um inventário do discurso.  Neste processo, os jornalistas não se limitariam a usar definições culturalmente determinadas, pois teriam de integrar novas situações em velhas definições.  Poderíamos mesmo dizer, creio, que teriam de encaixar as novas situações no catálogo de frames disponíveis.

Phillips (1976) mostra que o jornalismo privilegia o concreto, o particular e o individual, oferecendo as notícias como um mosaico, em oposição ao estrutural, ao abstracto e ao universal.  Favoreceria, assim, familiaridade acerca das coisas e não conhecimentos profundos sobre elas.  Para Phillips, um acontecimento deve corresponder ao esperado (valor da consonância).  Por isso, as notícias seriam repetitivas, o que acentuaria a sensação de que existe novidade sem mudança.  Segundo E. Barbara Phillips, os jornalistas teriam ainda uma linguagem própria, que Nelson Traquina (1993) traduz como jornalês, além de hábitos mentais profissionais, dependência do instinto e concentração no presente.

Sobre a linguagem dos jornalistas, escreve a autora (1977: 71-72): “(...) o estilo da informação objectiva e a norma da objectividade aparecem como o cimento que une a empresa jornalística.  Profissional, organizacional e pessoalmente, a norma captura melhor o espírito do ofício e os hábitos mentais do jornalista.  A norma parece ser compartilhada pelas audiências massivas e heterogéneas.”

É possível usar o conteúdo das notícias como ponto de partida para a compreensão da produção cultural pelo sistema jornalístico.  Três exemplos.  Nimmo e Combs (1983) estudaram como os news media representavam a realidade, a partir da lógica da representação dramática —actores, actos, cena, motivos, cenários e agente sancionador (a fonte principal que justifica os acontecimentos, as acções e a conclusão dos dramas).  Robert Smith (1979), por seu lado, estudou várias estações de televisão, tendo concluído que usavam nas notícias um número considerável de narrativas consistentes e previsíveis, entre as quais 83% poderiam ser classificadas em três categorias: 1) “homem decide”; 2) “sofrimento”; e 3) “vilão apanhado”.  Michael Schudson (1988), por sua vez, diz que as notícias podem ser vistas na perspectiva dos géneros literários, assemelhando-se a romances, tragédias, comédias e sátiras.  As páginas sociais de um jornal seriam como um romance, que poderia, contudo, ser mesclado de comédia.  A reportagem de um incêndio já seria uma tragédia.  Algumas notícias de polícia seriam quase uma forma abreviadíssima de romance policial.  Para este autor, as notícias seriam semelhantes porque as pessoas contam histórias de forma semelhante.

Os cultural studies também enfatizam o carácter socio-cultural de produção da informação jornalística, uma vez que o seu objecto é, de algum modo, a análise dos processos de atribuição de sentido à realidade enquanto processos de natureza social e cultural, embora entrem também em consideração com a acção ideológica.  Neste paradigma, o estudo das mediações jornalísticas e da forma como estas ajudam a construir determinados sentidos para a realidade são aspectos centrais.

Os teóricos dos cultural studies consideram que é no campo cultural que se encontram os significados e valores que surgem e se difundem entre os grupos sociais.  Nas práticas sociais estariam contidos e expressar-se-iam esses mesmos significados e valores.  Por isso, julgamos, por exemplo, que, através de uma análise de conteúdo de notícias, poderemos tentar intuir os valores que estão na sua génese e se encontram nas práticas que lhes deram origem, bem como inferir algumas das formas como se processará a construção de significados para esses textos (sem excluir que a conotação é de natureza altamente subjectiva).

Na perspectiva dos cultural studies, os news media seriam um dos factores que contribuiriam para a manutenção da estabilidade socio-cultural, pois, de alguma forma, “reproduziriam” a estabilidade socio-cultural de cada momento evolutivo, o que lhes confere um poder ideológico associável à manutenção do statu quo.  Acentuando as interligações entre o sistema cultural e as atitudes das pessoas, os cultural studies relevam ainda a importância da dimensão cultural e ideológica no sistema social, em geral, e no sistema mediático, em particular.  Essa perspectiva é valorizada pela associação da dinâmica económica, explorada pela teoria crítica, aos estudos efectuados.  Soloski (1989 1993: 100), por exemplo, escreveu:

 

 

“Embora os jornalistas não relatem as notícias de modo a manter o sistema político-económico existente, as suas normas profissionais acabam por produzir 'estórias' que defendem implicitamente a ordem vigente.  Além disso, as normas profissionais legitimam a ordem vigente ao fazê-lo parecer um estado de coisas que ocorre naturalmente.  Os princípios do profissionalismo jornalístico têm como resultado uma cobertura noticiosa que não ameaça nem a posição económica da organização jornalística (…) nem o sistema político-económico global no qual a organização jornalística opera.  Além disso, o profissionalismo jornalístico produz 'estórias' que permitem que as organizações jornalísticas aumentem o seu público e mantenham um controlo firme sobre o mercado.  Em última análise, o profissionalismo jornalístico distorce as notícias ao nível social.”

 

 

Na maior parte dos casos, os cultural studies vêem, de facto, os produtos mediáticos como produtos tendencialmente estandardizados e redutores que, reproduzindo, de alguma maneira, o sistema socio-cultural, favorecem a manutenção do statu quo.  De qualquer modo, os estudos culturais não deixam de abordar as "excepções", já que o campo mediático, inserido no sistema socio-cultural, é visto como sendo complexo, diversificado, variável e frequentemente contraditório.  Por isso é que existiria espaço para os media alternativos.

Ao invés das teorias conspirativas, nas quais se perspectivam os media como sendo objecto de controlo social por parte dos poderosos, os estudos culturais enfatizam o papel das criações culturais colectivas —complexas, flexíveis, dinâmicas e adaptáveis— como agentes de continuidade ou mudança social.  As condições históricas e as estruturas sociais seriam, consequentemente, elementos essenciais para a compreensão das práticas mediáticas e dos produtos que estas geram.  Por outro lado, o sistema cultural e as estruturas sociais, como as estruturas capitalistas de produção, influenciariam quer o conteúdo dos meios de comunicação, quer, nomeadamente através destes, o comportamento do público.

Um dos autores de referência dentro dos cultural studies na esfera mediática é Stuart Hall.  Para ele, os meios de comunicação social cumpririam essencialmente três funções (Hall, 1977):

1) Provisão e construção selectiva do conhecimento social através do qual percebemos o mundo, as realidades vividas de outros, e reconstruímos imaginariamente a sua vida e a nossa num mundo global inteligível.  Assiste-se, assim, à integração coerente dos fragmentos informativos num todo.

2) Reflectir e reflectir-se nessa pluralidade, provendo um inventário constante dos léxicos, estilos de vida e ideologias aí objectivadas.  Estas ideologias  são entendidas como estruturas de pensamento e significações que se impõem às pessoas sem que estas se consciencializem das mesmas.  Assim, os meios de comunicação social classificam e ordenam os diferentes tipos de conhecimento social, providenciando contextos referenciais que contribuem para dar sentido ao mundo.

3) Organizar, orquestrar e unir o que se representou e classificou selectivamente.  Produzem-se consensos e constrói-se a legitimidade.

Para tal, os meios de Comunicação Social (1) reproduziriam os discursos dominantes através dos quais se dá significado à realidade, (2) perpetuariam as ideias dominantes através da linguagem e sistemas simbólicos e (3) estruturariam os acontecimentos seleccionados mediante esquemas ideológicos.  (Hall, 1977)  O campo ideológico é, devido a essa acção global dos news media, um dos factores mais estudados na área dos cultural studies.

 

 

Entre o social, o ideológico e o cultural (incluindo o mítico): as imagens jornalísticas

 

Apesar de ser difícil definir com exactidão as imagens jornalísticas, o que, em parte, se deve à confusão terminológica quando se aplica o termo “imagem”, podemos, no entanto, usar, para efeitos da presente tese, a definição proposta por Philip Gaunt (1990: 19): “(…) as imagens jornalísticas são definidas como imagens globais, abarcando os conceitos de papel (role) e percepção desse papel (role perception), tal como são compreendidos pelo público, pelas organizações e pelos jornalistas individualmente considerados.”

De facto, Philip Gaunt (1990) concluiu que um numeroso grupo de factores influenciavam o processo jornalístico de produção de informação de actualidade, como a importância das agências noticiosas como agenda setters, a força relativa dos sindicatos e outras organizações de jornalistas, a diversidade estrutural e processual no que respeita à recolha e processamento de informação, a dimensão dos media e, principalmente, a imagem dos news media e dos jornalistas e a imagem que os segundos e o público têm dos primeiros, tendo em conta que essas imagens seriam influenciadas pela ideologia dos detentores dos media (cf. Traquina, 1993; Hackett, 1984).

As imagens que os públicos têm da imprensa, podendo ser afectadas, numa certa extensão, pela história e pela tradição, resultam, para mim, essencialmente da imagem do jornalismo construída pelos públicos a partir dos próprios discursos jornalísticos (o que os media dizem de si e uns dos outros) e dos estereótipos projectados pela ficção popular.  De facto, parece-me que a cultura popular, patente, por exemplo, na ficção, afecta a forma como os públicos percepcionam o jornalismo e os jornalistas.  Gaunt (1990: 20) argumenta, porém, que, embora as percepções dos públicos possam indirectamente influenciar as tradições jornalísticas, “(…) contudo, os processos jornalísticos geralmente são mais susceptíveis de ser configurados pelas imagens detidas pelos jornalistas individualmente considerados e pelas organizações para as quais eles trabalham.”

A partir da definição inicial proposta por Gaunt, estamos habilitados a deduzir, por outro lado, que as imagens jornalísticas resultam, em parte, das tradições jornalísticas formadas pela história e existentes num determinado contexto.  Essas tradições jornalísticas seriam, parcialmente, criadas e perpetuadas pelas leis, pelos constrangimentos económicos, processos políticos e pressões políticas, bem como pelas dinâmicas sociais na cultura em que essas tradições aparecem. (Gaunt, 1990: 19)  A imprensa, no seu conjunto, possuiria, então, uma imagem de si que seria formada a partir da evolução histórica, da tradição e das percepções e expectativas do público, num determinado contexto.  Falaríamos, assim, essencialmente, de mecanismos de acção social, cultural e ideológica que se mesclam com uma acção pessoal (percepções pessoais do papel do jornalista, por exemplo) e sofrem a força enformativa da história.

As leis de imprensa, as estruturas e processos políticos, as inovações tecnológicas, as reformas educativas, as mudanças sociais e as peculiaridades culturais, incluindo linguísticas, provavelmente contribuíram para a forma como o jornalismo se desenvolveu, como é visto e como se vê, num determinado enquadramento.  Isto passar-se-ia porque o jornalismo, enquanto corpo “vivo”, reagiria a esse fenómeno, que, associado às mudanças socio-económicas, formaria tradições jornalísticas que afectariam a forma como as notícias são seleccionadas, processadas (fabricadas) e difundidas.

Dentro deste contexto geral, é provável que diferentes organizações, mesmo que do mesmo tipo, tenham de si imagens diferentes e sejam também percepcionadas de forma diferente pelos públicos.  A administração, a direcção, as chefias e os editores podem crer numa determinada imagem da sua organização noticiosa, e, por consequência, seleccionarão e encorajarão os seus jornalistas a seleccionar histórias em função dessa imagem.  O desenvolvimento de estilos editoriais e de abordagem de acontecimentos estaria relacionado com essa tentativa de orientar a produção de informação de actualidade para a imagem que os responsáveis da organização têm dela e para a imagem que julgam que os públicos têm da mesma.

Ao nível individual, a imagem que um jornalista terá de si próprio, da organização para a qual trabalha e do jornalismo em geral será, hipoteticamente, afectada por factores que vão desde a formação a que foi sujeito à dimensão e tipo da organização noticiosa para a qual trabalha, passando pelas tradições jornalísticas, procedimentos editoriais (recolha, processamento e difusão de informação), idiossincrasias, crenças, valores e expectativas pessoais.  Todavia, aquilo que os jornalistas pensam deles próprios dependerá da sociedade em que vivem, da imagem da Imprensa, em geral, e da imagem da organização para que trabalham.  Em suma, julgamos poder dizer que a determinadas imagens-arquétipos são associadas e combinadas idiossincrasias pessoais, pelo que o papel de um jornalista, de acordo com Gaunt (1990: 22), “(…) é o reflexo de uma cultura jornalística particular configurada ao longo dos anos por um vasto rol de ocorrências.”

Repare-se, até, que existem várias escolas jornalísticas e não uma única, apesar de, na actualidade, face ao que tenho apreciado, se estar a verificar uma padronização do jornalismo, predominantemente em torno da bitola tradicional e dominante do jornalismo norte-americano, embora temperada pelas tendências analíticas do jornalismo de hoje e pela contaminação formal provocada pelos “jornais pós-televisivos” (design, etc.) na imprensa em geral.

No Reino Unido, por exemplo, o jornalista será visto como um cuidadoso relatador de factos, um imaginativo contador de histórias, um “cão de guarda” mandatado pelo público face aos poderes, e, por vezes, como um lutador político por certas causas.  Nos EUA, as coisas seriam semelhantes, excepto que se supõe que o jornalista seja "independente", pelo que a política lhe estaria vedada enquanto jornalista.  Todavia, acontecimentos como os de Granada ou do Golfo colocaram em causa o papel de “cão de guarda” do jornalismo, em geral, e do jornalismo norte-americano, em particular. 

O jornalista francês, por contraste, emerge da história mais como um comentador e intérprete, um intelectual ou até mesmo um artista, do que como um reportador de factos, e espera-se que o italiano se envolva com paixão no que noticia.

Em Portugal, estamos convictos que a imagem do jornalista e do jornalismo é dominada pela visão norte-americana de que o jornalista é um agente de vigia dos poderes (whatchdog journalism), tendo, portanto, uma espécie de “missão cívica” (“heróica”) a desempenhar.  Espera-se, porém, de certos jornalistas um envolvimento passional e mais opinativo que analítico na produção de informação.  Miguel Sousa Tavares é um bom exemplo do que disse, tal como o foi Paulo Portas.

Interessantemente, Gaunt (1990: 30) argumenta que, devido aos media electrónicos, esperar-se-ia ainda do jornalista —de todo o jornalista— que entretivesse.  O jornalismo americano, anteriormente perseguidor da factualidade, poderia, após os anos sessenta, ter-se tornado mais interpretativo e analítico e o europeu-continental, anteriormente polemizador e opinativo, poderia ter-se tornado mais factual, embora também interpretativo e analítico.  Mas, mesmo que eles estejam a evoluir no sentido da aproximação, “(…) estão também a mover-se juntos para o nível do entretenimento.” (Gaunt, 1990: 32)

Apesar das mudanças que afectaram os diversos países e o jornalismo, Gaunt (1990), em Choosing the News, afirma, ao longo do livro, que as imagens jornalísticas que emergiram desde os finais do século passado e inícios deste século se mantiveram mais ou menos estáveis até hoje, tendo sido perpetuadas pela combinação de factores que incluem a cultura popular, a socialização, os constrangimentos organizacionais e a formação/educação, que seria, para ele, o principal elemento influente no processo.

 

 

A acção do meio físico e tecnológico sobre as notícias

 

É quase intuitivo dizer que um jornalista poderá produzir mais e melhor num local apropriado ao seu trabalho do que num escritório inadequado e desconfortável.  Pelo contrário, num ambiente inadequado ele poderá tender, por exemplo, a não rever o trabalho, devido à pressa de sair desse local.  Por outro lado, os meios informáticos permitem-lhe rever e alterar facilmente os textos, coisa que não acontecia com as antigas e pesadas máquinas de escrever, pelo que é de colocar por hipótese que com o advento dos meios informáticos nas redacções a qualidade dos textos poderá ter melhorado.  Aliás, com a redacção ligada em rede as chefias podem mais fácil e rapidamente rever, corrigir e rescrever textos (rewriting).

O cruzamento de texto e infografia contribuiu para o incremento e para a reformulação das formas de noticiar.  Podemos observá-lo apreciando, por exemplo, as snapshots do USA Today, jornal pioneiro no aproveitamento dessas novas formas de noticiar.

As redes informáticas, sejam elas internas às organizações noticiosas (intranets) sejam elas externas, como a Internet, e os bandos de dados colocam agora nas mãos dos jornalistas a possibilidade de aceder rapidamente a informação complementar para as suas peças, o que pode contribuir para uma maior contextualização e aprofundamento dos temas abordados.  Mas a Internet também tem diminuído a importância da figura do jornalista como gestor privilegiado dos fluxos de informação no meio social.  Por exemplo, quando o relatório sobre o caso Clinton-Lewinsky foi disponibilizado na Internet, milhões de pessoas acederam-lhe directamente.  Os órgãos jornalísticos, para essas pessoas, não funcionaram como gatekeepers.  Há, porém, a considerar que a sobrecarga informativa também pode não ser benéfica e aproveitável para o cidadão, pelo que os jornalistas, no futuro, poderão ter um importante papel a desempenhar como analistas e selectores de informação.

Com a introdução dos computadores tornou-se também mais fácil e de difícil detecção manipular digitalmente imagens (tal como se tornou fácil criá-las: lembremo-nos das imagens virtuais). (cf. Sousa, 1997) 

Na falta de estudos mais elaborados, encontramos pelo menos alguns exemplos intuitivos de como o meio físico e o ambiente tecnológico podem enformar as notícias.

 

 

Acção histórica

 

Os diferentes tipos de forças (ou acções) que identifiquei e que enformam a notícia num determinado momento (acções pessoal, social, cultural, ideológica e fésica/tecnológica) fizeram-se igualmente sentir ao longo da história.  Por seu turno, a evolução histórica reflecte-se sobre esses mesmos factores na actualidade.  Podemos, assim, dizer que as notícias que temos, que os conteúdos e os formatos das notícias que temos, são fruto da história.  Do meu ponto de vista, vários exemplos fundamentam a minha asserção.  Por exemplo, os avanços nos processos de transmissão e difusão de informação trouxeram novas formas de noticiar.  O critério de noticiabilidade da “actualidade” terá ganho, na minha opinião, uma dimensão mais relevante a partir do aparecimento do telégrafo.  Por outro lado, e ainda a título exemplificativo, a urbanização e a organização do território permitiram a concentração de consumidores de informação em núcleos urbanos, facilitando a distribuição de jornais.  Este factor, aliado à alfabetização, contribuiu para o aparecimento dos primeiros jornais generalistas (ver, por exemplo: Álvarez, 1992). 

Outros factores históricos marcaram o desenvolvimento do jornalismo.  Por exemplo, ao longo dos anos tem-se assistido ao alargamento do conjunto de temas noticiáveis, devido, entre outras razões, à evolução dos frames culturais.  (Álvarez, 1992)  A influência das vitaminas na saúde dificilmente seria um tema eleito para notícia há décadas atrás, mas agora é-o.  Nos anos sessenta, a corrente que ficou conhecida por “Novo Jornalismo” terá, por seu turno, contribuído para colocar a perspectiva do jornalista, necessariamente subjectiva e impressiva, no centro da enunciação noticiosa.  A evolução recente do jornalismo para a análise (v.g., Barnhurst e Mutz, 1997) terá beneficiado desse movimento, tal como terá beneficiado de factores como a televisão, onde o jornalista-vedeta assume uma posição central.

Um registo curioso da evolução histórica do jornalismo pode delinear-se a partir da tese do primeiro doutor em Comunicação (o “nosso” primeiro doutor), Tobias Peucer.  Peucer debruçou-se, em 1690, sobre a forma de relatar notícias, tendo identificado alguns fenómenos paleojornalísticos antigos.  Por exemplo, antigos gregos, como Homero, ou antigos romanos, como Júlio César, já usavam nas suas narrativas formas de estruturação textual (dispositio) semelhantes à técnica da pirâmide invertida[15].  O próprio Peucer, na sua tese doutoral, intitulada De Relationibus Novellis, propunha que no relato “noticioso” se respeitassem escrupulosamente as regras que mandavam indicar o sujeito, objecto, causa, maneira, lugar e tempo.  Estes elementa narrationis acabam por corresponder às seis questões a que tradicionalmente se dá resposta na notícia: “Quem?”, “O Quê?”, “Quando?”, “Onde?”, “Como?” e Porquê?” (Casasús e Ladevéze, 1991).  Vemos, assim, que certas técnicas jornalísticas têm raízes históricas profundas, apesar de, por vezes, haver inovações, como a entrevista de pergunta-resposta, que surgiu no século passado.  Com frequência,  contamos histórias de maneira semelhante à forma como os nossos antepassados as contavam.  Mesmo formas alternativas de estruturar o texto noticioso, como o relato cronológico, a técnica da pirâmide normal ou a introdução de um início e de um final fortes no texto obedecem a fórmulas retóricas a que os nossos antepassados recorriam, respectivamente o modus per tempora, o modus per incrementa e o relato nestoriano (Casasús e Ladevéze, 1991).

Jesús Timoteo Álvarez (1992) chama a atenção para vários factores que contribuíram para o desenvolvimento do jornalismo.  Segundo ele, a imprensa dominante nos alvores do século XIX terá sido uma imprensa opinativa ou ideológica (de ideias) devido à escassez de matéria-prima informativa, à alfabetização reduzida, à politização da audiência, aos fracos recursos económicos da generalidade da população e à proliferação de movimentos político-ideológicos a partir do século XVIII.  Devido a isso, o artigo tornou-se a forma de discurso jornalístico dominante nessa imprensa.  Para Álvarez (1992), a notícia só veio a tornar-se no elemento central do discurso jornalístico com o advento, nos Estados Unidos, da imprensa popular, por volta dos anos 30 do século XIX, que multiplicou os centros de interesse da enunciação, afastando-a do centralismo no acontecimento político.  Para que surgisse este tipo de imprensa, várias circunstâncias históricas alteraram-se:

- Aumento do volume de informação e da sua capacidade de circulação (caminhos de ferro, telégrafo, etc.);

- Alfabetização e urbanização;

- Aumento do poder de compra;

- Aparecimento de empresas jornalísticas direccionadas para o lucro e não para a doutrinação ideológica;

- Novos valores e formas de vida despertam a atenção para o desporto, as viagens, etc.

- Progressos técnicos (rotativa, linotipia...), que permitiram o aumento das tiragens e o decréscimo dos custos de produção.

Conta-nos Álvarez (1992) que foi com a Guerra da Secessão nos Estados Unidos, nos primeiros anos da década de 60 do século XIX, que se começaram a definir funções na imprensa, assistindo-se à emergência da divisão social do trabalho.  Os jornalistas, que anteriormente podiam exercer funções de tipógrafo, entre outras, começaram a ver definido o seu território e a terem auto-consciência da sua identidade como corpo profissional.  Assiste-se, ainda, à difusão de novas técnicas de informação, destinadas a um público vasto, como a entrevista ou a reportagem.  A necessidade de enviar informação por telégrafo, acto significativamente caro, terá contribuído, por seu lado, para o modelo da pirâmide invertida se implementar como paradigma narrativo na notícia (o conteúdo mais importante da notícia, que prefigura o lead, era a informação transmitida por telégrafo).  Selecção e síntese da informação impuseram-se, assim, e também por força da fraca alfabetização, como factores cruciais da narrativa jornalística, que posteriormente foram transmitidas de geração de jornalistas em geração de jornalistas, configurando-se como traços da cultura profissional, particularmente visível nas agências noticiosas (Sousa, 1997).

As narrativas jornalísticas destinadas a serem consumidas por um público vasto e pouco alfabetizado foram relançadas por Pulitzer, considerado por Álvarez (1992) o principal progenitor da segunda geração da imprensa popular, que evoluiu desde 1883 até à Primeira Guerra Mundial.  Indo além da linguagem acessível, clara, concisa, directa, simples e precisa, Pulitzer introduziu no seu jornal (The World) um grafismo inovador e as manchetes.  Outra das principais inovações de Pulitzer registou-se no domínio dos conteúdos.  Ele deu atenção aos escândalos, ao combate à corrupção e ao compadrio e estimulou a abordagem das histórias pelo ângulo do interesse humano e a publicação de ilustrações.  Essa política editorial contribuiu para aumentar a conexão entre os interesses dos leitores e do jornal, alicerçada ainda na autopromoção constante e na realização de campanhas sensacionalistas e de acções de assistência social.  Mas Pulitzer foi também importante por outros motivos: impulsionou a criação da Escola de Jornalismo da Universidade de Columbia (Nova Iorque) e, com isso, terá contribuído não apenas para conferir melhor estatuto social e maior dignidade profissional aos jornalistas e ao jornalismo como também para a profissionalização e para a definição dos jornalistas como corpo profissional autónomo.  Dessa longínqua ascendência das duas gerações da imprensa popular resultaram jornais como, por exemplo, os portugueses Tal & Qual e O Correio da Manhã.

Hearst, com o The New York Journal (1883-1901), levou ao extremo a receita de Pulitzer, não se coibindo, por vezes, de inventar factos (mesmo que fossem desmentidos em duas linhas no dia seguinte).  Álvarez (1992) acusa-o mesmo de ter sido, por essa via, um dos principais instigadores da Guerra Hispano-Americana.  Mas Hearst terá tido, igualmente, os seus méritos jornalísticos, mandando repórteres seus para todo o mundo como enviados especiais e dando bastante relevo às imagens como veículos de informação (embora, por vezes, se tratasse de fotografias truncadas).

Embora tenha contribuído para mudanças paradigmáticas no jornalismo, a imprensa popular não impediu o florescimento da “imprensa de elite” (de informação geral ou especializada em economia e finanças), que, na versão de Álvarez (1992), herdou as qualidades da imprensa de negócios do século XIX: rigor, exactidão, sobriedade gráfica e conteudística, análise e opinião, independência e (pelo menos até aos anos 70) culto da objectividade.  Entre os sobreviventes contam-se, por exemplo, The Times e The New York Times.  Em Portugal, também se encontram descendentes neste ramo da imprensa.  Diário de Notícias, Expresso ou Público são, na minha opinião, bons exemplos.

A I e a II Guerra Mundial, talvez por força das circunstâncias excepcionais que o mundo atravessou, tornaram o jornalismo ocidental tendencialmente descritivo e generalista, apostando na separação entre “factos” e “comentários”.  O “he said journalism”, ou seja, o jornalismo das declarações, do qual estavam arredadas a análise, a contextualização, a interpretação e até a investigação, fez escola (Sloan, 1991).  Mas a partir de meados dos anos 60 o jornalismo evoluiu para um modelo de análise e especialização (que permite o cultivo das fontes) (v.g., Barnhurst e Mutz, 1997), beneficiando da conjuntura histórica, propícia à experimentação e às rupturas (movimento hippie, Maio de 68, Guerra do Vietname, movimentos alternativos, novas formas de expressão musical...).  No jornalismo, assistiu-se, por exemplo, à erupção de movimentos como o do Novo Jornalismo[16] (que privilegia a subjectividade assumida) e à retoma do jornalismo de investigação em profundidade, que revelou ao mundo escândalos como o do Watergate.  A partir de meados dos anos 80, devido às novas tecnologias, o jornalismo sofreu novas mudanças.  Tornam-se correntes novos géneros jornalísticos, como os infográficos, e alargou-se o leque de assuntos noticiáveis.  Surgiram jornais como o USA Today, que inaugurou um género de imprensa que procura adaptar características da televisão (a imprensa “pós-televisiva”, na versão de Margarita Ledo Andión, 1993) e que consagra grande espaço ao “jornalismo de serviços”.  Mas a principal mudança talvez se esteja a desenhar nos meios on-line.  A Internet, sobretudo o subsistema da World Wide Web, roubou ao jornalista parte do seu papel de gestor privilegiado dos fluxos de informação.  A função de gatekeeper do jornalista reduz-se quando as pessoas se precipitam para o site onde está disponível o relatório Clinton-Lewinsky em vez de esperarem pela versão da imprensa.  Na minha opinião, talvez o futuro do jornalismo se jogue precisamente na capacidade que o jornalismo revele para se especializar, correspondendo às expectativas e necessidades de um público alfabetizado e segmentado, e na capacidade que os jornalistas revelem para seleccionar, interpretar e analisar a informação em bruto, oferecendo um produto de qualidade, rigoroso e honesto, distinguível entre as imensas doses de (sobre-)informação. 

 

 

Um mix explicativo para a noticiabilidade

 

Em consonância com Wolf (1987:173), podemos definir a noticiabilidade como o “(…) conjunto de elementos através dos quais o órgão informativo controla e gere a quantidade e o tipo de acontecimentos, de entre os quais há que seleccionar as notícias.”

Aquilo que torna uma mensagem ou um acontecimento noticiáveis, a noticiabilidade, é uma qualidade que, segundo me parece, encontra explicação na conjunção de vários factores conformativos principais: a acção pessoal, a acção social, a acção ideológica e a acção cultural.  Dentro destas forças, existirão, segundo os resultados de vários estudos (Galtung e Ruge (1965), etc.), uma série de critérios que são empregues por jornalistas e outros potenciais participantes no processo produtivo de informação de actualidade para avaliar o que tem valor como notícia. (Traquina, 1993: 41)  Parece-me também que esses critérios, que atribuem a qualidade de noticiável a um acontecimento ou uma mensagem (os critérios de valor-notícia ou news values, na expressão anglo-saxónica internacionalmente consagrada), são, essencialmente, de índole social, ideológica e cultural, embora não se exclua a acção pessoal (por exemplo, os directores terão maior poder de definição do que é notícia). 

Talvez devido a essa multiplicidade de forças conformativas, os critérios de noticiabilidade não são rígidos nem universais.  Por outro lado, são, frequentemente, de natureza esquiva, opaca e, por vezes, contraditória, e funcionam conjunta e inter-relacionadamente em todo o processo de fabricação/construção das notícias, dependendo da forma de operar da organização noticiosa, da sua hierarquia interna  e da maneira como ela confere ordem ao caos.  Além disso, os critérios de valor-notícia mudam ao longo do tempo (assuntos que há algum tempo não seriam notícia são-no hoje) e têm diversas naturezas, apesar de revelarem uma certa homogeneidade no seio da cultura profissional jornalística transnacional.

Registe-se, ainda, que a selecção consciente ou não consciente de notícias com base em critérios de noticiabilidade torna tendencialmente repetitivo o conteúdo dos meios de comunicação social, exigindo-se, à partida, uma força significativa para rever um sistema que enfatiza determinados critérios, e que, como todo o sistema, tem tendência a autoperpetuar-se.  Além disso, é também evidente que, face à existência de determinados critérios, muitos assuntos não são tendencialmente noticiáveis, como, geralmente, os processos sociais de longa duração, uma vez que não se enquadram nos critérios e nas formas organizadas, racionalizadas, rotineiras e convencionalizadas de fazer jornalismo na maioria dos órgãos de comunicação social.  Nem toda a informação com interesse potencial chega, por consequência, ao conhecimento público através dos meios jornalísticos.

Há muitas listas de atributos que tornam uma mensagem noticiável (newsworthy attributes).  Galtung e Ruge (1965) foram dos primeiros autores a chamarem a atenção para a existência de critérios de noticiabilidade dos acontecimentos que se sobrepunham à acção pessoal do gatekeeper, embora sem a eliminar, e que determinariam as possibilidades de uma mensagem passar pelos vários gates numa organização noticiosa.  Entre esses apontados pelos autores contavam-se, por exemplo, o momento do acontecimento, a intensidade ou magnitude do mesmo, a inexistência de dúvidas sobre o seu significado, a proeminência social dos sujeitos envolvidos (repare-se até que um jornalista poderá diferenciar em tratamento o Presidente da República das pessoas comuns), a proeminência de nações envolvidas nas notícias, a surpresa, a composição (tematicamente equilibrada) do noticiário, a proximidade, os valores socio-culturais, a continuidade, ou seja, ser o desenvolvimento de algo já noticiado, etc.

Os critérios de noticiabilidade geralmente incluem, sob a forma de uma lista,  factores como a oportunidade, a proximidade, a importância, o impacto ou a consequência, o interesse, o conflito ou a controvérsia, a negatividade, a frequência, a dramatização, a crise, o desvio, o sensacionalismo, a proeminência das pessoas envolvidas, a novidade, a excentricidade e a singularidade (no sentido de pouco usual).  (Shoemaker, 1991: 21-22).  Mas existem outras perspectivas.  Garbarino (1982), por exemplo, enfatiza, parece-me que bastante pertinentemente, o papel das constrições ligadas à organização do trabalho (por exemplo, a rede geográfica de correspondentes e delegações e a divisão temática nas redacções reflectem critérios de relevância e valoração geográfica e temática das notícias) e das convenções profissionais criadas nesse sistema enquanto elementos contributivos para a definição do que é notícia, isto é, enquanto elementos da noticiabilidade.  Esses elementos ajudariam a legitimar o processo produtivo, desde a selecção das fontes à selecção dos acontecimentos e aos modos de fabrico, contribuindo para precaver os jornalistas e as organizações noticiosas das críticas do público.

Wolf (1987: 173-192), muito oportunamente, classifica os critérios de valor-notícia em critérios relativos ao conteúdo (importância e interesse das notícias), critérios relativos ao produto (que têm a ver com a disponibilidade das informações e com as características do produto informativo), critérios relativos ao medium, critérios relativos ao público e critérios relativos à concorrência.

Teun A. van Dijk (1990: 174) também nos oferece pistas para a sistematização dos valores-notícia.  Para este autor, existem valores jornalísticos formulados em termos económicos (lucro, vendas, etc.), embora ele considere que as limitações provenientes das condições económicas devem ser entendidas, antes de mais, como factores materiais, ainda que sejam importantes na formação ou conformação dos valores-notícia.

Uma segunda categoria de valores jornalísticos estaria relacionada com as rotinas e a produção de notícias numa organização, no seio de uma atmosfera competitiva.  Por exemplo, a aspiração que os jornalistas denotam de obter a notícia mais rápida e fidedignamente que os seus companheiros enquadra-se nesta categoria. (Van Dijk, 1990: 174-175)  Porém, segundo o autor, a organização da produção jornalística privilegiaria acontecimentos produzidos/definidos por figuras públicas e sectores preponderantes da vida social e política, reproduzindo uma estrutura social favorável a essas elites (Van Dijk, 1990: 174), uma realidade bastante referenciada nos cultural studies.

Além das imagens dominantes da sociedade na forma como são compartilhadas pelos jornalistas, Van Dijk (1990: 175-181) põe o acento tónico em limitações cognitivas mais específicas.  Em conjunto, essas imagens e limitações definiriam os critérios de valor-notícia dos jornalistas: 1) novidade; 2) actualidade; 3) pressuposição (a avaliação da novidade e actualidade pressupõe conhecimentos prévios; além disso, segundo o autor, os acontecimentos e os discursos só seriam entendíveis mediante o recurso a informação passada); 4) consonância com normas, valores e atitudes compartilhadas; 5) relevância (para o destinatário da informação); 6) proximidade (geográfica, social, psico-afectiva); e 7) desvio e negatividade (psicanaliticamente, a atenção ao crime, aos acidentes, à violência, etc., funcionaria como um sistema emocional de autodefesa: ao contemplarem-se expressões dos nossos próprios temores, o facto de serem outros a sofrer com as situações proporcionar-nos-ia tanto alívio como tensão).

Num estudo de 1980 de Nisbett e Ross encontramos o carácter “vivo” (vivid) de uma história como um dos factores que mais pode influenciar a sua passagem pelos pontos de filtragem de informação, uma vez que conferiria força à história.  Embora, na minha opinião, tal possa remeter-se para o tantas vezes referenciado "interesse humano", a informação vivid, segundo os autores, pode descrever-se como “Informação (…) que tanto procura atrair e reter a nossa atenção e excitar a imaginação como é (a) emocionalmente interessante, (b) concreta e suscitadora de imagens e (c) próxima num sentido temporal, espacial ou afectivo (…).” (Nisbett e Ross, 1980: 45)

Fraser Bond (1962) disse que “O que o público quer carrega o significado económico de ser aquilo que ele compra. (…)  Ao repórter inteligente não escapam nunca as tendências do mercado.”  Assim, segundo esse professor norte-americano, para o êxito comercial importaria privilegiar histórias relacionadas com os interesses próprios da audiência e também as que envolvessem dinheiro, sexo, crime, culto do herói e da fama, conflitos (guerras, greves, homem contra a natureza, pessoa contra a sociedade, conflitos entre grupos políticos e económicos, etc.), descobertas e invenções.

À luz da teoria dos usos e gratificações, poderíamos dizer que o ser humano tende a interessar-se pela informação jornalística que lhe proporciona algum proveito.  Por isso, a relação evento-notícia será, necessariamente, baseada, pelo menos em parte, numa lógica comercial: A valorização ou desvalorização dos acontecimentos resultaria, portanto, parcialmente, da submissão da ocorrência à lógica discursivo-comercial dos news media.  E as notícias necessitam de seduzir para, num ambiente concorrencial, funcionarem como uma mais-valia para um determinado órgão de comunicação social.

Nelson Traquina (1988) fala da actualidade como um factor de noticiabilidade: o tempo pode ser usado como “cabide” para outras notícias.  Por exemplo, a notícia de um aniversário de um partido pode servir de pretexto para a difusão de outros enunciados jornalísticos sobre esse partido.  A actualidade, em sentido estrito, é já um elemento que decorre do facto de uma notícia ser notícia.

Golding (1981: 74-75) sugeriu que os news values são baseados em três grupos de critérios: 1) a audiência; 2) a acessibilidade, no que diz respeito à “facilidade de captura” do acontecimento e à capacidade que a organização noticiosa possa ter de o abarcar na sua extensão; e 3) a adaptação, uma vez que o news item, além de necessitar de fazer sentido em termos do que já é conhecido acerca do assunto, teria de ser consonante com factores como a pragmática das rotinas produtivas, as capacidades técnicas e organizacionais e os constrangimentos organizacionais.

Na mesma linha, Altheide (1976: 112-113) insiste na perspectiva prática dos acontecimentos, isto é, mais ou menos, na factibilidade destes, enquanto critério de valoração do que é susceptível de se tornar notícia.  Não deixa, porém, de relevar que essa forma de abordar o mundo, limitada no tempo e nos recursos, tenderia a descontextualizar o acontecimento do seu contexto para o recontextualizar no seio do noticiário.   Mauro Wolf (1987: 171), atentando no carácter tendencialmente descontextualizante da informação jornalística, sustenta até que a noticiabilidade constitui um elemento de distorção involuntária (unwitting bias) na cobertura informativa operada pelos meios jornalísticos.  Mais: a distorção involuntária estaria tão intimamente ligada às rotinas produtivas e valores profissionais que se reproduziria em cadeia em todas as fases do trabalho. (Wolf, 1987: 174)

A notícia resultaria, portanto, de um processo organizado e constrangido de fabrico que nela deixaria as suas marcas, até porque só seria notícia o que fosse perspectivado como tal no seio da cultura profissional dos jornalistas e da cultura própria do meio social envolvente, excepto em casos excepcionais, só seria notícia o que pudesse ser processado pela organização noticiosa sem grandes sobressaltos ou complicações no ciclo produtivo. (Altheide, 1976: 112-113 e 179)

Em síntese, julgo poder dizer, retomando a proposição inicial, que a noticiabilidade, a selecção e a hierarquização informativa de acontecimentos e dados sobre esses acontecimentos passam então, como vimos, por critérios que, em jeito de conclusão, parecem partilhar (a) influências pessoais (como as idiossincrasias de um jornalista), (b) um pendor social, sobretudo organizacional, por exemplo, relacionado com a postura social da organização noticiosa (como a inter-relação desta com os restantes news media), (c) um pendor ideológico, visível, por exemplo, no destaque noticioso dado às figuras-públicas do poder político e económico e (d) um pendor cultural, resultante das culturas profissional, de empresa e do meio.  Por exemplo, em agências como a Lusa, em parte dependentes do Estado, o carácter institucional da informação é algo que transparece, à luz desses factores, como dando valor-acrescentado à informação e, portanto, é um critério de valor-notícia (cf. Sousa, 1997).

Ainda poderíamos falar de critérios associáveis a uma acção do meio físico e tecnológico.  Por exemplo, o que é difícil fotografar tenderá, em princípio, a ser desprivilegiado na cobertura fotojornalística dos acontecimentos, uma vez que sobressaltaria e complicaria os processos de fabrico de foto-informação.  Em acréscimo, há coisas que são impossíveis de fotografar, até porque não são visualizáveis, e há conceitos que só podem ser sugeridos (amor, inflação, etc.).

 

 

4. SOCIALIZAÇÃO, ACULTURAÇÃO E PROFISSIONALISMO

 

Estou convencido de que são os processos de socialização, aculturação e ideologização de um neófito no ofício de jornalista e numa determinada organização noticiosa que geram grande parte das influências da acção social, da acção ideológica e da acção cultural sobre o conteúdo e a forma das notícias.

Quando ingressa no jornalismo ou numa determinada organização jornalística, um neófito é aculturado, por força do processo de socialização, numa esfera cultural de teor organizacional e profissional.  A cultura profissional, nas palavras de Garbarino (1982: 10), pode ser entendida como:

 

 

“(…) um inextricável emaranhado de retóricas de fachada e astúcias tácticas, de códigos, estereótipos, símbolos, tipificações latentes, representações de papéis, rituais e convenções, relativos às funções dos mass media e dos jornalistas na sociedade, à concepção do produto-notícia e às modalidades que superintendem à sua confecção.  A ideologia traduz-se, pois, numa série de paradigmas e de práticas profissionais adoptadas como naturais.”[17]

 

 

Podemos, por outro lado, falar de socialização, de uma forma vasta, quando nos referimos ao processo através do qual as relações pessoa-meio social são efectivadas e mediadas.  Todavia, para o presente livro interessa falar numa definição mais direccionada, pelo que vou falar de socialização como o processo que leva um recém-chegado a tornar-se num elemento de uma organização.  Este processo é de importância central no jornalismo, já que os constrangimentos organizacionais parecem ser um dos factores que conformam a produção jornalística.

De facto, quando uma determinada pessoa ingressa no jornalismo e numa organização jornalística, ela é sujeita a um processo de socialização.  Este processo leva-a a aculturar-se na organização e na profissão, a moldar atitudes, comportamentos e até a identidade.  Todavia, é também possível que a sua influência pessoal se exerça sobre o meio e que individualize os papéis organizacionais.  (Miller e Jablin, 1991)  Consequentemente, a socialização deverá ser entendida como um processo interactivo entre a organização e as pessoas e entre estas entre si.  As próprias organizações têm de ser vistas, julgo, como entidades interactivas com o seu meio, com maior ou menor grau de abertura em relação a esse mesmo meio.

Segundo Wilson (1984), o processo de socialização desenvolve-se ao longo do tempo (é longitudinal) e baseia-se na comunicação: (1) as pessoas adquirem informações sobre as organizações e ocupações logo na infância, (2) focalizam-se em informações mais precisas quando pensam em ingressar em determinada profissão/organização, (3) entram nas organizações, (4) são “assimiladas” na organização, (5) fazem carreira e (6) saem das organizações.  As pessoas são vistas como estando envolvidas na aquisição, partilha e processamento de informação, pelo que não seriam simplesmente “moldadas” pelas organizações nem a socialização se basearia apenas nas necessidades individuais. (Bullis, 1993: 11) Assim, mudanças nos padrões de comunicação afectam a socialização, sendo esta influenciada ainda por factores como os desejos individuais de se assumirem determinados comportamentos, as normas, os valores, as expectativas, os media, a família, os companheiros de trabalho, as subculturas e subgrupos a que pertençam os membros das organizações, e que podem ser transorganizacionais, a influência de outras organizações (inclusivamente no caso de duplo emprego), as chefias, os grupos de trabalho, os administradores e o discurso corporativo. (Bullis, 1993: 11)

Para mim, um dos perigos da socialização no jornalismo é o encerramento do sistema jornalístico-organizacional sobre si próprio, já que esse encerramento pode levar à manutenção indesejável de um sistema auto-referencial, que vai criando e retro-alimentando referências e que se revela nas práticas e nas rotinas, sem se abrir a referências externas que poderiam ser proveitosas, face às funções que as pessoas esperam (ou deveriam esperar) do jornalismo numa sociedade aberta, plural e verdadeiramente democrática.  A prática rotineira das fotografias “ao baixo” na Agência Lusa, por exemplo, pode corresponder a referências inculcadas pela ideologia do profissionalismo, tal como esta foi ganhando expressão na Lusa ao longo do tempo (fazer assim seria fazer o que a organização necessitaria, pelo que seria a actuação correcta de um “profissional” que se vê a si próprio como tal). (cf. Sousa, 1997)  A retro-alimentação desta referência sistémica pode reforçar o conceito devido às vezes que as fotos “ao baixo” são repetidas.

O profissionalismo é, de facto, problemático. Bechelloni (1982: 112) chama a atenção para o facto, relacionando-o com a prevalência dos canais de rotina:

 

 

“O profissionalismo 'político' consiste na capacidade de conhecer e dominar —mesmo de um modo não explícito— um conjunto de regras geradas pelas relações que se estabelecem, numa determinada sociedade, entre sistema político, domínio cultural e mercado.  A interacção social dos indivíduos que operam nestes três domínios da acção social produz uma determinada definição de 'notícia' e uma determinada organização do trabalho jornalístico.  É nesta dimensão que se coloca o profissionalismo.  É constituído por um conjunto de regras, muitas vezes tácitas, raramente vividas como regras por quem, no entanto, o pratica, e que não são objecto de discussão pública.  Essas regras produzem-se dentro e em volta da redacção, são transmitidas na interacção social e aprendidas através de uma socialização atenta e gradual.  As modalidades de produção e de transmissão das regras —a interacção social quotidiana— fazem com que o seu carácter de regras não seja imediatamente visível.”[18]

 

 

Pode verificar-se a influência dos processos de socialização e aculturação do jornalista na partilha transorganizacional de critérios de noticiabilidade, independentemente das características próprias de cada organização noticiosa e da existência de valores-notícia próprios.  Villafañe, Bustamante e Prado (1987: 19) adiantam que “A socialização (…) começa certamente nos estudos dos futuros profissionais, mas reforça-se e consolida-se, sobretudo, pela cooptação nos meios e pela aprendizagem directa com base no exemplo dos profissionais veteranos e dos chefes.”  Deste estado de coisas, os autores concluem que:

 

 

 “Destrói-se assim definitivamente a ideia de não poucos teóricos críticos sobre a manipulação sistemática dos meios pelos seus proprietários privados ou públicos.  Os marcos, as regras do jogo, formam parte dessas normas socializadoras, interiorizadas pelos comunicadores na organização.  A produção de mensagens ideológicas se exerce através da busca do lucro nas sociedades privadas, e não como alternativa frente a essa maximização dos dividendos.  A censura directa, a imposição, podem dar-se como excepções, como autênticas situações de crise do sistema habitual.” (Villafañe, Bustamante e Prado, 1987: 19)

 

 

É da socialização e aculturação do jornalista na profissão e numa determinada organização que surgem os fenómenos do profissionalismo e da profissionalidade, entendendo esta como a manifestação do profissionalismo.

Durante bastante tempo, as concepções sobre profissionalismo e profissionalidade nos meios de comunicação oscilavam entre as posições liberais-conservadoras, que minimizavam os efeitos de pressões exteriores e dos detentores dos news media, e as teorias críticas, que viam a produção jornalística como resultante da acção dessas pressões e desses poderes, negando autonomia ao jornalista e chegando a propor a ideia de uma espécie de conspiração permanente das classes dominantes em ordem a manter o statu quo, pelo que só uma alteração profunda das estruturas de propriedade inverteria a situação.  As teorias construcionistas da notícia, mais recentes, fazem uma espécie de ponte entre essas posições.  Como vimos, elas reconhecem alguma autonomia aos jornalistas mas também evidenciam que as organizações, as instituições e os poderes têm um forte poder conformador dos discursos jornalísticos e que estes fazem uso de padrões culturais pré-existentes, pelo que as notícias seriam artefactos culturais que ganhariam expressão nos seus usos sociais.

Grossi (1985: 376, cit. por Villafañe, Bustamante e Prado, 1987: 17) dá uma definição de profissionalismo que me parece particularmente aplicável ao nosso estudo.  Na sua versão, o profissionalismo seria “(…) o papel socialmente legitimado no interior dos aparelhos produtivos especializados, para construir a realidade social enquanto realidade pública e socialmente relevante.” Villafañe, Bustamante e Prado (1987: 17) acrescentam:

 

 

 “(…) estas competências não residem unicamente nuns quantos saberes técnicos —determinados historicamente— mas também, numas normas e nuns valores políticos, culturais, ideológicos, impossíveis de separar dos primeiros, e que os subordinam [e] (…) não actuam a níveis individuais.  Frente a uma audiência invisível, sobre a qual o comunicador cria estereótipos, o trato e a ligação directa com os companheiros e chefes, com a organização interna como um todo, impõe um marco colectivo.

(…) No que respeita aos acontecimentos produzidos na sociedade por si sós, as práticas profissionais introduziram uma distorção involuntária não regida pelas pressões e violações da autonomia profissional desde o exterior, mas sim pelos mesmos valores e procedimentos profissionais.”

 

 

Villafañe, Bustamante e Prado (1987: 19) assinalam que os valores do profissionalismo e o seu reconhecimento são julgados em função dos valores da própria organização.  A competência tende, assim, a identificar-se com a performatividade rotineira, por exemplo, com a capacidade de vencer o tempo transformando quase instantaneamente um acontecimento em notícia.  Trata-se, aqui, mais de uma aplicação inteligente do que de conhecimento (profundo) ou, se quisermos, trata-se da aplicação de conhecimentos práticos.  Logicamente, como assinala Mauro Wolf (1985), o profissionalismo desenvolve-se na empresa noticiosa e dentro da sua lógica produtiva e não contra ela.

Grossi (1985: 376) estabelece que a competência jornalística teria a ver com a competência que os jornalistas revelam na produção de imagens colectivas, devido fundamentalmente a três razões:

1. A análise dos efeitos dos media mostraria que a eficácia dos mesmos se prende mais à dimensão cognitiva, isto é, à construção de uma visão do mundo, do que à alteração dos comportamentos do destinatário;

2. Incremento da presença de pseudo-acontecimentos e acontecimentos mediáticos nos news media; esses acontecimentos assumiriam uma função referencial e de simbolismo colectivo;

3. A aproximação metodológica da “construção social da realidade” ter-se-ia convertido no modo mais convincente para abordar a relação entre a realidade e o jornalismo (o que remete para a teoria construcionista das notícias).

Segundo Grossi (1981: 71-72), o debate actual sobre profissionalidade jornalística ter-se-ia centrado em torno de dois pólos: a profissionalidade como slogan e valor; e a profissionalidade como prática abertamente produtiva, na qual se pode entender a construção social da realidade.

Mauro Wolf (1985; cit. por Rodrigo Alsina, 1993: 159-160) comenta o primeiro:

 

 

“Falar de profissionalidade em termos de destreza significa analisá-la e interpretá-la como património de conhecimento e de capacidade elaborado ou adquirido dentro da lógica produtiva dos aparelhos (e não contra eles) (…).  A intuição jornalística não é uma capacidade misteriosa de determinar notícias, mas sim uma capacidade rotineira (...) e praticada ao abrigo de parâmetros identificáveis (os valores/notícia, por exemplo), uma capacidade de combinar instantaneamente num ponto de equilíbrio factores em si diversos.”

 

 

Ora, é preciso ter em atenção que, apesar de tudo, os jornalistas têm alguma esfera de autonomia, o que lhes confere um poder negocial.  Este poder tem sido objecto de várias pesquisas, como as que abordam os problemas da relação jornalistas-fontes[19].   Villafañe, Bustamante e Prado (1987: 21) falam da existência dos seguintes tópicos:

 

 

“Negociação entre a previsibilidade das fontes e a imprevisibilidade de algumas notícias; negociação entre os comunicadores individuais, a organização profissional e as cúpulas empresariais no que respeita à selecção e à elaboração-apresentação das notícias; negociação (...) entre os interesses do poder estabelecido e as demandas, mais ou menos intuídas, do público.  Mas uma ideia de negociação que não implica equilíbrio nem nega a hegemonia e a dominação de umas instâncias sobre outras, que leva consigo situações excepcionais de conflito mas que mantém, de forma geral, uma dinâmica de ‘normalidade.’”

 

 

John Soloski (1989; 1993: 92-93), neste campo, sustenta que o profissionalismo —em interacção com as políticas editoriais— seria um método económico e eficiente de controle do comportamento e do trabalho dos jornalistas por parte das organizações noticiosas.  Estas não poderiam unicamente confiar nas normas profissionais, até porque a necessidade que os jornalistas têm, sob a pressão do tempo, de tomar decisões rapidamente, bem como o facto de enfrentarem um ambiente em constante mudança, impediriam o estabelecimento de regras e regulamentos elaborados.   A ideologia do profissionalismo serviria, assim, os interesses da organização e poupá-la-ia à responsabilidade de imaginar mecanismos de controle.  (Larson, 1977, cit por Soloski, 1987; 1993)

Atentando no carácter problemático do jornalismo enquanto profissão, Soloski (1989; 1993: 93) sugere que aquilo que ele denomina por “ideologia do profissionalismo” nasceria devido à hipotética necessidade que uma profissão teria —para existir— de controlar a sua base cognitiva, o que implicaria a satisfação de duas condições: “1) Que um conjunto de conhecimentos esotéricos e suficientemente estáveis relativamente à tarefa profissional seja ministrado por todos os profissionais, e 2) que o público aceite os profissionais como sendo os únicos capazes de fornecer os serviços profissionais.”

Mais especificamente, ser um jornalista profissional implicaria: 1) ter um saber de reconhecimento, isto é, possuir a capacidade de reconhecer o que é notícia; 2) ter um saber de procedimento, ou seja, saber recolher informações; e 3) ter um saber de narração, isto é, ser capaz de contar a história (Ericson et al., 1987, cit por Soloski, 1989; 1993)  O jornalista profissional teria igualmente alguma autonomia, expressa, por exemplo, nas possibilidades de estabelecer relações pessoais com determinadas fontes e de recorrer ao segredo profissional.  Essa autonomia não deixaria, porém, de ser fonte de tensões, devido à necessidade que a organização teria de controlar o trabalho e o comportamento dos jornalistas. (Soloski, 1989; 1993)

O autor salienta que o tipo de trabalho e a escolha dos clientes geralmente se encontram fora do controle dos jornalistas, mas que estes foram assegurando um certo estatuto devido aos salários, à mobilidade social ascendente e às tarefas especializadas que requerem o domínio de competências profissionais.  O profissionalismo jornalístico controlaria o comportamento dos jornalistas ao (1) estabelecer padrões e normas de comportamento (como através da política editorial), mesmo que não escritas, e ao (2) determinar o sistema de recompensas para os profissionais integrados nesse sistema padronizado e, por vezes, normativo (progressão na carreira, salários, compensações financeiras, seguros, etc.). (Soloski, 1989; 1993)

Todavia, o profissionalismo jornalístico, ao ser, em grande medida, transorganizacional, uma vez que se enraíza em normas e padrões profissionais partilhados, como os códigos deontológicos e os "rituais" de objectividade, poderá dar ao jornalista uma base de poder independente que pode ser usada para frustrar ou minimizar as tentativas de interferência nos processos de fabrico de informação de actualidade, mesmo quando estas são realizadas pelos detentores de poder na organização.  A isto acresce que o próprio profissionalismo concederia alguma liberdade e autonomia aos jornalistas.  Assim sendo, também por este prisma o profissionalismo se poderá considerar como fonte possível de tensões.  Por seu turno, a política editorial, desde que não levasse os jornalistas a violar as normas do profissionalismo, não seria perspectivada pelos jornalistas como um constrangimento ao seu trabalho.  Mas limitaria as histórias que podem ser relatadas.  (Soloski, 1989; 1993)

Soloski (1989; 1993: 97) faz notar que o news judgement (definido como a capacidade de julgar o que tem valor como notícia, sendo merecedor de se tornar notícia) requereria a partilha de suposições entre os jornalistas, pois em grande medida a noticiabilidade de um acontecimento estaria relacionada com os desvios ao que é considerado “normal”.  Ao concentrarem-se no desvio, os jornalistas defenderiam as normas e os valores da sociedade, pelo que as notícias conteriam uma moral oculta.  Todavia, “Isto não significa que o news judgement não se altere; nem significa que os jornalistas não difiram nos seus news judgements, mas as diferenças desenvolvem-se dentro de uma estrutura de referência, nomeadamente a das normas predominantes do profissionalismo jornalístico.” (Soloski 1989; 1993: 97)  Assim sendo, a selecção de acontecimentos e de fontes decorreria “naturalmente” do profissionalismo jornalístico: as notícias não seriam, geralmente, narradas sob uma perspectiva conscientemente ideológica, embora sejam ideológicas enquanto entidades contributivas para a manutenção do statu quo.

 

 

5.  QUE CONCLUIR? — JORNALISMO: ENTRE A LIBERDADE E OS LIMITES

 

Desde a Segunda Guerra Mundial que o jornalismo tem evoluído por influência de duas tendências: 1) competição crescente, visível, por exemplo, nas guerras de preços, como sucedeu em Portugal com a diminuição, em 1998, dos preços de capa do DN e do JN; e 2) concentração pró-monopolista e oligopólica dos media (recordemos em Portugal, por exemplo, o grupo Lusomundo), justificada pelos patrões da comunicação social como condição imprescindível para a sobrevivência[20], agora até poderíamos dizer de todo o sector da comunicação (telecomunicações, media, multimédia, informática, etc.).  Mais recentemente, um outro fenómeno ocorreu -a internacionalização dos grupos económicos que dominam a paisagem mediática- o que acentuou, a nosso ver, o pendor transnacional, transcultural e transorganizacional de certas imagens e ideologias, bem como de vários processos associados aos jornalistas e ao jornalismo.  Tal fenómeno terá contribuído para uma aproximação global das formas discursivas jornalísticas.

Os desenvolvimentos relatados apoiariam várias outras mudanças, no que respeita, por exemplo, ao financiamento dos media, políticas editoriais, gestão de recursos humanos, investimento em novas tecnologias, restruturação das empresas (que se tornaram mais leves), recrutamento de jornalistas e processos jornalísticos.  Estas mudanças promoveram ou foram acompanhadas de inovações, incluindo inovações tecnológicas, nos processos de selecção, processamento, distribuição e mesmo consumo de notícias, etc.  Ao mesmo tempo, novos media viram a luz do dia, como os meios multimédia, os computadores em rede, a televisão por cabo e satélite ou os jornais electrónicos, entre outros, e uma nova tendência parece desenhar-se com o aparecimento destes novos media: a interactividade.

Provavelmente, um dos maiores desafios colocados actualmente aos grupos de comunicação é o dos novos padrões de audiência, devido ao fenómeno paradoxal da homogeneização de conteúdos e estilos face à segmentação da audiência.  Para a erupção deste fenómeno terão contribuído as mudanças nos estilos de vida, nos valores, nas crenças, nas ideologias e nas expectativas dos seres humanos que vivem nas sociedades pós-industriais da actualidade.

Um dos debates que actualmente mais vem agitando o mundo da comunicação social e os meios académicos consiste em saber até que ponto é o mercado ou são os jornalistas a ditar as leis e os critérios na produção e difusão da informação jornalística.  Ou seja, pretende saber-se se os jornalistas possuem sempre uma esfera de liberdade de decisão que passa pela sua consciência individual, ou, talvez mais precisamente, saber-se se os jornalistas são, até certo ponto, autónomos, e, se o são, até que ponto é que o são verdadeiramente.

Uma outra pergunta se impõe, a partir daqui: quais os outros critérios e condicionalismos relevantes que participam na conformação da notícia e na difusão desta e até que ponto devem ser tidos em conta para a explicação das razões pelas quais as notícias e os conteúdos dos news media são como são?  As respostas variam não só em função das teorias e dos autores, mas também, como é evidente, em função da organização político-ideológica dos estados e da organização empresarial jornalística em causa.  Em Portugal, por exemplo, a proliferação do regime de colaboradores a recibo verde e os baixos salários de alguns jornalistas aumentam a precariedade do mercado de trabalho, diminuem as perspectivas de uma carreira profissional e acentuam a dependência dos jornalistas face aos poderes, incluindo o poder patronal.  Aumentam também os riscos para que a prática profissional se funde no rigor e na honestidade.

Por um lado, em parte, a liberdade, independência e sobrevivência dos órgãos de comunicação social —especialmente na imprensa (escrita) não estatal— depende da publicidade e, assim, da audiência.  Resumindo, as leis da oferta e da procura far-se-ão sempre sentir no que respeita aos conteúdos dos jornais e revistas.  Todavia, não me parece nítido que a imprensa escrita seja unicamente uma escrava do mercado e que faça das vendas a sua única razão de existência.  Como disse o director de um jornal de St. Louis, se o jornal estivesse nas mãos dos anunciantes, o director não seria mais do que um gerente de promoções[21].

O suíço Daniel Cornu, a propósito do tema, fala da existência de duas posições[22]: 1) o liberalismo responsabiliza os jornalistas, enquanto indivíduos e corpo profissional, pelos desvios, erros e equívocos da informação jornalística; e 2) outra postura vê nos condicionalismos institucionais e no contexto em que a profissão é exercida a origem desses desvios, erros e equívocos, particularmente notória nos seguintes vectores:

— Perda de autonomia dos jornalistas perante os poderes;

— Fragilização da verificação e confronto das informações, devido à concorrência, que aumenta a velocidade de produção e difusão da informação, e à acção dos relações públicas e de outros produtores/promotores de notícias;

— Forma como se estabelece a agenda diária nos news media, que em parte favoreceria a espectacularização da informação;

— Atentados à liberdade individual e à protecção da intimidade da vida privada;

— Submissão dos "agentes dos media" às entidades patronais, com irrupção de conflitos entre a "lógica intelectual" e a "lógica empresarial”;

De qualquer modo, tal como nós, Corfu não considera que os condicionalismos da profissão sejam um álibi que evite a responsabilização dos jornalistas — “A actividade jornalística é uma actividade enquadrada, não uma actividade subjugada”[23].  É esta, afinal, a ideia central que gostaria de transmitir.


PARTE II

OS EFEITOS SOCIAIS DA COMUNICAÇÃO JORNALÍSTICA

 

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

As teorias dos efeitos dos meios jornalísticos são várias e frequentemente contraditórias e não se podem, geralmente, dissociar das teorias dos efeitos da comunicação social no seu conjunto.  Alguns autores atribuem a esses meios um grande poder, enquanto outros pretendem que o seu poder é relativo.  Provavelmente, “(...) a panorâmica do estado actual da investigação permite afirmar que não se pode pensar numa única classe de influências mas sim em múltiplas, relativizadas pelo âmbito em que se produzem (...) e pelos tipos particulares de acção da imprensa, da rádio, da televisão, etc.”.  (Montero, 1993: 63) 

Visto de outro prisma, quando falo de “teorias”, não pretendo que se confundam as hipóteses explicativas que aqui referencio com teorias científicas no sentido efectivo do termo, já que quaisquer teorias científicas pressupõem uma validade e uma abrangência que as hipóteses que exploro neste livro não me parece que atinjam.  Porém, designar essas hipóteses por “teorias” da comunicação social já entrou no próprio jargão científico, sendo assim justificável a utilização do termo.

Neste livro, procurarei abordar algumas das diversas “teorias” existentes sobre os efeitos dos meios jornalísticos e, se oportuno, do conjunto da comunicação social, não me coibindo de sobre as mesmas lançar um olhar crítico quando tal me pareça pertinente.  Será, no entanto, de realçar que não existem critérios universais de taxionomização e sistematização dos resultados do enorme volume de pesquisas que foram sendo realizadas nesse domínio.  E nem sequer há “(...) um acordo geral sobre como definir o processo de comunicação social, a sua influência na sociedade e a sua relação com outras formas de comunicação (organizacional, interpessoal, intrapessoal, etc.).”  (Montero, 1993: 64)

Em consonância com Montero (1993: 64-65), podem-se avançar algumas razões para explicar a dificuldade de sistematização dos métodos, pesquisas e teorias da comunicação social.  Eu acrescentaria que essas razões impedem igualmente, até um certo nível, uma aplicação e, consequentemente, uma validação universal dos resultados das investigações.  Algumas dessas justificações seriam as seguintes:

1.      Delimitação difusa do objecto de estudo;

2.      Orientação de alguma investigação segundo linhas socio-políticas e ideológicas;

3.      Realização das investigações em contextos socio-políticos, económicos e culturais diferentes, que, por vezes, possuem (ou possuíam) diferentes sistemas de meios;

4.      Integração lenta dos resultados das múltiplas e dispersas investigações no corpus teórico das ciências da comunicação;

5.      Comunicação como objecto de estudo de diferentes disciplinas científicas e necessidade de recorrência a disciplinas auxiliares das ciências da comunicação para se interpretarem e explicarem os fenómenos comunicativos;

6.      Divergências entre as diferentes tendências das ciências sociais e das próprias ciências da comunicação;

7.      Evolução constante do corpus teórico e contradição frequente dos resultados e das interpretações.

Embora me norteiem preocupações de taxionomização e sistematização, não vou, por consequência, enumerar todas as teorias que existem ou remetê-las a todas para determinados campos teóricos, até porque essa tarefa estaria sempre inacabada e ficaria impossibilitada de atingir um certo patamar de acordo.  Todavia, penso que darei conta das mais relevantes ou, pelo menos, daquelas que me pareceram mais relevantes à luz de uma interpretação e valorização pessoal (e necessariamente falível) dessas mesmas teorias.  O meu objectivo é desenhar um mapa que permita a auto-aprendizagem, a crítica fundamentada e o aprofundamento teórico das questões aqui enunciadas.

Sem me furtar a uma abordagem das teorias dos efeitos dos meios jornalísticos sobre as pessoas individualmente consideradas, procurarei, neste livro, dirigir-me principalmente para os efeitos sociais desses meios, até porque saber qual é a influência que a comunicação jornalística tem sobre a sociedade é uma questão que está na ordem do dia.  Assim, sem ignorar que, provavelmente, há aspectos aplicáveis (nem que seja pontualmente) em todos os modelos teóricos que têm sido propostos, tentarei falar de algumas das teorias que abordam como se produz essa influência, da aferição dessa influência e dos elementos sociais que sofrem essa influência.  Quero é deixar bem claro, desde já, que ninguém respondeu definitivamente à questão “Qual é a influência que os meios jornalísticos têm sobre a sociedade?”.

Ainda assim, podemos intuir que a comunicação jornalística é um elemento importante na organização da vida quotidiana.  De alguma forma, as notícias, entre múltiplas outras funções, participam na definição de uma noção partilhada do que é actual e importante e do que não o é, proporcionam pontos de vista sobre a realidade, possibilitam gratificações pelo seu consumo, podem gerar conhecimento e também sugerir, directa ou indirectamente, respostas para os problemas que quotidianamente os cidadãos enfrentam.  As notícias, ao surgirem no tecido social por acção dos meios jornalísticos, participam na realidade social existente, configuram referentes colectivos e geram determinados processos modificadores dessa mesma realidade.  Em suma, e se quiséssemos recorrer a Berger e Luckmann (1976), as notícias são agentes participantes no processo de construção social da realidade.

O assunto deste livro constitui simultaneamente um tema muito actual.  Aliás, vemos diariamente as pessoas opinarem sobre os meios jornalísticos.  Infelizmente, essas opiniões raramente chegam ao patamar da análise, talvez porque quem as emite não possui nem o conhecimento científico nem o tempo necessário para analisar os meios jornalísticos com rigor e até com cientificidade.  Se este livro contribuir para modificar, nem que seja um pouco, o estado de coisas relatado, então o esforço já terá sido compensador.

Gostaria de salientar igualmente que algumas das teorias que vou referenciar não se aplicam apenas aos meios jornalísticos.  Muitas delas nem sequer nasceram associadas aos meios jornalísticos, mas sim à comunicação social[24], entendida de uma forma geral.  De qualquer modo, sendo este um livro sobre jornalismo, dificilmente se compreenderia que eu não direccionasse as considerações teóricas para essa problemática actividade, embora em muitos casos essa opção seja difícil devido aos factos de o próprio jornalismo ver diluídas as suas fronteiras e de os processos comunicativos mediados terem efeitos semelhantes.

Entre as obras centrais que usei para a elaboração deste livro, além daquelas que propõem teorias específicas, é de salientar a “bíblia” mcquailiana Mass Communication Theory (1987)[25].  Porém, é justo destacar também uma importante sistematização das teorias da influência social da informação jornalística, da autoria de María Dolores Montero (1993), intitulada La información periodística y su influencia social. 

Não quero também deixar de sublinhar que a maior parte das teorias referenciadas nasceu nos Estados Unidos.  Inclusivamente, se fizermos um mapeamento dos estudos de comunicação no mundo, veremos que maioritariamente são norte-americanos ou então representam desenvolvimentos e contraposições às ideias avançadas pelos pesquisadores dos EUA (ou nos EUA).  Mas, mesmo colocando sob reserva a aplicação dessas teorias a outras sociedades e outras culturas, parece-me que, na generalidade dos casos, elas são bastante pertinentes e contribuem para lançar pistas relevantes para a compreensão dos efeitos da comunicação jornalístico-mediada.  Aliás, cada vez mais os fenómenos de comunicação massiva e mediada ocorrem a um nível glocal, ou seja, a um nível global, transnacional, embora com adaptação aos contextos locais.  Isto passa-se, em grande medida, devido à concentração oligopólica internacional dos meios de comunicação.

Partindo de uma aproximação ao papel social dos meios jornalísticos, neste livro darei em primeiro lugar uma ideia dos primeiros paradigmas de investigação sobre os efeitos da comunicação jornalística que foram surgindo ao longo da história para depois me centrar em “teorias” particulares sobre esses efeitos.  Numa tentativa de facultar a consulta, optei por distinguir individualmente cada um desses modelos teóricos.

 

 

1. O PAPEL DOS MEIOS JORNALÍSTICOS

 

Os meios jornalísticos, ao tornarem a sociedade tendencialmente mais conhecida e reconhecível por ela própria, contribuíram, desde que apareceram, para a ocorrência de modificações sociais profundas.  A política, por exemplo, deixou de ser a mesma: há potencialmente mais conhecimento sobre os processos e os protagonistas do mundo político.  As decisões que afectam a nossa vida quotidiana estão mais sujeitas ao escrutínio público e dão-se a conhecer causas e consequências de algumas dessas decisões.  Conhecem-se minimamente os líderes políticos, posicionamento indispensável para lhes podermos dar ou não o nosso voto.  Conhecem-se opções: há espaço para uma determinada, embora, na minha opinião, relativamente limitada, pluralidade de opiniões.  As pessoas, de algum modo, tornaram-se testemunhas dos acontecimentos que afectam a vida pública, “assistindo” mesmo ao seu desenvolvimento em determinadas circunstâncias (por exemplo, a notícia de um congresso partidário dura vários dias).  Existirá, contudo, um reverso da medalha: o Povo “transformou-se” no público (Hartley, 1992).  Em consonância com Habermas (1987), o próprio conceito de opinião pública não passará de uma mera ficção do direito constitucional.

Mas não é apenas o mundo da política e a relação da política e dos políticos com a sociedade que mudou por acção dos meios.  Há potencialmente mais conhecimento sobre certos pequenos acontecimentos que ocorrem no quotidiano, como acidentes, festas de sociedade, etc.  Será possível também usar as informações disponibilizadas pelos meios jornalísticos para saber mais de arte, de economia, de ciência, etc.  Se quisermos, essas informações poderão servir-nos para, posteriormente, exercemos uma determinada acção sobre a sociedade.

Não será também errado afirmar que os meios jornalísticos são o principal veículo de comunicação pública através dos quais a estrutura de poder comunica com a sociedade.  Aliás, os meios jornalísticos tomam parte da estrutura política dessa sociedade tanto quanto tomam parte da estrutura social, económica, histórica e cultural da comunidade em que se inserem e na qual se desenvolveram.  Mas trata-se de uma comunicação mediada.  Ou seja, as realidades que os news media nos dão a conhecer são realidades mediatizadas por esses mesmos meios.  Visto de outro prisma, os meios jornalísticos mediatizam o nosso conhecimento das realidades que não conhecemos e propõem-nos, logo à partida, determinadas interpretações para essas mesmas realidades.  Contudo, não será menos verdade dizer que a comunicação on line veio transformar a comunicação pública, à semelhança daquilo que ocorreu no século XIX, com o desenvolvimento e a profissionalização do jornalismo.  Ao contrário dos meios jornalísticos tradicionais, a comunicação on line permite a comunicação directa e a interactividade do receptor.  Pessoas e instituições facultam aos cibernautas informação permanente, sem mediação, jornalística ou outra.  Em princípio, no ciberespaço também não se colocam os problemas dos limites à quantidade de informação.  Todavia, nos jornais on line -há que realçá-lo- continuamos a estar perante uma realidade mediada.

De alguma maneira, os meios de comunicação moldam o nosso horizonte de conhecimento sobre um determinado número de realidades, especialmente de realidades actuais (ou que são abordadas na actualidade, quer pela primeira vez, quer porque há uma recuperação do tema - recordemos que, segundo Traquina (1988), o factor tempo funciona como um “cabide” para determinadas notícias ).  Um observador bem colocado, que seja simultaneamente um conhecedor dos assuntos abordados pelos news media, em princípio conseguirá integrar as informações que extrai dos diferentes meios a que tem acesso num sistema mais vasto e articulado de conhecimentos.  Mas, provavelmente, para parte dos consumidores dos meios jornalísticos o real apresenta-se fragmentado e assim continuará.  Relevo, aliás, que uma parte significativa das populações não contrasta diferentes meios e, por eles, diferentes fontes, pois o consumo dos meios é desigual, tal como é desigual o acesso a esses meios.  Aliás, seria bem provável que mesmo que as pessoas contrastassem diferentes meios viessem a deparar com um elevado grau de repetição de informação, devido aos rituais estratégicos de objectividade que desembocam num jornalismo de citações e às rotinas produtivas que configuram uma cobertura desigual dos diferentes sectores da sociedade e que levam a que determinadas pessoas e instituições tenham presença “fixa” nos news media em detrimento de outras pessoas e de outras organizações.

Há ainda uma outra situação problemática: os meios não têm espaço para tudo.  Os meios seleccionam a informação, de acordo com uma grelha interpretativa que valoriza determinados acontecimentos em detrimento de outros.  Vimos já que determinados acontecimentos passam pelos filtros enquanto outros não (gatekeeping).  É por isso que se há espaço para a política, para o desporto e para a economia, não existe assim tanto espaço para a ciência.  Por exemplo, que informação disponibilizam os meios jornalísticos sobre teses de doutoramento e dissertações de mestrado?  Geralmente muito pouca ou nenhuma.  Por isso, o horizonte de conhecimento da actualidade (de uma actualidade) que os meios jornalísticos oferecem é (tem sido) um horizonte cheio de nuvens.  De qualquer modo, os news media podem igualmente funcionar como instrumentos de socialização, por exemplo, ao participarem na geração de um campo referencial mínimo de conhecimentos susceptível de promover a comunicação e de ajudar a sintonizar as pessoas em sociedade[26].

Nas democracias ocidentais os meios jornalísticos institucionalizaram-se como agentes de vigia dos poderes (watchdog journalism).  Por vezes funcionam igualmente como defensores de alguns sectores da sociedade (advocates).  Embora tenham tido origem em interesses comerciais e (depois) políticos, na Europa, e sobretudo após a aparição da rádio e da televisão, alguns meios foram sendo subordinados à lógica do interesse público (se esta lógica se concretiza na realidade ou não é outro assunto), tendo surgido os serviços públicos de radiodifusão, teledifusão, de agência noticiosa e, nalguns casos, de imprensa escrita.  Nos Estados Unidos as grandes emissoras de rádio e televisão, bem como as grandes agências e jornais, sempre estiveram associados a interesses comerciais.  O serviço público até é, sobretudo, entendido como um serviço de acesso público.  Assim, constatamos que a presença dos meios jornalísticos no meio social depende da sociedade em que estão e/ou estiveram inseridos.

 

 

2. A GÉNESE E O DESENVOLVIMENTO DE GRANDES LINHAS DE INVESTIGAÇÃO SOBRE OS EFEITOS DOS MEIOS

 

Como veremos mais pormenorizadamente, enquanto nos Estados Unidos a investigação sobre os efeitos dos meios de comunicação se centrou, inicialmente, sobre a influência da propaganda e da imprensa sobre a opinião pública, na Europa a génese desses estudos esteve ligada à explicação da estrutura socio-económica dos meios e às consequências que essa estrutura originava no meio social.  A esta “separação” não terá sido alheia a ideologização das sociedades e dos pesquisadores.  Todavia, posteriormente as linhas mestras da investigação ter-se-ão aproximado.  A tradição dos estudos empíricos norte-americanos, eminentemente quantitativos e experimentais, estendeu-se à Europa, tanto quanto a tradição crítica e qualitativa europeia se estendeu à América.  Na actualidade, parece-me que a investigação sobre os efeitos dos meios (aliás, sobre os meios, de uma forma geral) em todo o mundo não conhece barreiras paradigmáticas a priori, socorrendo-se de qualquer modelo explicativo (ou de vertentes desses modelos) que possa pertinentemente explicar os fenómenos analisados.  Nisto vou ao encontro daquele que me parece ser o entendimento de autores como Gitlin (1978), Gans (1983), Rosengren (1983) ou Schudson (1986).

A preocupação pelos efeitos da imprensa e da propaganda (incluindo da propaganda veiculada através da imprensa) não foi um acaso.  Embora, de alguma forma, já Marx se tivesse referido ao papel dos meios jornalísticos numa sociedade capitalista e numa sociedade socialista, podemos situar com mais precisão o nascimento da investigação filosófica ou científica sistemática sobre os efeitos dos meios no período subsequente à Primeira Guerra Mundial, conflito durante o qual os governos dos estados beligerantes tiveram uma (natural?) atitude censória e/ou propagandística sobre a imprensa.  A reflexão sobre esta situação e sobre as cumplicidades entre a imprensa e o poder político (e, para o caso, militar) terá impulsionado, então, os primeiros estudos sobre os efeitos da comunicação social, tendo-se proposto alguns modelos explicativos.

De qualquer modo, se bem que a investigação científica e sistemática sobre a comunicação jornalística se tenha começado a desenvolver por volta dos anos vinte, isto não exclui que anteriormente não se tivessem “percepções” sobre o papel social dos meios jornalísticos.  Conta-nos Montero (1993: 9) que a atitude liberal do século passado já via a imprensa como uma espécie de quarto poder, contraposto aos poderes executivo, legislativo e judicial, como uma espécie de veículo necessário para bem informar os cidadãos, o que garantiria uma atitude esclarecidamente participativa e interventora desses cidadãos sobre a sociedade.  Esta posição, parece-me, terá mesmo moldado as ideias que hoje subsistem nas democracias ocidentais sobre o papel dos meios jornalísticos.

Quatro grandes movimentos teóricos sobre os efeitos dos meios de comunicação social desenharam-se após a Primeira Guerra Mundial e ganharam particular expressão a partir da Segunda Guerra Mundial: o paradigma funcionalista, a sociologia interpretativa, os estudos críticos de génese marxista (que se repartem por diversos ramos: análise socio-económica, estudos culturais, etc.) e a chamada Escola Canadiana.

Os investigadores funcionalistas defenderam a ideia de que os meios de comunicação social não têm um grande poder de modificar atitudes e opiniões, tendo as suas aportações, em conjunto com outras, desembocado modernamente na teoria das múltiplas mediações, na qual se descrevem vários factores de mediação que relativizam a influência dos meios: grupos sociais, líderes de opinião, escola, canais de comunicação, condições de recepção, etc.  Esta perspectiva conduziu a pesquisas sobre a forma como cada receptor descodificava e atribuía significado às mensagens  e sobre o modo como eram por ele usados os meios de comunicação.

Pelo seu lado, os autores filiados nas correntes da sociologia interpretativa vêem a sociedade como uma trama complexa de diferentes grupos interpenetrantes e interactivos capazes de criar os seus próprios universos simbólicos e os seus mecanismos de interpretação da realidade, razão pela qual as relações interpessoais em interacção e, portanto, a comunicação interpessoal, seriam preponderantes nesse processo cognitivo, independentemente de este poder ser influenciado pela comunicação massivamente mediada.  Neste contexto, “a produção de sentido e de significados que permite a compreensão da realidade quotidiana aparece como um processo basicamente consensual no qual o indivíduo participa de forma consciente ou inconsciente.” (Montero, 1993: 51)   É de realçar também que a perspectiva da sociologia interpretativa propõe a ideia de que a configuração dos conteúdos dos órgãos de comunicação social e a forma como esses conteúdos são apresentados (o que corresponde às fases da produção e da circulação da notícia) favorecem uma determinada modelação de um patamar referencial de conhecimento compartilhado em sociedade.  Ou seja, com base neste ponto de vista poderíamos dizer que os meios de comunicação social têm frequentemente uma influência directa sobre as pessoas e o meio social.  As análises de conteúdo assentarão até implicitamente sobre esta noção, embora ela também se encontre fundamentada em algumas das teorias actuais sobre a influência da comunicação social para as quais a sociologia interpretativa terá concorrido, como sejam a teoria do agenda setting.

Os estudos de génese marxista opõem-se tanto ao paradigma funcionalista como à sociologia interpretativa.  Por exemplo, enquanto para os teóricos críticos o estado é um instrumento de dominação ao serviço da classe dominante, assegurando o statu quo, para os funcionalistas e para a sociologia interpretativa o estado é um “contexto objectivo de sentido” (Schutz e Luckmann, 1973) que as pessoas interiorizariam desempenhando papéis e usando a linguagem.  Os marxistas consideram ainda que “as relações sociais surgem das formas de produção e reprodução da vida.  A posição dos indivíduos em sociedade é dada pela sua situação no processo produtivo e nas relações que este gera.  As ideias da classe dominante são as que prevalecem e a ideologia constitui, de facto, um instrumento para a defesa dos seus próprios interesses e para a reprodução da estrutura social.”  (Montero, 1993: 51)  Os meios de comunicação social seriam, assim, elementos integrados dentro do aparelho ideológico da classe dominante, pelo que o processo de comunicação através dos meios jornalísticos não poderia ser dissociado do seu contexto socio-histórico-cultural.

Temos ainda uma outra tradição de estudos: a da Escola Canadiana.  Esta linha de investigação, cujos expoentes foram Innis e McLuhan, enfatiza o papel dos meios de comunicação na transformação das sociedades.  Para os autores filiados nesta tradição, mais importante do que ou tão importante como o conteúdo das mensagens é o veículo que as transporta.

Quais as razões pelas quais se deu um impulso tão decisivo à investigação sobre os meios de comunicação social após a Segunda Guerra nos Estados Unidos?  Moragas (1981: 37) esclarece-nos dizendo que esse impulso se deveu a quatro componentes associáveis à comunicação política: 1) a função eleitoral da comunicação social; 2) a necessidade de uma política de opinião pública que sustentasse a expansão imperialista; 3) a recordação da propaganda nazi; e 4) a crítica ao modelo de comunicação soviético.  Este último modelo teve, inclusivamente, direito a tratamento sistemático no livro Four Theories of the Press (1956), de Siebert, Peterson e Schramm, onde estes autores diferenciam as concepções autoritária, liberal, comunista e de responsabilidade social de imprensa, um tema a que McQuail (1991) e Hachten (1996) regressariam com determinadas cambiantes.  Lazarsfeld (1953) já havia, aliás, dado o mote, propondo que se orientasse a pesquisa para a comunicação internacional.  Segundo Montero (1993: 18), nos começos dos anos sessenta, beneficiando da importância de que a televisão se estava  a revestir, a comunicação começou a delinear-se como um campo de estudos distinto que ia buscar conhecimentos a várias ciências próximas (como a linguística, a sociologia ou a psicologia), começando alguns autores a designá-lo pelo campo das Ciências da Comunicação.

Se quisermos traçar um breve percurso histórico que resuma o conteúdo deste livro, vemos assim que nos primeiros modelos teóricos sobre os efeitos da comunicação social se lhe reconhece um enorme poder, encontrando esta posição acolhimento na “teoria” das balas mágicas.  Em consonância com Carey (1978: 119), “(...) nos anos trinta perceberam-se os efeitos poderosos da comunicação social porque a depressão e as correntes políticas que eram propícias a entrar na guerra criaram um campo fértil para a produção de um certo tipo de efeitos.”

O paradigma funcionalista, onde se podem integrar “teorias” como a do fluxo de comunicação em múltiplas etapas, veio introduzir algumas cambiantes sobre essa percepção, tendo-se começado a relativizar o poder dos media.  Estava-se “(...) [na] normalidade dos anos cinquenta e dos sessenta (...)”.  (Carey, 1978: 119)  Porém, chegou-se aos anos sessenta e, “(...) no final dos sessenta, a guerra, o desacordo político e a inflação conspiraram outra vez para descobrir a estrutura social nos seus aspectos fundamentais e tornaram-na mais permeável aos meios de comunicação.” (Carey, 1978: 119)  Podemos recordar, por exemplo, a constatação do impacto da televisão.  Assim, vários trabalhos começaram a relançar a ideia de que não só os meios de comunicação tinham a capacidade de transformar as civilizações (Innis e McLuhan) como também que, apesar de tudo, os meios tinham efeitos não desprezíveis ou até poderosos, nomeadamente no domínio das cognições, ou seja, da forma como as pessoas entendem a realidade e se posicionam face a ela.  Por exemplo, McCombs e Shaw (1972) , de acordo com a linha sugerida por Lang e Lang (1955) e por Cohen (1963), mostraram que os meios de comunicação, mais do que fazer as pessoas pensar de determinada maneira, ajudavam a definir a agenda de temas que eram objecto de debate e preocupação pública (agenda-setting), ou seja, em termos simplistas, diziam às pessoas sobre o que pensar.  Por seu turno, Noelle-Neumann (1973) salientou que a poderosa influência dos meios de comunicação se devia ao facto de eles tenderem a coincidir nos pontos de vista e nas argumentações (princípio da “consonância”) e de o fazerem continuamente (princípio da “acumulação”).

No início dos anos setenta, as aportações da sociologia interpretativa trouxeram a percepção de que os meios de comunicação se estavam a tornar num dos principais agentes directamente modeladores e transformadores do conhecimento social e das referências simbólicas da sociedade.  Os meios jornalísticos não seriam, assim, meros espelhos da realidade, antes participariam activamente no processo de construção social da realidade.  As notícias começaram a ser vistas como artefactos construídos e fabricados com base em determinados modos de produção, critérios, etc.[27] Para este entendimento seriam determinantes os livros Creating Reality: How TV News Distorts Events, de Altheide (1974), Making News: A Study in the Construction of Reality, de Tuchman (1978) e Deciding What’s News, de Gans (1979; 1980).  Esses trabalhos mostram também que os meios de comunicação eram tanto mediadores como instrumentos que actuavam em benefício do statu quo, considerações que já as diversas perspectivas críticas de génese marxista tinham enfatizado ao destacar as relações entre os meios de comunicação e a estrutura social, económica, histórica e cultural.  Por exemplo, Golding e Elliot (1979), em Making the News, estudaram o processo de fabrico e construção das notícias relevando a ideologia que lhe subjazia.

McQuail(1991: 321-325) também partilha da concepção de Carey (1978: 119) segundo a qual se pode segmentar a história das teorias dos efeitos em três fases: a primeira, em que os meios de comunicação social eram entendidos como omnipotentes, ter-se-ia desenvolvido até aos anos trinta; a segunda, em que se relativizam os seus efeitos, ter-se-ia prolongado até aos anos sessenta; e a terceira, que corresponderia a uma redescoberta do poder da comunicação social, estaria actualmente em voga.

Nem todos os pesquisadores partilham das ideias de McQuail (1991) ou Carey (1978) sobre a evolução histórica das teorias dos efeitos dos meios de comunicação.  Lang e Lang (cit. por Wolf, 1988) assinalaram mesmo que as diferentes concepções sobre os efeitos dos meios foram coexistindo, embora em determinadas épocas umas se tenham sobreposto às outras.

 

 

Lippman e Park marcam a investigação americana sobre os meios jornalísticos

 

Se bem que as ideias de pessoas como John Milton, John Locke, Thomas Jefferson ou John Stuart Mill tenham fundado a concepção liberal da imprensa que ainda hoje, em grande medida, subsiste, um dos primeiros pensadores sistemáticos sobre o papel dos meios na sociedade terá sido o (tantas vezes citado) escritor e jornalista Walter Lippman, que em 1922 lançou o livro Public Opinion.  Nesse livro, Lippman perspectivou a imprensa como um dos agentes modeladores do conhecimento, tendo atentado sobretudo no uso e na criação jornalística de estereótipos, que ele via como formas simplificadas e distorcidas de entender a realidade.  Assim, de alguma forma abordava-se pela primeira vez a questão da representação da realidade social através da imprensa: os meios jornalísticos não reproduziam a realidade, antes tenderiam a representar estereotipadamente essa realidade, criando, assim, um “pseudo-ambiente” (para usar a expressão de Lippman) dissonante da realidade em si mas referencial para as pessoas, que o veriam como o verdadeiro “ambiente”.  Dessa forma, o “pseudo-ambiente” (ou seja, as percepções mediaticamente induzidas sobre a realidade que seriam dissonantes da realidade em si devido à estereotipização) influiria no “ambiente”, isto é, na realidade social em si.

Também Park (1939) considerou os meios jornalísticos como agentes susceptíveis de modelar o conhecimento.  Porém, este autor vai mais longe do que Lippman, realçando o facto de a comunicação jornalística ser modeladora da cultura, enquanto a notícia seria uma forma de conhecimento.  Mais, para ele, as notícias jornalísticas, devido à necessidade que tinham de se adaptar a diferentes contextos, protagonizavam também a capacidade de se aculturarem.   Isso facilitava a criação de consensos, tarefa que o autor considerava essencial, já que, para ele, a função primeira da comunicação era manter a coesão do grupo social no espaço e no tempo.

Foi igualmente Park (1939) um dos primeiros autores a chamarem a atenção para o facto de os jornalistas seleccionarem os acontecimentos sobre os quais escreviam notícias e as notícias em si.  Ao fazê-lo, mais não estava do que a reforçar as ideias anteriormente avançadas por Lippman e a realçar uma noção central da pesquisa sobre os efeitos dos meios de comunicação: as notícias podem indiciar a realidade, representar a realidade, mas não são a realidade nem o seu espelho.

Park (1939) não se ficou por aqui, tendo chegado a declarar que os meios de comunicação, enquanto tecnologia, estavam a modificar a sociedade.  Sob este prisma, podemos considerá-lo talvez como o precursor da Escola Canadiana[28].

 

 

O paradigma funcionalista

 

Podemos dizer que, sobre os escombros da Segunda Guerra Mundial, as primeiras investigações que se fizeram sobre a comunicação social, particularmente nos Estados Unidos, se enquadram no fecundo paradigma funcionalista.  Este modelo baseia-se na concepção da sociedade como sistema, conforme a proposta de Parsons (1959).  Para este autor, a sociedade englobaria vários elementos em equilíbrio, interdependentes e interactuantes segundo leis próprias, e constituía uma realidade de nível superior à da soma dos seus constituintes.  Essa realidade tendia para a estabilidade (os sistemas são resistentes às mudanças, diz-nos a teoria cibernética), por vezes através de mecanismos de auto-regulação e de ajuste internos ao próprio sistema.

 

 

“Um sistema social (reduzido aos seus elementos mais simples) consiste (...) numa pluralidade de actores individuais que interactuam entre si numa situação que tem, pelo menos, um aspecto físico (...), actores motivados por uma tendência a ‘obter um óptimo de gratificação’ e cujas relações com a sua situação (incluindo os demais actores) estão mediadas e definidas por um sistema de símbolos culturalmente estruturados e compartilhados.” (Parsons, 1959: 17)

 

 

Segundo Montero (1993: 25), a análise de um sistema implica o estudo da sua estrutura e das suas funções.  Por isso se fala também muitas vezes do “paradigma estrutural-funcionalista”.

Outro sociólogo, Merton (1949; 1957), contribuiu igualmente, com as suas aportações, para a emergência do paradigma funcional-estruturalista, ao acentuar que as investigações de alcance intermédio produziam resultados pertinentes para explicar determinados fenómenos sociais, ficando a meio do caminho entre uma teoria global da sociedade e a descrição pormenorizada dos diferentes elementos do sistema social.  Salientou, todavia, que era necessário que os sociólogos ultrapassassem a vontade de explorar a estática do sistema para atentar na sua dinâmica, como os processos de conflito ou de mudança.

De algum modo, foi Harold Lasswell (1948) que estabeleceu o corolário do paradigma funcionalista aplicado ao estudo da comunicação.  Para Montero (1993: 26), este teórico terá mesmo estabelecido a “agenda de trabalho” para a investigação em comunicação social.  E o que ele disse é muito simples: a abrir a sua contribuição para uma obra colectiva editada por Bryson, escreveu: “Uma forma adequada para descrever um acto de comunicação é responder às seguintes perguntas: Quem?  Diz o quê?  Em que canal?  A quem?  Com que efeito?”  E, indo mais longe, salientou: “O estudo científico do processo comunicativo tende a centrar-se numa ou noutra destas interrogações.”  Poder-se-ia, assim, sistematizar o estudo da comunicação em vários campos:

 

Quem?

Análise de controlo e estudos sobre o emissor e a emissão das mensagens

Diz o quê?

Análise de conteúdo

Em que canal?

Análise do meio

A Quem?

Análise de audiência e estudos sobre o receptor e a recepção de mensagens

Com que efeitos?

Análise dos efeitos

 

O modelo, porém, não ficou isento de críticas.  Concebido numa altura em que a “teoria” das balas mágicas ainda tinha adeptos, o modelo evidencia a linearidade típica com que se encarava a persuasão através dos media, não prevendo, por exemplo, o feedback do receptor e pressupondo que o efeito constitui uma mudança observável ou mesmo mensurável que se regista no receptor.  Além disso, ao impulsionar uma certa compartimentação dos estudos sobre o processo de comunicação, terá feito perder de vista a unidade desse processo.

O paradigma funcionalista, como vimos, compreenderá o estudo das funções e da estrutura do sistema de meios de comunicação em sociedade.  Na mesma obra em que Lasswell expôs o seu célebre paradigma, Lazarsfeld e Merton (1948) entraram no tema, descrevendo três funções prioritárias dos meios de comunicação social: (1) outorgação de estatuto social, (2) reafirmação das normas sociais e (3) disfunção narcotizante das pessoas.  Por outro lado, os mesmos autores destacaram que a estrutura comercial e privada dos meios de comunicação americanos originavam efeitos que eram diferentes, por exemplo, do serviço público europeu.  Aliás, o próprio Lasswell (1948: 68) procurou mostrar que os meios de comunicação social cumpriam diversas funções, nomeadamente: (1) vigilância, (2) transmissão do legado social e (3) correlacionamento dos componentes da sociedade para se ajustarem ao meio.  Wright (1960), na mesma linha, procurou catalogar as funções dos meios de comunicação em sociedade, tendo relevado os papéis do entretenimento e da regulação.

Baseados nos resultados das pesquisas sobre as campanhas eleitorais que deram origem às teorias da comunicação em duas etapas e em múltiplas etapas[29], Katz e Lazarsfeld (1955), introduziram o modelo funcionalista da “influência pessoal” na obra que denominaram dessa mesma maneira (Personal Influence).  Para eles, haveria que ter em conta quatro variáveis para se estudar o processo de comunicação social: (1) a exposição; (2) as características diferenciadas de cada meio; (3) os diferentes conteúdos e os diversos formatos em que estes poderiam ser apresentados; e (4) as atitudes e predisposições psicológicas dos receptores.  Este último aspecto coloca em relevo os efeitos relativos que se começavam a atribuir aos media, considerados pouco poderosos em matéria de influência e persuasão.

Klapper (1960), por seu turno, começou a enfatizar aquilo que actualmente descreveríamos como a importância das múltiplas mediações e que, de alguma forma, também relativiza o poder dos meios.  Ele procurou estudar funcionalmente os efeitos da comunicação social em função da direcção do efeito, dos efeitos a curto prazo e das mudanças de atitude e de comportamento, tendo concluído que o impacto dos meios era relativizado por um conjunto de factores “intermediários” que impossibilitavam uma influência directa: (1) as leis da exposição, percepção e memória selectiva; (2) os grupos sociais e as suas normas; (3) a comunicação interpessoal; (4) os líderes de opinião; e (5) a natureza dos meios de comunicação.  Porém, na sua obra Klapper salientou igualmente que a comunicação social legitimava e reforçava o statu quo mais do que contribuía para as mudanças sociais.

Na sequência dos avanços da investigação estrutural-funcionalista, Katz, Blumer e Gurevitch (1974) relacionaram o consumo de determinados conteúdos com a gratificação sentida por esse consumo, instituindo aquele que se viria a denominar por modelo dos usos e gratificações.  De qualquer modo, Blumler e McQuail (1968) já tinham dado o mote ao interrogarem-se sobre se seriam os meios de comunicação a determinar as formas de consumo ou se seriam os receptores a usá-los em consonância com as suas necessidades.  E, de facto, o modelo dos usos e das gratificações, de alguma maneira, encara os consumidores dos media como pessoas activas e conscientes perante a comunicação social.

Dentro do modelo dos usos e gratificações, Wright (1974) propôs que se integrassem as investigações sobre o papel dos meios de comunicação na sociedade e a comunicação interpessoal em torno de três vectores principais: (1) analisar a combinação das diferentes formas de comunicar no seio do sistema social, (2) estudar os meios enquanto veículos diferentes de comunicação e desvelar as possíveis funções e disfunções da relação entre as pessoas e os meios e entre os meios e a sociedade e (3) analisar as organizações comunicacionais, particularmente as organizações noticiosas, e as práticas dos trabalhadores dos media.

 

 

Uma abordagem “pré”-funcionalista: a “teoria” das balas mágicas ou da agulha hipodérmica

 

Na sequência dos estudos sobre a propaganda desenvolvida durante a Primeira Guerra Mundial vários autores, influenciados pelo positivismo e pela psicologia behaviorista, defenderam a ideia de que os meios de comunicação tinham uma influência directa sobre as pessoas e a sociedade, podendo provocar só por si mudanças de opinião e de comportamento nas pessoas.   Surgiu assim o primeiro modelo empírico que visava explicar os efeitos dos meios de comunicação a curto prazo, tendo ficado conhecido por “teoria” das balas mágicas ou da agulha hipodérmica. 

As imagens sugeridas por ambas as denominações pretendem traduzir metaforicamente que as pessoas apresentavam todas o mesmo comportamento mecânico (a resposta) ao serem atingidas pelas mensagens mediáticas (o estímulo).  Daí as “balas mágicas” (pois atingiam todos da mesma maneira) ou a agulha hipodérmica (pois os efeitos dos medicamentos injectados tendem a ser os mesmos nas diferentes pessoas).  A comunicação era, assim, vista sobretudo como um processo reactivo, enquanto a sociedade era avaliada como sendo constituída por indivíduos aglomerados numa massa uniforme.  Ao conceber a comunicação social como omnipotente, o modelo das “balas mágicas” teria criado receios generalizados quanto à sua influência (Rodrigues dos Santos, 1992: 19).

Harold Lasswell foi um dos autores decisivos para a fundamentação da “teoria” das balas mágicas.  Em 1927 publicou o livro Propaganda Technique in the World War.  Nessa obra, o autor opina que a função propagandística da imprensa durante a Primeira Guerra Mundial (que poderia ser boa ou má, consoante os seus fins) parecia apoiar claramente a ideia de que existia uma influência enorme, directa e imediata dos meios jornalísticos sobre cada pessoa.  Na versão de Lasswell, os comportamentos colectivos da sociedade poderiam, assim, ser conduzidos.  Outras obras no mesmo tom terão sido igualmente decisivas para dar forma ao modelo das balas mágicas, como The Rape of Masses, de Chakhotin, e Psychology of Propaganda, de Doobs.[30]

A célebre emissão radiofónica da Guerra dos Mundos, de Orson Welles, em 1938, veio mostrar que as pessoas, afinal, não reagiam todas da mesma maneira às mensagens mediaticamente difundidas.  Se houve pessoas que entraram em pânico a pensar que os marcianos já estavam nas traseiras do quintal, outras houve que ficaram impávidas e serenas a ouvir a emissão de teatro radiofónico.  Ora, essas reacções diferenciadas contradiziam a “teoria” das balas mágicas, no âmbito da qual se previam efeitos uniformes.  Um grupo de pesquisadores liderados por Hadley Cantril (1940) concluiu, então, que embora o poder dos meios fosse grande as características psicológicas e a personalidade das pessoas as predispunham ou não para reagir de determinada maneira.  As pessoas com profundas crenças religiosas, menor capacidade crítica, inseguras e sem auto-confiança tenderam a assustar-se mais do que as outras.  Abalava-se, assim, pela primeira vez, a crença behaviorista do estímulo-resposta aplicada aos efeitos da comunicação social.

 

 

Uma abordagem funcionalista: as teorias do fluxo de comunicação em duas e múltiplas etapas e a resistência à persuasão

 

Em 1944, Lazarsfeld, Berelson e Gaudet publicaram The People’s Choice: How the Voters Makes His Mind in a Presidential Campaign, obra que resultou de um estudo científico destinado a averiguar a influência da imprensa e da rádio sobre a decisão de voto dos cidadãos de uma cidadezinha do Ohio, Erie County.  Nesse livro, os comunicólogos perceberam que os meios de comunicação estavam longe de ter um poder quase ilimitado sobre as pessoas.  Pelo contrário, havia que contar com um mecanismo que os autores denominaram como “exposição selectiva”.  E havia ainda que contar com a influência de determinados agentes mediadores entre os media e as pessoas (fluxo de comunicação em duas etapas), os líderes de opinião, cuja acção se exerceria ao nível da comunicação interpessoal.

Em relação ao primeiro mecanismo, os autores descobriram que as pessoas tendiam a ler ou escutar aquilo com que de antemão já estavam de acordo e as pessoas com quem concordavam.  Por seu turno, os líderes de opinião, mais receptivos a receber informação, promoviam a circulação da informação que recebiam no seu contexto social imediato e também conseguiam influenciar as pessoas no seu entorno.  Percebia-se, assim, que os meios de comunicação não eram os únicos agentes que influenciavam as decisões das pessoas e que, por vezes, nem sequer eram os mais poderosos desses agentes.  E percebia-se igualmente que as pessoas apresentavam mecanismos de defesa contra a persuasão, nomeadamente contra a persuasão mediaticamente induzida, conforme evidenciava a exposição selectiva.

Prosseguindo os estudos sobre a comunicação política, Berelson, Lazarsfeld e McPhee lançaram, em 1954, o livro Voting: A Study of Opinion Formation During a Presidential Campaign, no qual não só confirmariam a “lei” da exposição selectiva e a influência dos líderes de opinião como verificaram a existência de outro mecanismo de resistência à persuasão, a “percepção selectiva”, pois os eleitores estudados pareciam mais receptivos às posições que reforçavam e ratificavam as suas próprias ideias.

Em 1955, foi dado à estampa um novo trabalho dentro do mesmo tema, desta feita denominado Personal Influence: The Part Played by People in the Flow of Mass Communication.  Dirigido por Katz e Lazarsfeld, o trabalho identificava ainda a “lei” da memorização selectiva: as pessoas não só se expunham aos conteúdos dos meios de maneira selectiva, como também os percepcionavam de maneira selectiva e -aqui estava a novidade- tendiam a memorizar essencialmente a informação que mais se adequava às suas ideias.

Na sequência desses trabalhos, Wilbur Schramm (1963) fez notar que muitas vezes os próprios líderes de opinião recebiam informações mediatizadas por outros líderes de opinião.  Lazarsfeld reconheceu, por seu turno, que, ao contrário do que argumentava em The People’s Choice, os líderes de opinião nem sempre se encontravam no topo da pirâmide social, pois o que tinham em comum era unicamente o seu maior interesse pelo que diziam os meios de comunicação.  Foi assim introduzido um novo modelo, o do “fluxo de comunicação em etapas múltiplas”, que pretende precisamente relevar essa complexa teia de relações sociais que “filtra” a acção dos meios de comunicação social: os próprios líderes de opinião funcionariam como gatekeepers para outros líderes de opinião. 

Os estudos citados vieram, desta forma, colocar em evidência que os meios de comunicação não eram tão poderosos quanto se supunha, até porque actuam numa rede complexa de relações sociais e têm pela frente mecanismos individuais de defesa contra a persuasão.  Inclusivamente, os autores assinalaram que as pessoas mostravam alguma indiferença pela propaganda eleitoral porque sabiam que se tratava de propaganda e, como tal, de informação destinada a persuadir.  Aliás, Domenach (1975: 114-115) evidenciou que mesmo os postulados originais da “teoria” das balas mágicas estavam errados, ao contar que a propaganda mediaticamente difundida durante a Primeira Guerra Mundial não era aceite pelos soldados, que sabiam que aquilo era propaganda e que, em muitos casos, sabiam igualmente o que estava de facto a acontecer nas frentes de batalha.

Hyman e Sheatsley (1947) obtiveram resultados que contradiziam o modelo de influência pessoal, nomeadamente sobre a hipotética influência dos líderes de opinião sobre as suas comunidades, ao descobrirem que a grande maioria dos interrogados num inquérito desconhecia as grandes questões da política nacional e internacional (fenómeno que denominaram por “chronic know-nothing”) ou tinha adulterado a informação recebida para esta se ajustar ao seu modelo de crenças e às suas atitudes anteriores.

Os estudos sobre a persuasão através da comunicação, não obstante, continuaram.  Hovland, Lumsdaine e Sheffield (1949) de alguma maneira descobriram a “lei do emissor” em comunicação.  A mesma mensagem, consoante o emissor seja mais ou menos credível aos olhos do receptor, tenderá a ser mais ou menos persuasiva.  Porém, segundo os autores, a “lei do emissor” funcionaria principalmente logo após a mensagem ser consumida, porque posteriormente os seus efeitos perderiam força.

Hovland Lumsdaine e Sheffield (1949) descobriram também que as pessoas educacionalmente mais favorecidas poderão ser convencidas com maior facilidade se a propósito de uma questão se levantarem várias perspectivas; pelo contrário, as pessoas com menores “níveis” educacionais tenderão a ser mais facilmente persuadidas se apenas for invocado um dos lados da questão em causa.  O facto de as pessoas terem diferentes perfis psicológicos e educação tornava-as mais ou menos resistentes à persuasão.   Em Experiments in Mass Communication, esses autores põem ainda em relevo o mecanismo da “atenção selectiva”, no que vão ao encontro de Lazarsfeld, Berelson e Gaudet (1944).  Eles perceberam que as pessoas tendiam a expor-se e a aceitar as mensagens que iam ao encontro do seu sistema de crenças, valores, expectativas e ideias e a rejeitar ou deturpar as mensagens que com ele colidissem.  De qualquer modo, já anteriormente Cooper e Jahoda (1947) tinham relevado a existência de mecanismos individuais de defesa contra a persuasão que estavam relacionados com a fuga psicológica a determinadas mensagens ou com a recusa em interpretá-las.  Mais tarde, Klapper (1963) viria a acentuar, nas suas pesquisas, que realmente as predisposições que as pessoas denotam e a selecção que elas fazem das mensagens são de facto factores de resistência à persuasão.  José Rodrigues dos Santos (1992: 36) dá conta, por seu turno, de que em alguns estudos a eficácia persuasiva de uma mensagem parece tender a crescer com o tempo, fenómeno que é denominado por “efeito latente”.

Lazarsfeld, Berelson e McPhee (1971) colocaram em evidência que a motivação e o interesse variam em função das pessoas.  Todavia, segundo os autores, quanto mais uma pessoa fosse exposta a um tema, em princípio maior interesse teria por esse tema, o que faria crescer a sua motivação por o aprofundar.  Além disso, uma exposição prolongada a um determinado tema que fosse ao encontro dos valores, crenças, ideias e expectativas de uma pessoa (por exemplo, a exposição a uma campanha eleitoral do partido político de que se é militante) teria por efeito a resistência à mudança e o reforço de convicções (provavelmente as campanhas eleitorais não terão tanto por função convencer os que já decidiram não votar no partido A a votarem nesse partido mas sim a tentar impedir que quem já decidiu votar A acabe por votar B: o reforço da exposição à mensagem de A tenderia a impedir uma mudança de opinião que inflectisse o sentido do voto).

Deste conjunto de dados parece-me que podemos reter principalmente que o processo que pode originar mudanças de opinião, de atitudes e de comportamentos através da persuasão mediática é muito complexo e que os meios de comunicação social não são o único agente que conduz a essas mudanças, mas apenas um entre vários factores de influência.  Haveria, de facto, que contar com vários agentes mediadores, como a escola, os líderes de opinião, a família e os restantes grupos sociais em que o indivíduo se insere, etc.  Por isso fala-se modernamente da existência de múltiplas mediações para que uma mensagem seja aceite e para que a ela seja atribuído um determinado sentido.  Poderíamos até falar de uma “teoria” das múltiplas mediações.  Mas isso não torna os news media menos responsáveis perante a sociedade, porque mesmo sendo apenas alguns entre vários mediadores, eles parecem ser mediadores relativamente poderosos.  Ou, pelo menos, são um dos mediadores existentes na sociedade, o que só por si já é significativo.  E se a sociedade, enquanto sistema, se pode fazer valer dessas várias mediações para resistir mais fortemente à mudança, o indivíduo talvez esteja mais “desprotegido”, por muitos que sejam os seus mecanismos de defesa contra a persuasão.

Será igualmente relevante dizer que há mecanismos que conduzem a mudanças de opinião que não passam nem pela persuasão nem pelos news media ou outros mediadores.  Um desses mecanismos é o da “dissonância cognitiva”, apresentado por Festinger (1957).  Segundo o autor, as pessoas, na sua acção, procuram ser coerentes com o seu pensamento, mas nem atingiriam esse objectivo, pelo que das tentativas de superação dessas dissonâncias entre o pensar e o agir poderiam resultar mudanças nas acções, nas crenças e nas opiniões.  O autor dá o exemplo do rapaz que leva a rapariga a jantar fora e que gasta demasiado dinheiro mas que, no dia seguinte, é elogioso com ela.  Este discurso elogioso poderia representar uma tentativa de superação da ideia de que não deveria ter gasto tanto dinheiro.  Mudando a opinião para “o dinheiro gasto valeu a pena”, o rapaz teria tornado de novo a sua acção consentânea com o seu pensamento, mercê da modificação deste último, ou seja, mercê de uma mudança de opinião não provocada ou mediada por agentes externos.

Para encerrar esta parte, convém frisar que já a partir do início dos anos sessenta algumas investigações sobre televisão contrariaram o modelo de “influência pessoal” tão caro a Lazarsfeld e aos seus pares.  Schramm, Lyle e Parker (1961), por exemplo, destacaram a identificação do público juvenil com as personagens da televisão, enquanto Sears e Freedman (1967) questionaram a lei da percepção selectiva e recomendaram que a investigação atentasse na exposição voluntária à informação e não apenas nas motivações inconscientes.

 

 

A sociologia (ou perspectiva) interpretativa

 

Embora uma parte das pesquisas da sociologia interpretativa aplicadas ao jornalismo tenham sido referenciadas no livro Teorias da Notícia, a exposição que aí fiz das mesmas decorreu da necessidade de procurar explicar por que razão as notícias são as que temos e não outras.  Neste novo ponto, procurarei, por isso, essencialmente, abordar a questão dos efeitos dos meios jornalísticos a partir da forma como um determinado conteúdo é construído e fabricado.  E os principais efeitos desencadeados pelos meios de comunicação, de acordo com a sociologia interpretativa, estão relacionados com a modelação social do conhecimento a longo prazo, com a manutenção do statu quo e com a construção social da realidade.

No campo da sociologia interpretativa, de acordo com Montero (1993: 35), encontram-se especialmente três áreas de investigação: (1) as rotinas jornalísticas; (2) o conteúdo da informação e o impacto dos produtos informativos; e (3) a notícia como construção da realidade. 

 

 

“A perspectiva interpretativa reúne as aportações (...) da sociologia fenomenológica, da etnometodologia e do interaccionismo simbólico.  A sua descrição da comunicação (...) reflectiu-se sobre todo o processo de mediação na criação de significados.  Enfatizou principalmente o papel das organizações mediáticas e a sua influência na forma e no conteúdo da comunicação (...), os processos sociais de interpretação e de leitura e, em última instância, o papel activo do público frente aos meios de comunicação.” (Montero, 1993: 35)

 

 

Autores como Altheide (1974) e Tuchman (1978 a) podem ter introduzido novos métodos interpretativos de abordar a realidade social no campo dos media, mas foi Schutz, com a sua sociologia fenomenológica baseada na aceitação da intersubjectividade, ou seja, num patamar mínimo de conhecimento objectivado compartilhado (Schutz e Luckmann, 1973), e, principalmente, Berger e Luckmann (1976), com a nova corrente da sociologia do conhecimento designada por construção social da realidade, que trouxeram as novidades necessárias para o alargamento do campo teórico das Ciências da Comunicação à sociologia interpretativa.  “A realidade constrói-se socialmente e a sociologia do conhecimento deve analisar os processos pelos quais isto se produz”, disseram Berger e Luckman (1976: 13).  Assim, das técnicas de investigação desta perspectiva teórica faz sobretudo parte a análise qualitativa dos processos de interacção social e de construção de significados, com particular incidência nas etnometodologias (o que significa, em termos simples, a imersão do pesquisador no contexto da situação a estudar).

Altheide (1974) foi um dos pioneiros da mudança no sentido e no alargamento das metodologias de investigação, usando a observação participante para estudar as organizações noticiosas (o paradigma funcionalista privilegiava inquéritos, entrevistas, tratamento estatístico de dados, etc.).  Para ele, as organizações noticiosas conseguem codefinir o que é significativo num determinado contexto social e cultural, participando, deste modo, na modelação de referências sociais intersubjectivamente objectivadas que constituem um lugar-comum para os diferentes grupos sociais.   Os principais problemas do jornalismo enquanto participante activo no processo de construção da realidade seriam a selecção de determinadas fontes e acontecimentos em detrimento de outras fontes e de outros acontecimentos, a descontextualização dos acontecimentos (já que se ignorariam os processos e o meio em que esses acontecimentos viram a luz do dia), a recontextualização dos acontecimentos sob o formato de notícias e o tempo limitado que os jornalistas teriam para abordar a realidade.

Vários outros autores, como Adoni e Mane (1984), que distinguiram as realidades sociais objectiva, simbólica e subjectiva, enveredaram igualmente pelo campo da sociologia interpretativa.  Surgido há um pouco mais de uma década, um trabalho de Lindlof e Meyer (1987), onde estes investigadores sustentam que para se estudar o consumo dos meios se devem estudar as situações em que ele ocorre, também se pode integrar nessa corrente.

Lindlof e Meyer (1987) criticam a teoria dos usos e gratificações por esta ignorar o contexto do consumo dos media.  Para eles, este consumo não era uma actividade tão livre como fazia crer esse modelo funcionalista, pois tratava-se de um consumo regulado por normas socio-culturais de codificação e de descodificação, de uma actividade efectivamente mediada que comportaria “formas de actuar e de ver e construir a cultura”.

Tuchman (1978 a), com base na observação participante, relevou o contributo do jornalismo para a construção social da realidade, salientando que, em grande medida, são as rotinas produtivas a configurar os conteúdos da informação e que as notícias têm o condão de nos indicar como devemos observar e interpretar a realidade.  Usando mas não me limitando a uma sistematização das propostas de Tuchman oportunamente realizada por Montero (1993: 41), poderia descrever essencialmente quatro pontos em que essa actividade de construção social da realidade é particularmente visível[1], salientando, desde já, que a selecção rotineira de informação modela um determinado conhecimento referencial da realidade eminentemente intersubjectivo e, portanto, objectivado.  O jornalismo tem efeitos sobre a contínua reconstrução social da realidade, já que o jornalismo exerce uma acção sobre a realidade social.

1.      As organizações noticiosas referenciam o mundo social e definem a noticiabilidade dos acontecimentos em função da rede que tecem para capturar esses acontecimentos.  Esta rede privilegia a colocação de repórteres ou informadores junto de determinadas instituições e de determinadas áreas geográficas e gera a divisão da redacção em secções temáticas, em função dos assuntos que se pretendem cobrir.  Assim, são essencialmente capturados os acontecimentos que se desenrolem em determinadas organizações, em determinados espaços ou que se insiram em determinadas áreas temáticas e são as notícias sobre esses acontecimentos que vão fazer parte dos referentes comuns e, deste modo, participar no processo de construção social da realidade.

2.      O conhecimento de rotina dos jornalistas possibilita o domínio do tempo, a mais importante demonstração de profissionalismo.  A classificação rotineira das notícias em hard news, hot news, etc. e as generalizações que o jornalista emprega para dar ou negar credibilidade prévia a uma fonte de informação são exemplos desse conhecimento de rotina.  Isto leva a que somente determinado tipo de ocorrências seja “transformado” em notícia rapidamente editável: outras notícias ficam em reserva ou não são publicadas porque não se inscrevem nos tipos que os jornalistas rotineiramente privilegiam (as hot news, por exemplo, tendem sempre a ser editadas; as soft news não).  Outros acontecimentos nem sequer são “convertidos” em notícia porque, generalizando, o jornalista não confere credibilidade e/ou importância a certas fontes, mesmo que elas sejam idóneas e efectivamente credíveis e com algo relevante para dizer.

3.      Os meios jornalísticos possuem uma função institucionalizada que é a de prover o público de informação, reservando à notícia a capacidade de tornar público determinados acontecimentos e não outros.  Porém, para Tuchman a notícia tipifica ou legitima movimentos sociais e significados, estandardizando formas de ver a realidade.

4.      A notícia é uma realidade construída e uma forma de conhecimento.

Altheide e Snow (1979) destacam que as notícias são enformadas segundo determinados formatos, que se converteriam, segundo a lógica própria dos news media, em esquemas utilizáveis para compreender, apresentar e interpretar a realidade.  Mesmo assim, os autores advertem: “Não há uma relação necessária de causa e efeito entre o conteúdo dos meios de comunicação e a forma como as audiências interpretam e sentem esse conteúdo.” (Altheide e Snow, 1979: 10)  Tuchman (1981), inversamente, pretende que o conteúdo das notícias indicia a influência que elas têm no meio social, já que as notícias seriam comparáveis aos mitos (uma perspectiva que Rodrigues (1988) também salienta) no seu papel explicativo do mundo e na sua faceta de criadores da consciência social.

Partindo da ideia de que as notícias que os meios jornalísticos oferecem resultam, antes do mais, do desejo constante das pessoas em serem informadas sobre o que não observam directamente e da capacidade produtiva dos meios de comunicação, Molotch e Lester (1974) sustentam que as organizações noticiosas acabam por produzir, em elevado grau, o conhecimento social e político dos públicos.  Os conteúdos que as fontes aportam, o jornalista edita e a organização noticiosa difunde, por exemplo, reúnem condições para se transformar em conhecimento social e referencial a partir do momento do seu consumo.  Assim, para os autores, os acontecimentos públicos ocorreriam na intercepção de três instâncias -os “promotores de notícias”, os “fabricantes de notícias” e os “consumidores de notícias”- e poderiam ser classificados em função do processo que conduziu ao seu carácter público em “acontecimentos de rotina”, “escândalos”, “acontecimentos não programados” e “acidentes”.  Deste modo, Molotch e Lester (1974) sublinham a consentaneidade entre os objectivos dos promotores de acontecimentos e as necessidades dos jornalistas, embora reservem para o consumidor a outorgação do significado final a um artefacto previamente construído e pré-interpretado longe de si.  Estudar os meios de comunicação equivaleria, por consequência, a estudar “as estratégias de criação de uma realidade em lugar de outra” e as formas como a hegemonia ideológica actuaria no processo de construção desses acontecimentos.  (Montero, 1993: 46)

Fishman (1980), por sua vez, reparou no carácter burocrático do jornalismo.  Destacou, em consonância, que as notícias eram um “universo burocraticamente construído” em função de uma “lógica burocrática”, que levava os jornalistas a rotinizar o inesperado (como Tuchman dizia), de uma “lógica normativa”, que levava os jornalistas a privilegiar fontes burocráticas, e de uma “lógica económica”, que condicionava a produção no seio da organização noticiosa.  Em conjunto, esta situação trabalharia no sentido de legitimar o statu quo devido à divulgação das idealizações burocráticas do mundo e à filtragem do que perturba a ordem imperante.

 

 

As “Escolas” de génese marxista

 

Europa: o papel da Alemanha e da Escola de Frankfurt

 

Na Europa, a tradição de investigação sistemática sobre os meios de comunicação jornalísticos talvez remonte a 1916, ano em que Bücher fundou em Leipzig um instituto de jornalismo com o objectivo de criar um centro de investigação em torno da imprensa.  Enquanto a investigação francesa se centrava em aspectos jurídicos e históricos, tendo despontado tardiamente, já em 1937 Beth e Pross (1976: 17) salientavam que a investigação alemã (“motor” da tradição de investigação europeia) se direccionava para a exposição histórica e, sobretudo, para a descrição estrutural dos meios jornalísticos.

De entre os vários “institutos” alemães de estudo dos news media, um deles sobressaiu: a chamada “Escola de Frankfurt”, fundada com base no Instituto de Investigação Social de Frankfurt, criado em 1923 e dirigido por Horkheimer a partir de 1931.  Entre os seus elementos inscrevem-se os nomes de Adorno, Marcuse, Benjamin, Lowenthal e Fromm, entre outros.  Estes filósofos-sociólogos, como lhes chama Montero (1993: 14), introduziram uma perspectiva crítica no estudo da comunicação social, elegendo a dominação como tema central do seu trabalho e assumindo por objectivo contribuir para suprimir as injustiças sociais.   A Escola de Frankfurt sublinhou ainda a influência que os produtos culturais massivos tinham na criação e reprodução da ideologia dominante e da sociedade por ela marcada.

Held (1980: 80) salienta que uma das novidades trazidas pela Escola de Frankfurt foi a insistência em tratar-se a cultura integrada no meio social em que era produzida, e não como uma coisa à parte, sendo que os meios de comunicação social deveriam ser tratados como componentes dessa cultura.  Inclusivamente, em 1947, Adorno e Horkheimer publicaram um artigo em que baptizaram a indústria mediática como indústria cultural, ou seja, indústria de produção simbólica, de produção de sentidos.  O termo pegou, talvez devido à sua aplicabilidade, já que, ao ser (principalmente) indústria, a produção cultural estaria a perder a originalidade e a criatividade e a cair na estandardização e homogeneização dos produtos culturais.  Esta opção, todavia, reduzia os riscos, facultava as vendas desses produtos e, por consequência, tendia a dar lucro.  O consumo ditaria, assim, a produção.  A lógica da produção cultural seria a lógica do mercado.  Mas, o reverso da medalha é que as pessoas deixariam de ser autoras da cultura para se transformarem em vítimas de uma cultura de estereótipos e baixa qualidade dominantemente difundida pelos meios de comunicação social.

Para se impor, a indústria cultural, na versão de Adorno e Horkheimer (1947), teve de construir mitos, sendo um deles o da individualidade.  Porém, mergulhado num caldo de cultura homogéneo, o indivíduo deixaria de se diferenciar.  Pelo contrário, cada vez se assemelharia mais aos outros indivíduos.  Os conflitos nada alterariam de substancial.  Seriam até, principalmente, meros simulacros destinados a aparentar uma heterogeneidade que na realidade não existiria.

Para Adorno e Horkheimer (1947), a tendência para a homogeneização dos produtos culturais estaria relacionada com a integração ideológica da sociedade.  Para eles, as pessoas tenderiam a aderir acriticamente a valores que lhes eram impostos pela força da indústria cultural, não exprimindo o que pensam mas sim o que a indústria cultural quer que elas pensem.  O caso mais sintomático seria o do divertimento, que estaria a relacionar-se crescentemente com a supressão do pensamento, com o “ir na onda”, aderindo sem pensar. 

Na versão de Adorno e Horkheimer (1947), o ritmo rápido com que são apresentados os produtos da indústria cultural e o carácter sedutor de cada um deles entorpeceria a desarmaria as pessoas, auxiliando a sua manipulação.  O domínio da indústria cultural dever-se-ia, assim, a essa estrutura.  Metaforicamente, os indivíduos pouco mais seriam do que ovelhas à mercê do lobo.

Marcuse, um dos outros pensadores centrais da Escola de Frankfurt, via a tecnologia como um sistema de dominação, já que esta seria capaz de reconciliar forças opostas e de suprimir os protestos pela liberdade (Marcuse, 1954: 22).  A sociedade tecnologicamente avançada travava as mudanças porque parecia eliminar contradições sociais que na realidade existiriam.  Essa dinâmica apontaria para um totalitarismo que já se expressava na homogeneização e na estereotipização dos produtos culturais bem como na massificação das pessoas nessas sociedades por via da acção dos media.  Os meios de comunicação não seriam, para o autor, mais do que os instrumentos mediadores entre a classe dominante[31] e as classes dominadas.

 

 

A crítica marxista socio-económica

 

Enquanto os críticos da Escola de Frankfurt prosseguiam as suas teorizações sobre o papel socio-económico e cultural dos meios de comunicação numa base crítica e ideológica mas relativamente aberta, outros teóricos europeus abordaram o mesmo tema tendo como referente um marxismo mais dogmático.

De alguma maneira, a primeira crítica marxista à comunicação jornalística foi feita pelo próprio Marx ainda no século XIX, em A Ideologia Alemã.  Para este filósofo, as ideias da classe dominante numa determinada época seriam as ideias dominantes durante essa época.  Por esta razão, os meios jornalísticos, limitar-se-iam a lançar sobre o mundo um olhar marcado pela ideologia dominante, tornando-se um poderoso aliado na tarefa de subordinar a sociedade aos interesses da classe dominante.  Ora, para os marxistas, só colocando os meios jornalísticos sobre o controlo do proletariado seria possível assegurar que eles prosseguiriam os objectivos da revolução, coadjuvando a edificação da sociedade socialista.  Esta ideia veio a ser inicialmente levada a cabo por Lenine, na URSS, a partir de 1917, tendo sido mais tarde exportada para os países satélites da União Soviética após a Segunda Guerra Mundial, instituindo aquilo que poderíamos designar, em consonância com McQuail (1991: 158-160), por concepção soviética da imprensa (ou por modelo comunista de jornalismo, se recorrermos a Hachten (1996: 22-27).  Estes últimos autores contam-nos que os temas abordados na imprensa dos países comunistas eram (e são) sujeitos estritamente aos axiomas do marxismo.  Por um lado, a procura da verdade seria irrelevante se não contribuísse para a construção do socialismo; por outro lado, a imprensa deveria apoiar os partidos comunistas enquanto líderes desse processo revolucionário e promover a mobilização do proletariado.  Isto gerava situações em que os discursos dos media (censurados e castigados quando a sua acção não era consentânea com o regime) eram significativamente dissonantes da realidade: por exemplo, os conflitos sociais e políticos eram ignorados, porque, por definição, numa sociedade sem classes, como a sociedade socialista, esses confrontos teoricamente não existiam.

Os pensadores marxistas viam os meios jornalísticos nas sociedades capitalistas como parte da infra-estrutura económica da sociedade e como instrumentos ideológicos de perpetuação quer da lógica capitalista do mercado quer da classe dominante no poder.  Os interesses dos news media confundir-se-iam com os dos seus proprietários, que se presumiam ser membros da classe dominante.  Dentro dessa gama de interesses, o desejo de lucro seria o mais visível e a mola impulsionadora para movimentos de concentração oligopólica e pró-monopolista das empresas de comunicação.  Este movimento conduziria à rejeição dos riscos na actividade empresarial-jornalística, à perda da independência dos meios jornalísticos e à sua elaboração com base nos desejos dos compradores, o que afectaria os conteúdos.  Largas franjas sociais, especialmente os mais pobres, ficariam, assim, sem representação nos discursos jornalísticos; pelo contrário, e dentro da lógica de perpetuação do statu quo, as vozes da classe dominante seriam amplificadas e permanentes.

A crítica marxista socio-económica (crítica marxista “pura”) aos meios de comunicação social não morreu com os “desvios” da Escola de Frankfurt, dos estudos culturais ou outros.   Nicolas Will (1976) retomará, mais tarde, a questão do papel dos meios jornalísticos numa sociedade capitalista, num estudo que quase seria possível apelidar de tardo-marxista e que se denominava Essai sur la presse et le capital.  Nesta obra, Will salientou que a velocidade a que hoje se processam os negócios e a aceleração do movimento do capital implicavam a existência de um lubrificante do sistema, que seria a informação jornalística.  Por consequência, capital e jornalismo estariam intrinsecamente ligados. Aliás, temporalmente bem mais perto de nós, Budd, Entman e Steinman (1990) continuam a achar que o estudo os meios se deve direccionar para a estrutura económica.

Vários autores de todo o mundo abordaram, por seu turno, o estudo da propriedade dos meios e os factores que, por via dessa propriedade, podem condicionar a informação produzida e, portanto, ter determinados efeitos sobre a sociedade.  Entre eles encontramos, a título meramente exemplificativo, Smythe (1977) ou Garnham (1990).  Herman e Chomsky (1988) também falam do assunto quando salientam que essa é uma das condições para que o modelo de jornalismo norte-americano não passe de um modelo de propaganda.

Indo mais longe, outros autores questionam a estrutura internacional da comunicação social, enxameada por fortes oligopólios internacionais, chegando a acusar os meios de imperialismo cultural, devido ao facto de grande parte dos conteúdos mediáticos ser produzido nos países ricos do Norte, principalmente nos Estados Unidos[32].  É o caso, por exemplo, de Schiller (1969), nos EUA, Tunstall (1977), no Reino Unido, e de Mattelart (1977), em França.  Ainda no Reino Unido, Murdock e Golding (1977) chamaram a atenção para a análise das formas de propriedade e de controlo dos meios de comunicação social e para a maneira como estes reproduziam a estrutura de classes.  Embora renunciando a compreender a sociedade apenas com base na infra-estrutura e na superstrutura, o que conduzia à visão dos meios simplesmente como mais um dispositivo de domínio ao dispor da classe dominante, Murdock e Golding (1977: 31 et passim) sustentam que a economia é, em última instância, o elemento capaz de explicar a produção cultural, devido, por exemplo, ao controlo sobre os recursos materiais e a distribuição.  Desta feita, a reprodução ideológica através da comunicação social dever-se-ia às características dos processos de produção de informação e ao controlo dos recursos que circunscrevem esses processos de produção.

Para Murdock e Golding (1977), o estudo da cultura não pode explicar unicamente por si a acção dos meios de comunicação na sociedade.  Seria necessário não só descobrir os processos ideológicos detonados pelos conteúdos mas também, e sobretudo, explicar por que razões esses processos ideológicos têm lugar e como é que eles têm efectivamente lugar.  Eles explicam, aliás, que a ideologia manifestar-se-ia na consideração da notícia como uma mercadoria, nos critérios de noticiabilidade e nas práticas profissionais dos jornalistas.  As notícias, sendo criadas e publicadas (ou não) em função de uma lógica própria onde imperavam considerações como a acessibilidade da informação, a consonância com as rotinas produtivas, a importância que têm para a audiência (não ignorar o desejo de lucro) e os critérios de noticiabilidade ofereceriam uma imagem descontextualizada da realidade na qual desapareciam a história, a perspectiva do processo social e o desvelamento das formas de dominação e poder.   Além disso, para os autores o facto de a maior parte das notícias ser sobre pessoas desresponsabilizava as instituições.

 

 

Gramsci e a Teoria da Hegemonia

 

Ao dar-se conta de que as previsões de Marx sobre a inevitabilidade de uma revolução socialista devido às crises e contradições do capitalismo não estavam a concretizar-se, um grupo de marxistas europeus foi propondo, com os seus escritos, que se desse uma menor importância à infra-estrutura económica no funcionamento da sociedade.   De facto, a esmagadora maioria da população nas sociedade capitalistas parecia continuar a aceitar um sistema económico que, na interpretação de Marx, apenas lhe trazia desvantagens (ou só trazia vantagens à burguesia) e que seria, deste modo, a semente da revolução.  O fenómeno contradizia profundamente os postulados marxistas.

Gramsci (1971) foi um dos primeiros “revisionistas” do marxismo a teorizar sobre a ideia de que a infra-estrutura económica não era tão importante como o marxismo clássico fazia crer para explicar as dinâmicas sociais.  Pelo contrário, para Gramsci a superstrutura ideológica dominante e hegemónica, que seria relativamente independente da infra-estrutura económica, era o principal factor de constrangimento que evitava a irrupção da revolução socialista no seio das sociedades capitalistas.  

Segundo o autor, toda a sociedade contribuiria para que a hegemonia ideológica sobrevivesse e se expandisse, uma vez que essa hegemonia decorreria da capacidade modeladora da ideologia dominante enquanto sistema de interpretação e de significação usado globalmente pelo meio social.  Neste campo, a comunicação jornalística, ao dar visibilidade apenas a certos acontecimentos e certas ideias e ao participar nos processos de interpretação e de significação construídos sobre esses acontecimentos e sobre essas ideias seria uma das mais importantes forças de sustentação e amplificação da ideologia dominante e hegemónica.

Gramsci expandiu ainda a ideia marxista clássica de que o estado capitalista possuía um aparelho destinado a constranger as dinâmicas sociais e a assegurar  a manutenção do sistema.  Enquanto para os marxistas clássicos esse aparelho era constituído pela articulação do governo, da administração pública, dos tribunais, das prisões, das forças armadas, da polícia, etc., para Gramsci o aparelho de domínio que favorecia a consolidação e expansão da hegemonia ideológica englobava também as igrejas, as escolas, os próprios sindicatos e a comunicação social.  Porém, Gramsci concordava com os marxistas clássicos quando acentuava que esse aparelho era violento, nem que a violência por ele exercida fosse de ordem meramente administrativa.

Louis Althusser (1971), com base na proposta de Gramsci, distinguiu o aparelho repressivo do aparelho ideológico do estado.  O primeiro integraria a polícia, as forças armadas, etc.; o segundo englobaria a comunicação social, as escolas, a família, as igrejas, os partidos políticos, a indústria cultural, etc.  A classe dominante exerceria a sua hegemonia sobre a sociedade através do controlo hegemónico desses aparelhos.

Um dos contributos mais inovadores da interpretação althusseriana reside na enfatização do papel da cultura enquanto veículo da ideologia dominante e hegemónica.  A comunicação social seria apenas um dos vários tentáculos do “polvo cultural” que velava pela manutenção do domínio de uma classe sobre as outras.  Os próprios actos culturais mais simples seriam, de algum modo, actos ideológicos.  Ele dá conta, por exemplo, da mulher que calça sapatos de salto alto.  Para Althusser, essa mulher estaria a executar um acto ideológico que revelava a sua adesão a uma estética machista e, portanto, a uma estética ideológica.  Em conformidade com Rodrigues dos Santos (1992: 45), “Para Althusser, tudo é ideologia, e a ideologia é omnipresente e aparentemente omnipotente.”

Althusser, do meu ponto de vista, terá sido um dos influenciadores do desenvolvimento dos estudos culturais.

 

 

Os estudos culturais

 

Nos finais dos anos cinquenta, alguns pesquisadores britânicos congregaram-se em torno do que se haveria de tornar, em 1964, no Centre for Contemporary Cultural Studies da Universidade de Birmingham para investigar questões culturais desde a perspectiva histórica, tendo fundado um novo campo de pesquisa sobre os fenómenos comunicacionais em sociedade.  Esse novo campo de pesquisa ficou conhecido pela denominação “estudos culturais” enquanto a nova escola de pensamento se denominava “Escola de Birmingham”.

Os trabalhos pioneiros em que se alicerçaram os estudos culturais talvez tenham sido The Uses of Literacy (1958), de Richard Hoggart, o fundador do Centro e seu primeiro director, Culture and Society (1958), de Raymond Williams, e The Making for the English Working Class (1963), de E. P. Thompson.  Na opinião de Stuart Hall (1980a: 16), um dos principais autores de referência no campo dos estudos culturais aplicados ao jornalismo e segundo director do Centro, esses livros não pretenderam inaugurar uma nova disciplina, mas a partir dos seus diferentes âmbitos acabaram por delimitar um novo campo de estudos que se opunha ao paradigma funcionalista americano, que tinha crescente aceitação na Europa (Rodrigues dos Santos, 1992: 51), e revia as posições da crítica marxista, do estruturalismo francês e da Escola de Frankfurt, embora investigasse as questões da ideologia.  De acordo com Hall (1980c: 63), os estudos culturais vêem a cultura como o conjunto intrincado de todas as práticas sociais e estas práticas como uma forma comum de actividade humana que molda o curso da história.

Montero (1993: 55) explica que desde o ponto de vista dos estudos culturais a cultura era vista como um fenómeno que atravessava toda a sociedade e que estava na base dos processos de produção e reprodução sociais.  Isto significa que, no geral, os diferentes autores dentro do campo compartilham a visão de génese marxista de que não se podem estudar nem os meios de comunicação nem os seus produtos em si mesmos, isto é, isolados do seu contexto histórico, social, económico, cultural, etc., pois tal facto significaria encará-los como aquilo que não seriam: elementos à margem da estrutura de poder na sociedade.  De facto, ao seio dos estudos culturais, nomeadamente aos seus textos fundadores, podemos ir buscar a ideia de que os meios de comunicação social participam na produção e na reprodução da estrutura social, constituindo uma espécie de indústrias da consciência (Montero, 1993: 55) capazes de configurar o conhecimento em conformidade com estruturas ideológicas que asseguram a coesão social e a manutenção do statu quo.

Comparando as posições dos teóricos dos estudos culturais com a dos teóricos marxistas “puros” vemos que a perspectiva dos estudos culturais é significativamente mais alargada, até porque não reduzem a descrição da sociedade à  infra-estrutura (económica) e à superstrutura.

Nos textos fundadores de Hoggart (1958) e Williams (1958) podemos encontrar a ideia de que a cultura não se reduz à ideologia.  Hoggart chegou mesmo a sugerir a substituição de uma noção de classe baseada em interesses económicos por uma baseada na cultura.  Williams, por seu turno, via a comunicação como um elemento essencial de estudo, já que considerava a linguagem um elemento preponderante na definição do ser humano enquanto indivíduo e enquanto ser social.  Estudar a comunicação significaria, deste modo, estudar as relações entre as pessoas e o meio social e estudar a própria sociedade.  Mais tarde, Raymond Williams (1982) sugerirá a reforma do sistema de ensino e da imprensa, entre outras instituições, tendo proposto a adopção de subsídios aos órgãos de comunicação social de maneira a torná-los independentes dos oligopólios.  Ao fazê-lo, colocou-se dentro das posições marxistas que preconizam uma ligação entre a pesquisa e a acção sobre a sociedade.

Stuart Hall procurou mostrar a importância do estudo da ideologia para se compreender a estrutura social de poder.   Foi assim que, em 1977 (384-386), descreveu as funções sociais dos meios de comunicação social com base em três vectores:

1.      Provimento e construção selectiva do conhecimento social através do qual percebemos o mundo, as realidades vividas de outros, e reconstruímos imaginariamente a sua vida e a nossa num mundo global inteligível.  Assiste-se, assim, à integração dos fragmentos informativos num todo;

2.      Reflectir e reflectir-se nessa pluralidade, provendo um inventário constante dos léxicos, estilos de vida e ideologias aí objectivadas.  Estas ideologias são entendidas como estruturas ideológicas de pensamento e de significação que se impõem às pessoas sem que estas se consciencializem do facto.  Assim, a comunicação social classificaria e ordenaria os diferentes tipos de conhecimento social, providenciando contextos referenciais que contribuem para dar sentido ao mundo;

3.      Organizar, orquestrar e unir o que se representou e classificou selectivamente.  Produzem-se consensos e constrói-se a legitimidade.

Para que essas funções se concretizassem, e segundo o autor, a comunicação social (1) reproduziria os discursos dominantes através dos quais se dá significado à realidade, (2) perpetuaria as ideias dominantes através da linguagem e dos sistemas simbólicos e (3) estruturaria os acontecimentos seleccionados mediante esquemas ideológicos.  Por consequência, em “The rediscovery of ideology: Return of the repressed in media studies”, Hall (1982) descreveu a comunicação social como produtora e reprodutora de ideologias, por muito grande que fosse a sua pretensão de independência.

Em Encoding/Decoding (1980b), Stuart Hall fez uma abordagem pioneira das análises de conteúdo das notícias, direccionando-a para o estudo dos sistemas ideológicos de codificação e para os formatos utilizadas com o objectivo permitir que a descodificação se fizesse eficazmente.  Assinala Montero (1993: 56) que esta situação levou ao aparecimento de uma corrente dos estudos culturais centrada nas audiências, que se haveria de repercutir sobre as próprias correntes críticas marxistas, havendo alguns teóricos desta última área que se começaram mesmo a interrogar sobre a real possibilidade de se deduzirem efeitos ideológicos dos meios de comunicação a partir da estrutura da informação, tendo enfatizado o papel da audiência na interpretação dos conteúdos.

Hartmann (1979) terá sido um dos primeiros autores a estudar como se processava a descodificação por parte das audiências, tendo descoberto que as mesmas notícias eram interpretadas de forma diferente em função do posicionamento social das pessoas na “classe média” ou na “classe operária”[33].  Do mesmo modo, Morley (1980; 1986) sublinhou o papel da “actividade da audiência” na descodificação das mensagens televisivas num ambiente familiar, que ele entendia como a unidade básica de recepção televisiva[34].  Já em 1990, ele chegou a escrever que se deveria reestruturar o estudo dos efeitos dos meios de comunicação social em função de diferentes vectores, como, entre outros, (1) instrumentos de partilha cultural, (2) dispositivos susceptíveis de compor um quadro de referências e um acervo de conhecimentos comum, (3) organizadores espácio-temporais do ócio, (4) redefinidores das esferas privada/familiar e pública, etc.

Por seu turno, o Glasgow University Media Group (1976; 1980), a partir do pressuposto de que os meios de informação são instrumentos de criação e difusão de ideologia, procurou explicitar os mecanismos através dos quais a “classe dominante” controlava e pressionava os restantes sectores da sociedade, recorrendo, para o efeito, a análises de conteúdo de notícias sobre crises sociais que visavam desvelar os discursos ideológicos do poder.  Expressões típicas do jornalismo como “as exigências dos trabalhadores” e “as ofertas do patronato” mostrariam bem essa condicionante ideológica da produção de informação.

 

 

Estudos críticos nos Estados Unidos

 

Influenciados pelas correntes críticas europeias, alguns teóricos norte-americanos ergueram-se contra a tradição empírico-experimentalista e a sociologia funcionalista e interpretativa que marcavam a pesquisa sobre os meios de comunicação social nos Estados Unidos.  Entre eles podemos citar os casos de Carey (1978) e Gitlin (1978).

Gitlin (1978) assinalou que diversos pressupostos do paradigma funcionalista de estudo da comunicação social, o paradigma dominante, como ele lhe chamou, eram de natureza ideológica e dissonantes da realidade.  Por exemplo:

1.      Pressupunha-se que a influência dos meios era mensurável e que o exercício do poder através dos meios de comunicação social era comparável ao exercício do poder em situações de comunicação interpessoal, o que não sucederia;

2.      Estudavam-se casos particulares para se avaliar uma constante social: o poder;

3.      Considerava-se a mudança de atitude como uma variável independente e microscópica, o que a descontextualizava;

4.      Em certos estudos, tomavam-se os “partidários” como líderes de opinião.

Sob este prisma, Gitlin (1978) criticou pormenorizadamente o estudo dirigido por Katz e Lazarsfeld (1955) sobre a influência da comunicação mediada na tomada de decisões eleitorais, tendo escrito que estes últimos autores não se tinham preocupado com a estrutura de poder nem com os processos de tomada de decisão que têm lugar no seu interior.

Outros autores americanos críticos abordaram os estudos das audiências.  Carragee (1990), por exemplo, acusa as correntes interpretativas de serem idealistas ao descrever a atitude activa dos receptores na apreensão dos conteúdos, pois essa descrição careceria de contextualização.  Além disso, para o autor, a sociologia interpretativa e o paradigma funcionalista fracassavam quando procuravam definir a significação histórica dos meios no contexto socio-cultural.  Montero (1993: 58) explica:  “Para as correntes interpretativas, os processos de leitura das mensagens, a descodificação dos significados, a criação de novos significados a partir da polissemia do conteúdo dos meios e da situação de recepção e a formação das ‘comunidades interpretativas’ realiza-se num ambiente de relativa liberdade.  Inversamente, na perspectiva marxista essa liberdade não é real, na medida em que as coordenadas históricas e sociais determinam essa recepção e essa descodificação de significados.”  Porém, Hardt (1992) não deixa de assinalar que mesmo a investigação crítica norte-americana tem geralmente visto a audiência como uma entidade activa e resistente, num contexto onde a produção e o consumo de conteúdos se tem desmassificado.  Para este autor, as pessoas estariam a ser crescentemente perspectivadas como seres capazes de reagir contra as estruturas sociais dominantes.  Fejes (1984) realça, inclusivamente, que se está a reformular o conceito de audiência em função de núcleos, como as comunidades ou as organizações sociais.  De algum modo, poderíamos dizer que toda a mensagem sofre múltiplas mediações antes de o seu conteúdo ser apreendido de determinada maneira por uma pessoa.

 

 

O que é comum às diversas escolas críticas de génese marxista

 

Se quisermos sistematizar as contribuições das diversas abordagens de ordem crítica de substrato marxista sobre a comunicação social, encontramos em todas elas como principal motivo de interesse a relação entre os meios de comunicação social e o poder e a participação desses meios nos processos de produção e de reprodução socio-cultural.  Porém, vimos igualmente que mesmo sob igual influência ideológica as interpretações sobre as funções e o papel dos meios jornalísticos na sociedade variavam.  Por exemplo, enquanto do ponto de vista do marxismo clássico se privilegiou a análise dos efeitos da economia sobre a produção cultural, partindo-se da ideia de que a comunicação social é um dos principais instrumentos ideológicos conducentes à manutenção do domínio de uma classe sobre as outras, os estudos culturais estudam os media enquanto agentes reprodutores de ideologia através da criação de significados sociais e de códigos de interpretação para esses significados. (Montero, 1993: 49)

Há ainda um outro aspecto comum que importa salientar.  Trata-se do facto de as diferentes abordagens de génese marxista sobre a comunicação social contextualizarem os meios dentro da história e do meio socio-cultural.  Assim, não formulam teorias dos meios à margem de teorias sobre a própria sociedade.

 

 

A Escola Canadiana

 

Foi na década de cinquenta que alguns pesquisadores canadianos começaram a notar que era preciso estudar também os efeitos dos meios de comunicação enquanto tecnologia e não apenas os seus efeitos enquanto difusores de mensagens.   Numa metáfora simples, o comboio em si terá sido mais importante para modificar as sociedades e a civilização do que as mercadorias que transportava, embora sem excluir que algumas dessas mercadorias tenham sido igualmente importantes nessas transformações.  Porém, os teóricos da Escola Canadiana, particularmente McLuhan, foram mais longe, tendo salientado que a influência dos meios de comunicação sobre a sociedade e a civilização era globalmente positiva.

Innis (1950; 1951) destacou a ideia de que a aparição de novos meios de comunicação trazia consigo alterações na noção de tempo e de espaço, pois os meios de comunicação ou privilegiam o tempo ou o espaço.  Por exemplo, as inscrições em pedra visam a sua durabilidade temporal, mas dificilmente vencem o espaço, porque são difíceis de transportar; inversamente, a comunicação electrónica é quase instantânea, mas também mais ou menos efémera.  A comunicação impressa sobre papel  estaria no meio destes dois pólos.

Para Innis, a utilização preferencial de um determinado meio de comunicação gera uma organização diferente da sociedade - a comunicação era não apenas o motor do desenvolvimento económico como também o motor da própria história.  A título exemplificativo, a aparição do papel e o surgimento da tipografia gutemberguiana teriam conduzido ao reforço ou aparecimento de identidades nacionais e até ao nacionalismo, já que a imprensa (mais) rapidamente informava as pessoas do que acontecia num país e a burocracia possibilitava não só a chegada das mesmas ordens e instruções a todo o território como também a partilha de direitos e deveres. 

O autor deixou também a noção de que a oralidade, implicando um contacto interpessoal que, apelando a diversos sentidos, era intenso, favorecia a integração em pequenas comunidades, a criação de consensos, a memória histórica pessoal e as formas tradicionais de poder.   Deu como exemplo as primeiras culturas humanas.  Pelo contrário, a escrita teria imposto o domínio de um único sentido, a visão, o que teria trazido a diminuição da intensidade da vivência humana e permitido a monopolização do saber.  Para Innis, a tipografia, devido à repetição uniforme dos mesmos conteúdos, conduziu à massificação.  Porém, a televisão e a rádio estariam a marcar um regresso à oralidade, condição imprescindível para, segundo ele, se recriarem as vias da participação democrática e dar nova intensidade às mundivivências.

McLuhan foi o herdeiro por excelência das concepções de Innis e o expoente da Escola Canadiana, talvez mais devido ao aproveitamento que os meios audiovisuais fizeram da sua pessoa do que à originalidade das suas ideias.

McLuhan (1962; 1964) segmentou a história da humanidade em várias etapas configuradas pelo predomínio de um determinado meio de comunicação.  A primeira teria sido marcada pela cultura oral e pelo tribalismo dela decorrente.  O aparecimento da escrita teria transformado as sociedades, criando condições para o aparecimento das civilizações e das primeiras entidades territoriais.  Mas também teria tirado o homem do “paraíso tribal”.  A seguir surge a tipografia, que teria conduzido à massificação e ao aparecimento ou ao reforço das identidades nacionais.   A esta etapa McLuhan deu o nome de Galáxia Gutemberg, uma denominação que perdurou.  Finalmente, a comunicação electrónica global teria permitido a aparição da Galáxia Marconi, marcada pelo regresso à comunicação oral, susceptível de integrar a humanidade numa espécie de “tribo planetária” que viveria num mundo transformado em “aldeia global”[35].

 

 

3.      MODELOS ACTUAIS DE EXPLICAÇÃO DOS EFEITOS DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO

 

Os modelos explicativos mais recentes sobre os efeitos da comunicação social tendem a ser definidos de uma forma relativamente microscópica em função do tipo de influência que exercem (directa ou indirecta, individual ou social) e do tempo que demoram a constatar-se (curto, médio e longo prazo).  De qualquer modo, já ao longo da história das teorias dos efeitos alguns autores insistiram nessa diferenciação.  Katz e Lazarsfeld (1955: 20), por exemplo, distinguiam os efeitos entre aqueles susceptíveis de gerar (1) uma resposta imediata, (2) uma resposta a curto prazo, (3) uma resposta a largo prazo e (4) uma mudança institucional.  Klapper (1960: 13), por seu turno, diferenciava cinco diferentes tipos de efeitos: (1) criar opiniões e atitudes; (2) reforçar opiniões e atitudes, (3) diminuir a intensidade de opiniões e de atitudes, (4) modificar opiniões e (5) não ter qualquer efeito.  De uma forma mais completa, McLeod e Reeves (1981) sistematizaram os efeitos dos meios de comunicação em seis tipos: (1) efeitos sobre o indivíduo ou sobre a sociedade, (2) efeitos directos ou indirectos, (3) efeitos difusos ou específicos, (4) efeitos comportamentais, cognitivos ou afectivos, (5) efeitos favorecedores da mudança ou da estabilidade, e (6) efeitos a longo prazo ou a curto prazo, acumulativos ou não acumulativos.  No campo dos efeitos directos, Anderson e Meyer (1988: 162) propuseram uma taxionomização em três vectores: (1) segundo a quantidade dos elementos que devem actuar em conjunto para que o efeito surja; (2) segundo a quantidade de exposições necessárias para que o efeito se produza; e (3) segundo a duração do efeito a curto prazo ou a longo prazo.  María Dolores Montero (1993: 75) propôs uma grelha que ilustrou com exemplos teóricos: (1) efeitos a curto prazo, individuais e indirectos, como preconizariam certas versões da teoria dos usos e gratificações; (2) efeitos a curto prazo, individuais e directos, como preconizaria a teoria do agenda setting; (3) efeitos a curto prazo, sociais e indirectos, conforme indicariam certas análises de audiência; (4) efeitos a curto prazo, sociais e directos, como no caso da influência da comunicação social na definição das situações políticas; (5) efeitos a longo prazo, individuais e indirectos, como teorizaria a teoria da dependência; (6) efeitos a longo prazo, sociais e indirectos, como ocorreria na influência dos meios de comunicação sobre as instituições estatais; e (7) efeitos a longo prazo, sociais e directos, conforme decorreria da acção socializadora da comunicação social no domínio político.

 

 

3.1   A TEORIA DO AGENDA-SETTING

 

A teoria do agenda-setting (estabelecimento da agenda - ou, melhor dito, de agendas) é uma teoria que procura explicar um certo tipo de efeitos cumulativos a curto prazo que resultam da abordagem de assuntos concretos por parte da comunicação social.  Apresentada por McCombs e Shaw (1972) e elaborada a partir do estudo da campanha eleitoral para a Presidência dos Estados Unidos de 1968, essa teoria destaca que os meios de comunicação têm a capacidade não intencional de agendar temas que são objecto de debate público em cada momento.  O assunto, de resto, não constituía totalmente uma novidade: já Lang e Lang (1955) e Cohen (1963) postulavam que a comunicação social poderia influenciar directamente o pensamento do público.  Este último autor talvez tenha mesmo dado o perfil da teoria emergente, ao destacar que a comunicação social “(...) pode não ter frequentemente êxito em dizer às pessoas o que têm de pensar, mas surpreendentemente tem êxito ao dizer às pessoas sobre o que devem pensar.” (Cohen, 1963: 120)  Poderíamos ainda recuar mais no tempo e relembrar Lippman (1922), que destacou o papel da imprensa na orientação da atenção dos leitores para determinados temas, já que os jornais seriam a principal ligação entre os acontecimentos e as imagens que as pessoas formavam desses acontecimentos, Park (1939), que destacou o poder dos jornais no estabelecimento de uma determinada hierarquização temática, e mesmo Lasswell (1948), que ao falar da função da vigilância do meio que atribuía à comunicação social estaria a pressupor que os news media seriam capazes de estabelecer uma agenda temática junto do público (de outra forma seria inútil vigiarem o que quer que fosse, porque isso não traria quaisquer repercussões).

O aparecimento da teoria do agenda-setting representa uma ruptura com o paradigma funcionalista sobre os efeitos dos meios de comunicação.  Até então, e sobretudo nos EUA, prevalecia a ideia de que a comunicação social não operava directamente sobre a sociedade, já que a influência pessoal relativizaria, limitaria e mediatizaria esses efeitos.  A teoria do agenda-setting mostrava, pelo contrário, que existiam efeitos sociais directos, pelo menos quando determinados assuntos eram abordados e estavam reunidas um certo número de circunstâncias.  Quanto maior fosse a ênfase dos media sobre um tema e quanto mais continuada fosse a abordagem desse tema maior seria a importância que o público lhe atribuiria na sua agenda (McCombs e Shaw, 1972).  Porém, McCombs, em 1976, chegou à conclusão de que quanto maior fosse a mediação da comunicação interpessoal, ou seja, quanto mais intenso e alargado fosse o debate público acerca de um tema, menos relevante seria a influência dos meios jornalísticos.  (ref. por Kraus e Davis, 1976: 196)

O estudo pioneiro de McCombs e Shaw (1972) também pôs, de certo modo, em causa a valorização da “lei” da exposição selectiva, ao mostrar que as notícias sobre a campanha eleitoral analisada eram prioritariamente consumidas em função da sua importância e não em função dos candidatos com quem as pessoas mais se sintonizavam.  Todavia, os autores não deixaram de salientar que, na sua opinião, se deveria manter a atenção nas cognições das pessoas sobre os conteúdos dos meios.  Sintonizado com essa posição, Saperas (1993: 72), salienta a matriz cognitiva da teoria do agenda-setting, preconizando que a modelação do conhecimento público pela acção dos meios de comunicação social ocorreria quando os temas agendados são aceites como unidades de conhecimento público por parte das pessoas.

Shaw (1979) explicou que a influência dos meios de comunicação social no que respeita ao agendamento dos temas que são objecto de debate público, se bem que por vezes não seja imediata, é realmente directa.  Mas disse também que essa influência se inscreve no domínio das cognições, dos conhecimentos, e não das atitudes.  Além disso, realçou igualmente que a comunicação interpessoal era importante no que respeita à manutenção ou não dos temas na agenda pública e à intensidade de debate público sobre esses temas.  O autor salientou ainda que a maior ou menor (ou até nula) atenção que os meios de comunicação devotam a um determinado tema influencia no impacto desse tema na agenda do público, evidenciando, com isto, que o gatekeeping tem efeitos não intencionais sobre a audiência.  DeGeorge (1981: 219-220) explica mais extensamente esta asserção:

 

 

“A capacidade dos meios de comunicação social para produzirem mudanças através dos efeitos cognitivos pode ser atribuída ao permanente processo de selecção realizado pelos gatekeeper nos media, os quais, em primeiro lugar, determinam que acontecimentos são jornalisticamente interessantes e quais o não são e lhes atribuem diferente relevância em função de diversas variáveis, como a extensão (em tempo ou em espaço), a importância (tipo de títulos, localização no jornal, frequência de aparecimento, posição no conjunto das notícias) e o grau de conflituosidade (a forma como se apresenta o material jornalístico) de todos os itens que devem passar o crivo.  Algumas notícias são tratadas detalhadamente; outras merecem uma atenção supérflua; enquanto outras serão completamente ignoradas.  Da mesma forma, os meios audiovisuais podem servir-se de uma ‘estória’ desde o seu início ou podem prescindir dela.  (...)  O agenda-setting postula que a audiência adopta este tipo de afirmação temática e que, fazendo-o, incorpora um conjunto igual de relevâncias nas suas próprias agendas.”

 

 

DeGeorge (1981) descreve ainda a existência de três modelos explicativos da capacidade do estabelecimento das agendas temáticas:

1.      Modelo de conhecimento, que parte da hipótese de que os consumidores dos media ficam a conhecer os temas que estes abordam, razão pela qual os meios de comunicação determinariam, em larga medida, o conhecimento e o debate públicos;

2.      Modelo de prioridades, que parte da hipótese de que a hierarquização temática estabelecida pela comunicação social determina a forma como o público hierarquiza os temas na sua agenda, pressupondo-se, assim, que o público partilharia dos mesmos critérios de valorização dos acontecimentos e das ideias que os news media têm;

3.      Modelo dos itens salientes, que é intermédio entre os restantes dois e que parte da hipótese de que o público confere maior ou menor importância aos temas em conformidade com a saliência ou não desses temas durante um determinado período de tempo nos meios de comunicação social.

A capacidade de agendamento dos temas diferirá de meio para meio.  Segundo um estudo de McClure e Patterson (ref. Rodrigues dos Santos, 1992: 98), a imprensa seria mais susceptível de produzir efeitos ao nível do estabelecimento do temário público do que a televisão, já que enquanto os jornais forneceriam uma visão sólida e aprofundada dos assuntos a televisão daria informações demasiado breves e heterogéneas.  José Rodrigues dos Santos (1992: 98-99) argumenta, contudo, com o agendamento de acontecimentos como o caso do massacre no cemitério de Santa Cruz, em Timor, ou a repressão iraquiana sobre os curdos após a Guerra do Golfo para evidenciar o poder da televisão.  “A representação do real (as imagens) tornou-se mais importante do que o próprio real”, explica.  (Rodrigues dos Santos, 1992: 99)

Há outros estudos que avaliam a influência de cada um dos media na construção da agenda pública, mas, a exemplo da divergência que José Rodrigues dos Santos assinala, ainda não se obteve uma resposta definitiva sobre qual o meio mais poderoso na inscrição de temas na agenda pública.  Aliás, vários desses estudos foram realizados na década de setenta nos EUA e provavelmente não descrevem a situação actual nem têm aplicação directa ao contexto português.  De qualquer modo, e a título referencial, em alguns casos afirmou-se que a imprensa teria maior poder de agendamento (Epstein, 1978; Weawer, 1977).  Noutros casos, os autores chegaram à conclusão de que existiria um certo equilíbrio entre o poder de agendamento dos diferentes meios (Carey, 1976; Hilker, 1976).  Palmgreen e Clarke (1976) concedem à imprensa um maior poder de agendamento dos temas de importância local e à televisão um maior poder de agendamento nos temas de importância nacional ou internacional..  Outros investigadores concedem à televisão um maior poder de agendamento (Zucker, 1978).  E outros ainda afirmaram que a imprensa tem uma maior capacidade de agendamento a longo prazo, enquanto a capacidade de agendamento da televisão a curto prazo seria maior (McCombs, 1977).

Outros pesquisadores centraram-se na eventual influência que a hierarquização da informação tem nos efeitos de agenda-setting.  Mas neste ponto há resultados contraditórios.  Por exemplo, Behr e Iyengar (1985) dizem que as notícias com maior impacto são aquelas que os meios salientam na hierarquia da informação; mas Weaver, Graber, McCombs e Eyal (1981) sustentam que o destaque dado a uma informação não influencia nem o agendamento nem a hierarquização dessa informação na agenda pública.

É ainda José Rodrigues dos Santos (1992: 99) que diz: “A comunicação social transformou-se numa espécie de extensão cognitiva do homem, um pouco na linha do que havia sido preconizado por McLuhan.  O seu efeito de agendamento parece reflectir-se, a um primeiro nível, na definição do que constitui ou não um tema de actualidade.  A um segundo nível, o agenda-setting vai ainda mais longe, ao estabelecer a própria hierarquia e prioridade dos temas.”   Saperas (1993: 71) recorda, por seu turno, que o processo de agenda-setting resulta, antes do mais, da procura de informação sobre o meio por parte dos indivíduos, necessidade que na complexa sociedade actual só poderia ser satisfeita através do consumo dos news media.

Entre os vários factores intermediários que concorrem para o sucesso ou insucesso da conversão da agência mediática em agenda pública podemos, então, sistematizar os seguintes:

1.      Tempo de exposição a um tema (Winter, 1981; Eyal, Winter e DeGeorge, 1981);

2.      Proximidade geográfica (os meios têm um maior poder de agendamento de um tema quanto menor for a experiência directa de uma comunidade acerca de um determinado tema, razão pela qual seriam os temas nacionais e internacionais aqueles que mais devem aos news media a sua entrada na agenda pública; os temas de importância local seriam inscritos na agenda pública local mesmo sem influência mediática, já que as pessoas teriam experiência directa dos assuntos - vd. Palmgreen e Clarke, 1977);

3.      Natureza e conteúdo dos temas abordados pelos meios noticiosos (Saperas, 1993);

4.      Credibilidade da fonte de informação (Saperas, 1993);

5.      Audiência (a concordância com um tema mediaticamente abordado favorecerá a sua inclusão na agenda pública) (Saperas, 1993);

6.      Comunicação interpessoal.

Em consonância com McCombs (1981 a), a teoria do agenda-setting deu origem sobretudo a quatro tipos de estudo: (1) construção da agenda pública, a um nível macroscópico; (2) construção das agendas individuais; (3) agendamento de um único tema, em função da sua diferente expressão por diversos meios de comunicação social; e (4) processo de compreensão individual ante um único tema de informação.  A estes quatro vectores da investigação, pessoalmente julgo poder adicionar um quinto: a análise do poder de agendamento dos diferentes meios de comunicação (rádio, televisão, imprensa, etc.)[36], no que vou ao encontro de José Rodrigues dos Santos (1992) e de Winter (1981: 240), que escreveu que o efeito de agendamento depende de: “(...) natureza do tema e sua importância, proximidade geográfica e duração da exposição, meio particular de informação, credibilidade da fonte, tipo de informação e forma de apresentação [dessa informação].”  Eyal, Winter e DeGeorge (1981), por seu turno, estudaram o tempo necessário que o temário dos meios leva a converter-se em agenda pública, o que também funcionaria como um marco para o estudo dos efeitos de agendamento.  Já Saperas (1993: 61-62) sustenta que há três grandes objectos de estudo no campo da teoria do agenda-setting: (1) temas salientados no conteúdo dos media e compreensão da formação e composição da agenda mediática; (2) diferentes agendas que intervêm no processo: agenda dos media; agenda pública; agenda pessoal, etc.; e (3) natureza dos efeitos e quadro temporal (time frame) no qual eles se desenvolvem cumulativamente até atingirem a agenda pública.

O processo de agenda-setting pode definir-se pela produção de efeitos cognitivos de natureza cumulativa ao longo de um período (ou enquadramento) de tempo (o referido time frame) durante o qual os news media propõem à audiência que atente em determinados temas.  O estudo do time frame tem sido significativo no campo dos estudos sobre agenda-setting.  Eyal, Winter e DeGeorge (1981) distinguem cinco componentes do quadro temporal e da investigação sobre o mesmo:

1.      O quadro temporal efectivo da análise (time frame), que se supõe ser o período de tempo que decorre desde o aparecimento dos itens salientes (ou itens de actualidade) na agenda mediática até ao fim da sua vigência na agenda pública;

2.      O parênteses temporal (time lag) ou período de tempo entre o aparecimento das variáveis independentes (agenda dos media) e a aparição das variáveis dependentes (agenda pública);

3.      Duração da agenda dos media, ou seja, o período de vigência de uma determinada agenda mediática;

4.      Duração da agenda pública;

5.      Período óptimo para a determinação do efeito (optimal effect span), ou seja, o período de tempo ideal para o estudo da função de agenda-setting, já que corresponderia ao período de tempo durante o qual se produz uma relação mais estreita entre a agenda mediática e a agenda pública.

Em jeito de síntese, McCombs e Gilbert (1986) mostram que as investigações actuais no campo da teoria do agenda-setting se inscrevem em quatro vectores: (1) diferenciação dos meios e dos órgãos de comunicação na construção das agendas públicas e particulares; (2) construção de agendas comuns a vários meios e órgãos de comunicação; (3) tempo necessário para que as agendas se inter-convertam, por exemplo, tempo necessário para que uma agenda mediática se converta em agenda pública, influência das agendas mediáticas e públicas na agenda política, etc.; e (4) diferenciação dos efeitos a curto ou a longo prazo.

Algumas críticas foram sendo feitas à teoria do agenda-setting.  Em primeiro lugar, trata-se de uma teoria que pode subestimar a própria realidade, pois o valor do real pode sobrepor-se à influência da agenda dos meios de comunicação na hora de ser definida a agenda pública.  Ou seja, em certas ocasiões e “(...) em determinadas circunstâncias a agenda estabelecida pelos meios de comunicação de massas é diferente da agenda do público.” (Rodrigues dos Santos, 1992: 100)  José Rodrigues dos Santos (1992: 100), por exemplo, relata o caso de um estudo de 1975 sobre umas eleições dinamarquesas em que se verificou não só que a percepção que o público tinha da realidade se sobrepôs à percepção que lhe era oferecida pela comunicação social mas também que quanto mais o público conhece directamente um tema menor é a dependência da comunicação social no que respeita à fixação desse tema na agenda pública.  É igualmente reconhecido que a reacção pública a um determinado assunto pode fixar a agenda dos meios, isto é, a agenda dos meios também pode ser influenciada pela agenda do público.  (Rodrigues dos Santos, 1992: 100)

McCombs (1976) salientou que os efeitos de agenda-setting nem sempre se verificam ou nem sempre se verificam da mesma maneira, pois dependeriam dos assuntos e das pessoas.  Assim, em consonância com McCombs (1976/1977), o agenda-setting dependeria principalmente da “necessidade de orientação”, isto é, da necessidade que uma pessoa teria de obter informações sobre um assunto, o que a motivaria para o consumo dessas informações.  Ao exporem-se mais à comunicação social, estas pessoas seriam mais sujeitas aos efeitos de agenda-setting.  Por outro lado, segundo Zucker (1978), a influência dos meios de comunicação exercer-se-ia sobretudo quando estavam em causa assuntos sobre os quais as pessoas praticamente não possuíam conhecimentos nem experiência directa, como os temas relacionados com a política externa de um país.  Lang e Lang (1981) partilham, de alguma maneira, desta mesma visão.

Funkhouser (1973) registou, por seu turno, que embora geralmente a relevância que a comunicação social dá aos diferentes temas coincida com a importância que esses temas assumem na agenda pública, isso nem sempre sucede.  Por vezes, na óptica do mesmo autor, não existe sequer uma relação directa entre o que se deveria considerar ou o que se considera importante na realidade e os critérios de noticiabilidade que orientam a construção da agenda dos meios jornalísticos (agenda building).  Traquina (1995: 200) insiste igualmente na necessidade de se atentar na forma problemática como é construída a agenda jornalística (processo de agenda building).  Para ele, haveria sobretudo que considerar (1) a actuação dos jornalistas guiados por critérios de noticiabilidade de natureza difusa e (2) a actuação (desigual e por vezes concorrencial) dos promotores de notícias (termo usado por Molotch e Lester, 1974, para designar os indivíduos e seus associados que promovem certas ocorrências à categoria de acontecimento observável e noticiável), especialmente os oriundos do sistema político.

Uma das críticas mais bem fundamentadas à teoria do agenda-setting é expressa por Neuman, Just e Crigler (1992), para quem existe uma relevante dissonância entre a agenda mediática e a agenda pública, uma vez que a primeira raramente agendaria temas importantes para a vida das pessoas.  Pelo contrário, os meios centrariam a sua atenção sobre as peculiaridades do dia a dia, especialmente sobre actividades públicas (como a notícia de um prémio de investigação sobre a Sida ou a votação na Assembleia da República de uma nova lei), enquanto as pessoas estariam, de facto, interessadas ou nos grandes temas, como o da guerra e da paz, ou nos temas que lhes interessavam directamente, como formas práticas de obter maior longevidade, saúde, prazer e segurança (por exemplo, como evitar doenças sexualmente transmissíveis ou como tomar vitaminas para se obter mais saúde e maior longevidade).

Montero (1993: 82) chama a atenção para (1) o questionamento da relação causa-efeito entre a agenda dos meios e a agenda pública, (2) a ausência de clarificação das variáveis psicológicas no estabelecimento da agenda, (3) a dificuldade em se integrarem os diferentes níveis de análise (um ou vários temas, em um ou mais órgãos de comunicação, a nível individual ou social, etc.), (4) a difusa definição do conceito de “assunto”, “item” ou “tema”, e (5) a impossibilidade de separar os temas em que cada pessoa pensa daquilo que a pessoa pensa acerca deles (vd. Lang e Lang, 1981: 449; mesmo McCombs e Shaw, 1993: 62 concluíram que as notícias também dizem ao público como pensar nos assuntos e, consequentemente, o que pensar - Traquina, 1995: 205).  Contudo, a autora afirma que algumas dessas posições críticas se foram superando com o desenvolvimento da investigação (Montero, 1993: 83).

Também Saperas (1993: 79-83) passa em revista aquilo que ele chame de “inconsistências” e “deficiências” da teoria do agenda-setting, enumerando seis pontos:

1.      Ambiguidade sobre a origem da agenda temática dos órgãos de comunicação social, apesar do avanço das pesquisas no domínio da teoria da notícia;

2.      Natureza da influência dos meios de comunicação, até porque, conforme também diziam Montero (1993: 82) e Lang e Lang (1981), se torna difícil separar o que as pessoas pensam daquilo sobre que pensam;

3.      Imprecisão terminológica (por exemplo, na definição de tema, assunto ou item) e metodológica (não existe uma uniformização metodológica no campo dos estudos sobre agenda-setting);

4.      Desconhecimento da audiência;

5.      Indefinição das agendas mediática, pública, intrapessoal e interpessoal e dificuldade de delimitação das mesmas;

6.      Indefinição do time frame e do quadro temporal óptimo para análise e indeterminação do número de temas a avaliar.

Saperas (1993: 112-113), retomando uma proposição de Tichenor, Donohue e Olien (1980: 79), chama, inclusivamente, a atenção para o facto de ainda não se ter determinado com precisão a origem das diversas agendas: a agenda mediática, por exemplo, poderia ser decorrente da agenda autonomamente surgida entre o público, que os media reflectiriam dada a sua função de vigilância do meio.

Lang e Lang (1983: 59) propuseram que se usasse o termo agenda- building (construção da agenda) para descrever o processo de influência recíproca entre a comunicação jornalística, o Governo e os cidadãos, uma opção de análise que ultrapassaria uma certa incapacidade que a teoria do agenda-setting possuirá de se colocar num contexto mais amplo.  No estudo sobre o caso Watergate em que esses autores apresentam a referida proposta, eles chegam também à conclusão de que um tema necessitaria de possuir quatro características para se inscrever na agenda pública ao ser abordado pelos meios noticiosos: (1) saturação da cobertura; (2) proeminência hierárquica no seio da informação apresentada; (3) continuidade de tratamento; e (4) possibilidade de entendimento e de significação.

Retomando, de certa forma, o ponto de vista de Lang e Lang (1983), Rogers e Dearing (1988) colocaram em evidência o processo de interacção entre a agenda mediática, a agenda política e a agenda pública.  Por exemplo, para eles, o poder de agendamento dos meios de comunicação social depende dos temas e dos públicos.  Por outro lado, a agenda pública poderia influenciar a agenda política tanto quanto esta influenciaria a agenda da comunicação social.  Mas os órgãos jornalísticos, a seu tempo, filtrariam os temas propostos pelos políticos.

 

 

3.2   A TEORIA DA TEMATIZAÇÃO

 

A teoria da tematização é uma teoria significativamente próxima da teoria do agenda-setting, embora entre as duas existam algumas diferenças.  Segundo Saperas (1993: 88), (1) a fundamentação teórica é divergente, (2) a contextualização do processo de inscrição de temas na agenda pública é mais abrangente na teoria da tematização, e (3) a teoria da tematização vincula-se às transformações tecnológicas e políticas em curso,  um marco ignorado no campo da teorização sobre agenda-setting.  Poderia ainda adicionar a metodologia, já que a investigação no domínio da hipótese do agenda-setting comporta uma faceta eminentemente quantitativa e baseia-se principalmente em inquéritos, enquanto a pesquisa no campo da tematização se inscreve nos domínios da reflexão e da especulação.

O conceito de tematização foi apresentado por Niklas Luhmann (1978) e pretende traduzir o processo de definição, estabelecimento e reconhecimento público dos grandes temas através da comunicação social.  Porém, essa definição é simplista.  Saperas (1993: 94), por exemplo, define tematização, guiando-se por Agostini (1984), da seguinte forma:

 

 

“(...) processo de selecção e de valorização de determinados temas de interesse introduzidos de forma contingente [isto é, incerta] na opinião pública, entendida como estrutura temática contingente, que reduz a complexidade social dos diversos subsistemas ou sistemas parciais em que opera.  Tenhamos em conta que se a atenção é limitada e o meio extremamente complexo, a opinião pública, como resultado do processo de tematização, permite a comunicação entre os indivíduos [e permite, igualmente, a intersubjectividade], reclamando a sua atenção para um número limitado dos temas existentes no meio complexo, apontando possíveis soluções e possíveis opiniões que esses temas podem gerar, mas distinguindo tema e opinião.  (...)

(...)  A opinião pública (...) pode ser interpretada como uma estrutura comum de sentido que permite que os indivíduos exerçam uma acção intersubjectiva, evitando as consequências nocivas que para o sistema social poderia implicar uma dispersão de experiências (...).”

 

 

A investigação em torno da tematização encontra-se orientada para a compreensão e avaliação dos efeitos socio-cognitivos da comunicação social nas sociedades pós-industriais, partindo da ideia de que se precisa de encontrar um novo conceito de opinião pública que se ajuste à complexa sociedade actual (Saperas, 1993: 88-89).  Para Agostini (1984: 53), a tematização corresponde, assim, a “Um processo que se realiza na relação estabelecida entre o sistema político e a opinião pública, através da mediação dos mass media.  Desta maneira [e esta é uma diferença fundamental em relação à teoria do agenda-setting], os meios de comunicação têm sido considerados não como os protagonistas, mas só, precisamente, como os mediadores desta relação.”

Para Luhmann (1978), a opinião pública surge como uma estrutura temática limitada da comunicação pública, já que perante o número infinito de temas que a comunicação social pode veicular o público só conseguiria atentar em alguns.  “A opinião pública não consiste na generalização do conteúdo das opiniões individuais (...), mas sim na adaptação da estrutura dos temas do processo de comunicação política às necessidades de decisão da sociedade e do seu sistema político.” (Luhmann, 1978: 97-98)

Interpretando Luhmann, diz Saperas (1993: 91):

 

 

“A opinião pública deixa de ser (...) o resultado da livre discussão racional dos temas de interesse público por parte dos indivíduos integrados na sociedade civil; deixa de obedecer à expressão das atitudes manifestadas através da diversidade de opiniões por parte dos grupos sociais, políticos ou culturais a respeito dos temas de interesse público; a opinião pública deixa de ser considerada sob a perspectiva imposta pelo consenso dos temas gerais.  Pelo contrário, a opinião pública manifesta-se como uma estrutura formada por temas institucionalizados, obedecendo a uma valoração de relevância por parte dos meios de comunicação (...) em função das necessidades do sistema político.  (...)  [A] opinião pública já não se define pela livre discussão de opiniões sobre temas, mas sim através de uma actividade selectiva exercida pelos meios de comunicação que atribuem determinada relevância a determinados temas na comunicação pública.”

 

 

Para Luhmann (1978), na complexa sociedade actual os diversos grupos sociais tendem a perseguir interesses muito diferentes e até divergentes, o que tornaria difícil ou impossível a emergência de consensos através de uma opinião pública que resultasse do debate livre e racional dos temas de interesse público.  A solução dos problemas sociais decorreria, assim, de decisões estratégicas e de tácticas pontuais.  A opinião pública comportaria, deste modo, unicamente, uma “selecção contingente de temas” (Saperas, 1993: 93) que seria, em certa medida, orientada para a resolução de problemas pontuais.

Na evolução do seu raciocínio de base, Luhmann (1983) explica que a complexidade social não só afasta o indivíduo do meio como também agudiza a incerteza e a angústia que caracterizariam a história humana.  Ele diz também que a tematização se baseia e se define numa selecção de temas por parte da comunicação social à luz de critérios susceptíveis de favorecer a atenção do público sobre esses assuntos.  Nesse sentido, em grande medida a atenção pública orbitará tendencialmente em torno das temáticas propostas pela comunicação social, o que confere aos media um grande poder.  Quais são esses critérios de que fala Luhmann (1983)?  De alguma forma são critérios de valor-notícia[2]: “Prioridade clara de determinados valores, as crises ou os sintomas de crise, o status do emissor de uma comunicação, os sintomas de êxito político, a novidade dos acontecimentos, as dores ou sucedâneos da dor na civilização.”  (Luhmann, 1983) Böckelmann (1983) aprofundou e sistematizou esta proposta, preconizando a existência dos seguintes critérios:

1.      Referência ao pessoal, ao privado e ao íntimo;

2.      Sintomas de êxito pessoal;

3.      Novidade;

4.      Sintomas de exercício do poder político;

5.      Distinção entre normalidade e anormalidade, acordo e discrepância, relativamente à orientação da cultura individual e à sua valorização;

6.      Violência, agressividade, dor, sucedâneos da dor (como provas de se estar sempre ameaçado e de o destino ser fatal) e projecção nas figuras dos autores e das vítimas;

7.      Perspectiva da competição como luta, com conotações afectivas de competência, de status e de rivalidade pessoal;

8.      Crescimento da propriedade, das receitas e das posses e enriquecimento;

9.      Crises e sintomas de crise no sistema, pelo ângulo da contraposição entre a estabilidade e as ameaças;

10.   Observação do extraordinário, do singular e do exótico, no sentido da distinção e confirmação do próprio, da existência de alternativas fictícias à vida quotidiana, da projecção cultural e da assimilação consumista.

Em consonância com Rositi (1982: 138-139), a própria selecção, que, para mim, se pode inscrever na útil metáfora do gatekeeping, poderia ser compartimentada em três níveis: (1) decisão sobre o direito de acesso; (2) hierarquização e estabelecimento de prioridades temáticas; e (3) selecção dos grandes temas que permitirão a orientação da opinião pública e a sua mobilização para a tomada de decisões.  Esse autor sustenta ainda que a origem da tematização se sustenta nos jornais de elite ou de qualidade (como o Expresso, o Diário de Notícias e o Público, em Portugal) passando depois para os restantes meios de comunicação, que nem sequer outorgariam suficiente espaço aos temas políticos para iniciarem por eles próprios um processo de tematização.  Segundo Rositi (1982: 551), os jornais de qualidade ou de elite conviveriam mais de perto com o poder político, sendo-lhes inclusivamente atribuída mais confiança política por parte dos políticos.  Estes, por sua vez, dependeriam da publicidade que os meios noticiosos lhes concedem.

Até à data, não têm sido feitas críticas relevantes à teoria da tematização.  Na minha opinião, várias razões podem ser apontadas para que isso tivesse ocorrido: (1) é uma teoria especulativo-filosófica; (2) talvez não seja uma teoria suficientemente conhecida no seio da comunidade académica internacional; e (3) talvez não tenha ainda uma vigência temporal significativa.  De qualquer modo, se bem que não existam críticas relevantes, há já divisões entre os teóricos.  Por exemplo, enquanto para Rositi (1982; 1983) a tematização, embora contemple diversas argumentações sobre um tema, deve ser entendida como uma mobilização para a decisão, no sentido da resolução de um problema estrutural concreto que afecte a colectividade, através da adopção de uma determinada opinião, para Agostini (1984) a tematização não implica necessariamente uma exigência de solução, de mobilização da opinião pública para a resolução de um problema, já que se poderia circunscrever frequentemente a uma interpretação da realidade, à constatação de uma situação ou à mera exposição de um problema sem se buscar a sua resolução.

 

 

3.3   A TEORIA DA ESPIRAL DO SILÊNCIO

 

A teoria da espiral do silêncio, proposta, em 1973, pela socióloga alemã Elisabeth Noelle-Neumann, incide sobre a relação entre os meios de comunicação e a opinião pública e representou uma nova ruptura com as teorias dos efeitos limitados.  O seu pressuposto é o seguinte: as pessoas temem o isolamento, buscam a integração social e gostam de ser populares; por isso, as pessoas têm de permanecer atentas às opiniões e aos comportamentos maioritários e procuram expressar-se dentro dos parâmetros da maioria. José Rodrigues dos Santos (1992: 107) complementa o meu resumo do postulado primordial dessa teoria:  “Noelle-Neumann defendeu que a formação das opiniões maioritárias é o resultado das relações entre os meios de comunicação de massas, a comunicação interpessoal e a percepção que cada indivíduo tem da sua própria opinião quando confrontada com a dos outros.  Ou seja, a opinião é fruto de valores sociais, da informação veiculada pela comunicação social e também do que os outros pensam.”

A socióloga admite a existência de dois tipos de opinião e de atitudes: as estáticas, que radicam, por exemplo, nos costumes, e as geradoras de mudança, como as opiniões decorrentes das filosofias de acção.   As pessoas definir-se-iam em relação às primeiras por acordo e adesão ou por desacordo e afastamento.  Porém, em relação às opiniões e atitudes configuradoras de mudança, os indivíduos, desejosos de popularidade e com o objectivo de não se isolarem, seriam bastante cautelosos.  Assim, se a mudança se estivesse a dar no sentido das suas opiniões e se sentissem que haveria receptividade pública para a expressão dessas opiniões, as pessoas não hesitariam em expô-las.  Contudo, se as mudanças estivessem a decorrer em sentido contrário ou se as pessoas sentissem que não haveria receptividade pública para a exposição das suas opiniões, tenderiam a silenciar-se.  “O resultado é um processo em espiral que incita os indivíduos a perceber as mudanças de opinião e a segui-las até que uma opinião se estabelece como a atitude prevalecente, enquanto que as outras opiniões são rejeitadas ou evitadas por todos, à excepção dos duros de espírito, que persistem na sua opinião.  Propus o termo espiral do silêncio para descrever este mecanismo psicológico.” (Noelle-Neumann, 1977: 144)  Assim, o conceito de opinião pública seria distorcido.

Qual o papel da comunicação social na formação da espiral do silêncio?  Na teorização de Noelle-Neumann, os meios de comunicação tendem a consagrar mais espaço às opiniões dominantes, reforçando-as, consensualizando-as e contribuindo para “calar” as minorias pelo isolamento e pela não referenciação.  Ou então os meios de comunicação -e é aqui que reside um dos pontos-chave da teoria- tendem a privilegiar as opiniões que parecem dominantes devido, por exemplo, à facilidade de acesso de uma minoria activa aos órgãos de comunicação social, fazendo com que essas opiniões pareçam dominantes ou até consensuais quando de facto não o são.  Pode dar-se mesmo o caso de existir uma maioria silenciosa que passe por minoria devido à acção dos meios de comunicação, como poderá ter sucedido no período do Processo Revolucionário em Curso no pós-25 de Abril.  Também sob este prisma saem desacreditados os conceitos clássicos de opinião pública, que perspectivam esta como sendo, respectivamente, o “(...) conjunto das opiniões expressas pelos meios de comunicação (...), uma vez que é apenas através deles que uma opinião se torna pública” ou o conjunto das  “(...) opiniões do público em geral, independentemente do seu acesso à comunicação social (...)”. (Rodrigues dos Santos, 1992: 106)  Aliás, “Talvez seja mais sensata uma terceira corrente, que defende que a opinião pública não existe, [pois] é um conceito demasiado vasto e amplo, incapaz de traduzir os pensamentos de um público fragmentado onde (...) prolifera um grande número de opiniões diferentes e contraditórias.” (Rodrigues dos Santos, 1992: 106)

As ideias de Noelle-Neumann (1977) vêem a opinião pública como uma espécie de clima de opinião onde o contexto influencia o indivíduo independentemente da sua vontade, até porque as pessoas estariam sujeitas à necessidade de observar continuamente as mudanças que ocorrem no meio social para não se isolarem da comunidade.  Isto significa que as pessoas necessitariam de consumir as informações veiculadas pelos órgãos de comunicação, que, por sua vez, exerceriam sobre elas uma influência forte e directa, a curto ou longo prazo, provocando mudanças de opinião e de atitude.  Estas mudanças suceder-se-iam quando se reuniam três condições susceptíveis de levar os órgãos de comunicação social a constituir-se como agentes activos na formação da opinião pública: a acumulação, a consonância e a ubiquidade ou publicidade.  Neste ponto, a teoria opõe-se às concepções de McCombs e Shaw (1972), ou talvez as complete, já que Noelle-Neumann prevê que a comunicação social possa, de facto, ter efeitos poderosos mas apenas nos casos em que esses três mecanismos condicionantes actuem em conjunto:

1.      Acumulação, ou seja, exposição sucessiva aos meios de comunicação;

2.      Consonância, ou seja, similitude da informação veiculada pelos diferentes órgãos de comunicação social devido à forma semelhante como as notícias são construídas e fabricadas e que anularia a capacidade de percepção selectiva; sob este aspecto, a autora salienta que entre os factores que geram a consonância mediática se inscreveriam (a) uma espécie de estereotipização da informação enquanto técnica de “redução da complexidade” do real, conceito que terá ido buscar a Lippman (1922), (b) pressupostos e experiências comuns de que os jornalistas se serviriam para analisar e seleccionar os acontecimentos e o valor das notícias (o que é equivalente a falar da natureza compartilhada de grande número dos critérios de noticiabilidade), (c) alegada tendência comum dos jornalistas em ordem a valorizar as suas próprias opiniões, (d) dependência comum dos jornalistas em relação a certas fontes, (e) tentativa de aprovação profissional pelos colegas, (f) inter-influência e competição entre os órgãos de comunicação, e (g) homogeneidade de pontos de vista dos jornalistas enquanto grupo profissional (poderíamos, aqui, falar dos jornalistas como “comunidade interpretativa” (Zelezer, 1993) sujeita a fenómenos de “pensamento de grupo” (Janis, 1983));

3.      Ubiquidade ou publicidade, o que pretende traduzir o carácter público das opiniões expressas nos meios de comunicação; porém, os processos individuais de formação da opinião surgiriam da observação do meio, especialmente dos órgãos de comunicação social, que dariam conta, principalmente, das ideias dominantes.

O estudo da consonância talvez tenha sido dos factores mais estudados por Noelle-Neumann.  Em 1987, em conjunto com Mathes, a autora publicou um estudo no qual sugeria que o estudo da consonância no conteúdo dos meios de comunicação social deveria desenvolver-se em função de três níveis principais:

1.      Agenda-setting (eu diria, e agenda building);

2.      Focalização dos acontecimentos desde determinadas perspectivas;

3.      Avaliação dos acontecimentos pelos jornalistas, políticos, etc.

Para Noelle-Neumann e Mathes (1987), cada um desses níveis configurava formas de interpretação e de avaliação da realidade por parte do público:

1.      A capacidade de agenda-setting dava aos meios de comunicação social a capacidade de atribuir importância pública aos diversos assuntos;

2.      A focalização permitia que se relevassem determinadas particularidades dos assuntos através da acção da comunicação social;

3.      A avaliação possibilitava aos meios de comunicação criar climas positivos ou negativos em relação a determinados assuntos.

Assim, um acontecimento seria tanto mais consonante quanto mais fosse abordado pelos diferentes órgãos de comunicação social, quando mais estes relevassem apenas certas particularidades desse acontecimento e quanto mais eles coincidissem na avaliação  desse acontecimento.

De alguma maneira, parece-me que se pode dizer que as teorias do agenda-setting e da espiral do silêncio se complementam.  Para Shaw (1979), por exemplo, a teoria da espiral do silêncio permitia explicar a formação de consensos nas sociedades democráticas, embora o autor não exclua que os consensos possam ser inapropriados para dar resposta aos problemas que enfrentam essas sociedades.  Por outro lado, a teoria da espiral do silêncio releva a necessidade de as pessoas se orientarem no seu ambiente social, no que vai ao encontro das concepções de McCombs (1981 a) quando o autor se pronuncia a favor da análise das respostas individuais às restantes agendas e do estudo da construção das agendas pessoais.

Entre as críticas mais interessantes que se fizeram à teoria da espiral do silêncio inscreve-se a de Fields e Schuman (1976), autores que contrapuseram três contra-argumentos às ideias da socióloga alemã:

1.      A teoria não se conseguiria ajustar ao fenómeno da ignorância geral que se produzia em algumas situações;

2.      As pessoas tenderiam a considerar que os outros percebiam as coisas da mesma maneira que elas;

3.      As crenças de uns sobre o que pensam os outros nem sempre eram claras; por vezes a informação que os primeiros recolhiam era insuficiente ou era equívoca, o que não permitiria perceber com segurança aquilo que os outros pensavam; em certas ocasiões, essa insegurança sobre aquilo que os outros pensavam era até sistemática e colectiva, levando as pessoas a actuar num “falso mundo social”. (Fields e Schuman, 1976: 427)

O’Gorman e Garry (1976) salientaram também que em certas circunstâncias se assistia a uma certa desorientação na percepção do que seriam as opiniões dos outros.

 

 

3.4  A TEORIA DOS USOS E GRATIFICAÇÕES

 

Ao contrário das teorias do agenda-setting, da tematização e da espiral do silêncio, a teoria dos usos e gratificações pressupõe uma relativização do poder dos meios de comunicação sobre as pessoas e a sociedade.  Inclusivamente, coloca a sua atenção mais no indivíduo, especialmente nos seus hábitos de consumo mediático, do que na sociedade, pois procura entender os usos que as pessoas fazem da comunicação social para satisfazerem necessidades e serem gratificadas.  Porém, a teoria dos usos e gratificações, a exemplo das restantes teorias citadas, procura unificar componentes sociais e psicológicas para explicar o consumo e os efeitos da comunicação social.

 

 

“O uso dos meios aparecia como uma variável que intervinha de maneira activa no processo e na modelização do efeito.  Além disso, as gratificações obtidas pela audiência no processo de recepção podiam provir tanto do conteúdo dos meios como do próprio acto de exposição [a esses meios] por parte da audiência e do contexto social.  Assim, desde este ponto de vista o consumo ou a exposição aos meios podia contemplar-se como um aspecto diferenciado do efeito.”  (Montero, 1993: 88)

 

 

Os métodos de investigação no domínio desta teoria têm englobado, até à data, técnicas qualitativas, como as entrevistas, o que pressupõe a capacidade de a pessoa “(...) verbalizar e expressar, de forma consciente, o uso que realizava dos meios, as suas necessidades, as suas expectativas e a origem da sua gratificação.” (Montero, 1993: 88)

A teoria dos usos e gratificações terá tido origem em investigações que inverteram a lógica tradicional: em vez de analisar o que os meios faziam às pessoas procurava-se observar o qual o uso que as pessoas faziam da comunicação social.  O primeiro desses estudos talvez tenha sido o de Herta Herzof, de 1944 (ref. por Rodrigues dos Santos, 1992: 112) sobre o consumo de radionovelas nos Estados Unidos.  A autora concluiu que as mulheres eram a maioria dos ouvintes e que estas procuravam (1) libertação emocional, (2) conselhos, (3) explicações para as coisas da vida, (4) preparação para enfrentarem situações do quotidiano, (5) compensação dos próprios problemas, etc.  Ou seja, as pessoas usavam os meios porque tinham necessidades a satisfazer e eram gratificadas por isso.  Em 1949, Berelson interrogou os nova-iorquinos sobre a falta que os jornais lhes tinha feito durante uma greve da imprensa, tendo concluído que as pessoas tinham ficado algo desorientadas porque usavam os meios para não se sentirem à margem do mundo e para obterem informações determinadas (como quem morria), sendo assim que obtinham uma determinada compensação pelo consumo mediático.

Schramm, Lyle e Parker (1961) foram talvez os responsáveis pela “modernização” das linhas de pesquisa no campo dos usos e gratificações, ao fazerem um estudo sobre o relacionamento entre a televisão e as crianças em que concluíram que não se podiam considerar as crianças meros seres passivos, pois estas usavam a televisão em função das suas necessidades e para obterem determinadas recompensas.  Não se tratava pois, para os autores, de meios activos de comunicação activos a agirem sobre seres meramente passivos - as pessoas também eram activas e usavam os media de forma a sentirem-se gratificadas.  Denis McQuail (1991) argumenta que a escolha dos meios a consumir por parte dos consumidores já indicia que o consumo mediático, até um certo ponto, é activo, sendo, segundo o autor, motivado por necessidades psicossociológicas, como a resolução de problemas, e parcialmente orientado para a obtenção de gratificações.  Só assim os meios de comunicação poderiam ser considerados instrumentos para a resolução de problemas.

De acordo com José Rodrigues dos Santos (1992: 115; vd. também McQuail, 1991: 300):

 

 

 “(...) o público (...) tem tendência para descrever o seu consumo da comunicação social em termos funcionais, como sejam a resolução de problemas e a satisfação de necessidades.  Do ponto de vista dos consumidores, os meios de comunicação de massas estão essencialmente ligados à aprendizagem e informação, à identidade pessoal, aos contactos sociais, ao entretenimento e preenchimento do tempo - no fundo, noções partilhadas também pelos investigadores.”

 

 

Rosengren e Windahl (1972) propuseram que seria mais pertinente analisar o consumo motivado dos media em função da resposta a necessidades de alto-nível, como as de aceitação e auto-estima, do que de baixo nível, como a necessidade de segurança.

Blumer (1979) realçou o carácter social das necessidades pessoais e salientou que os motivos que levavam ao uso dos meios de comunicação poderiam gerar tipos específicos de influência destes.  Entre esses motivos, e a exemplo do que já vimos, ele inscreve os seguintes:

1.      Orientação cognitiva, que, por exemplo, corresponderia à necessidade de se obterem determinados conhecimentos através da informação jornalística;

2.      Entretenimento;

3.      Identificação pessoal, motivação satisfeita, por exemplo, pelo consumo de produtos mediáticos que mais se adeqúem ao sistema de crenças, valores, ideias e expectativas do receptor, ou seja, ao seu sistema de pensamento.

Os efeitos seriam, respectivamente, os seguintes:

1.      A busca de informação pode facilitar a aquisição de conhecimentos;

2.      O consumo dos meios de forma a satisfazer necessidades de entretenimento poderá levar a que os consumidores dos produtos mediáticos percepcionem a realidade social em consonância com a realidade mediaticamente representada;

3.      Reforço da identidade pessoal.

Embora, como é visível, dentro do paradigma funcionalista de investigação se tenham realizado vários estudos que se podem inscrever no seio do paradigma dos usos e gratificações, esta denominação só surgiu em 1974, numa obra editada por Blumler e Katz, intitulada The Uses of Mass Communications.  Current Perspectives on Gratifications Research.  Em conjunto com Gurevitch, estes autores desenharam uma sistematização em sete níveis que procurava aglutinar os elementos comuns até então abordados nas pesquisas:

 

 

“1. As origens sociais e psicológicas das

2. necessidades que geram

3. expectativas sobre

4. os meios de comunicação social e outras fontes, o que conduz a

5. esquemas diferenciais de exposição aos meios (e dedicação a outras actividades), o que resulta em

6. gratificações da necessidade e

7. outras consequências, talvez maioritariamente involuntárias.” (Katz, Blumler e Gurevitch, 1974: 134)

 

 

Katz, Blumler e Gurevitch (1974: 134-141) sugeriram ainda que os pressupostos comuns aos diversos estudos até então realizados dentro do modelo que denominaram de “usos e gratificações” eram os seguintes:

1.      Concepção dos membros do público como entidades activas que buscam satisfazer necessidades e resolver problemas;

2.      Concepção dos elementos do público como entidades activas.  A eles corresponderia grande parte da iniciativa de escolher os meios de comunicação susceptíveis de permitirem a obtenção de gratificações quando consumidos para dar resposta a determinadas necessidades;

3.      Os meios competem com outras fontes para satisfazer necessidades, até porque a comunicação social apenas poderia dar resposta a uma gama limitada das necessidades humanas que exigem satisfação.  Assim, varia também o grau de satisfação que pode ser obtido pelo consumo da comunicação social;

4.      Metodologicamente, perspectivam-se os receptores como entes capazes de conscientemente informar sobre o que os motiva a consumir a comunicação social;

5.      Não devem ser feitos juízos de valor sobre o significado cultural da comunicação social enquanto não se explora a orientação cultural do público.

McQuail e Gurevitch (1974), no mesmo livro (editado por Katz e Blumler), expuseram a ideia de que, vista da perspectiva funcionalista, a satisfação das necessidades aparecia como um processo pessoal enquanto que do ponto de vista do modelo dos usos e gratificações, as gratificações, embora pessoais, apenas podiam ser explicadas por motivos sociais ou psicológicos, como a personalidade, a posição social e o ambiente social onde as pessoas se moviam.  Porém, visto de um ponto de vista estrutural-cultural, o comportamento da audiência era determinado por factores sociais, como os produtos mediáticos disponíveis e os costumes, normas e convenções que definiriam formas apropriadas de uso dos meios e de reacção a estes.  Por outro lado, a partir de uma perspectiva de acção-motivação enquadrável na sociologia fenomenológica, o consumo dos meios de comunicação seria observado como um acto livre através do qual um actor social tenta obter recompensas mediatas ou imediatas e fazer o que deseja.  Assim, o objectivo principal da investigação dentro destes últimos parâmetros seria definir quais são os significados e interpretações subjacentes ao uso dos meios por parte das pessoas.

McLeod e Becker (1981) também procuraram cruzar a avaliação dos efeitos dos meios de comunicação com o modelo dos usos e gratificações, propondo um “modelo transaccional” onde se substituíam os termos “gratificação” e “motivo” por “orientação”.  A sua argumentação era a de que os dois primeiros termos eram imprecisos, pois cobriam múltiplas situações, desde alguém que procurava uma informação determinada num determinado órgão de comunicação a alguém que consumia os órgãos de comunicação ao seu alcance sem qualquer tipo de preocupação.  Assim, no seu modelo encaram a obtenção de gratificações como apenas uma entre várias das variáveis cujo estudo é imprescindível para se entenderem os efeitos dos meios.  Entre essas variáveis inscrever-se-iam, entre outras, a credibilidade dos meios, a dependência por parte dos consumidores de um determinado órgão de comunicação ou de determinados conteúdos, o nível de atenção em relação a um certo acontecimento, etc.

McCombs (1981 a) procuraria cruzar o modelo dos usos e gratificações com a teoria do agenda-setting, considerando que assim se desvelariam melhor os factores que restringiriam ou realçariam os processos de construção das agendas em função da natureza dos temas e das características dos meios e do público.  Para ele, analisar o estabelecimento da agenda pública implicaria, nomeadamente, atentar no conteúdo dos meios e na situação social da audiência em função de três factores: (1) a necessidade de orientação das pessoas (recorde-se, neste ponto, que a teoria da espiral do silêncio também enfatiza este pormenor), (2) a frequência da comunicação interpessoal e (3) a natureza da experiência pessoal.

Llull (1980), por seu turno, concluiu que o uso da televisão em situações de recepção familiar fomentava a participação activa na construção e solidificação das relações interpessoais.  Para este autor, haveria a considerar duas formas de usar a televisão:

1.      Estrutural, que acontece quando a televisão é usada como agente ambiental (companhia, entretenimento, etc.) ou como reguladora de comportamentos (jantar quando dá o telejornal, etc.);

2.      Relacional, que ocorreria nas situações em que o uso da televisão facilitaria (ou não) a comunicação (por exemplo, sugerindo temas de conversação e referentes comuns e fazendo partilhar a mesma experiência), favoreceria (ou não) o contacto pessoal, favoreceria (ou não) a aprendizagem social (por exemplo, sugerindo modelos comportamentais) e fortaleceria (ou não) as competências dos membros da família.

Entre as diferentes críticas que foram sendo feitas ao paradigma dos usos e gratificações, Montero (1993: 92) alerta logo para o facto de não se poder considerar esse modelo como uma teoria única e unificada.  No mesmo sentido, Rubin (1986) regista que cada perspectiva teórica define diferentemente a natureza da experiência pessoal de consumo dos meios de comunicação.  Swanson (1979), por sua vez, releva a falta de clareza na definição de conceitos centrais do paradigma, como as noções de “uso” e de “gratificação”.

Elliot (1974) acusa o modelo de falta de abrangência.  Para ele haveria que estudar as audiências e os meios no seio da estrutura social, relevando, nomeadamente, a propriedade dos meios, os processos de produção, os processos de controlo da audiência, as formas como o prestígio e a avaliação social dos meios influenciavam o seu consumo, a forma como a pertença a determinados grupos sociais influenciava o consumo desses mesmos meios, o significado social que decorria do consumo de determinados meios de comunicação, etc.

 

 

3.5   A TEORIA DAS DIFERENÇAS DE CONHECIMENTO (KNOWLEDGE GAP)

 

A relação entre os meios de comunicação e a realidade é suficientemente complexa e variada para gerar efeitos dos primeiros sobre a sociedade e as pessoas a curto e a longo prazo.  Assim, enquanto teorias como a do agenda-setting e a dos usos e gratificações descrevem, principalmente, efeitos a curto prazo, a teoria do knowledge gap define primordialmente efeitos poderosos dos meios de comunicação, a longo prazo e ao nível da distribuição e modelação social de conhecimentos.

A teoria das diferenças de conhecimento decorrerá, em certa medida, de ideias já levantadas noutros campos teóricos.  A título exemplificativo, de algum modo a teoria do agenda setting sugeria que os meios de comunicação, ao agendarem temas junto do público, poderiam ter efeitos cognitivos a longo prazo.  A própria teoria da espiral do silêncio também aponta para a existência de efeitos mediáticos sobre a opinião a longo prazo.  Todavia, a teoria das diferenças de conhecimento procura dar uma resposta específica às seguintes questões: em termos de modelação e distribuição social do conhecimento, o “(...) que é que sucede numa sociedade (...) complexa em que [quase] a totalidade do público dispõe das mesmas oportunidades de exposição aos diversos meios de comunicação que, por outro lado, fizeram crescer (...) a capacidade de difusão dos conhecimentos públicos?  Que é que sucede numa sociedade em que as novas tecnologias da informação alcançaram um desenvolvimento tão notável que o seu impacto é intersectorial, chegando a modificar o estatuto da informação?” (Saperas, 1993: 109-110)  Curiosamente, as respostas que a teoria das diferenças de conhecimento dá são preocupantes, já que preconizam que o incremento do fluxo informativo na nossa sociedade complexa e (pós-)industrial não teria provocado nem o aumento nem a nivelação dos níveis de compreensão e de conhecimento das pessoas.

De facto, tendo sido proposta por Tichenor, Donohue e Olien (1970), a hipótese que a teoria das diferenças de conhecimento levanta é a de que entre os principais efeitos da comunicação social a longo prazo se inscreve a capacidade de diferenciar “classes” sociais em função do conhecimento.  As pessoas educacionalmente mais favorecidas reuniriam potencialmente condições para absorver mais informação e para melhor integrar essa informação nas suas estruturas cognitivas.  Se essas pessoas tivessem capacidade económica para terem igualmente um acesso regular a nova informação, então o seu nível de conhecimento, a longo prazo, tenderia a afastar-se significativamente do nível de conhecimento das “classes” educacional e economicamente menos favorecidas.  Ora, quanto mais conhecimento as pessoas mais favorecidas obtivessem, mais informação conseguiriam igualmente integrar nas suas estruturas cognitivas, pelo que se entraria num círculo vicioso.  A função informativa, formativa e educacional dos meios de comunicação beneficiaria, assim, essencialmente, as pessoas educacional e economicamente mais favorecidas.  O consumo dos meios de comunicação teria tendência para aumentar o hiato cultural que se verifica entre as “classes” mais e menos favorecidas.   “Por outro lado, determinados sectores caracterizados por um elevado nível educativo poderão discriminar mais facilmente as informações recebidas, através da atribuição de uma determinada importância a cada tema, considerado em função da sua posição social e das exigências impostas pela conservação dessa posição social.”  (Saperas, 1993: 111; este autor referencia Tichenor, Donohue e Olien, 1980: 22)

Para Tichenor, Donohue e Olien (1970), não era apenas o nível de educação e a capacidade económica a determinarem a diferenciação social através dos conhecimentos.  A estrutura do sistema mediático, as características dos conteúdos informativos/formativos, o uso dado à informação e as diferenças entre os media (principalmente entre a rádio, a televisão e a imprensa) exerciam em conjunto com as variáveis referidas anteriormente uma acção sobre a configuração dos hiatos de conhecimento.  Saperas (1993: 112) chama ainda a atenção para o distanciamento de conhecimentos que pode ser provocado pelo acesso desigual de países, pessoas e sectores socio-culturais às novas tecnologias da informação e da comunicação.

No mesmo sentido, outros autores procuraram definir quais as características que tornam uma pessoa mais ou menos propensa a dar e receber informação e a facilitar o processo comunicativo, tendo chegado à conclusão que haveria a considerar essencialmente três tipos de características que, além do mais, determinariam a posição de cada pessoa, os seus valores e os seus objectivos: (1) características pessoais; (2) características dependentes da posição social; e (3) características da estrutura da sociedade e da forma como aí circula a informação. (Rodrigues dos Santos, 1992: 109)

Será de referir que não existe apenas um hiato de conhecimento, mas vários e de dimensão variável e variada.  É provável que entre os homens de diferentes estratos sociais educativos e económicos, por exemplo, sejam mais pequenas as diferenças de conhecimento no que se refere ao futebol do que à economia.  Aliás, haverá casos em que as “classes” menos favorecidas diminuirão o hiato de conhecimento.  José Rodrigues dos Santos (1992: 110), por exemplo, relata que na Suécia as classes alta e média estavam mais informadas do que a baixa quando se decidiu passar a circulação automóvel da esquerda para a direita, mas esta última recuperou do atraso.  Escreve este último autor:

 

 

“Por um lado, porque aqueles que têm um maior potencial de absorver informação esgotaram rapidamente todos os dados postos a circular, e chegaram a um ponto em que já não havia mais nada para saber.  Por outro, porque se desinteressaram do assunto e deixaram de obter informações com ele relacionadas, permitindo assim que indivíduos com um potencial mais baixo recuperassem totalmente o seu atraso.” (Rodrigues dos Santos, 1992: 110)

 

 

Em consonância com Montero (1993: 97), a teorização global de Tichenor, Donohue e Olien abarca três âmbitos:

1.      Relação entre o tipo de sociedade e a estrutura que o sistema mediático adoptou para se adaptar ao seu ambiente social;

2.      Funções dos meios de comunicação enquanto agentes de controlo da difusão/distribuição de conhecimentos;

3.      O conflito enquanto aspecto relevante do processo de distribuição/controlo de conhecimentos através da comunicação social.

Os autores precisaram, porém, que o que estava em causa não era estabelecer uma relação directa entre uma estrutura social e a distribuição de conhecimento, mas apenas reconhecer que as diferenças relativas de conhecimento aumentam quando aumenta o fluxo de informação.  (Olien, Donohue e Tichenor, 1982: 159)

Uma das questões centrais da teoria da diferenciação de conhecimentos é a relação entre a manutenção do poder e a distribuição de conhecimentos.  Saperas (1993: 109) precisa, inclusivamente, que:

 

 

 “A Hipótese do distanciamento surgiu da necessidade de se reconsiderar o conhecimento como forma de controlo social no seio da sociedade contemporânea.  É bem sabido que, historicamente, as instituições e os grupos sociais, económicos, religiosos ou culturais que exerceram o poder social estabeleceram diversos mecanismos de controlo sobre os canais tecnológicos capazes de distribuir (...) conhecimentos e as informações quotidianas (...).  Consequência disso foram as diferentes formas de desigual recepção de conhecimentos entre os diversos sectores sociais.”

 

 

Para Donohue, Tichenor e Olien (1973), o controlo do conhecimento era essencial para assegurar a manutenção do poder, sendo relevante o facto de os sectores que participam na gestão do poder disporem de mecanismos especializados no controlo e orientação da informação.  Por consequência, interessaria “(...) relacionar os subsistemas de meios de comunicação com a estrutura total da organização social e do controlo social e destacar a natureza crucial do controlo de conhecimento, mais do que o conhecimento per se, como uma base de poder social.” (Donohue, Tichenor e Olien, 1973: 652)  Aliás, para eles “(...) o problema não se situa tanto no crescimento do conhecimento, mas antes, e mais frequentemente, numa relativa privação do conhecimento (...); uma relativa privação de conhecimentos pode provocar uma relativa privação de poder.” (Tichenor, Donuhue e Olien, 1980: 22)

Para Tichenor, Donohue e Olien (1980: 184-186) haveria essencialmente a considerar três mecanismos de controlo do conhecimento que levavam a que este pudesse ser melhor distribuído e aproveitado pelas pessoas com maiores níveis educativos e socio-econo-culturais, no sentido da manutenção da sua liderança social:

1.      Controlo do acesso à informação, que resultaria do facto de determinados grupos sociais com acesso privilegiado aos meios de comunicação elaborarem e difundirem informações que garantem a sua própria preservação; deste modo, a crítica à “falta de qualidade” dos meios de comunicação dirigida a estes por parte dos sectores socio-educativa e culturalmente mais exigentes poderia, se atendida, promover o aumento da diferenciação dos conhecimentos, já que uma elevação dos conteúdos poderia resultar numa maior dificuldade de apreensão por parte dos cidadãos educacionalmente menos favorecidos;

2.      Controlo da distribuição da informação, uma vez que as organizações que participam nos conflitos sociais no seio da nossa sociedade complexa direccionariam estrategicamente informação diferenciada para os diferentes estratos socio-econo-culturais;

3.      Controlo do reforço das predisposições prévias, pois embora o acesso e a distribuição da informação sejam passíveis de um certo nivelamento, os “(...) diferentes modelos de reforço no que respeita à aquisição de informação podem reduzir o alcance com que os grupos com um nível educativo inferior encontram e usam essa informação.”

Os autores citados concluíram ainda que o controlo sobre o conhecimento e a sua distribuição visava manter o sistema social (Olien, Donohue e Tichenor, 1982).  Neste sistema, os meios de comunicação teriam duas funções:

1.      Controlo-feedback, uma vez que os meios de comunicação seriam comparáveis a termóstatos que emitiriam sinais de alerta quando se registam problemas sociais, podendo ajudar a regulá-los mas retro-alimentando o sistema comunicacional com mais informação;

2.      Controlo-distribuição, uma vez que os meios de comunicação disseminariam selectivamente a informação, que era seleccionada ou até retida (censura).

A função de controlo-distribuição predominaria nas sociedades com menor diferenciação e mais dependentes das formas primárias de comunicação, como a comunicação interpessoal, para a criação de consensos; as pequenas cidades seriam um bom exemplo desses sistemas sociais pouco complexos.  Já em sistemas complexos, seria a função de controlo-feedback que predominaria na geração de consensos.   (Montero, 1993: 98-99) 

O sistema de distribuição do conhecimento dependeria do grau de pluralismo da sociedade.  As diferentes visões da realidade protagonizadas pelos diferentes grupos sociais numa sociedade plural seriam, porém, um permanente foco de tensões e conflitos.  (Montero, 1993: 99)  Ora, Tichenor, Donohue e Olien (1980) vêem o conflito como uma forma de comunicação em sociedade e os meios de comunicação como instrumentos capazes de tornar públicas as posições em confronto.  Os problemas em termos de distribuição de conhecimentos decorreriam do facto de muitos dos conflitos que existem nas sociedades plurais serem artificialmente criados por determinados grupos de interesse capazes de o fazer unicamente como uma forma de controlo social, já que os meios de comunicação atentariam nas posições dos grupos em confronto e divulgá-las-iam em detrimento de outras visões sobre a realidade.   Os autores dizem ainda que a publicitação das posições em conflito através dos meios de comunicação social tenderia a debelar as diferenças de conhecimento sobre o assunto em questão.  Porém, este fenómeno dependeria do grau de pluralismo da sociedade, da natureza do tema e do grau de conflito.  Se o conflito fosse profundo, afectasse nitidamente as normas tradicionais e fosse amplamente comentado interpessoalmente numa sociedade democrática, então é provável que, segundo os autores, as diferenças de conhecimento se esbatessem mais rapidamente, como teria acontecido no caso Watergate.

Na opinião de Tichenor, Donohue e Olien (1980), haveria mecanismos de controlo da informação mediática que teriam influência na modelação diferenciada do conhecimento social.  A informação estaria limitada (a) pelo acesso aos meios de comunicação, já que a cobertura se concentraria nos agentes de poder e nas pessoas de mais elevado estatuto social, (b) pelo facto de a estrutura empresarial mediática ser controlada por pessoas dos grupos sociais que já têm um acesso facilitados aos media, e (c) pelos conhecimentos dos receptores, pois nem todas as pessoas conseguiriam descodificar e integrar a informação.

Seguindo uma sistematização elaborada por Montero (1993: 100-101), podemos dizer que a teorização de Tichenor, Donohue e Olien (1980) sobre a forma como os conflitos eram expressos pelos meios de comunicação possibilitou determinadas generalizações:

1.      Os meios de comunicação jornalísticos integrar-se-iam no sistema social, difundindo informação sobre as forças sociais e, assim, intervindo em futuros acontecimentos; 

2.      A proliferação de serviços de comunicação e relações públicas, etc., indiciaria a importância crescente do controlo do conhecimento através do controlo da informação;

3.      O sistema mediático adaptar-se-ia ao seu contexto social; por exemplo, nas grandes cidades tender-se-ia a diferenciar o papel dos diversos actantes do sistema informativo, pelo que os jornalistas teriam uma certa autonomia em relação às fontes; pelo contrário, nas cidades pequenas, as relações entre jornalistas, empresários, fontes de informação e agentes de poder seriam mais “promíscuas”;

4.      Os meios de comunicação participariam nos conflitos sociais, tendendo a reflectir a posição dos centros de poder e, assim, a manter o sistema social através da modelação do conhecimento;

5.      O conhecimento seria uma fonte de poder; o conflito emergiria desta relação como parte do processo de geração, distribuição e aquisição de conhecimentos, pois a colocação pública das posições em confronto promoveria a distribuição e aquisição de conhecimentos, num processo cuja intensidade variaria de acordo com a fase do conflito;

6.      Os meios de comunicação, enquanto parte integrante dos conflitos, poderiam contribuir para ampliar ou reduzir as diferenças sociais de conhecimento; todavia, a natureza do conflito condicionaria o aumento ou a diminuição das diferenças de conhecimento;

7.      Opiniões e conhecimento não se poderiam relacionar directamente, pois as pessoas tenderiam a apoiar acções concretas sem ligação ao nível de conhecimento e de educação.

Ettema e Kline (1977) sustentaram que haveria duas questões a analisar para se perceber como se ampliavam ou diminuíam as diferenças de conhecimento: (1) motivação existente em cada estrato social para procurar informação e nível de funcionalidade dessa informação nesse estrato; e (2) limites decorrentes da mensagem, limites decorrentes da audiência e limites decorrentes do próprio conhecimento.  Esses autores colocaram, de facto, em dúvida se haveria uma relação directa entre o estatuto socio-económico e educativo e a aquisição de conhecimentos, pois para eles a complexidade da informação difundida pela comunicação social era reduzida, sendo acessível à generalidade das pessoas.  Na sua versão, a razão principal para a diferenciação do conhecimento residiria na motivação para o consumo e para o uso sistemático dessa informação, que seria mais forte entre os indivíduos com maior nível educativo e cultural que tivessem igualmente condições económicas para adquirir essa informação.

Ao nível dos limites decorrentes do conhecimento em si, Lovrich e Pierce (1984) destacaram que em muitos casos a informação que chegava aos indivíduos pertencentes a um elevado estrato socio-cultural, económico e educativo seria, inclusivamente, redundante.  Por seu turno, Saperas (1993: 116) destacou que haveria a considerar sempre dois tipos de conhecimento que seria essencial diferenciar para se compreender a forma igualmente diferenciada de aumento ou diminuição de conhecimentos:

1.      Conhecimentos factuais, que seriam aqueles que se referem aos conhecimentos obtidos pela simples recepção da informação veiculada pelos meios de comunicação e que diria respeito a factos, nomes e elementos pontuais da actualidade;

2.      Conhecimentos estruturais, que resultariam dos conhecimentos obtidos através do consumo de informações respeitantes ao inter-relacionamento entre os acontecimentos actuais, os contextos históricos e as pessoas.

A motivação para procurar informação e para ampliação do conhecimento também transparece como um factor relevante na obra de Genova e Greenberg (1979), argumentando os autores com o crescente consumo da informação especializada.  Ou seja, não importa considerar apenas a acção dos meios de comunicação para se explicarem as diferenças sociais de conhecimento.  Há que considerar igualmente a acção empreendedora das pessoas e as motivações que as levam a querer conhecer mais e mais aprofundadamente, ou seja, por outras palavras, o interesse das pessoas no consumo de informação específica.  Para os autores, inclusivamente, o interesse operaria como factor mais decisivo do que o nível educativo na obtenção de conhecimentos, sobretudo de conhecimentos estruturais (cf. Saperas, 1993: 116 e 119 )  Assim, “Esta evidência parece sugerir que a presença de interesses especializados referentes a certas notícias que perduram durante um certo período de tempo pode produzir uma maior expectativa sobre os benefícios da informação pública do que os factores socio-económicos, como a educação (...).”  (Genova e Greenberg, 1981: 504)

Genova e Greenberg (1979) sustentaram também que a manutenção de uma notícia durante um longo período de tempo tende a reduzir o hiato de conhecimento, embora esse fenómeno esteja dependente do assunto em causa.

Lovrich e Pierce (1984), situando também a sua pesquisa ao nível das motivações, descobriram que as situações concretas despertavam as pessoas para adquirir maior conhecimento político do que a situação em geral.

Donohue, Tipton e Haney (1978) preconizaram a existência de quatro tipos de pessoas, distinguidas em função da forma como procuravam a informação:

1.      Solitários, que se preocupavam essencialmente com a forma das mensagens;

2.      Formais, que procuravam informar-se para tomar decisões;

3.      Informais, que procuravam informação muito variada;

4.      Pessoas que percebiam menos informação do que a que lhes era oferecida.

Também Zukin (1981) procurou distinguir os diferentes públicos no que respeita ao consumo de informação política, tendo preconizado que haveria a considerar o público atento, o público indiferente, o público latente (que teria falta de motivação para procurar informação política, embora essa motivação pudesse despontar em qualquer momento) e o público acidental (o público que, embora não estivesse interessado em informação política, por vezes consumia esse tipo de informação).

A investigação em torno da hipótese do knowledge gap levou ainda à efectivação de pesquisas sobre a forma como o facto de a informação ser elaborada e difundida por diferentes meios de comunicação (principalmente a imprensa e a televisão) influenciava a modelação e a diferenciação social de conhecimentos.  Saperas (1993: 129) salienta que vários estudos demonstram que a imprensa tende a ser mais complexa do que a televisão, sendo identificada com o público de mais elevado status socio-económico, educativo e cultural.  Mas outros estudos demonstraram que a televisão promove tanto as diferenças de conhecimento como a imprensa, já que as mensagens, conselhos ou instruções práticas que se orientassem para um público elevadamente educado seriam unicamente compreendidas e aplicadas por esse segmento e não por toda a audiência.

Uma das questões que actualmente tem sido investigada no campo da teoria do knowledge gap reside na sobrecarga de informação gerada pelos novos meios.  Segundo Wolf (1994: 181-182), aqueles que não só tiverem acesso à informação e aos novos meios mas também que saibam gerir essa informação serão os mais beneficiados - os desníveis de conhecimento poderão, assim, acentuar-se.

 

 

3.6   A TEORIA DA DEPENDÊNCIA

 

Foi em 1976 que Ball-Rokeach e DeFleur lançaram as bases do modelo da dependência do sistema de meios de comunicação, num artigo que procurava explicar a centralidade dos meios de comunicação social na sociedade, quer ao nível macro-social quer ao nível individual.  A sua teorização procurava principalmente descrever as funções dos meios de comunicação na estrutura social, já que entendiam que o tipo de estrutura social participaria na configuração dos efeitos da comunicação social, e delimitar os factores que outorgavam aos meios de comunicação um determinado papel social.  Seria, assim, a relação que se estabeleceria entre a sociedade, o público e os meios a modelar os efeitos destes últimos.

Os autores partiram de uma concepção sistémica da sociedade, vendo o sistema de meios de comunicação numa situação de interdependência com os sistemas político, religioso, familiar, económico, educativo, etc.  A função específica dos meios de comunicação seria actuar como uma espécie de lubrificante do sistema social total, pois eram a principal fonte de informação e de comunicação necessária para o funcionamento dos restantes sistemas e para a manutenção do relacionamento entre eles.  Assim, ao aumentar a complexidade social ou quanto mais um sistema social fosse instável, conflitual e mutável, maior seria a dependência que as pessoas e os restantes sistemas sociais teriam do sistema de meios de comunicação, já que estes difundiriam a informação necessária para que as pessoas enfrentassem o desenvolvimento da conjuntura e os sistemas sociais encontrassem novos equilíbrios internos e relacionais.  A dependência do sistema de meios seria, aliás, tanto maior quanto menos fontes de informação se encontrassem disponíveis no contexto social.

Na versão de Ball-Rokeach e DeFleur (1982; 1993), não existe idêntico grau de interdependência entre os diferentes sistemas: o sistema de meios de comunicação social dependeriam sobretudo dos sistemas político e económico; por sua vez, estes dois últimos sistemas dependeriam do sistema mediático para se comunicarem com outros sistemas sociais e com o público.

Ball-Rokeach e DeFleur (1982; 1993) salientam que a dependência que as pessoas apresentam do sistema de meios de comunicação dependeria também dos assuntos, já que haveria assuntos mais e menos importantes para a vida de cada pessoa.  Os autores destacam também que a sobrevivência e o desenvolvimento eram as motivações que se salientavam entre aquelas que levavam as pessoas a dependerem do consumo da comunicação social.  Este consumo visaria a satisfação individual de três objectivos e dele decorreriam diferentes formas de dependência:

1.      Compreensão da própria pessoa, dos outros e do ecossistema (para compreender a história, antecipar o futuro, etc.);

2.      Orientação, ou seja, a capacidade de direccionar acções (votar, comprar coisas, etc.) e de interagir com outras pessoas (como comportar-se, etc.);

3.      “Play”, na medida em que o consumo da comunicação social se constituiria quer como uma espécie de aprendizagem socializadora de normas, valores, etc. (por exemplo, consumo familiar de televisão) quer como um sistema susceptível de proporcionar entretenimento.

Um dos pontos principais da teoria da dependência reside na sistematização dos efeitos da comunicação social:

1.      Efeitos cognitivos - que são os efeitos associáveis à apreensão e integração das mensagens, com efeitos ao nível da percepção da realidade.  A este nível há que considerar (1) a resolução da ambiguidade de certas informações (por exemplo, através do esclarecimento do que está em causa num acontecimento), (2) a formação de atitudes, pois as pessoas dependeriam (também) dos meios de comunicação social para formar atitudes sobre problemas públicos de toda a ordem e sobre figuras públicas, (3) as crenças, pois os meios de comunicação tenderiam a fortificar certas crenças pessoais, como a do equilíbrio ambiental, (4) os valores, já que os meios de comunicação poderiam clarificar, reforçar, mudar ou propor novos valores, entendidos como questões de existência (liberdade, igualdade, etc.) e (5) a função de agenda-setting.

2.      Efeitos afectivos - que se referem aos sentimentos e emoções provocados pela comunicação social.  Entre eles encontraríamos os efeitos de “neutralização afectiva”, devido a um certo aturdimento e a uma certa insensibilidade que decorreria da exposição prolongada a mensagens violentas e que impediria a reacção a situações semelhantes na realidade.  Mas encontramos igualmente os efeitos de medo e ansiedade, que decorreriam, por exemplo, da exposição prolongada a mensagens alarmantes, e os efeitos ao nível da moral e da alienação, que decorreriam, por exemplo, da integração num grupo social através da comunicação social e não de uma relação directa: neste caso, os meios de comunicação poderiam actuar quer como agentes de integração, já que informariam sobre os problemas das comunidades e dos grupos, dando-lhes coesão, quer como modificadores da moral e agentes de alienação, quando a sua informação propõe mudanças de valores não consentâneos com a dinâmica socio-comunitária ou grupal.

3.      Efeitos comportamentais - que se referem aos efeitos das mensagens sobre a conduta das pessoas[37].  Entre estes efeitos teríamos sobretudo (1) a activação de comportamentos, que ocorreria, por exemplo, quando as mensagens possuem tal força que impelem as pessoas a alterar o seu comportamento ou a adoptar comportamentos novos (por exemplo, mensagens que levaram as pessoas a procurar separar lixos para permitir a sua reciclagem), e (2) a desactivação de comportamentos, que é o efeito contrário (por exemplo, deixar de caçar por respeito para com o ambiente).  Os efeitos comportamentais seriam a consequência última dos efeitos cognitivos e afectivos.

Apesar desta sistematização dos efeitos da comunicação social, Ball-Rokeach e DeFleur (1982; 1993) propõem que estes se analisem em função de diversos paradigmas: cognitivo, interaccionista simbólico e estrutural-funcional.  Só assim seria possível interpretar as formas de dependência entre as pessoas, a sociedade e os meios de comunicação social. 

Em síntese, o paradigma cognitivo permitiria explicar por que razão as pessoas seleccionam activamente os conteúdos mediáticos que consomem, tendo em vista satisfazer objectivos pessoais, como compreender, orientar-se ou entreter-se (play).  “Quanto mais estimulante for a recepção, no sentido em que satisfaça as expectativas iniciais, maior será o grau de implicação e de processamento da informação e, por conseguinte, maior será a probabilidade da ocorrência de efeitos cognitivos, afectivos e comportamentais, que na realidade não podem produzir-se de forma isolada.” (Montero, 1993: 107)

O paradigma interaccionista-simbólico poderia explicar a construção de significados e, por consequência, a forma como as pessoas, influenciadas pelos meios de comunicação, se vêem a si, vêem os outros e vêem a realidade.  “Os meios actuariam, neste marco, como agentes capazes de reduzir a ambiguidade, as ameaças potenciais e de oferecer novas definições da realidade em situações de rápida mudança social.” (Montero, 1993: 107)

Já o paradigma estrutural-funcional releva o carácter conflitual ou cooperativo entre os sistemas sociais e as pessoas e entre cada um destes elementos entre si, permitindo perspectivar os meios de comunicação como agentes que controlam os recursos informativos, em conjunto, especialmente, com os sistemas político e económico.

Para os autores, o tipo e a intensidade dos efeitos da comunicação social depende das pessoas, dos sistemas sociais e do sistema social total em que esses efeitos vão ocorrer.  Dependeriam também, como vimos, dos graus de instabilidade, mudança e conflito que todos esses sistemas e as próprias pessoas apresentem.  Assim, a teoria da dependência, em última análise, propõe uma certa relativização dos efeitos da comunicação social pelo enquadramento conjuntural do momento.  Por exemplo, a natureza da dependência da comunicação social poderia decorrer, por exemplo, da adaptação: o aparecimento da televisão teria levado o sistema político a tornar-se mais dependente do sistema de meios de comunicação.  Mas também poderia decorrer, a título exemplificativo, do conflito ou do efeito de remoinho: neste último caso, por exemplo, a introdução de novos meios de comunicação (por exemplo, a Internet) gera uma reorganização do sistema de meios com repercussões ao nível das pessoas, dos sistemas sociais e do sistema social total.

 

 

3.7   A TEORIA DO CULTIVO

 

A teoria do cultivo foi desenvolvida por Gerbner, Gross, Morgan e Signorelli, entre outros, desde 1968, ano em que estes investigadores começaram a trabalhar num projecto denominado Indicadores Culturais que tinha por objectivo analisar a forma como a televisão influenciava a sociedade, nomeadamente quando se representavam televisivamente (mesmo na informação telejornalística) situações violentas ou papéis sociais estereotipados.  Mas a teoria evoluiu para uma proposta de explicação da acção social dos meios de comunicação sobre a sociedade.

Segundo Gerbner (1967), os meios de comunicação reflectiriam uma estrutura de relações sociais e um estádio de desenvolvimento industrial.  Neste marco, os meios de comunicação, através dos seus conteúdos, criariam formas de compreensão compartilhadas que permitiam às pessoas enfrentar o quotidiano, tornariam públicos determinados acontecimentos e ideias, entreteriam, criariam públicos, forneceriam as bases para que a política se transformasse numa coisa pública, permitiriam a aculturação independente da mediação interpessoal e moldariam normas, valores, atitudes, gostos e preferências interiorizadas pelos indivíduos.  A finalidade da comunicação mediada, na versão do autor, seria o cultivo de pautas dominantes.

A teoria do cultivo é uma teoria que perspectiva os efeitos da comunicação social a longo prazo.  Para Gerbner (1977), a influência dos meios de comunicação social seria acumulativa.  Essa influência estaria principalmente relacionada com a transmissão de significados ao público.  A informação jornalística continha em si elementos coerentes que indiciariam o ecossistema simbólico mas que também contribuiriam para criar junto do público imagens comuns da realidade, ou seja, esquemas de actuação e significados, apesar de os diferentes meios tenderem a representar diferentemente essa realidade a um nível superficial.

O mesmo autor sustenta ainda que existiriam indicadores culturais que funcionariam como indicadores sociais e que teriam por função, tal como estes últimos, descrever, comparar e interpretar a realidade social (Gerbner, 1977).  O conteúdo dos meios de comunicação seria um desses indicadores (por exemplo, indicaria o valor e importância que a determinados assuntos se dava em cada momento).  Assim, Gerbner (1977: 200) propôs que se analisassem três áreas para compreender como é que os meios de comunicação social, enquanto indicadores, influenciavam a sociedade a longo prazo:

1.      Análise do processo político institucional.  Com esta análise seria possível perspectivar a forma como os meios de comunicação se relacionam com as instituições políticas, tomam decisões, criam sistemas comunicativos e transformam as funções dessas instituições no plano social.

2.      Análise dos sistemas comunicacionais.  Analisando-se os sistemas comunicativos seria possível descobrir as funções simbólicas dos meios de comunicação e observar as suas consequências sociais.

3.      Análise do cultivo.  Com o estudo do cultivo seria possível desvelar como é que determinadas perspectivas e imagens sobre a realidade sustentavam ou até promoviam a criação de sistemas comunicacionais no seio da sociedade, nomeadamente a criação de determinados sistemas de mensagens.

Embora a influência dos media sobre a sociedade, a largo prazo, se traduzisse, segundo Gerbner et al. (1986), no cultivo de imagens, suposições e definições comuns respeitantes à realidade social, a pertença a determinados grupos sociais, a experiência da vida ou a relação entre os consumidores e os meios, entre outras condições, estabeleceriam diferentes dinâmicas de cultivo.

A metodologia principal dos estudiosos do cultivo é a análise sistemática dos conteúdos das mensagens mediáticas e o confronto dos resultados com a realidade observável e com as percepções sociais dos problemas representados nessas mensagens.

Segundo Montero (1993: 110), as críticas que mais frequentemente se colocam à teoria do cultivo dizem respeito à linearidade com que se representa o processo de comunicação mediado e a influência da comunicação social sobre a sociedade, a concepção do público como um conjunto homogéneo de pessoas e a metodologia de investigação.

No desenvolvimento das pesquisas no campo do cultivo, Carlsson, Dahlberg e Rosengren (1981) destacaram que, aparentemente, existiria uma maior relação entre os indicadores objectivos (taxa de desemprego, taxa de inflação, etc.) e as correntes de opinião pública do que entre o conteúdo das notícias e essas mesmas correntes.  Beniger (1978, cit. por Montero, 1993: 111), por seu turno, propôs que se considerasse o conteúdo dos meios de comunicação como um indicador social e um indicador de mudanças, tendo concluído que “(...) a cobertura dos meios está mais estreitamente associada às atitudes públicas e às opiniões que a medidas mais objectivas.” (Beniger, 1978: 446, cit. por Montero, 1993: 111)

 

 

3.8   AS TEORIAS DA SOCIALIZAÇÃO PELOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO

 

Entre os efeitos a longo prazo da comunicação social, na perspectiva de Montero (1993: 111) e McQuail (1987: 330), encontra-se o seu papel socializador junto à família, à escola, às relações informais, aos partidos políticos e ao governo.  Isto significa que os meios de comunicação promovem a aprendizagem de normas, valores e expectativas de comportamento em função do contexto das situações e do papel desempenhado pelas pessoas em sociedade (McQuail, 1987: 330).

Montero (1993: 112) afirma que embora não exista uma teoria específica sobre a acção socializadora dos meios de comunicação social, esta dimensão é tratada em todas as teorias dos efeitos a longo prazo e nas teorias que conferem aos media um papel sustentador do statu quo.  “Poderia dizer-se que existe um acordo generalizado em que os meios de comunicação exercem uma influência subtil, observável apenas em períodos dilatados, em todos os aspectos da vida quotidiana.”  (Montero, 1993: 112)  Para essa autora, haveria a destacar três grandes linhas de investigação sobre o papel dos meios de comunicação nos processos de socialização (Montero, 1993: 112-115):

1.      Meios de Comunicação como instituições-agentes de socialização

Os meios de comunicação, institucionalizados, interactuariam com outras instituições sociais e modificam os canais e as formas de comunicação inter-institucional, entre as instituições e o meio social e entre as pessoas e grupos em sociedade.  Em alguns casos a sua acção teria feito com que a acção comunicativa de outras instituições se tivesse de adaptar; noutros casos, a acção dos meios de comunicação social ter-se-á sobreposto à acção de outras instituições.  A família e a escola seriam dois exemplos de instituições que tiveram de reformular as suas práticas comunicacionais devido à acção mediática.  Comstock (1978) sugere até que a TV é em si mesma um agente de socialização, devido à exposição prolongada de crianças e adultos ao medium.  E Rosengren (1986) salienta  que os meios, enquanto agentes socializadores, afectam a cultura em todas as suas dimensões.

2.     Meios de comunicação como agentes de socialização política

Ao participarem na configuração do conhecimento sobre a política e ao modelarem uma determinada escala de valores que, por exemplo, podem levar à participação ou ao desinteresse dos cidadãos, os meios de comunicação actuariam como agentes de socialização política - “a socialização política produz-se ao longo da vida (...) e faz referência às formas de compreensão que se geram nos diferentes âmbitos da estrutura social, em particular as instituições, o seu funcionamento e as suas implicações na vida quotidiana.  A socialização política manifesta-se, na realidade, como uma necessidade e um controlo por parte do sistema político para assegurar-se da sua própria manutenção.” (Montero, 1993: 113)  Dowse e Hughes (1972: 230), em acréscimo, dizem que os meios de comunicação podem, inclusivamente, apresentar conteúdos não políticos que gerem atitudes e comportamentos com consequências políticas, pelo que grande parte da socialização política não seria política nas suas origens.

3.      Acontecimentos críticos e processos de socialização política

Os meios de comunicação actuariam como referentes e definidores de novas formas de pensar e actuar em situações de crise e ruptura.  Ocorrências como o caso Watergate, na opinião de Kraus, Davis, Lang e Lang (1975), poderiam levar as pessoas, principalmente crianças e adolescentes, a colocar a honestidade no topo dos valores políticos. 

 

 

3.9   AS TEORIAS DA INFLUÊNCIA DOS MEDIA NA CONSTRUÇÃO SOCIAL DA REALIDADE

 

De alguma forma, todas as teorias mencionadas foram mostrando que a comunicação jornalística é um dos agentes que intervêm no processo de construção social da realidade, conforme ele foi enunciado por Berger e Luckmann (1976), embora a construção última de sentido dependa do receptor.  O gatekeeping e os restantes processos de construção e fabrico das notícias, os processos de interpretação e de outorgação de significado para essas notícias e para os acontecimentos e ideias que elas representam, a modelação social do conhecimento e os diversos feitos dos meios de comunicação aqui abordados, são, por si, razões suficientes para justificar a minha asserção.

Recordando a sociologia do conhecimento de Berger e Luckmann (1976), os processos comunicacionais que se desenvolviam quer a um nível microssocial quer a um nível macrossocial eram modelados por um conjunto de circunstâncias como a história, o contexto da situação e a interacção pessoal.  A realidade social construía-se em torno de processos de institucionalização e  de objectivação intersubjectiva de determinadas referências e de significados para essas referências.  Dito por outras palavras, criava-se uma espécie de patamar mínimo de entendimento comum, compartilhado, da realidade social.  Para isso contribuíam factores como os modelos de comportamento, a definição de papéis sociais, etc., que, em certa medida, eram co-veiculados pelos meios de comunicação, adquirindo aqui a linguagem um papel crucial.  A actuação das pessoas sobre a sociedade relacionar-se-ia com este processo.

 

 

“As instituições possuem a sua história, desenvolvem-se num contexto social determinado e o seu significado insere-se numa situação concreta.  A vida social assenta sobre o acervo social de conhecimento, a globalidade dos processos de objectivação de conhecimentos, significados, regras de actuação, etc., que governam a acção social.  A nossa percepção da realidade realiza-se através desse acervo de conhecimento e da interpretação do nosso ambiente através da actualização de significados em situações específicas; desenvolvemos o nosso acervo individual de conhecimento que permite resolver os nossos assuntos quotidianos.” (Montero, 1993: 118-119)

 

 

Altheide e Snow (1988) desenvolveram uma teoria da mediação que procurava, dentro do prisma estabelecido por Berger e Luckmann (1976), explicar a acção social global dos meios de comunicação através da descrição da organização e dos processos globais de comunicação em sociedade (comunicação mediada, interpessoal, etc.).  Pressupondo não só que a vida social se constituiria por e através de um processo permanente e multifacetado de comunicação mas também que pessoas e grupos sociais têm competência para codificar e descodificar os significados emergentes desse processo, os autores vêm a comunicação social como um agente ecossistemático e institucionalizado (enquanto fonte de informação legítima) capaz de participar, por um lado, na modelação e na reconstrução sucessiva (e na mudança) da realidade social através da organização pública da comunicação e da aceitação e adopção desta pela audiência e, por outro lado, na construção de referentes para a acção individual.  “As formas de comunicação que veiculam os meios massivos não são ‘variáveis dependentes’ da pertença a classes sociais, do status e do poder (...) mas a instância principal através da qual se produz a interacção social.”, escreve Montero (1993: 119) interpretando Altheide e Snow (1988).  Cruzando esta ideia com o pressuposto da construção intersubjectiva de universos simbólicos que a teoria da construção social da realidade propõe:

 

 

“(...) o estudo sobre os efeitos dos meios corresponder-se-ia com a análise da natureza, origem e consequências dos meios na interacção social.  Isto abarcaria um enorme campo de possibilidades: a influência dos meios de comunicação na formação e estruturação do acervo de conhecimento; as coisas que damos por supostas e que formam parte do nosso conhecimento de sentido comum; a influência nas pautas de interacção e na definição de normas sociais; as formas específicas de controlo social, etc.” (Montero, 1993: 122)

 

 

Para os autores, os meios servir-se-iam essencialmente dos formatos e da gramática específica enquanto mediadores activos do processo de construção social da realidade.  Os formatos definiriam os conteúdos e, portanto, condicionariam a atenção, as expectativas, a apreensão da informação e a construção de significados por parte do público, já que comportariam a estratégia e a forma de produção, apresentação e interpretação da informação.  A gramática específica organizaria logicamente os procedimentos que tornam possível a localização, hierarquização, organização e interpretação dos conteúdos definidos pelos formatos.  A distribuição das notícias pelas secções dos jornais, as técnicas jornalísticas de reportação dos acontecimentos na imprensa e o vocabulário específico que esta teria desenvolvido seriam exemplos dos efeitos da adopção mediática de uma gramática específica.

Em consonância com Montero (1993: 121), os meios de comunicação teriam ainda a capacidade de organizar as dimensões espaciais e temporais do quotidiano (por exemplo, marcando o horário das refeições, o tempo de diversão, etc.).  Porém, e ainda dentro do marco definido pela teoria da mediação, Anderson e Meyer (1988) salientam que a comunicação interpessoal continua a ser uma forma fundamental de comunicação no que respeita à construção de sentidos, pois esta realizar-se-ia dentro do contexto da nossa vida quotidiana e na presença de emissor e receptor.   A construção de significados dependeria sempre de quem interpretava os conteúdos (da reader response) e do contexto de recepção dos conteúdos (que teria três dimensões: (1) contexto da lógica e das convenções dos produtos mediáticos; (2) contexto em que se consumiam esses produtos; e (3) contexto em que se criavam os significados).  Dito de outro modo, “(...) qualquer consequência dos conteúdos mediados estará incorporada nas premissas de acção que governam a interpretação numa dada circunstância.”  (Montero, 1993: 126)  De qualquer maneira, Anderson e Meyer (1988) lançam também um olhar crítico ao sistema de produção de conteúdos dos meios de comunicação, sustentando que são a organização e as práticas da estrutura mediática a modelar esses conteúdos.  Assim, de certa forma, os conteúdos existiriam à margem da audiência e seriam conformados por factores económicos (como as pretensões de audiência dos publicitários), políticos, legais, etc.

 

 

4. EM JEITO DE CONCLUSÃO

 

Tudo está interligado.  É isto que me parece poder dizer depois de ter redigido este livro.  Os conteúdos e a forma como estes são veiculados por cada meio e cada órgão de comunicação social produzem determinado tipo de efeitos pessoais, sociais, ideológicos e culturais, que, por sua vez, se vão repercutir sobre o próprio sistema de meios, retro-alimentando o processo.  É que não só as pessoas escolhem os meios que consomem como também influenciam os meios de comunicação, em conjunto com factores sociais, ideológicos, culturais, tecnológicos, etc.  Assim, para se explicarem os efeitos dos meios jornalísticos precisamos de compreender previamente a forma como os conteúdos dos news media são fabricados e construídos.  Mas, em contrapartida, talvez existam já as bases para se formular de uma hipotética Teoria Geral do Jornalismo que contemple a confecção, a circulação e o consumo do produto jornalístico, tendo especial atenção, neste último campo, aos efeitos dos news media e, a nível geral, à interacção entre os mais diferentes elementos de um tão complexo processo.

 

 

A FECHAR

 

As notícias são socialmente relevantes, especialmente nas sociedades democráticas, onde o acesso à informação, mais do que um direito, pode ser entendido como uma necessidade que emana dos próprios fundamentos do sistema.  Mais ainda: as notícias são referentes sobre a realidade social que participam nessa mesma realidade social e que contribuem para a construção de imagens dessa realidade social.  Ora, se as notícias são socialmente relevantes, o jornalismo não o poderia deixar de o ser, pois, em certa medida, a actividade jornalística contribui, por exemplo, para a existência pública de grande parte das notícias, para a construção de significações sobre acontecimentos e ideias e para o agendamento de temas na lista de preocupações do público.   Assim, podemos concluir que o jornalismo é, de facto, socialmente relevante, apesar das mudanças de paradigmas, da diluição de fronteiras entre as actividades comunicacionais e das vicissitudes do exercício profissional, que os debates ético-deontológicos sobre sensacionalismo, violência, relação entre jornalistas e fontes e acesso socialmente estratificado aos meios de comunicação, entre outros, contribuíram para relançar.

Nem sempre as notícias são do agrado geral.  Num mundo em aceleradas mudanças, o jornalista não se confronta apenas com a incerteza profissional.  Também se confronta com a má receptividade a certas notícias e a determinados pontos de vista que orientam essas notícias, bem como com a má receptividade à ausência de outras notícias.  Deste estado de coisas, resultam pressões e mesmo ataques velados ou assumidos de agentes sociais da mais variada índole.  Além disso, a proliferação de agentes e agências de relações públicas e comunicação tem levado os jornalistas a tornarem-se crescentemente num alvo privilegiado de estratégias de gestão de informação, devido, precisamente, ao seu papel de gestores do espaço público simbólico, parcialmente ocupado pela arena pública simbólica, lugar onde se confrontam interesses e poderes em busca de mais poder e de maior capacidade de exercício desse mesmo poder.

A formação de grandes oligopólios mediáticos, que, por vezes, pertencem a grupos com interesses não apenas na indústria de conteúdos, mas também nas telecomunicações e na informática/multimédia, trouxe motivos de preocupação acrescida para os jornalistas.  A potencial ameaça ao pluralismo e à liberdade de imprensa decorrente da comunicação social ser dominada por cada vez menos agentes sociais surge à cabeça dessa lista de preocupações.  Mas a polivalência funcional e o espectro do desemprego, resultantes da necessidade de aproveitamento de sinergias dentro desses oligopólios, também não são desprezáveis.

O exercício do jornalismo, tradicionalmente difícil e fácil de criticar, talvez se tenha tornado ainda mais difícil e mais fácil de criticar.  Julgo que essa percepção terá ficado clara para o leitor após a leitura do livro.  Lutando constantemente contra deadlines cada vez mais apertadas; vendo fugir, devido à Internet, o seu papel de gatekeeper privilegiado da informação publicamente difundida; narrando “estórias” complexas em situações de incerteza, sem todos os dados disponíveis nem todas as fontes acessíveis; pressionado pela competição; constrangido pela gestão dos recursos humanos, financeiros e materiais da sua organização noticiosa; obrigado a partir da simples reportação para a análise dos dados que disponibiliza e dos acontecimentos que noticia, sem muito tempo para ponderar devidamente sobre a pertinência e o significado dos acontecimentos e ideias que selecciona e, consequentemente, sobre a pertinência e o significado da informação que vai disponibilizar ao público, o jornalista de hoje necessita não somente de possuir um notável know how, quer sobre jornalismo e técnicas de expressão jornalística, quer sobre a área em que se especializou, mas também de ter uma agenda de contactos rica e diversificada e de possuir a capacidade de bem se relacionar com as fontes.  Convenhamos que, no global, são exigências nada fáceis de cumprir.  De qualquer modo, talvez não estejamos a assistir a um enfraquecimento do jornalismo, mas apenas à volatilização de uma certa concepção de jornalismo, resultante da condensação sobre a actividade jornalística de uma série de forças constrangentes, nem sempre resultantes de estratégias lineares e menos ainda claras de poder e dominação.

Neste quadro, a formação do jornalista e o entendimento público esclarecido e desmistificado sobre o que é o jornalismo torna-se crucial.  Este livro vai nesse sentido, ou seja, procura ajudar a construir conhecimentos sobre o jornalismo.  Foi assim que o entendi e é assim que espero que ele seja entendido.  Se o for, o esforço despendido terá valido inteiramente a pena.

 

Jorge Pedro Sousa

1999


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[1] Isto é, as notícias são construídas com base em linguagens: a língua, a linguagem das imagens, etc.

[2] Não vou aqui deter-me significativamente sobre a estafada “teoria” do espelho, a primeira visão que se teve das notícias, conforme nos assevera Nelson Traquina (1993, 133 e 167), avançando já para a perspectiva da representação da realidade, conforme resulta das “teorias” construcionistas da notícia.  Porém, é de relevar que do ponto de vista do “espelho”, que continua bem presente no campo jornalístico (consulte-se, para o efeito, a minha tese de doutoramento: Jorge Pedro Sousa (1997) – Fotojornalismo Performativo.  O Serviço de Fotonotícia da Agência Lusa de Informação), as notícias são perspectivadas como um espelho da realidade, já que, de acordo com as normas e técnicas profissionais, os jornalistas, vistos como observadores neutros (ao contrário do que a fenomenologia ensina), apenas reproduziriam os acontecimentos e as ideias sob a forma de notícias.  As notícias seriam então discursos centrados no referente, as notícias seriam como são porque a realidade assim o determinaria (Traquina, 1993, 133).

[3] Esta é uma abordagem patente em diversas teorias dos efeitos da comunicação mediada que qualquer manual sobre o tema aborda.  Ver, por exemplo, o de Maria Dolores Montero (1993).

[4] Falo, afinal, do útil ponto de vista de construção social da realidade, retomando e aplicando ao jornalismo as ideias de Berger e Luckmann (1976), tal como antes de mim, entre muitos outros autores, fez Miquel Rodrigo Alsina (1993).

[5] Na perspectiva construcionista as notícias são vistas como uma construção resultante de um processo de interacções pessoais, sociais (sistema social, meio organizacional, gestão organizacional, estrutura de propriedade capitalista dos meios jornalísticos, mercado, etc.), culturais (sistema cultural, cultura profissional transorganizacional e por vezes transnacional, cultura organizacional, etc.), ideológicas e outras.  Nesta perspectiva não determinística, os jornalistas são vistos como agentes possuidores de um certo grau de autonomia na acção, especialmente face aos poderes político e económico, tendo particularmente um papel relevante em torno dos processos de construção negociada de sentido para os dados fornecidos por determinadas fontes mais ou menos interessadas na difusão com significação direccionada desses mesmos dados (por vezes unicamente como balão de ensaio para avaliar a reacção do público a determinadas medidas que se pretendem implementar).  Porém, a perspectiva construcionista não nega que as notícias frequentemente sustentam as interpretações que as fontes com poder, particularmente as oficiais, dão aos acontecimentos e às ideias que caem no domínio público, até porque as relações entre jornalistas e essas fontes de informação são problemáticas, sendo frequentemente orientadas por interesses e amizades.  Assim, as notícias poderiam ter um papel político-social enquanto, nomeadamente, instrumentos de sustentação do statu quo.  Por outro lado, esta perspectiva analisa profundamente as rotinas de fornecimento e produção de informação jornalística enquanto importantes elementos configuradores das notícias com que diariamente somos confrontados.  Sobre isto consultar, por exemplo, o livro de Nelson Traquina (Org.) (1993) – Jornalismo: Questões, Teorias e histórias, particularmente a parte sobre as “teorias”, pp. 131-248.

[6] Das aportações da “teoria” organizacional, que acaba por integrar as concepções da “teoria” construcionista, falo pormenorizadamente neste livro quando me refiro à acção social, na sua vertente socio-organizacional.  Com base nesta explicação, as notícias são vistas como um produto das organizações e dos seus constrangimentos bem como das relações das organizações com o sistema social que as envolve.

[7] Na perspectiva estruturalista as estruturas de propriedade capitalista seriam determinantes na configuração das notícias porque enquadrariam e enformariam o sistema mediático, muito embora aos jornalistas seja reconhecida uma certa autonomia nas lutas cruciais em torno dos significados dos acontecimentos, das problemáticas e das ideias e na produção e difusão de informação sobre esses acontecimentos, problemáticas e ideias, até porque factores como o profissionalismo contrabalançariam a dependência económica.  De qualquer modo, de acordo com uma visão estruturalista que a “teoria” construcionista parcialmente recupera, as notícias tenderiam a reproduzir e amplificar uma hegemonia ideológica, trabalhando no sentido da manutenção e inquestionação do statu quo, pois apesar da autonomia relativa dos jornalistas as fontes oriundas do poder, particularmente as fontes oficiais, teriam um papel quase determinístico (aqui diferencia-se dos pontos de vista organizacional e construcionista) na hora de atribuir significados aos acontecimentos, às problemáticas e ideias que fazem o essencial da cobertura jornalística.  Sobre este ponto de vista aconselhamos também o livro de Nelson Traquina (Org.) (1993) – Jornalismo: Questões, Teorias e histórias, particularmente a parte sobre as “teorias”, pp. 131-248.

[8] Não esquecer que este movimento, potencial ameaça ao pluralismo, encontra justificação entre os patrões da comunicação social pela necessidade de sobrevivência num mundo competitivo em que os oligopólios gigantes e intersectoriais da comunicação são uma realidade.  Pinto Balsemão e Luís Silva, dois dos mais importantes patrões dos media portugueses, defenderam-no durante o III Congresso dos Jornalistas Portugueses (1998).

[9] Veja-se, por exemplo, o que se passa na Agência Lusa, consultando-se, para o efeito, a minha tese de doutoramento: Jorge Pedro Sousa (1997) – Fotojornalismo Performativo.  O Serviço de Fotonotícia da Agência Lusa de Informação.

[10] Ver a Parte II.

[11] Ver o capítulo III.

[12] Ver, por exemplo: Warren Breed (1955) ­­– Social control in the newsroom; E. Herman e N. Chomsky (1988) – Manufacturing Consent; T. Crouse (1973) – The Boys on the Bus; M. Fishman (1980) – Manufacturing the News.  Gaye Tuchman (1978) – Making News; P. J. Tichenor, G. A. Donohue e C. N. Olien (1980) – Community Conflict and the Press; J. P. Sousa (1997) – Fotojornalismo Performativo. ­­­

[13] Foi T. R. Lindlof quem pela primeira vez teorizou sobre as “comunidades interpretativas” (Ver: LINDLOF, T. R. (1988) - Media audiences as interpretive communities.  In J. A. Anderson (ed.) - Communication Yearbook 11.  Newbury Park: Sage.)  Na sua opinião, as práticas de comunicação mediada dão lugar a comunidades que procedem de determinadas formas em função de convenções específicas.  Estas comunidades seriam interclassistas e formar-se-iam “(...) nas esferas da vida nas quais a acção social requer a aplicação pragmática da tecnologia dos meios ou do conteúdo.” (p. 81)  Por exemplo, na minha opinião o conjunto de fotojornalistas na Editoria de Fotojornalismo da Agência Lusa agem como comunidade interpretativa - Ver: SOUSA, Jorge Pedro (1997) - Fotojornalismo Performativo.  O Serviço de Fotonotícia da Agência Lusa de Informação.  Santiago de Compostea: Universidade de Santiago de Compostela (CD-ROM).)

[14] As raízes do Novo Jornalismo encontram-se não só na literatura de viagens mas também na obra de escritores como Orwell (Na Penúria em Paris e em Londres é um bom exemplo).  Mas é em meados da década de 60 que essa forma de jornalismo surge como um movimento de renovação estilística, ideológica e funcional nos Estados Unidos.  Tom Wolfe (1975), no livro The New Journalism (London: Picador, 1975), diz que ouviu o termo, pela primeira vez, em 1965. 

O movimento do Novo Jornalismo surge como uma tentativa de retoma do jornalismo aprofundado de investigação por parte de jornalistas e escritores que desconfiavam das fontes informativas tradicionais e se sentiam descontentes com as rotinas do jornalismo, mormente com as suas limitações estilísticas e funcionais.  De entre esses profissionais podem destacar-se, por exemplo, Truman Capote ou o próprio Tom Wolfe, entre outros.

Em 1960, George Gallup reclamava da maneira formal, rotineira e sem interesse com que os jornais apresentavam a informação.  Sugeriu, assim, que a imprensa adoptasse um estilo mais sedutor e ameno.  Truman Capote, em 1965, correspondeu ao desafio.  Publica In Cold Blood, que classificou como uma novela de não-ficção, baseada em dados reais, na qual narrava o assassinato de uma família, começando no dia do crime e terminando seis anos depois, com o enforcamento dos dois homicidas.  In Cold Blood não fazia revelações novas ou sensacionais, mas tinha trazido para o jornalismo a técnica da ficção.  Incluía, porém, exames psicológicos dos assassinos, comentários às entrevistas efectuadas e até o comportamento dos personagens da história era relacionado com as condições climatéricas.  Para escrever o livro, Capote pesquisou durante meses em criminologia, entrevistou assassinos, etc.  No Novo Jornalismo, o jornalista procura viver o ambiente e os problemas das personagens das histórias, pelo que não se pode limitar aos seus aspectos superficiais.  Os novos jornalistas tornaram-se, frequentemente, jornalistas literários, assemelhando a sua produção à literatura.

Com o advento do Novo Jornalismo, o jornalista passa a ser encarado como um intérprete activo da realidade enquanto o jornalismo se perspectiva como um fenómeno da mente e da linguagem.  Mesmo se o acontecimento continua a ser o principal referente do discurso jornalístico, passa, porém, a ser a perspectiva do jornalista, impressionista e subjectiva, a constituir o centro da enunciação.  Numa abordagem fenomenológica da questão, de alguma forma entende-se, assim, que é inevitável que o sujeito de conhecimento e as suas circunstâncias se sobreponham ao objecto de conhecimento.  “Foi assim que eu percepcionei o que se passou!”.  Mas, desta maneira, também o acontecimento pode ser considerado um fenómeno da linguagem.

Ao nível discursivo, os novos jornalistas oscilam entre o “eu” e o “eles”.  A construção cena por cena, o uso de diálogos na totalidade, o simbolismo de uma linguagem cuidada, a narração minuciosa, a caracterização das personagens das histórias e a descrição dos ambientes são algumas marcas da revisão estilística operada com o Novo Jornalismo.  Todavia, o Novo Jornalismo partilha com o jornalismo tradicional o referente real, que é o acontecimento.

No jornalismo tradicional, para além de o trabalho de investigação raramente se alongar por mais de algumas horas ou dias, encontram-se quase só caracterizações superficiais das personagens, raramente se fazem descrições dos ambientes, a narração é construída essencialmente em função da importância que os dados assumem para o jornalista e não há atenção aos detalhes.  A linguagem é usada unicamente de uma forma utilitária.  Inversamente, o Novo Jornalismo incentivou mudanças ao nível da verificação dos dados (mais aprofundada e contrastada) e do trabalho de documentação e de investigação (que, por vezes, se prolonga por meses e anos).

Sendo a subjectividade um dado adquirido na actividade jornalística, os novos jornalistas entendem que assumi-la é a melhor garantia de o público saber com o que conta.

Acompanhando o desenvolvimento do Novo Jornalismo, ou na sua órbita, desenvolveram-se outros géneros de jornalismo em profundidade, como o jornalismo analítico.  Também se desenvolveu o jornalismo informativo de criação, que já não requer o tratamento dos temas em profundidade - antes valoriza a estilística da apresentação da informação (exemplos: secções “Gente”, do Expresso, ou “Público & Notório”, no Público, etc.).

[15] “Este jovem morrerá ao amanhecer” (Homero) pode considerar-se um exemplo de lead.

[16] Ao longo da história foram-se desenhando sucessivos “novos jornalismos”.  A emergência da segunda geração da imprensa popular é um deles.  Porém, o principal movimento conhecido por Novo Jornalismo é precisamente esse movimento que nasceu nos anos sessenta e que Tom Wolfe apresentou no seu livro The New Journalism (London: Picador, 1975).

[17] Uso aqui uma tradução que encontrei no livro de Mauro Wolf (1987) – Teorias da Comunicação.

[18] Uso aqui uma tradução que encontrei no livro de Mauro Wolf (1987) – Teorias da Comunicação.

[19] Por exemplo: Molotch e Lester (1974) – News as purposive behaviour...; ou Hall et al. (1973) – The social production of news...; ou ainda, em português: Rogério Santos (1997) – A Negociação Entre Jornalistas e Fontes.

[20] Disseram-no o coronel Luís Silva e Pinto Balsemão durante o III Congresso Nacional dos Jornalistas Portugueses, em 1998.

[21] Durante a conferência da Federação Internacional de Editores de Jornais (Maio de 1996, Washington).

[22] Conferência do Prof. Daniel Cornu na Faculdade de Letras de Coimbra (Maio de 1996).  Ver também a síntese elaborada por Mário Mesquita no Diário de Notícias de 24 de Maio de 1996, por mim consultada.

[23] O Prof. Corfu falava na mesma conferência.

[24] O Concílio do Vaticano II propôs a designação comunicação social em substituição da designação comunicação de massas porque entendeu que esta última não dava suficientemente conta do papel do indivíduo enquanto sujeito comunicacional (também) activo.  Esse juízo parece-me pertinente, razão pela qual uso a expressão comunicação social, procurando designar com essas palavras a comunicação em sociedade, formada pelas relações entre pessoas individuais.  De alguma forma, o social baseia-se na relação e esta basear-se-á na comunicação.

[25] Usei a tradução espanhola: McQUAIL, Denis (1991) - Introducción a la teoria de la comunicación de masas.  2ª edición revisada y ampliada.  Barcelona: Paidós.

[26] Ver, nesta parte II, as aportações da sociologia interpretativa.

[27] Ver parte I.

[28] Ver abaixo o subcapítulo dedicado a esta Escola de pensamento comunicacional.

[29] Ver abaixo os subcapítulos em que são abordadas as teorias do two step e do multi step flow of communication.

[30] Estes livros, que não conheço, são referidos por José Rodrigues dos Santos (1992: 17).

[31] Para mim, a designação “classe” é muito problemática.  Nem Marx chegou a definir o que era uma “classe social”.  O que se passa é que, do meu ponto de vista, o conceito é meramente teórico e não dá conta da diversidade de pessoas e de interesses no seio da sociedade.  Como distinguir, por exemplo, a classe dominante: pelo dinheiro?  Mas muitos políticos poderosos não são propriamente ricos.  Pela educação?  Mas muitos empresários dominantes não têm níveis de formação elevados.  Pelo poder?  Mas há vários centros de poder na sociedade, muitos deles opostos.

[32] Não podemos, no entanto, deixar de considerar o peso que têm países como o México ou o Brasil, tidos como países menos desenvolvidos, na produção audiovisual.

[33] Não sei se na actualidade fará muito sentido em falar-se de classe operária e de classe média, uma vez que, do meu ponto de vista, não se pode traçar um paralelo geral entre o operariado saído da Revolução Industrial e os actuais trabalhadores assalariados.

[34] Gostaria de assinalar que o processo de recepção televisiva se está a individualizar devido ao embaratecimento e à portabilidade dos aparelhos, à semelhança daquilo que se passou com a rádio.

[35] Os conceitos de “tribo planetária” e de “aldeia global” são de McLuhan.

[36] Por exemplo, Wayne Wanta estudou o efeito de agenda-setting das fotografias dominantes na imprensa, tendo chegado à conclusão de que as fotografias jornalísticas afectavam a agenda pública.  Este é um exemplo de como um meio específico de comunicação pode influenciar a construção das agendas públicas.  Ver: WANTA, W. (1988) - The effects of dominant photographs: Na agenda-setting experiment.  Journalism Quarterly, 65 (1): 107-111.

[37] Embora Ball-Rokeach e DeFleur não o mencionem, entre estes efeitos importaria assinalar a imitação de acções televisivas que certas pessoas fazem, principalmente crianças.  Por exemplo, a criança que ata uma capa e se atira de uma janela julgando que é o super-homem, depois de ter visto uma cena semelhante na televisão (ou lido num livro, etc.), está a personificar um dos efeitos comportamentais que a comunicação social pode ter.  Estes actos inusitados foram estudados principalmente a partir das contribuições de Comstock, Chafee, Katzman, McCombs e Roberts (1978) sobre os efeitos não intencionais da comunicação social, nomeadamente de programas de entretenimento que originavam comportamentos violentos ou agressivos.  A imitação dependeria, como já disse, da estrutura mental do receptor, mas também da excitação, do interesse e da motivação para actuar, bem como do realismo da acção representada na televisão e das consequências da realização dessa acção que no medium são apresentadas.