Dos jornais-fax de Moçambique aos web-jornais1

Fernando Zamith


Índice

Introdução

A procura de formas alternativas de fazer um jornal sempre foi algo que me interessou. As limitações do jornal tradicional, simultaneamente exposto a variações do mercado publicitário e do volume de vendas e dependente de um parque gráfico e de uma rede de distribuição, constituem, na minha perspectiva, uma das principais causas das sucessivas (para não dizer permanentes) crises da imprensa, particularmente a portuguesa.

Para evitar tanta dependência de factores fundamentalmente externos e, ao mesmo tempo, reduzir custos, nada melhor do que eliminar algumas daquelas componentes tradicionais da produção e distribuição de um jornal.

Jornais gratuitos, de difusão por fax e de busca na Internet são algumas experiências que me proponho analisar e que poderão ser exploradas como alternativas de auto-emprego para recém-licenciados em Comunicação Social.

Importa notar que esta comunicação não resulta, de forma alguma, de um trabalho de investigação. Constitui apenas uma pequena compilação de ideias e experiências.

Os jornais gratuitos

Uma das minhas primeiras experiências profissionais foi numa publicação que introduziu um elemento inovador na imprensa portuguesa, cortando precisamente uma das componentes tradicionais de distribuição de um jornal: a venda. Falo do (saudoso) ``Metro'', o jornal/revista do Porto lançado em 1988 pelos irmãos Nuno e Paulo Abrunhosa e que, infelizmente, já não existe, após muitos anos de ``resistência'' e tentativas de adaptação às condições do mercado e aos interesses dos leitores.

Dirigido em particular aos frequentadores da ``noite portuense'', o ``Metro'' fornecia quinzenalmente um roteiro das actividades culturais e recreativas programadas para a cidade, a par de artigos e reportagens sobre temas variados da vida do Porto, como música, teatro, cinema, pintura, dança e moda, E também sobre os bares e discotecas onde era oferecido.

Após ter colaborado nos primeiros números do ``Metro'', transferi-me para um projecto concorrente de existência efémera, o jornal ``Grátis'', dirigido pelo primeiro chefe de redacção do ``Metro'', Daniel Guerra. Mais tarde, eu mesmo liderei um outro projecto (``Palco''), que não chegou sequer a ser impresso, desta vez por dificuldades dos promotores na angariação de publicidade, única fonte de receita deste tipo de jornais.

Apesar dos fracassos destes projectos e de outros da mesma época, como o desportivo ``Drible'', lançado por alunos da Escola Superior de Jornalismo, do Porto, foi aberta uma nova via de produção de jornais, que hoje adquire um novo ``fôlego'' com as introduzidas pelo Governo à distribuição de panfletos de publicidade nas caixas de correio.

Adaptando-se às novas condições, surgiram recentemente, sobretudo em Lisboa e Porto, jornais e revistas de cariz marcadamente publicitário e que podem ser colocados nas caixas de correio ``amarelas'' (com autocolantes ``Publicidade Aqui Não''). Se é verdade que é a publicidade que ``domina'' este tipo de publicações, também é certo que ela não condiciona de todo o trabalho jornalístico, sendo mesmo possível oferecer-se um produto com alguma qualidade e que cative os leitores. Exemplo disso são as revistas ``Viva'' que surgiram este ano em várias zonas das cidades de Lisboa e do Porto.

Os jornais-fax de Moçambique

Projectos alternativos extremamente interessantes que tive oportunidade de acompanhar de perto são os jornais de difusão por fax de Moçambique.

Nos dois anos (entre Dezembro de 1995 e Dezembro de 1997) que estive em Maputo como delegado da Agência Lusa, foram lançados três novos jornais-fax (um quarto, vespertino, não vingou), ``Diário de Negócios'', ``Correio da Manhã'' e ``Metical'', que se vieram juntar aos pioneiros ``Mediafax'' e ``Imparcial''.

Foi um período muito rico (que julgo que teve continuidade), em que os jornalistas moçambicanos provaram que, numa jovem democracia de um país africano pobre, é possível ter uma imprensa independente dos poderes político e económico.

Com poucos meios, todos os dias úteis eram produzidos cinco pequenos jornais (de três a seis páginas A4) por cinco pequenas equipas, nalguns casos com apenas três ou quatro jornalistas.

O mercado destes jornais-fax moçambicanos está sobretudo em embaixadas, organizações não governamentais e grandes empresas, mas abrange também organismos públicos, quadros superiores, instituições culturais e um leque variado de outros profissionais. As únicas condições para se ser cliente destes jornais são ter um aparelho de fax e poder pagar uma soma que, não sendo baixa, pudesse ser compensada pelo acesso diário a informação e opinião independentes que o único jornal diário clássico publicado naquele período em Maputo, o ``Notícias'', de tendência pró-governamental, não fornecia.

Enquanto o ``Notícias'' custava 4.000 meticais (cerca de 56 escudos), a assinatura mensal dos jornais-fax custava entre 20 e 40 dólares norte-americanos, o que correspondia (ao câmbio de então) a um preço unitário de 180 a 360 escudos, que centenas de instituições estavam dispostas a pagar.

Os principais jornais-fax de Maputo tinham então cerca de 300 assinantes, que eram ``alimentados'' por vários aparelhos de fax durante toda a madrugada. Isto permitia que os clientes encontrassem no seu gabinete logo que lá chegassem a(s) edição(ões) do dia do(s) seu jornal(is)-fax.

À semelhança destes projectos privados locais, também as agências noticiosas de Moçambique (AIM) e Portugal (Lusa) difundiam diariamente (de segunda a sexta-feira) boletins, com distribuição por fax e ao domicílio.

A experiência que adquiri na edição do ``Boletim Lusa'' de Maputo permitiu-me perceber melhor as vantagens e desvantagens deste tipo de jornais.

Como vantagens, destaco desde logo os baixos custos de instalação (investimento) e de produção. Com menos de mil contos, é possível criar uma estrutura mínima de produção e distribuição de um jornal-fax.

A equipa de jornalistas pode ser também pequena, porque é inviável distribuir por fax um jornal com mais de seis páginas. A produção do jornal-fax é toda feita em computador (texto, grafismo e imagem) e com três ou quatro linhas de fax é possível distribuir centenas de jornais num horário de baixo custo (madrugada).

O fecho da edição pode ser feito às 23 ou 24 horas, o que significa ganhos comparativos face aos jornais tradicionais. Acresce ainda, como já destaquei, que o cliente tem o jornal no seu escritório quando lá chega de manhã, não necessitando de o comprar na rua ou esperar que chegue o correio ou o paquete da distribuição.

As desvantagens são, desde logo, o reduzido mercado (só quem tem fax é que pode ser cliente) e a limitação de espaço (cada jornal tem apenas seis a 12 textos). Os custos de distribuição não são muito elevados, mas são fixos, isto é, não diminuem proporcionalmente com o aumento de clientes, como acontece com os custos de produção.

Outra desvantagem é o facto de o jornal ser facilmente reproduzível, pelo que várias pessoas podem ter acesso a cópias (entregues em mão ou também enviadas por fax) do único exemplar pago.

Breve história e descrição de conteúdo

Apesar da escassez de meios, os jornais-fax moçambicanos conseguem ter, na generalidade, uma qualidade razoável, atestadas pela fidelidade de um leque de leitores que não deixam de ser exigentes, apesar de sabermos que a oferta de informação em Moçambique é ainda muito reduzida, quando comparada com o que existe em países do chamado ``Primeiro Mundo''.

Criado em 1992 por uma cooperativa de experientes jornalistas (Mediacoop), o ``Mediafax'' conquistou rapidamente um espaço nobre na imprensa moçambicana, transformando-se num título de referência e de leitura ``obrigatória''. Nos primeiros anos de publicação, o ``Mediafax'' viveu sobretudo do carisma do seu editor, Carlos Cardoso, ex-director da Agência de Informação de Moçambique e que, tal como muitos outros jornalistas moçambicanos, se afastara do círculo dos apoiantes do poder, passada que fora a euforia pós-independência. Este estatuto de jornalista independente que Carlos Cardoso criou reflectiu-se no ``Mediafax'', dando aos leitores do jornal garantias de que, na generalidade, as notícias eram verdadeiras, credíveis e não tendenciosas.

Se a relação com o poder político (e mesmo em relação à Renamo e a outros partidos da oposição) teve resultados positivos, o mesmo já não se poderá dizer em relação a algumas empresas privadas, notável no excessivo espaço dado por Carlos Cardoso aos seus textos de opinião, em que roçava um certo ``fundamentalismo'' económico.

Com a saída de Carlos Cardoso, em 1997, o ``Mediafax'' ressentiu-se um pouco, até porque outros jornalistas se transferiram com o editor para um novo jornal-fax, o ``Metical'' (nome da moeda moçambicana). Contudo, o novo editor, Fernando Veloso, conseguiu dar ao ``Mediafax'' um segundo ``fôlego'', criando-se uma saudável concorrência, à qual entretanto se tinha juntado outro título, o ``Correio da Manhã''.

O segundo jornal-fax a surgir em Moçambique, em 1994, foi o ``Imparcial'', com uma ténue ligação ao homónimo angolano, mas com uma redacção e edição completamente autónoma. Por ironia (ou talvez não), o ``Imparcial'' era, pelo menos nos anos em que o li quotidianamente, o mais parcial dos jornais-fax moçambicanos, com uma exagerada e demasiado visível tendência pró-Renamo.

O surgimento do ``Correio da Manhã'', no início de 1997, constituiu uma ``lufada de ar fresco'', nomeadamente no grafismo e na distribuição alternativa por correio electrónico, mas o nível editorial baixou pouco tempo depois, com a saída do seu fundador, Leandro Paul.

O ``Diário de Negócios'', lançado em 1996, nunca se conseguiu impor. As suas lacunas e fragilidades foram sempre notórias, com destaque para o seu quadro de jornalistas, reduzido, sem experiência e de pouca qualidade. Raras vezes este jornal conseguiu divulgar verdadeiras novidades, notando-se frequentemente que era com dificuldade que preenchia o seu mínimo diário (três páginas), amiúde recorrendo a textos alheios. Como agravante, o ``Diário de Negócios'' enveredou por caminhos pouco recomendáveis, de uma certa xenofobia, à semelhança do que aconteceu na segunda fase do ``Correio da Manhã''.

Apesar destes vários ``pecados deontológicos'' e da exiguidade de meios materiais e humanos de qualidade, o desenvolvimento destas experiências privadas de jornais-fax foi extremamente positivo para a imprensa moçambicana, conferindo-lhe o equilíbrio necessário entre a informação oficial dos jornais controlados pelo poder político e a ``visão alternativa'' da imprensa independente, que conheceu nos últimos anos também um grande impulso nos jornais tradicionais, sobretudo semanários.

Outro aspecto curioso, paralelo ao fenómeno dos jornais-fax moçambicanos, foi a publicação de boletins diários por parte das agências noticiosas moçambicana (AIM) e portuguesa (Lusa).

Relativamente ao ``Boletim Lusa'' difundido em Maputo, aquele que, naturalmente, melhor conheço, surgiu ainda durante a guerra civil, período em que escasseavam as informações, quer sobre o conflito quer sobre o que se passava fora do país. O ``Boletim Lusa'' ainda hoje se publica de segunda a sexta-feira, com uma distribuição predominantemente por fax, mas ainda também ao domicílio. Nas quatro páginas diárias, sem gravuras nem publicidade, este boletim apresenta uma selecção das notícias de todo o Mundo difundidas pela Lusa, com destaque para as que dizem respeito a Moçambique e à restante África Austral.

Os ``web-jornais''

A evolução tecnológica abriu novas portas à comunicação social, trazendo consigo inovações constantes, que ainda hoje não estão a ser aproveitadas na sua capacidade total.

A evolução das tecnologias multimédia e, paralelamente, a rápida expansão da Internet, criaram condições para o surgimento de um novo tipo de meios de comunicação social, os ``web-jornais''. Primeiro foram os jornais tradicionais (principalmente os diários) que criaram edições próprias na Internet, depois as rádios e televisões seguiram o mesmo caminho e agora já há em Portugal um jornal que apenas está disponível na Internet, o ``Diário Digital''.

Lançado em 19 de Julho último, o ``Diário Digital'' soube apostar num nicho de mercado que as chamadas ``edições electrónicas'' dos jornais não tinham explorado. Vivendo apenas das receitas publicitárias, este jornal colocou-se num espaço até então vazio, ao actualizar permanentemente as suas duas edições diárias. Desta forma, o ``Diário Digital'' não só marcou uma posição como ousou desafiar outros órgãos de informação, testando uma certa concorrência com as rádios, televisões e agências noticiosas, sem se esquecer de aproveitar outra das grandes vantagens da Internet, a disponibilização em arquivo de todas as edições anteriores.

Um jornalista, um computador portátil com modem e um telemóvel é o suficiente para que, com grande rapidez, as notícias possam chegar à ``redacção'' (até o tradicional conceito de redacção foi posto em causa) de um ``web-jornal'' e a qualquer momento possam ser editadas e difundidas.

No dia do lançamento, o director do ``Diário Digital'', Luís Delgado, referiu que os estudos de mercado encomendados pelos promotores do projecto apontavam para uma quota de publicidade de três a quatro por cento para os ``web-jornais'', o que revela as potencialidades que este tipo de meio já proporciona.

A reduzida equipa redactorial com que o ``Diário Digital'' surgiu (12 jornalistas) denota, contudo, alguma precaução e demonstra que o ``ataque'' à concorrência de outro tipo de media só poderá ser feito mais tarde, dada a estrutura que cada um desses ``concorrentes'' tem.

O aparecimento deste primeiro ``web-jornal'' português veio, definitivamente, julgo eu, provar aos mais cépticos que a Internet não veio necessariamente ``matar'' os jornais e pôr em perigo os postos de trabalho dos jornalistas.

Os jornais de papel sobreviveram à expansão dos audiovisuais e vão sobreviver também a esta revolução tecnológica. Não podem, contudo, ignorar as novas condições do mercado. Ainda este mês o ``Finantial Times'' anunciou a actualização permanente (24 horas por dia) da sua edição electrónica (projecto que implica a contratação de 100 novos jornalistas) e o diário espanhol ``El Mundo'' lançou uma segunda edição vespertina, exclusivamente disponível na Internet.

O que os jornais de papel têm de fazer é baixar os preços das suas edições em papel (em Portugal, os primeiros passos já foram dados com a redução para 100 escudos do preço da maioria dos diários) e simultaneamente apostar em força nas chamadas ``edições electrónicas'' (na Internet). Com a redução do preço de capa, poderão aumentar a tiragem e, com isso, justificar um aumento nas tabelas de publicidade e baixar os custos de produção por unidade.

Com o desenvolvimento das edições na Internet, os jornais diversificam a sua oferta e conseguem uma nova fonte de receita publicitária. O resultado de tudo isto será, a meu ver, um maior número de leitores de jornais, melhores perspectivas para os proprietários da imprensa e para os novos investidores e alguma esperança de intensificação da procura de jornalistas.

É claro que este panorama optimista não pode ser visto separadamente de outros fenómenos, que no caso português estão a ter desenvolvimentos bem mais sombrios para os actuais e futuros jornalistas. Refiro-me à excessiva concentração de órgãos de comunicação social em três ou quatro grupos empresariais e ao ainda mais excessivo número de licenciados que as universidades ``produzem'' anualmente para o sector. Este último fenómeno está, ao mesmo tempo, a lograr as expectativas de muitos jovens (que acabam por ir para o desemprego ou para outras profissões) e a degradar as condições salariais de quem trabalha no sector, independentemente da sua experiência, capacidade, profissionalismo e qualificações académicas.

É pelo exposto anteriormente que considero que a solução para alguns dos problemas referidos está na imprensa alternativa, de certa forma liderada neste momento pelas potencialidades que a Internet veio proporcionar, rompendo um dos obstáculos tradicionais mais importantes, o da distribuição.

A experiência do ``Diário Digital'' não é, de forma alguma, redutora e acabada. Muito mais pode ainda ser explorado pelos ``web-jornais''. A especialização será, na minha perspectiva, um dos mais viáveis e interessantes caminhos a seguir. Porque não um ``web-jornal'' só sobre cultura?... ou automóveis... ou moda... ou economia... ou coleccionismo? E porque não um ``web-jornal'' local ou regional? Só com notícias, por exemplo, do Minho, Trás-os-Montes, Alentejo ou Madeira. E que possa ser lido em Braga, Lisboa, Paris, Joanesburgo, Caracas, Nova Iorque e Montreal. Ou então um ``web-jornal'' em língua portuguesa sobre África ou sobre o espaço lusófono, que chegasse a todos os países onde a Internet já chega e que fosse feito por jornalistas dos oito países de língua portuguesa e lido simultaneamente no Porto, em Maputo, na Cidade da Praia, no Rio de Janeiro e em Díli.

Conclusão

A evolução das tecnologias da informação está a abrir inúmeras portas aos comunicadores sociais, que permitem romper com alguns obstáculos tradicionais que se deparam a quem quer ou já está a trabalhar nesta área.

Os leitores/consumidores de jornais estão progressivamente a mudar os seus hábitos. Hoje já muitos consultam as edições electrónicas dos jornais nos seus computadores enquanto tomam o pequeno-almoço, dando ordens de impressão apenas aos artigos que lhes interessam.

Não estar atento a este fenómeno é deixar-se ultrapassar pelos outros e pelo tempo. Não estar atento a este fenómeno poderá não ser fatal, mas será, com certeza, um rude golpe.

A tecnologia não constitui, no entanto, a resposta a todas as necessidades. O ``segredo'' está em saber potenciar os pontos fortes de cada projecto alternativo, seja ele um jornal gratuito, por fax, por ``e-mail'' ou na Internet. O conhecimento do público-alvo e uma clara definição dos objectivos que se pretendem atingir são, por isso, indispensáveis.

Deixei aqui algumas ideias, mas muitas outras existem, algumas delas na minha gaveta, em forma de ante-projecto e à espera de quem me desafie a comigo pô-las em prática. O que digo aos jovens licenciados ou finalistas de Comunicação Social, das áreas de Jornalismo e/ou de Publicidade, é que não tenham receio e avancem com pequenos projectos de auto-emprego ou de parceria entre colegas.

Uma palavra também para os investigadores. Está aqui um campo que, julgo eu, não foi ainda suficientemente investigado. A imprensa alternativa tem uma história, uma evolução e muitas variantes que não se resumem às apresentadas. Disponham da minha modesta contribuição, se dela necessitarem.



Notas de rodapé

... web-jornais1
III Lusocom - Encontro Lusófono de Ciências da Comunicação, Universidade do Minho, Braga, 28 de Outubro de 1999