Slashdot e os filtros no Open Source Journalism

Lucilene Breier1


Índice




Resumo: O trabalho pretende analisar formas de gatekeeping utilizadas por um modelo de jornalismo colaborativo na internet. Através de uma análise do sistema de edição e níveis de moderação no site Slashdot, queremos começar a estabelecer algumas categorias de análise das rotinas de produção do chamado Open Source Journalism adaptando algumas categorias da hipótese do newsmaking.

Palavras-chave: Gatekeeper, newsmaking, interação, Slashdot, comunidades virtuais, open source, colaboração, jornalismo, internet.

Introdução

Ainda que subverta a relação entre emissores e receptores da mídia tradicional e de portais de internet, o chamado Open Source Journalism2 (OSJ) não eliminou o conceito de gatekeeper (filtro). Elaborado por Kurt Lewin em 1947, o ``selecionador'', no entanto, ganhou contornos diferenciados com as possibilidades abertas pelas relações colaborativas de produção de conteúdo na rede. Esse trabalho pretende, através de uma descrição dos processos de filtragem e moderação do site Slashdot3 e a partir de adaptações de categorias de estudo listadas na hipótese de Newsmaking, servir como uma análise primeira das características do OSJ, comparando vantagens e dificuldades em relação a veículos tradicionais de informação.

Um dos primeiros registros em periódicos informativo do conceito de OSJ aparece na edição do dia 26 de agosto de 1999 da Wired News4. A definição apropria-se da noção de trabalho colaborativo para desenvolvimento e aprimoramento de programas de computador pregada pelo movimento do Open Source Software5. A alusão baseia-se no fato de que o conteúdo apresentado pelo Slashdot depende do que seus leitores encontram em outros sites na internet, do que eles querem expôr ou compartilhar com os outros slashdotters. É um ``sistema livre. Os leitores formam um exército de ``600 mil news-hungry eyeballs'' (Glave, 1999) que criam um serviço noticioso colaborativo na área de tecnologia.

News for nerds

O site6 foi criado em setembro de 1997 pelo então estudante Rob Malda, hoje formado em Ciências da Computação. Malda continua a gerir o projeto, mas hoje o site é de propriedade da Open Source Development Network (OSDN)7, que pertence à VA Software.

Com uma audiência de 2 milhões de leitores diários (Rutigliano, 2004) e cerca de 50 mil membros8 que contribuem regularmente para o conteúdo, o Slashdot é referência para tanto para quem acompanha o noticiário de tecnologia quanto para quem o faz. Uma busca simples no arquivo online da revista Wired mostra 181 entradas9 para a palavra ``slashdot'', entre matérias sobre o site e matérias que partiram de material publicado nele. O número de interagentes10 que participa dessa comunidade é tão grande que links postados na homepage acabam derrubando os servidores das páginas-destino por causa do excessivo número de acessos, o que foi batizado de Efeito Slashdot11.

Nessa interação está o diferencial do Slashdot. Tudo o que vai ao ar é postado pela comunidade de leitores. Os assuntos abordados não mudaram muito desde sua fundação. Além dos avanços sobre programação e das últimas sobre a série de filmes Star Wars, que pautavam Malda e seus amigos há mais de cinco anos, o site também abriga notícias sobre direitos autorais, privacidade na rede, video games, ciência, gadgets tecnológicos e ficção científica. A maior parte das stories submetidas provêm de outros portais ou até mesmo sites governamentais, ONGs, empresas e institutos de pesquisa. Outras são de autoria dos próprios leitores, que, por serem em boa parte um grupo de especialistas na área, podem ter acesso a informações privilegiadas que posteriormente são divulgadas, ou então a experimentos desenvolvidos por eles próprios.

Stuff that matters

Assim que encontra na internet alguma novidade interessante (``coisas que importem''12) dentro de um desses grandes temas, o leitor poderá redigir o material e, através de um formulário online, poderá enviá-lo para o site. Não há um cadastro de controle dos interagentes que propõem histórias. Qualquer um pode postar, inclusive anonimamente. Todas as histórias postadas são comentadas por todos os leitores ``logados'' na página, a partir de um sistema de cookies13.

Essa característica superpõe os papéis do emissor e do receptor. Mesmo que esteja prevista a possibilidade de participação de um leitor num jornal impresso tradicional, através da seção de cartas, ou uma ligação para sugerir pautas a uma estação de rádio ou de televisão, ou até interações previstas em portais noticiosos de internet, que geralmente resumem-se a enquetes ou chats14, a possibilidade de um leitor tornar-se fonte de informação é muito maior no sistema colaborativo.

Não queremos, com isso, dizer que a recepção à mídia massiva se dá de forma passiva. Os estudos de recepção nos provam o contrário, mostrando as mediações e as diferenças de leitura que as pessoas fazem do que lhes é apresentado pelos meios de comunicação. Mas nesse caso, não simplesmente pelo sistema de comentários, mas pela possibilidade de noticiar que é dada aos interagentes é que consideramos uma subversão dos papéis tradicionais de quem produz e quem consome as informações veiculadas a partir das características técnicas da comunicação mediada por computador (CMC).

Entretanto, ainda que possamos entender o Open Source Journalism como uma forma menos hierarquizada, no sentido da organização do trabalho, de produção de conteúdo, temos que ressaltar que algumas características das redações de mídias massivas e dos portais de internet são matidas nessa estrutura dentro do modo de funcionamento como está organizado o Slashdot: a presença de gatekeepers.

A notícia e a noção de gatekeeper

Wolf lembra que Lewin elaborou a noção de gatekeeper15 em um estudo sobre as dinâmicas existentes no interior de grupos sociais. A pesquisa, desenvolvida há quase 50 anos, preocupava-se especificamente com mudanças de hábitos alimentares. O psicólogo percebeu a existência de ``zonas filtro'', depois das quais o fluxo de forças modificava-se. Elas funcionavam como uma grande porta, aberta ou fechada. Um conjunto de regras ou um indivíduo (ou um grupo deles, os gatekeepers) que deixa ou não passar a informação controlam essas zonas. Esse conceito foi aproveitado por David Manning White, em 195016, num estudo que analisava os fluxos de notícias dentro de órgãos de informação.

Pesquisas posteriores (Robinson, 1981) destacaram o fato que a seleção de notícias têm um caráter menos subjetivo do que o senso comum pensa:

As decisões do gatekeeper são tomadas menos a partir de uma avaliação Individual da noticiabilidade do que em relação a um conjunto de valores que incluem critérios, quer profissionais, quer organizativos, tais como a eficiência, a produção de notícias, a rapidez. (Robinson apud Wolf: 2002, 181)

É a partir da elaboração desse conceito que a hipótese de estudo Newsmaking toma corpo. Ela é uma espécie de sociologia do emissor (na maior parte das vezes as pesquisas referem-se a jornalistas), analisando as rotinas de produção da notícia e seleção, que constróem o critério de noticiabilidade. Esse critério depende de um conjunto de valores-notícia que são um ``conjunto de qualidades narrativas dos acontecimentos que permitem uma construção narrativa jornalística'' (Hohlfeldt: 2001, 209).

Wolf divide os valores-notícia em cinco grupos, os relativos ao conteúdo (substantivos), à disponibilidade do material e ao produto, ao meio, ao público e à concorrência. A primeira categoria inclui aspectos como a importância dos indivíduos e a quantidade de pessoas envolvidas no acontecimento e as possibilidades de evolução futura da história. A segunda e a terceira avaliam desde a quetão da possibilidade de um jornalista obter a informação (acessibilidade de fontes, proximidade do fato) até o formato/apresentação da notícia e o equilíbrio de conteúdo em uma edição (de telejornal, impresso ou programa de rádio, por exemplo). A quarta refere-se à idéia - que Wolf destaca como não precisa - que os profissionais têm de seu público e seu interesse. Por fim, a quinta, relacionada à concorrência, é o questionamento constante sobre o que outros veículos noticiam ou não, tentando alcançar uma espécie de padrão de qualidade, e a necessidade de publicar os chamados ``furos''.

O autor ainda separa três momentos desse esquema de rotina básica de produção: o recolhimento do material (que envolve o relacionamento do profissional com fontes e agências), a seleção (triagem das histórias captadas no passo anterior) e a edição (quando, sobre um acontecimento já selecionado no passo anterior é feita uma segunda camada de seleção, que descata os itens mais importantes dentro daquilo que foi considerado importante).

Os valores-notícia perpassam todos os momentos da rotina produtiva genericamente descrita, que descarta (filtro/gatekeeper) os fatos considerados menos relevantes (pouca noticiabilidade), levando em conta espaço (no caso de impressos) ou tempo (rádio e televisão). Os conceitos de valores-notícia, newsmaking e gatekeeping estão, portanto, profundamente articulados.

E na web?

Os três conceitos continuam a valer em noticiários produzidos para a internet. Entranto, algumas relações são diferentes pois as dificuldades impostas pelo limite de espaço e do tempo são menos rígidas nas páginas da rede (Moherdaui: 2002, 135).

Em seu estudo sobre as rotinas do portal Terra, Gomes Jr (2003), destaca que em função da necessidade de produção maciça de notícias - uma a cada três minutos, em média - sem que haja um horizonte de esgotamento de prazo - o fechamento - o webjornalista não se vê obrigado a descartar fatos com tanta freqüência quanto seus colegas de diferentes suportes. A checagem da informação é dispensada em nome da velocidade e da quantidade publicada na rede.

Ao descrever o trabalho dos profissionais do Terra, o pesquisador classifica como parte do newsmaking a produção textual específica para web (formatação), baseada no lead17, para que seja curta o suficente em termos de redação e rápida em tempo de leitura para o internauta, e na escolha dos destaques para a capa da home de notícias e as capas internas do portal.

Ele explica que o redator do portal também age como editor, já que vai adaptar textos de agência às exigências de leitura na internet e orientações do site e porque ele terá que ter o discernimento suficiente para decidir o que é notícia a partir da quantidade de material que lhe chega em bem menos tempo que o faria em uma redação tradicional e, repetindo um aspecto de outros suportes, terá que ``vendê-la'' para um editor de capa, a fim de que ela ganhe destaque (caso seja avaliada como importante).

A receita do ``omelete''

Mesmo sendo um site noticioso, no Slashdot, o processo de newsmaking é diferenciado. Para entendê-lo, precisamos, em primeiro lugar, explicar os seus três níveis de filtro de conteúdo: a edição, a moderação e a meta-moderação.

A edição é feita a partir das stories submetidas pelos leitores. Um grupo de sete pessoas, além do próprio Malda,18 é responsável pela seleção do material. Usualmente, os editores recebem entre 300 e 400 por dia. Dessas, são postadas entre 12 e 15. De acordo com Malda, são sete os critérios de noticiabilidade. Dividimos eles entre os que podem ser considerados editoriais e os técnicos. Nessa categoria, o primeiro é quando o link da URL19 submetida está quebrado. Assuntos abordados de forma inadequada (segundo Malda, referidos através de bad words20) e cujo texto está confuso também são eliminados.

Os critérios editoriais envolvem notícias velhas, que já tenham sido enviadas por outro leitor, quando o número de posts noticiosos diários já foi alcançado ou falta de interesse pelo assunto. Malda compara esses critérios à receita de um omelete:

(...) é uma combinação de salsicha, presunto, tomate, ovos e muito mais. Com o passar dos anos, descobrimos quais os melhores ingredientes do Slahsdot. O objetivo último é criar um omelete que eu goste de comer. (...) Acredito que crescemos porque compartilhamos muitos interesses com nossos leitores. Mas isso não significa que um dia eu vá misturar o omelete com salsichas ou jogar fora os tomates porque os pimentões verdes estão frescos.21

A receita, na verdade, esclarece os critérios de valores-notícia utilizados pelo editor da página.

No mesmo documento em que entrega a receita do omelete, o criador do site admite que os editores não checam a veracidade das informações postadas pelos leitores. ``We don't [verify the accuracy of Slashdot stories].You do. :)''. Ele informa que quando a notícia parece extraordinária, os editores podem procurar por dados que corroborem a informação, mas que essa não é a prática. Ele acredita que isso é de responsabilidade do receptor-produtor. Destaca a importância dos comentários sobre cada manchete para complementação da notícia - ou até mesmo sua refutação. Isso se explica pela principal característica da comunidade: ela é formada majoritariamente por especialistas em tecnologia.

O sistema de moderação

Essa segunda forma de participação é verificada pelos moderadores. São cerca de 50 mil comentários por dia. O sistema de moderação não nasceu junto com o site e passou por três fases desde que foi instituído.

O que no início não passava de ``algumas dúzias de posts''22, sem nenhum tipo de moderação, começou a crescer. Exatamente por não haver nenhum controle, surgiram comentários considerados ``inadequados'' ou que não diziam nada além de ``first post''23. Esses comentários passaram a ser deletados da página. Mas a quantidade de ``ruído'' - expressão usada pelo próprio Malda no FAQ - era maior do que a capacidade de deletá-la.

Surge então o primeiro sistema de moderação (Hand Picked Few24). Foram escolhidos 25 voluntários, mas o tamanho da equipe era flutuante. A essa pessoas era dada a habilidade de somar ou subtrair pontos (quanto mais alta a pontuação maior a qualidade) dos comentários, numa forma de ranking. Até que os 25 moderadores não foram mais suficientes para a quantidade de posts que o site recebia.

A equipe então cresceu (400 Lucky Winners25). Essas pessoas, escolhidas entre os interagentes do site como aquelas que tinha um retrospecto de comentários mais positivo, continuaram o trabalho de rankeamento. Mas, para que não houvesse abusos, foi criado um limite de pontos com o qual os moderadores deveriam trabalhar. Esses pontos eram ``gastos'' ao atribuir pontos aos comentários dos outros.

Hoje em dia a moderação é feita ``em massa'', na expressão de Malda. Qualquer leitor regular do Slashdot pode passar a ser moderador. Essas pessoas recebem um número limitado de ``pontos de influência'' (cinco) como na estrutura dos 400 Lucky Winners, cujo valor expira em três dias. Elas vão classificar as mensagens deixadas pelos leitores em uma escala que vai de -1 a 5, num valor crescente de qualidade da informação. Nenhum comentário é deletado (exceto se houver problemas técnicos de formatação de HTML26), apenas os que forem considerados ruins recebem notas negativas e só serão vistos se o leitor configurar essa opção em seu perfil pessoal na página (thresholds).

Leitores anônimos (não logados no sistema) tem o threshold configurado automaticamente para a nota zero. Quem configura para ver os comentários rankeados em cinco verá apenas os mais qualificados. Esse é um recurso que permite não apenas a melhor visibilidade de informações consideradas boas, mas também uma forma de reduzir o tamanho e o peso da página para leitores que não tenham tempo para navegar ou conexão rápida com a rede.

Qualquer um logado no sistema poderá ser selecionado para moderar os comentários. A cada 30 minutos o programa em que a base de dados do Slashdot foi desenvolvido totaliza o número de posts colocado no ar e, proporcionalmente, escolhe leitores para elaborar esse ranking.

A escolha do sistema não é randômica. Para encaixar do perfil de moderador, a pessoa deve ter um retrospecto de comentários avaliados como positivos (good karma), além disso, ela deve ser um leitor antigo e regular do Slashdot. Essas informações, assim como o log, são conferidas através das cookies. Os moderadores não podem participar de discussões sobre as quais distribuíram seus ``pontos de influência''.

Esse sitema de ``moderação em massa'' é responsável por 97% do controle de comentários publicados no site. Os outros 3% ficam a cargo dos editores, que têm ilimitados ``pontos de influência''.

Moderando os moderadores

O sistema de moderação não é a única forma de controle de comentários utilizada pelo Slashdot. Há também os meta-moderadores, responsáveis pelo controle do trabalho dos moderadores. Assim como esses, aqueles são escolhidos dentre os interagentes habituais do site (entre os requerimentos de perfil para ser escolhido está ter umas das 92,5% contas cadastradas mais antigas).

Aos meta-moderadores são apresentados cinco comentários aleatórios já moderados. Eles serão responsáveis por dizer se concordam ou não concordam com a opinião do moderador através de uma interface tão simples quanto uma caixa de diálogo do sistema operacional de qualquer computador (OK ou Cancel). Caso haja discordância em relação à classificação de um post no ranking, ele perde pontos.

No último mês, fomos meta-moderadores em algumas ocasiões. Em todas elas, não tivemos nenhuma discordância com as classificações dadas pelos moderadores em relação aos comentários. E, em média, de cada 20 comentários recebidos para meta-moderar, dois poderiam ser considerados spam, completamente off-topic27.

Os assuntos abordados nos comentários meta-moderados ficaram dentro dos padrões editorais do Slashdot, incluido temas como a convergência de tecnologias para a televisão digital, configurações de notebooks, urnas eletrônicas e as investigações sobre os atentados de 11 de setembro de 2001.

Mesmo suporte e mesmo objetivo, mas...

Utilizando a pesquisa de Gomes Jr. como padrão para comparação, já que o Terra é o portal líder nos mercados de idioma espanhol e português e o quarto mais acessado do Brasil28, podemos tentar traçar um paralelo entre as duas estruturas.

No primeiro ponto da rotina de produção explicada por Wolf, citada anteriormente, está o processo de captação de notícias, ponto onde os dois sites operam de forma oposta. Enquanto o redator do Terra assemelha-se a um colega de qualquer outro tipo de mídia, mesmo a mais antiga, o impresso, o próprio slashdotter, ou seja, o leitor, é responsável por esse trabalho.

Essa estrutura aumentaria exponecialmente o potencial de publicação de notícias do Slashdot, já que o número de leitores é bem maior do que o de webjornalistas funcionários de uma redação. No entanto, o site não adota o posicionamento que ganhou força entre os portais noticiosos de internet de publicar a maior quantidade de notícias possível.

A enxurrada de textos em tempo real publicada nos portais, como destaca Gomes Jr., é parte de uma estratégia para transmitir credibilidade ao internauta leitor de notícias. Credibilidade, aliás, que é um aspecto delicado do webjornalismo, já que em função da ditadura da atualização constante, a precisão da informação não é checada (como descrito em relação ao Terra e na maioria dos casos).

A checagem também não é um processo adotado como norma no Slashdot. E, nesse caso, a credibilidade é assumida pelo interagente que postou a história. Certamente que um nickname, que é como todos se identificam no site, ou até mesmo posts anônimos (que são permitidos) têm menos peso do que reconhecimento que a marca Terra já adquiriu junto à sociedade. Todavia, o Slashdot ganhou a credibilidade de internautas por conta dos debates que seguem, esclarecem ou contestam cada uma das notícias veiculadas. Essa contestação é facilitada pela característica da comunidade dos slashdotters: o fato de eles serem conhecedores dos assuntos que ali são tratados. São dois modelos diferentes de respostas ao mesmo desafio: a confiança do leitor. Com o detalhe que são leitores diferentes.

Ainda sobre posts anônimos, Malda informa que eles são permitidos exatamente porque, como a comunidade é composta por muitos especialistas, eles podem desejar passar ao público inside information. Por isso que a submissão anônima de histórias é permitida. Contudo, ela é desencorajada, a começar pelo nick pelo qual todos os anônimos são identificados: Anonymous Coward29.

Mas mesmo que a estrutura do Slahsdot seja mais flexível a essa participação direta, ela acaba tendo mais estruturas de gatekeeping que um portal noticioso comercial. A característica de atualização constante permite que haja um maior número de destaques na capa do Terra, ainda que deva ser ressaltado que, no meio do caminho, uma grande quantidade de outros relatos foi deixada para trás. Os editores gerenciam os conteúdos que aparecem, organizando o tempo de exposição de cada manchete - desde que elas tenham valores-notícia que sustentem essa posição. É uma grande organização dos espaços. No Slashdot os criadores do site definiram arbitrariamente uma quantidade de notícias que acreditam ser ``adequada'' para cada ``edição diária''. A partir daí, o desenvolvimento dos fatos elencados na cobertura vai se dar pelo sistema de comentários.

O que for de interesse da comunidade e não entrar como destaque na home do site é destinado para capas internas, assim como no Terra. Mesmo aí o ritmo frenético do modelo profissional não é adotado.

Os níveis de controle continuam na seleção e rankeamento dos comentários.

Considerações finais

O Open Source Journalism só foi possível a partir das condições técnicas possibilitadas pela internet, assim como boa parte de seu conteúdo - especialmente no caso analisado nesse trabalho - provém da ubiqüidade das informações na rede de computadores. Acredita-se que a principal possibilidade aberta pelo OSJ foi a participação direta da audiência também fazer a notícia. Entretando, como pudemos verificar através da descrição das rotinas de produção de um dos sites de referência em jornalismo colaborativo no mundo todo, o Slashdot, direta não seria a palavra mais adequada para essa descrição.

Acreditamos que existe um nível de subversão de valores no esmaecimento de fronteiras entre as categorias de emissor e receptor, tão distantes uma da outra na maior parte dos estudos de comunicação de massa. No entanto, o Slashdot mantém até mais sistemas de filtragem da qualidade da informação do que quando comparado a um portal noticioso de caráter profissional e, por isso, ao invés de caracterizar uma relação direta e totalmente livre para publicação, cremos ser mais adequado em pensar apenas como uma maior horizontalização de um processo produtivo similar ao encontrado nos veículos de mídia tradicional.

Uma leitura possível do processo de desenvolvimento dos sistema de edição, moderação e meta-moderação do site é que a oposição quantidade X qualidade de informação não precisa ser superada. De acordo com o pensamento complexo de Edgar Morin, ambos os itens devem ser postos em relação dialógica através da organização da informação. Essa é uma necessidade que pode ser sentida no esforço humano que resultou na criação de bibliotecas, e da criação e evolução de suas formas de catalogação e na estruturação de um sistema de ensino.

Foi ainda a necessidade de organização da informação que formatou o modelo que temos de produção jornalística, seja qual for o suporte em que ele se baseie. Foi a partir dela que desenvolveu-se uma cultura própria de rotina para transformar um fato em uma notícia, que inclui a análise conjunta de diferentes critério que vão desde os mais técnicos (link quebrado ou sinal de má qualidade) até a consciência de um suposto interesse maior da audiência por um fato em detrimento de outro. Ou seja, podemos inferir que as necessidades de organização, em nome de uma qualidade de informação, especialmente quando a quantidade de fatos passou a ser grande demais, colaboraram com o desenvolvimento das rotinas de produção, ligadas diretamente à existência de filtros. Entendemos que isso se justifica porque é a partir da informação organizada que se dá a construção do saber.

É isso que buscam também sites como Slashdot. O fato de o trabalho de noticioso ser construído por virtualmente todos os leitores pode desestabilizar em parte a relação entre os responsáveis por parte da construção do conhecimento do cotidiano (jornalistas) e o público, mas não invalida o raciocínio.

Destacamos que não há em nosso pensamento uma expectativa de terra prometida da informação precisa, sem donos nem fronteiras, que caracteriza parte do imaginário coletivo sobre os impactos das novas tecnologia na democratização da informação. Longe disso. Até porque este artigo propõe-se apenas a um primeiro trabalho de estabelecimento de categorias para poder refletir sobre o OSJ, constatando semelhanças e diferenças estruturais no seu modus operandi e o de outra organização. Mas acreditamos ser importante destacar duas características próprias desse formato: a primeira delas é o fluxo contrário ao das redações tradicionais, que se valem de um conjunto de conhecimentos profissionais práticos e teóricos sobre o que acreditam que interessa a seu público, justificando dessa forma um conjunto de procedimentos editoriais que transformam fatos em notícia.

Em Slashdot, é o próprio público que, em parte, decide o que é notícia ou não ao fazer ele mesmo o processo de captação e redação.

A segunda diferença é o constante escrutínio da qualidade da informação por parte de todos os interagentes, expresso num feedback constante, através de opinião (comentários) e, por decorrência, dos sistemas de moderação e meta-moderação, responsáveis por rankear esses escrutínios de modo a que a informação faça o maior sentido possível e esteja o mais completa. Um tipo de escrutínio pelo qual os veículos tradicionais, ou mesmo os portais de internet, não sofrem por parte de seus receptores. Pelo menos não de uma forma tão direta.

O Slashdot, no entanto, não é a única experiência de jornalismo colaborativo que podemos observar. No Brasil mesmo temos duas que merecem ser lembradas, a Ciranda Internacional da Informação Independente, desenvolvida por profissionais de diferentes países do mundo no intuito de cobrir os Fóruns Sociais Mundias e as sedes paulista e porto-alegrense do Independent Media Center (IMC). Portanto, essas primeiras avaliações que pretendíamos fazer aqui não podem ser generalizadas sem uma análise cuidadosa desses e de outros sistemas de OSJ.

Referências bibliográficas



Notas de rodapé

... Breier1
Jornalista e professora da Pontifícia Universidade Católica do RS (lbreier@brturbo.com)
... Journalism2
Jornalismo de Código Aberto, conforme nossa tradução livre. A definição faz referência ao movimento em prol do software de código aberto (ver adiante).
...Slashdot3
Slashdot: http://www.slashdot.org
... News4
``Slashdot: All the News that Fits'': Entrevista do criador do Slashdot, Rob Malda, conhecido pelo nickname CmdrTaco (Commander Taco), ao jornalista James Glave.
... Software5
Programas de código aberto, conforme nossa tradução livre. São projetos de desenvolvimento de softwares cujo código-fonte - a base da programação - pode ser alterada pelo usuário. Também conhecido como software livre (free software). Para evitarmos confusão com os sentidos de tradução da palavra ``free'' em inglês, que pode significar tanto ``livre'' quanto ``gratuito'', preferimos utilizar a expressão ``código aberto'', já que esses programas podem ser distribuídos gratuitamente ou vendidos.
... site6
Batizado inicialmente de Chips & Dips. O nome Slashdot vem de uma brincadeira com a pronúncia de endereços de páginas de internet em inglês, onde o símbolo ``/'' é chamado ``slash'' e ``.'', ``dot''.
... (OSDN)7
Open Source Development Network: http://www.osdn.com
... membros8
Segundo MILLER (2001), O dia com a maior quantidade de pageviews da história do Slashdot foi 11 de setembro de 2001. Foram mais de 3 milhões. O dia dos atentados contra os prédios do World Trade Center foi o único em que a tecnologia saiu da pauta do site, que acabou prestando serviço de informações quando os portais das grandes emissoras de televisão e agências noticiosas tradicionais estavam lentos pelo excessivo número de acessos ou fora do ar.
... entradas9
http://search.wired.com/wnews/default.asp?query=slashdot
... interagentes10
Conforme explica PRIMO (2003), o termo ``interagente'' é mais adequado que usuário em se tratando de atividades das quais emana uma idéia de participação. ``Usuário'' pressupõe uma relação hierárquica, no sentindo de ``aquele que obedece as regras de um pacote de uso''
... Slashdot11
Estudo sobre o Slashdot Effect: http://ssadler.phy.bnl.gov/adler/SDE/SlashDotEffect.html
... importem''12
Tradução livre de ``Stuff that matters''. O Slashdot se auto-anuncia como ``News for Nerds. Stuff that matters''.
...cookies13
Segundo o Free Online Dictionary of Computing, citado no Webster's Online Dictionary, uma cookie é um pacote de informações enviada para o browser por um servidor HTTP (HyperText Transfer Protocol), padrão de páginas de internet, que servem para identificar e autenticar um usuário registrado através de um sistema chave-fechadura por um arquivo recebido pelo internauta quando este se registrou como usuário do site. (http://www.webster-dictionary.org/definition/HTTP%20cookie)
...chats14
Vide UOL (http://www.uol.com.br), Terra (http://www.terra.com.br), clicRBS (http://www.clirbs.com.br) e Folhaonline (http://www.folhaonline.com.br), por exemplo
...gatekeeper15
Traduzida como ``porteiro'' na edição portuguesa do livro de Wolf
... 195016
``The Gatekeeper. A case study in the selection of news''
...lead17
Estrutra que contém as informações mais importantes e objetivas da notícia (Quem? O quê? Quando? Onde? Por quê?). Fica tradicionalmente no primeiro parágrafo da matéria.
... Malda,18
Conforme o documento Slashdot FAQ (Frequently Asked Questions): http://www.slashdot.org/faq
... URL19
URL: Uniform Resource Locator, é uma forma de referir-se a um endereço de página na internet. Conferir no Free Online Dictionary of Computing, citado no Webster's Online Dictionary (http://www.webster-dictionary.org/definition/Uniform%20Resource%20Locator)
... words20
Pode ser traduzido como ``palavrões''
... frescos.21
Tradução nossa da receita do omelete, encontrada no Slashdot FAQ: http://www.slashdot.org
... posts''22
Slashdot FAQ (http://www.slashdot.org/faq)
... post''23
Primeiro post
... Few24
Nossa tradução livre: ``alguns escolhidos''
... Winners25
Nossa tradução livre: ``400 sortudos''
... HTML26
HTML: HyperText Markup Language. Linguagem em que são construídas as páginas de internet
...off-topic27
Fora do assunto
... Brasil28
Conforme Gomes Jr. cita, a partir de informações institucionais do próprio Terra e de dados pesquisados pelo Ibope eRatings
... Coward29
Covarde anônimo