Sondagem de opinião: um novo elemento do jornalismo político

Antonio Brotas1


Índice

O debate que surgiu em ralação aos números da sondagem e da tendência de queda na confiança do governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva integra um script desenhado pelos atores políticos e pelos meios de comunicação que têm a divulgação das sondagens de opinião uma boa oportunidade para gerar fatos políticos, com altas doses de previsibilidade. Esta tentativa de legitimação do governo através do uso regular de sondagem ainda é recente no Brasil, apesar desta prática ser difundida nos Estados Unidos desde os anos de 1960. É óbvio que os elevados índices de popularidade de um governante não podem ser desconsiderados por qualquer um que conheça a lógica do sistema democrático, mesmo que isso não signifique, como lembrou o jornalista Clóvis Rossi, a garantia de um lugar na história política, que o diga Carlos Menem e Alberto Fujimori, que conseguiram a re-eleição, mas, pouco tempo depois, foram sumariamente descartados pelos argentinos e peruanos, respectivamente.

A efemeridade das sondagens, entretanto, não as retiram dos noticiários. Jornais e revistas pautam e são pautados pelos institutos de pesquisas, por suas notas explicativas e percentagens. Materiais iconográficos completam o arsenal que leva o leitor a pensar a política através de dados, da competição entre os candidatos e de um suposto estado de opinião pública. O modelo de jornalismo que abraça as sondagens, sem qualquer restrição ou avaliação, revela a dificuldade dos veículos e dos jornalistas em perceberem as diferentes, e por vezes, contraditórias, noções da opinião pública e o lugar dos meios de comunicação na constituição do espaço público no mundo contemporâneo. Neste artigo pretendo levantar algumas questões sobre esta problemática fundamental à política do início do milênio, bem como apontar como as distorções reduzem o papel dos meios enquanto instituições sociais, em busca de um sociedade mais democrática.

Metamorfose da noção de opinião pública

A tentativa, por parte de políticos, partidos, cientistas políticos, marketeiros, jornalistas e relações públicas, de imprimir um governo baseado nas sondagens, uma sondacracia, demonstra, na realidade, uma luta, por hora ganha por esta corrente de força, que tornar o conceito de opinião pública sinônimo das sondagens de opinião. Estes atores trabalham com a perspectiva de que a opinião pública pode ser reduzida a modelos quantitativos que apreendem uma opinião, através de respostas á questionários de uma determinada população. Uma perspectiva, amplamente difundida a partir dos anos de 1930, que é bastante criticada pelos teóricos da área - ao mesmo tempo, que consegue uma ampla difusão nos meios profissionais - por se impor como opinião pública, um conceito com várias vertentes, sem definição precisa, mas essencial para compreender a democracia na contemporaneidade.

Existe um paradoxo que está estreitamente ligado aos termos que compõem a expressão opinião pública. Opinião (opinion em latim e doxa em grego) refere-se ao individual, particular, subjetivo, enquanto público apóia-se na idéia do corpo coletivo específico ligado e caracterizado pelo uso da razão. Estes dois conceitos mantiveram-se isolados por muitos séculos. Somente no início do século XVIII, há uma junção dos termos, como artifício para caracterizar um sujeito coletivo, o público, tão caro à burguesia da época. Mas somente no final do mesmo século é que se forma uma entidade que se opõe ao segredo, fingimento ou dissimulação. Opinião pública expressa, em síntese, a opinião dos meios parlamentares porque tornam públicas suas opiniões a respeito das questões do reino, opõe-se à política do rei, rodeada de mistérios. A opinião é mais ou menos a dos letrados, que julgam em nome de uma suposta razão.

A história do conceito coincide, portanto, com a formação do Estado moderno. A defesa quase unânime dos pesquisadores é de que a opinião pública foi um modo de se contrapor ao segredo de Estado e por isso pode ser considerada uma ``espécie de máquina de guerra ideológica `improvisada' pelas elites intelectuais e pela burguesia, durante o século XVIII, a fim de legitimar suas reivindicações no campo político e enfraquecer o absolutismo''. (Champagne, 1998).

Tema espinhoso e amplamente discutido, a Opinião pública já foi objeto de análise dos maiores pensadores do mundo contemporâneo. Utilizando `publicidade' ao invés de `público', Emmanuel Kant foi o autor que melhor sistematizou a função da opinião pública no Estado liberal. Kant defende que o uso público da razão possui duas funções:

``Por um lado se dirige ao povo, para que se torne cada vez mais capaz de liberdade de agir, enquanto da comunicação própria se tem a confirmação da sua verdade pelo consenso dos demais homens. Por outro lado, se dirige ao Estado absoluto, para lhe mostrar que é vantajoso tratar o homem, não como a máquina de acordo com as regras do Estado de polícia, mas segundo sua dignidade'' (Matteucci, p.843).

Kant propôs a institucionalização e a legalização de um espaço organizado entre Estado e sociedade onde o indivíduo autônomo e racional agisse, através do debate público, em busca da autocompreensão e entendimento. Em outras palavras, Kant faz desta esfera pública, ou melhor, deste espaço de publicidade, uma instância crítica, que se realiza pelo uso público da razão.

Outros pensadores liberais como Burke e Bentham, Constant, Guizot dão continuidade ao debate sobre opinião pública. A novidade, de acordo com Matteucci (1999), é que estes liberais ampliam a função política da opinião pública como instância intermediária entre o eleitorado e o poder legislativo, permitindo aos cidadãos uma participação política ativa. A opinião pública permitiria assim que os indivíduos discutissem em público questões referentes ao interesse geral, estendendo a sabedoria política para além dos governantes, o que decerto beneficiaria as discussões do Parlamento, que se coloca como representante das discussões do público.

Opinião pública na era dos meios

Gabriel Tarde indicara, desde o início do século, uma posição que nos aproxima da problemática da contemporaneidade quando associa Opinião pública aos meios. Em oposição às multidões, o autor afasta-se dos críticos da opinião pública e defende que ``o agrupamento social em públicos é o que oferece aos caracteres individuais mais marcados as melhores possibilidades de se imporem, e às opiniões individuais originais as maiores facilidades de se difundirem'' (Tarde apud Esteves, 2003). A defesa deve-se, de acordo com Tarde, à possibilidade do público gerar atores sociais coletivos, racionalmente orientados, tendo a imprensa como agente agregador, pois permite a troca de informações que alimenta o tecido social.

Tönnies, de acordo com a leitura de Silveirinha (2002), influenciado por Tarde, estabelece três categorias de opinião pública: a publicada, referente à opinião publicamente expressa de um indivíduo; a pública, que se concretiza quando a opinião publicada vira a opinião de muitos; e do público, concebida enquanto uma concepção puramente teórica. A partir desta relação, o autor defende que a disputa política dar-se, sobretudo, pela opinião do público, para que este abrace a opinião expressa ou publica como opinião própria. Neste caso, os jornais são fundamentais como expressão de idéia e veículos de comunicação, mas somente se constituiria enquanto tal, quando fossem separados dos partidos e da publicidade. Uma posição, mesmo que guardando certa distância, reivindica que os meios de comunicação, enquanto lócus da esfera pública, também estejam abertos à livre participação de todos os interessados, permitam a livre discussão de temas e assuntos e ofereçam igualdade de estatuto dos participantes.

Na atualidade, pensar em fazer política (pelo menos para os cargos majoritários) sem as assessorias de comunicação, sem o marketing, sem a publicidade, sem os programas de TV/Rádio é diminuir drasticamente a possibilidade de estabelecer-se no cenário político.

``A constituição e automização do campo dos mídias, em verdade, configura o ponto de inflexão a partir do qual as conexões entre comunicação e política abandonam suas modalidades tradicionais, inclusive aquelas adstritas a uma dimensão instrumental, e se redefinem em termos de interlocução de campos sociais particularmente conformados''(Rubim, 1997, p.5).

A apresentação/exposição da política e dos políticos na televisão, rádio, internet e nos jornais para produzir eventos, por vezes, espetaculares, que possibilitem a criação de imagens e cenários no espaço virtual provocou mais discordância do que se podia imaginar.

Habermas (1984), que situara a esfera pública burguesa como distinta do Estado, da economia e da intimidade, destaca que a entrada dos trabalhadores na cena política, promovida pela ampliação do sufrágio, força mudanças na estrutura da esfera pública, com conseqüente diluição das fronteiras entre as esferas e relegando seu aspecto argumentativo e racional, fator essencial à produção de opinião pública, a um plano inferior. No fundo, acredita Habermas, as discussões no Parlamento são uma encenação já que as posições foram firmadas com antecedência e os discursos não seriam capazes de demovê-las. Seria uma pseudo-esfera-pública. Importa muito mais manipular, formar esta opinião para um público2.

No processo de declínio da esfera pública a imprensa tem papel de destaque. A imprensa era concebida como instrumento privilegiado da esfera pública por permitir o debate aberto e racional de variados temas. A sua independência frente ao poder estatal lhe garantia ainda a liberdade crítica. Habermas avalia que com os novos meios de comunicação, a exemplo do rádio, cinema e televisão, ampliam a esfera pública, mas a descaracteriza posto que a publicidade está muito mais preocupada em construir consenso, de buscar adesão, através de métodos sedutores, do que ser um espaço para o exercício público da razão.

Oposta a visão de Habermas, que influenciou uma geração de autores, mesmo após a revisão dos seus escritos, Dominique Wolton (1995) vê possibilidade de formação de opiniões num espaço público midiatizado. Sua análise pressupõe que a comunicação é uma condição estrutural do funcionamento da democracia e para o alargamento da esfera pública.

Sondagens: de elemento a síntese

Os chamados institutos ou empresas de sondagem de opinião não poupam esforços para se firmarem socialmente como os legítimos, por agregarem valor científico as técnicas de aferição, medidores da opinião pública. Eles garantem que das porcentagens que emergem das aferições saem certamente um resultado preciso da opinião de um determinado público num determinado momento da vida social. Na realidade, os institutos fazem acreditar que a opinião pública é aquela medida pelas sondagens, as quais passam a ser, num processo de mutação constante, a própria opinião pública. Esta posição, querendo ou não os estudiosos do tema, cria, para os estudos da opinião pública, um novo marco, que se faz passar pelo próprio objeto de estudo, mesmo que tenha surgido séculos depois do nascimento do conceito.

A primeira iniciativa sistematizada de sondagem de opinião foi realizada pela revista americana The Literary Digest, em 1932. Em 1935, George Gallup funda o American Institute of Public Opinion introduzindo métodos estatísticos nos modelos de sondagens. Blanco (2000) lembra que já em 1940 Gallup e Ray afirmaram que:

``la opinión pública es tangible y dinámica. Surge de muchas fuentes de la experiência diária de los indivíduos que formam el público político y formulan sus opinionnes como guía de trabajo para sus representantes. Esta opinión pública escucha muchas propagandas, la mayoría contradictorias. Intenta contrastar y enfrentar argumentos y debates para separar a la verdad de la mentira (...) Cree en el valor de la contribuición de cada indivíduo a la vida política''. (p.92).

Os institutos seriam, neste caso, os tecnicamente habilitados a medir esta opinião pública tangível, sendo necessário fazer isso várias vezes por ser esta também dinâmica. Por trabalharem com idéia de opinião pública centrada apenas na participação dos indivíduos, desconsiderando a importância dos atores coletivos como os partidos, movimentos sociais, partidos políticos e mídia, eles ligavam as sondagens a o princípio democrático do voto. Na verdade, a lógica para que uma amostra estatisticamente definida pudesse possibilitar a medição da opinião pública estaria na oportunidade dada a todos os cidadãos de expressar sua opinião já que eles eram escolhidos por meio de sorteio a partir do pertencimento a grupos classificados por sexo, idade, escolaridade, renda, etc.

Mesmo sobre um bombardeio de críticas contundentes como as elaborados por Bourdieu3 , as sondagens, apesar de levar em consideração que o conceito de opinião pública advém de uma determinação histórica ligada à prática política, vingaram e ganharam um aliado precioso: os meios de comunicação, que tiveram a capacidade de ampliar e acelerar sua aceitação no mundo político-social.

Champagne chama atenção de que nos anos de 1960, na França, as sondagens começam a disputar o lugar, antes tomado pelas manifestações e pelos jornais, na disputa pela expressão da opinião. Posteriormente, esta disputa vira parceria. Jornais e políticos assumem a técnica porque a metodologia das sondagens se aproxima dos procedimentos eleitorais tradicionais, permitindo a produção de uma vontade geral abstrata e aparentemente consensual. Para Champagne, as sondagens transformaram o que antes eram definições concorrentes numa definição unívoca e universal.

Jornalismo e a opinião pública

O uso de sondagens de opinião pelo jornalismo brasileiro foi iniciado, com a publicação de uma sondagem do Ibope, no jornal Diário da Noite, na edição de 17 de maio de 1945. Nesta sondagem histórica, realizada cinco meses antes da deposição de Getúlio Vargas, com amostra de mil pessoas, em São Paulo, Brigadeiro Eduardo Gomes, candidato da UDN aparece como franco favorito. O resultado, entretanto, não se confirmou. General Eurico Gaspar Dutra, do PSD e apoiado pelo então presidente-ditador Getúlio Vargas acabou ganhando com 20% de diferença. Fonte de informação indispensável para a organização e execução de campanhas políticas e para monitoramento de imagem pública de políticos e candidatos, as sondagens somente ganham lugar de destaque no mundo político, quando esta importância é reconhecida também pelos meios, espaço que rapidamente transforma as sondagens em armas políticas. A divulgação dos percentuais, que atinge o ápice nos períodos eleitorais, segue com avaliação dos governos e aprovação dos governantes.

Os jornalistas, profissionais que sempre falam em nome da opinião pública, pouco a pouco, combinam acontecimentos dos espaços tradicionais da política, como o Parlamento, com a abordagem das sondagens, tornando os veículos clientes permanentes dos institutos, como os partidos políticos. Seja por considerar a informação das sondagens como síntese da opinião pública ou pensa-la enquanto elemento que permite a venda de jornais, os profissionais têm também nas sondagens a possibilidade de diálogo mais autônomo no diálogo com o campo político.

Sondagens de opinião e cobertura das eleições de 1998

A fragilidade das sondagens como única forma de conhecimento de realidade para o jornalismo e síntese da opinião pública demonstrou seu limite, por exemplo, nas eleições presidenciais de 1998. Com esfriamento da campanha e esvaziamento do debate, num movimento articulado pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, a mídia passa a tratar a campanha apenas como uma corrida presidencial. Se as sondagens já eram utilizadas como peças fundamentais na cobertura eleitoral4, em 1998, elas ditaram praticamente o ritmo da campanha, mesmo antes do seu começo oficial. Observando as sondagens publicadas nas revistas Veja e Isto É, além do acompanhamento do jornal Folha de São Paulo, podemos perceber que, ao contrário do que aconteceu em 1994, quando elas foram instrumentos para apresentar os candidatos anti-Lula, as sondagens, ou a divulgação dos seus resultados, foram utilizadas para barrar a entrada de novos concorrentes na corrida presidencial de modo a manter o cenário eleitoral elaborado pela equipe do governo que preferia a repetição da disputa FHC X Lula.

A matéria da revista Veja (PALANQUE encantado. Veja. Nš 1511, p.35, 08.out.97) é bastante esclarecedora neste sentido. Depois de apresentar um Ciro Gomes como ``mais perdido que a cabra-cega'' por ter entrado no PPS, ``herdeiro do PCB stalinista de Luís Carlos Prestes'' e um Itamar Franco como um político ``adormecido profundamente'', que ``fez chapa com Fernando Collor em 1989'', a matéria adianta a um ano da eleição que ``boa parte das candidaturas de hoje irá bater em retirada antes de a disputa começar para valer''. E para legitimar este discurso, utiliza uma sondagem do Ibope que garante a FHC 33% das intenções de votos, contra 15% do seu adversário preferido, Lula.

Pouco meses depois, Veja repete a dose. Desta vez, para descredenciar Itamar Franco. Na matéria Você acredita que este senhor é candidato a PRESIDENTE? (Veja. Nš 1532, p.34, 11.fev.98) os jornalistas Daniela Pinheiro e Expedito Filho tentam convencer o leitor (eleitor) que Itamar deveria desistir desta idéia intempestiva e concorrer mesmo ao governo de Minas. A fonte é uma sondagem que apontava Itamar, com 10%, como o terceiro colocado na disputa, atrás de FHC (37%), Lula (22%) e à frente de Ciro Gomes (6%). Enquanto em Minas, ele ficaria com 31% da preferência dos entrevistados, tecnicamente empatado com o então governador Eduardo Azeredo, com 32%.

As sondagens que ofereciam elementos para a montagem de discursos desqualificando a entrada de novos atores na disputa também ajudaram a construir a imagem de um presidente/candidato imbatível, principalmente pela Veja. Talvez o melhor exemplo dessa operação pode ser identificado na matéria Um começo diferente (Veja. Nš 1527, p.23-25, 07.jan.98). Para Veja, FHC entra na disputa ``com robustos índices de popularidade, bem diferente do que aconteceu com Collor, Sarney''. E para que ninguém tenha dúvida da vantagem, um gráfico de barra baseada numa sondagem do Vox Populi estampa que FHC tem 36% das intenções de voto, contra 22% de Lula e 14% de José Sarney.

Além de conceder autoridade para a formulação das proposições, as sondagens passam a ser elemento balizador, que tenta apresentar um presidente/candidato forte, preparado para vencer uma eleição sem muito esforço. Com os outros atores ``impedidos'' de participar do pleito, as sondagens passaram a demonstrar que o outro candidato aceito, Lula, estava condenado a perder. O ``eterno presidenciável do PT'' - como destaca a repórter Thaís Oyama (ENTRE o ser e o não ser. Veja. Nš 1536, p.21-23, 11.mar.98) - estava desanimado com a candidatura, reflexo do baixo de intenção de votos revelado nas sondagens eleitorais.

As sondagens, portanto, foram utilizadas no período pré-eleitoral tanto para afirmar a invencibilidade de FHC, quanto para desqualificar a entrada de novos adversários, evidenciando a fraqueza da candidatura Lula. Ao mesmo tempo, elas ofereceram aos jornalistas a possibilidade da previsão, garantem as projeções futuristas, e legitimam um discurso que não poderia ser feito pelo jornalismo de forma tão contundente, caso não existisse este procedimento de aferição.

Mas a entrada de temas sociais na agenda da campanha como a seca do Nordeste, que foi manchete da Veja, Isto É, Jornal Nacional, Folha de São Paulo geraram críticas de grande parte da imprensa ao governo pela lentidão em oferecer respostas aos problemas nacionais. O novo momento na cobertura é ensaiado por Veja. A matéria Procura-se um candidato (Veja. 1547, p.44-47, 20.mai.98) sugere que o eleitor brasileiro gostaria de votar num candidato de oposição para Presidência da República, de acordo com as sondagens de opinião. A matéria se refere às sondagens do Vox Populi que identificou que 66% dos entrevistados preferiam um candidato que traga mudanças, contra 44% que optaram pela manutenção da estabilidade. Na semana seguinte, entretanto, é publicada a matéria Fogo em Gêmeos (Isto É. Nš 1495, p.28-33, 27.mai.98) feita a partir de uma sondagem também do Vox Populi, sobre a rejeição de FHC, que ultrapassou a de Lula (17% x 15%). Isto É repete a dose ao trazer uma reportagem sobre o assunto na edição seguinte (DE CRISTA baixa. Isto É. Nš 1496, p.30-35 03.jun.98) que anuncia a desvantagem de FHC em nove estados brasileiros, o aumento da sua rejeição e a queda da diferença dele para Lula reduzida a 6,6 pontos.

Uma semana depois, Veja se convence de que Lula estava crescendo nas sondagens de opinião e lança, talvez, a capa mais emblemática da eleição. A revista reforça a reportagem de Isto É exibindo a manchete em sua capa: Lula entra no jogo: mas será que ele tem chances de vencer a eleição? No corpo do semanário, nas páginas dedicadas à política, temos o título Cabeça a Cabeça (Veja. Nš 1550, p.42-48, 10.jun.98). Repleta de gráficos, com resultados anteriores e curvas de desempenho, a matéria, de acordo com Vox Populi, aponta o empate técnico entre FHC e Lula (31% X 30%). A matéria de Veja demarca também uma mudança de comportamento da imprensa em relação à Lula. De eterno presidencial fadado a mais uma derrota, Lula passa a ser tratado como candidato que tem uma estratégia para vencer o pleito. A equipe do petista é apresentada, assim como os acordos políticos estabelecidos. A sondagem foca a atenção em Lula, que deixa de ser apenas um apêndice, um elemento garantidor da vitória de FHC, mesmo que isso, de acordo com a matéria, não seja por mérito da oposição. Era muito mais conseqüência dos erros do presidente.

Mas o que permitiu Veja chegar a esta conclusão de que Lula entrara na disputa naquele momento? Pelo que se anunciou, a campanha de Lula ainda não havia decolado5 de fato. Sabia-se apenas que havia um mal estar na sociedade em função dos erros cometidos pelo presidente/candidato em função da seca do Nordeste, por exemplo. Isto, no entanto, não leva a concluir, de antemão, que Lula estava no páreo novamente, ou de que já não estivesse de fato competindo. A única fonte que legitima as afirmações dos jornalistas é as sondagens.

No dia 24 de junho, (LEONEL e o poste. Veja. Nš 1552, p.40-44, 24.jun.98) uma sondagem do Vox Populi é publicada para anunciar a recuperação de FHC, que sobe de 31% para 36%, enquanto Lula cai de 30% para 29%. A diferença, desta forma, sobe de 1% para 7%, excluindo votos brancos, nulos, indecisos e candidatos com menos de 1%. Logo no início de julho os números do Ibope indicaram novo crescimento de FHC, que recupera terreno ao subir três pontos, atingir 36% e se distanciar oito pontos de Lula, que permanecia com 28%.

Depois de passar a impressão de que a eleição estava mesmo liquidada no primeiro turno, com FHC contabilizando mais de 6% acima da soma dos outros candidatos, segundo todas as sondagens de opinião, um fato novo toma conta da campanha e tornasse assunto obrigatório em todos os jornais e revistas: a crise econômica6, deflagrada com a moratória na Rússia, no dia 17 de agosto de 1998, passou pela Venezuela e desembarcou no Brasil, no dia 21, quando a Bolsa de Valores de São Paulo registrou queda de 10,4%, provocando a interrupção do pregão. A publicação de uma sondagem sobre FHC e a crise, no caderno Eleições da Folha de São Paulo no dia 06 de setembro encerrou a discussão sobre a possibilidade de mudança na ``corrida eleitoral'', posto que os desdobramentos apenas sacramentaram as tendências apresentadas: Medo da crise favorece FHC é a manchete do caderno.

Talvez os jornalistas nem dêem conta da influência que as sondagens de opinião passaram a ter na cobertura jornalística da política. Além de oferecerem um farto material de trabalho para o jornalista potencializado seu poder enquanto enunciador, elas tendem a influenciar a seleção dos acontecimentos políticos, organização interna da notícia e hierarquização dos candidatos.

Certamente, os jornalistas tinham os meios de fazer a seleção dos candidatos antes das sondagens, quer através das alianças políticas que sustentavam as candidaturas, das manifestações de apoio de setores representativos da sociedade como movimentos sociais e empresariais. A participação popular nos comícios também era um dos fatores de seleção dos candidatos que teriam destaque na mídia.

Em 1998, observou-se que a apresentação dos candidatos no jogo sucessório obedeceu à hierarquia indicada nas sondagens. Isto pode ser percebido na estrutura interna das notícias, como na própria organização das matérias na diagramação dos jornais. O que é mais importante, mais relevante foi indicado pelas sondagens.

Até maio, as matérias e a diagramação dos jornais e revista, seguiam sempre esta ordem - FHC, Lula e raramente incluía Ciro Gomes. Nesta época, as sondagens indicavam que FHC venceria facilmente no primeiro turno, com ampla vantagem de votos. Em junho, quando as sondagens identificam uma ascensão de Lula, o candidato começa a aparecer com mais freqüência nos jornais. Veja e a Isto É, por exemplo, dão capa ao candidato petista que também passa a ter matérias sobre a sua candidatura publicada com maior freqüência.

Sem conflito, a cobertura da sucessão presidencial não apresentou publicamente as diferenças políticas entre os postulantes ao cargo. As divergências, críticas, contestações e foram sufocadas pelas sondagens que conseguiram transformar a sucessão apenas numa ``corrida presidencial''. As polêmicas também foram sufocadas e talvez seja por isso que os erros cometidos pelos institutos tiveram uma repercussão tão forte nos próprios meios, pois eles não foram capazes (ou não quiseram) de ouvir outras expressões da opinião pública. Entidades não governamentais, partidos políticos, o cidadão comum, todas estas forças foram reduzidas a uma só: sondagens de opinião

Crise de credibilidade: momento de reflexão

A total harmonia que existia entre estes as empresas de comunicação, políticos e institutos de opinião em torno dos resultados das sondagens foi rompida. Denuncias de manipulação dos resultados das sondagens não é algo novo novas, mas em momento algum se viu surgirem vozes contrárias às formas de utilização e divulgação das sondagens. Mais do que a denuncia, a eleição precipitou uma crise de credibilidade dos institutos que foram forçados a admitir erros e, numa postura inédita, lançar campanhas publicitárias para informar à sociedade que falavam a verdade, algo impensado há 10 anos. O problema ganhou as páginas dos jornais e revistas, além do noticiário da televisão.

De elemento balizador dos textos jornalísticos, as sondagens se transformam em notícia justamente pela suspeita que se levantaram contra seus resultados, contra a metodologia aplicada pelos institutos de opinião e contra ao modelo de comercialização. A desconfiança generalizada e inédita uniu jornalistas e políticos de direita, centro e de esquerda. As dúvidas em relação ao trabalho dos institutos de opinião e as disparidades dos resultados obtidos nas sondagens em contraposição aos revelados pelas urnas culminou com uma proposta de criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito Mista, que mesmo sendo arquivada, demonstrou o grau de insatisfação dos seus usuários.

Na realidade, o agendamento do tema ``erros das pesquisas de opinião'' aponta para várias polêmicas que emergiram e ou se consolidaram nas eleições 98. A saber: a relação dos institutos de pesquisas com os políticos e meios de comunicação, a divulgação das sondagens pela mídia e a metodologia empregada por estas empresas a fim de identificar uma tendência de opinião na sociedade.

Sondagem e notícia: debatendo a problemática

O debate travado após os sucessivos erros cometidos pelos institutos de opinião nas eleições de 1998 pôs em cheque justamente esta relação com os meios de comunicação. Denunciado por jornalistas, políticos e representantes da sociedade civil, este episódio singular da política contemporânea midiática fez com que nos deparemos com uma questão básica: os resultados das sondagens podem realmente ser aceitos pelos jornais como um acontecimento político? A nossa posição aqui vai de encontro aqueles que são contra a divulgação das sondagens nos meios. Na realidade, como outros setores da sociedade, os institutos de opinião adaptaram-se perfeitamente à mídia e conseguiram fazer com que seus produtos (as sondagens de opinião) fossem previamente preparadas para se transformar em acontecimento político-midiático.

Esta manobra pode ser percebido, com clareza, na eleição presidencial de 1998. Apesar da cobertura de Veja ser, na maioria das vezes, tendenciosa é preciso ponderar a relevância do paradigma da manipulação deliberada dos meios enquanto modelo explicativo desta tendência do jornalismo. Sair desta perspectiva nos permitiria entender melhor o papel das sondagens na cobertura da política nas eleições presidenciais de 1998, já que nos oferece a possibilidade de indicar porque foi possível optar esta e não por outras formas de trabalho. Observando as particularidades das sondagens de opinião, podemos identificar alguns elementos que permitiram sua adoção pelos mídia, mesmo que isto cause alguns constrangimentos e alterações na cobertura política.

O acontecimento seria então o princípio da cobertura jornalística. Mas o que dirige a transformação do acontecimento em notícia? Quais os critérios que regulam esta seleção? Que características o acontecimento teria de demonstrar para ser alçado à condição de notícia. Geralmente, os acontecimentos que indicam desvios das normas e de comportamentos de pessoas alcançam a condição de notícia. È o que Adriano Duarte Rodrigues (1993) chama de ``ponto zero da significação''. Oposto à racionalidade, que é da ``ordem do previsível, da sucessão monótona das causas'', o acontecimento jornalístico é identificado pelo excesso, falha ou inversão, por Rodrigues. Certamente, estes critérios não justificam a totalidade da conversão das sondagens em acontecimento jornalístico.

Nas eleições de 1998 e nos pleitos de 1994 e 1989, a divulgação das sondagens não estava simplesmente atrelada a rupturas de regularidades. Pelo contrário, percebe-se uma continuidade de conversão que obedeceu, praticamente, a própria realização da sondagem para fins de divulgação. A diferença é que nos momentos em que são reveladas novidades como o súbito crescimento de Lula nos meses de maio e junho, as sondagens ganham mais destaques nas páginas dos jornais e revistas atendendo ao critério da novidade, do inusitado, posto que a própria imprensa criou e também passou a acreditar que FHC seria invencível.

Na sua versão atual, pelo menos, as que são divulgadas na mídia, as sondagens podem ser classificadas como meta-acontecimento, em que o real é um referente vago, ganhando forma apenas ao ser enunciado. Desta forma, o meta-acontecimento não é regido pelas regras do estado das coisas, ele acontece ao serem e pelo fato de serem enunciados. Realizam aquilo que anunciam pelo fato de enunciar.

Não que as percentagens publicadas não estabeleçam relação com a realidade, afinal, as sondagens representam uma tentativa de síntese das opiniões disponíveis na sociedade num determinado período. Queremos destacar, entretanto, que as sondagens, nesta perspectiva, acontecem realmente na mídia, neste âmbito da sociabilidade contemporânea. Acontecem porque ganham significado na mídia, produzem significados no campo político, além de produzirem outros acontecimentos a partir da sua enunciação.

Parece-nos que os jornalistas encontraram nas sondagens alguns elementos que permitiram a sua adoção sem grandes controvérsias. As sondagens teriam em si alguns valores que os profissionais deste campo social procuram nos acontecimentos que pretendem ou são levados a converter em notícia. Ou seja, nas eleições de 1998, o uso das sondagens como acontecimento político por excelência só foi possível porque, além de um possível direcionamento político, fruto de uma fiel adesão dos meios de comunicação à lógica neoliberal do governo FHC, elas puderam, de alguma forma, sustentar o discurso legitimador dos meios: o da visibilidade pública, posição que surge do equívoco de tomar as sondagens enquanto a forma de representação da opinião pública.

A atualidade do acontecimento sondagem seria reconhecida pela função dos meios em criar um ``presente social'' contínuo que serviria de referência para a coletividade. Games (1991) aponta a utilização de previsões como uma estratégia dos meios para ampliar o presente social. A este presente amplo, no qual são desenvolvidas várias ações em simultaneidade, está agregado um futuro enquanto capacidade de previsão efetivada tanto pelos experts quanto pelos políticos através das suas promessas. A possibilidade de prevê um resultado futuro, de antecipar fatos e conseqüências é um dos motivos que torna as sondagens extremamente atraentes para os jornalistas. Ao autorizar (legitimar) discursos que previam a vitória de FHC há vários meses da eleição, amplamente difundidos na imprensa, as sondagens eleitorais dão poder aos profissionais de, na prática, sedimentarem opiniões momentâneas como se fossem certezas, daí o abalo provocado pelos erros dos institutos. Se jornais, revistas e telejornais não elegessem as sondagens como a fonte política nas eleições, eliminando o potencial informativo das demais, a ``surpresa'' não seria tão grande.

Discursos que levam a pensar que sabemos o que ocorrerá e, portanto, nos prepara para o que vai ocorrer para que não fiquemos desprevenidos. As sondagens de alguma forma ajudam os meios a criar este presente contínuo já que eles ``actúan menos como historiadores que como presentadores, cuando no profetas'' (p.32). Nesta tarefa de mediar/presentificar o passado e o futuro, convertendo todos os tempos em presente, aberto ao porvir, a notícia das sondagens admitem comentários futuristas que foram articulados politicamente, posto que

``el público que sigue los médios de comunicación de uma zona dispone de uma referencia comum, el presente que los médios comunican y explican y esse presente se compone basicamente de hechos pasados, sucesos de um pasado inmediato que impresionam las imaginaciones de los lectores y oyentes como si fueran el presente'' (p.33).

A novidade talvez seja a forma de representação do presente, de atualidade, mais marcante. No caso das sondagens, o valor notícia novidade não se caracteriza pela ruptura radical. Sua característica principal é um singular estatisticamente, esperado semelhante ao ato de um governante ou a decisão econômica. Nas eleições de 98, elas ajudaram a compor o cenário político-midiático de uma vitória tranqüila e inevitável de FHC. A rigor a divulgação da sondagem e sua conexão com os temas do presente, que ocupam a agenda pública, é que determinam sua atualidade. Sondagens realizadas há uma semana, ou um mês, foram divulgadas e prontamente aceitas pela mídia como se o ``movimento de opinião'' registrado naquele momento ainda estivesse presente tal qual fora registrado antes. Veja, Isto É e Folha de São Paulo utilizaram estes expedientes como rotina. Na revista devido à periodicidade, a divulgação das sondagens ocorre com atraso de, pelo menos, cinco dias. E mesmo em edições posteriores, até a divulgação de outros resultados, eles são utilizados como se não pudessem mudar porque o jornalista atualiza estes resultados todas as vezes que divulga notícias que foram desdobramentos destas sondagens no campo político. Foi o que ocorreu durante o período de ascensão dos números percentuais de Lula em junho, levando a reação governista.

A segurança conclusiva das matérias sobre as eleições e sobre o embate político durante a crise financeira demonstra também que as sondagens foram utilizadas pelos jornalistas como informação proveniente de uma fonte aparentemente neutra, imparcial e segura, e por isso, com credibilidade. Foi um acontecimento selecionado em função da sua aparente ausência de ambigüidades e pela redução dos embates políticos em frias percentagens (Galtung e Ruge apud Alsina, 1996, p.111). Melhor, uma ``opinião do público para o próprio público'', como propagam os institutos de opinião, portanto, uma opinião supostamente legitima e representativa. E como conclui Alsina (1996), ``quanto más factores noticiosos están asociados a um acontecimiento más propabilidades tienen de ser noticia'' (p.112).

Portanto, a adoção das sondagens pelos meios não representava uma agressão aos padrões que norteiam a seleção dos acontecimentos que seriam transformados em notícia no jornalismo contemporâneo. Podemos supor que as sondagens pela facilidade, apesar do alto custo, se adequaram perfeitamente as rotinas produtivas dos jornais e revistas. Como acontecimento previamente definido, com data e hora marcada para existir, elas não alteram a rotina dos meios e ainda trazem a vantagem de gerar notícias difíceis de rebater e fáceis de compreender, sendo muito mais simples e econômico.

O grande problema então das eleições de 1998, não foi a adoção das sondagens enquanto acontecimento, mas como o majoritário e hegemônico, sem levar em consideração outras forças expressivas da sociedade. Em harmonia com a estratégia de silenciar a eleição, as sondagens cumpriram um papel fundamental para que a população ficasse com a impressão de que havia uma cobertura política. Parece-nos que o debate em torno das sondagens, depois da perda da aura de infalível, pode dar à sociedade brasileira a possibilidade de avaliar melhor a relação vital que os institutos mantém com os meios de comunicação.

A eleição de 1998 expôs todo as facetas da relação entre os institutos de opinião e os mídias. Ficou evidente que as sondagens podem sim ser admitidas como uma das fontes de informações do campo político, pois elas, além de oferecerem um conhecimento singular de realidade, possuem características que permitem a sua adoção tanto pelos meios de comunicação quanto pelos políticos. Ora, se esta posição é passível de entendimento, fica claro também que a eliminação das outras expressões dos sentimentos e desejos de uma população causa prejuízos irreparáveis para o jornalismo e para a sociedade.

Considerações Finais

Uma cobertura jornalística guiada pelas sondagens de opinião tem como resultado a redução drástica da discussão dos problemas políticos existentes num dado momento. Numa eleição, por exemplo, a frieza dos números transforma o processo sucessório, numa corrida presidencial, cuja preocupação última é saber quem está ganhando, quem avançou nas pesquisas. Nesta disputa, o jornal pode ajudar a acelerar a construção de candidaturas, ofuscando oponentes ou até mesmo indicar para a população que a eleição findou-se muito antes votação. Posicionamento, que não corrobora com a participação dos cidadão nas atividades e discussões públicas.

Não estamos falando em manipulações deliberadas, ainda que sejam possíveis e facilitadas pela falta de uma legislação mais rígida e eficaz. A preocupação que trazemos diz respeito muito mais à relação que o jornalismo deve ter com a sociedade e a democracia, tendo a opinião pública como um dos fatores de mediação. Discutimos ao longo deste artigo à problemática que cerca o conceito, suas variações, interpretações. Mostramos como as sondagens aparecem com um dos elementos deste processo e a importância de incluir os meios de comunicação, em especial o jornalismo, nesta discussão. Apontamos, entretanto, que a redução da opinião pública à estatística dos institutos de opinião pelos meios de comunicação não contribui para melhor conhecimento da realidade. Serviu muito mais aos interesses dos candidatos, partidos. As sondagens, como ocorreu nas eleições presidenciais de 1998, foram armas políticas, que os jornais brasileiros ajudaram a potencializar.

O uso indiscriminado das sondagens de opinião, a ostentação de seus números como símbolos da verdade e o silenciamento de outras expressões da opinião pública pelos meios noticiosos oferece a impressão que vivemos numa sociedade com conflitos apaziguados, uma sociedade com consensos extensos, sem tensões já que as preferências são vagas e simplificadas. Algo muito distante da realidade, principalmente durante uma sucessão presidencial.

Esta adequação, que distorce as normas básicas do jornalismo, ao ser efetivada provoca mudanças na forma da mídia perceber a política, uma mudança com prejuízos para outros acontecimentos políticos. O jornalismo moderno pressupõe relativa autonomia em relação ao sistema político e outros autores sociais poderoso. A utilização, sem maiores critérios, e a fé cega nos números dificultam a perspectiva, nascida na sua origem, de que o jornalismo é fundamental à vida pública em qualquer sociedade, oferecendo elementos para a discussão pública dos acontecimentos que atingem os seus membros concernidos. Parece-nos que é completamente descabida de sentido qualquer proposição que tenha por objeto a proibição da divulgação das sondagens de opinião. Mesmo partindo do pressuposto de que as opiniões em disputa no espaço público são individuais e estão dispostas em pé de igualdade, desconsiderando a presença dos atores coletivos, a metodologia das sondagens de opinião acaba formulando uma voz coletiva legítima a partir de opiniões dispersas, juízos de valor e predisposições racionais e emotivas, que podem estar latentes na população.

Evidenciamos nas eleições de 1998, que esta ``voz coletiva'' foi privatizada inúmeras vezes, atendendo muito mais aos interesses dos atores que encomendam as sondagens, dos próprios institutos de opinião, enquanto lucrativas empresas, dos profissionais do marketing e das empresas de comunicação. As sondagens, neste aspecto, devem ser pensadas e trabalhadas pelos jornalistas num quadro em que a sociedade civil e suas instituições sejam consideradas fundamentais para uma progressiva democratização da sociedade. O reducionismo da opinião pública a este novo elemento da política contemporânea aceita pelos jornalistas criou a falsa ilusão de que os representantes da população estão sendo permanentemente vigiados e avaliados, elevou as possibilidades de manipulação e dificultou o surgimento de novas propostas para o uso da metodologia a fim de elevar a participação dos cidadãos.

Bibliografia



Notas de rodapé

... Brotas1
Mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Faculdade de Comunicação da UFBA e professor de Teorias do Jornalismo e Comunicação e Política.
...ublico2
``Ao invés de uma opinião pública, o que se configura na esfera pública manipulada é um clima de opinião''. (Habermas,p.254.)
... Bourdieu3
Bourdieu vai ao âmago da problemática ao questionar, o que ele considera, os três postulados básicos de qualquer sondagem de opinião: a) a suposição de que todos podem ter uma opinião, ou seja, de que todas pessoas são capazes de produzir uma opinião sobre determinado assunto; b) de que estas opiniões se equivalem; c) de que existe um consenso sobre os problemas relevantes e perguntas que devem ser feitas.

... eleitoral4
``A cobertura do Jornal Nacional, por exemplo, praticamente se limitou aos números das pesquisas de intenção de voto, enquanto que os dois jornais (O Estado de São Paulo e Folha de São Paulo) transformaram as sondagens eleitorais nas grandes vedetes de suas coberturas'' (Azevedo, 2000, p.31). O jornalista Bob Fernandes (editor da revista Carta Capital) afirmou que o silencio em relação à campanha eleitoral foi orquestrada pelos principais meios em conformidade com o governo em função dos interesses que envolviam a privatização do Sistema Telebrás. A denúncia: ``Houve, de fato, uma sofisticação, mas eu temo que o papel das emissoras de televisão e da imprensa tenha sido talvez até pior do que em 1989, porque a conspiração do silêncio é pior porque ela nada provoca. É pior porque em 1989 você teve reação. As pessoas perceberam claramente. A ordem agora é não dá nada. Tem um documento interno, assinado pelo Roberto Marinho, que é uma piada. Diz o seguinte: como existem vários candidatos a governadores que são candidatos à reeleição e o presidente também à reeleição, então vamos nos limitar a cobrir as obras e não as pessoas. Aí eu pergunto: oposição tem obra? (...) O que eu ouvi de reclamação de colegas em todos os jornais, revistas sobre a pressão e censura é algo que eu não tinha visto, ao longo desses vinte anos'' depoimento registrado em Rubim, 2000, p.307.
... decolado5
A própria matéria de Veja revela que os resultados pegaram os oposicionistas de surpresa. ``O PT foi apanhado de surpresa tanto quanto o Palácio do Planalto'', diz os repórteres para algo que, pelo que diz os institutos de opinião, já é publico.
...omica6
Num levantamento sobre os dez principais temas e sub-temas que aparecem nos principais jornais, revistas, através das manchetes de primeira página, chamadas iniciais e títulos, editoriais e colunas, a crise financeira fica em terceiro lugar mesmo só ganhando destaque no final de agosto de 98. Azevedo (2000) também percebe que é neste momento que a cobertura do presidente/candidato cresce.