Por que as notícias são como são?
Construindo uma teoria da notícia

Jorge Pedro Sousa
Universidade Fernando Pessoa


Índice

Resumo

Entendendo por notícia toda a produção jornalística, este artigo sustenta que já existe matéria-prima suficiente para se edificar uma teoria da notícia (ou do jornalismo) centrada na resposta às questões "por que é que as notícias são como são (e não são de outra maneira)?", "por que temos as notícias que temos (e não temos outras notícias)?", "como circula a notícia e que efeitos gera?". Para se atingir esse objectivo, faz-se uma revisão de alguns conceitos e resultados de pesquisas centrais para a compreensão do processo jornalístico de produção de informação e dos efeitos das notícias.

Palavras-chave: teoria do jornalismo; notícia; produção de informação.

Introdução

Nem todos os pesquisadores do jornalismo estão de acordo sobre um tópico vital: existe ou não conhecimento científico e reflexivo suficiente para se edificar uma teoria do jornalismo, centrada no processo de produção, circulação e efeitos da informação jornalística? Uma outra questão tem também sido levantada: podem-se integrar numa única teoria os resultados de pesquisas efectuadas segundo perspectivas diferentes ou até antagónicas? Este artigo tem por objectivo sumariar diferentes contributos para o entendimento do jornalismo e dos seus efeitos, argumentando que esses contributos se podem integrar numa única teoria da notícia - ou do jornalismo.

Uma teoria da notícia deve responder a cinco questões centrais, reduzíveis a duas:

- Por que é que as notícias são como são e por que é que temos as notícias que temos?

- Como circula a notícia, como é consumida e quais os seus efeitos?

Responder a cada uma destas grandes interrogações permite delimitar duas grandes áreas centrais da teoria do jornalismo: a da produção da notícia; e a da circulação e consumo da notícia, ou seja, dos efeitos da notícia.

Ciência e teoria

Não existe acordo sobre se as ciências sociais e humanas são ou não "científicas". Régis Debray, por exemplo, propõe que a midialogia seja apenas considerada uma disciplina séria e não uma ciência1. Sousa (2003), por seu turno, entende que para as ciências da comunicação se considerarem ciências devem rejeitar a reflexão filosófica como método, afastando-se da filosofia para assumirem um enquadramento eminentemente científico. Isto implica que o objectivo das ciências da comunicação seja procurar chegar a leis científicas universais, nem que sejam probabilísticas, usando técnicas e métodos de pesquisa científicos. No entanto, ambas as concepções pressupõem que é possível estabelecer teorias, entendidas como explicações integradas para fenómenos comprovadamente correlacionados.

Uma teoria científica do jornalismo deve procurar integrar diversos fenómenos do campo jornalístico, enfatizando o resultado do processo de produção jornalística - a notícia. Assim, uma teoria do jornalismo deve explicar as notícias e os seus efeitos, qualquer que seja a notícia, o que remete para o carácter de universalidade da ciência. Deve ainda prever como qualquer notícia será construída e quais os efeitos genéricos que gerará (ainda que estes dependam de cada receptor), pois outra das marcas do conhecimento científico é a predição.

Para que uma teoria científica seja construída, têm de existir dados suficientes para se poder enunciá-la com certeza e clareza. Uma teoria científica do jornalismo não poderá fugir a esta regra. Contudo, uma teoria do jornalismo, como qualquer teoria científica, manterá a sua vigência enquanto não ocorrerem fenómenos que a contradigam, pois o conhecimento científico, que é construído, como qualquer outro tipo de conhecimento, é marcado pela possibilidade de refutação e, portanto, pela revisibilidade.

Notícia

Uma teoria científica tem de delimitar conceptualmente os fenómenos que explica ou prevê. A teoria do jornalismo deve ser vista essencialmente como uma teoria da notícia, já que a notícia é o resultado pretendido do processo jornalístico de produção de informação. Dito por outras palavras, a notícia é o fenómeno que deve ser explicado e previsto pela teoria do jornalismo e, portanto, qualquer teoria do jornalismo deve esforçar-se por delimitar o conceito de notícia.

É preciso também notar que o conceito de notícia tem uma dimensão que poderíamos classificar como táctica e uma dimensão que poderíamos classificar como estratégica. A dimensão táctica esgota-se na teoria dos géneros jornalísticos. Nessa dimensão, distingue-se notícia de outros géneros, como a entrevista ou a reportagem. Todavia, a dimensão estratégica encara a notícia como todo o enunciado jornalístico. Esta opção é aquela que interessa à teoria do jornalismo enquanto teoria que procura explicar as formas e os conteúdos do produto jornalístico.

Complementando uma definição de notícia dada por Sousa (2000; 2002), pode dizer-se que uma notícia é um artefacto linguístico que representa determinados aspectos da realidade, resulta de um processo de construção onde interagem factores de natureza pessoal, social, ideológica, histórica e do meio físico e tecnológico, é difundida por meios jornalísticos e comporta informação com sentido compreensível num determinado momento histórico e num determinado meio sócio-cultural, embora a atribuição última de sentido dependa do consumidor da notícia.

A notícia é um artefacto linguístico porque é uma construção humana baseada na linguagem, seja ela verbal ou de outra natureza (como a linguagem das imagens). A notícia nasce da interacção entre a realidade perceptível, os sentidos que permitem ao ser humano ``apropriar-se'' da realidade, a mente que se esforça por apreender e compreender essa realidade e as linguagens que alicerçam e traduzem esse esforço cognoscitivo.

As notícias ocupam-se com as aparências dos fenómenos que ocorrem na realidade social e com as relações que aparentemente esses fenómenos estabelecem entre si. A notícia não espelha a realidade porque as limitações dos seres humanos e as insuficiências da linguagem o impedem2. Por isso, a notícia contenta-se em representar3 parcelas da realidade, independentemente da vontade do jornalista, da sua intenção de verdade e de factualidade. Essa representação é, antes de mais, indiciática4. A notícia indicia os aspectos da realidade que refere. Ao mesmo tempo, a notícia indicia as circunstâncias da sua produção. Ou seja, entre notícia, realidade e circunstâncias de produção há um vínculo de contiguidade. Mas a notícia pode também ter estabelecer relações de semelhança com a realidade que referencia. Por esse motivo, a notícia pode assumir igualmente uma dimensão icónica5, correspondente, aliás, à própria ambição de iconicidade dos jornalistas que a produzem, ou seja, à vontade de o enunciado produzido (notícia) ser semelhante à realidade enunciada.

Vários factores interferem na construção da notícia. A natureza indiciática da notícia, ou seja, o facto de na notícia estarem indiciadas as circunstâncias da sua produção, permite determinar esses factores, nos quais se devem basear as explicações que se dão para explicar por que temos as notícias que temos e por que as notícias são como são. Na teoria unificada do jornalismo que neste texto se sustenta, esses factores podem ser de natureza pessoal, social, ideológica, histórica e do meio físico e tecnológico.

Uma teoria do jornalismo deve ocupar-se unicamente da notícia enquanto fenómeno jornalístico, isto é, deve ocupar-se dos enunciados que são produzidos por jornalistas credenciados e que são veiculados em espaços jornalísticos por meios jornalísticos6.

A notícia comporta informação com sentido compreensível num determinado momento histórico e num determinado meio sócio-cultural. Se dentro de um contexto um determinado facto emerge da superfície plana da realidade, sendo percepcionado como notável e, portanto, como um acontecimento digno de se tornar notícia (Rodrigues, 1988), noutro contexto esse mesmo facto pode passar despercebido por não ter um enquadramento que permita observá-lo como um facto notável, ou seja, como um acontecimento, como veremos neste artigo7.

Finalmente, a notícia só se esgota no momento do seu consumo, já que é nesse momento que ela produz efeitos e passa a fazer parte dos referentes da realidade. Esses referentes são a parte da realidade que formam a imagem que os sujeitos constroem da realidade. Por isso, a construção de sentido para uma notícia depende da interacção perceptiva, cognoscitiva e até afectiva que os sujeitos com ela estabelecem8.

Tendência ``divisionista'' para a explicação das notícias

Há autores que consideram que as explicações que têm sido avançadas para explicar os formatos e conteúdos das notícias são insuficientes para se edificar uma teoria do jornalismo e por vezes são também antagónicas e contraditórias. O mais referenciado defensor lusófono desta tese é, provavelmente, Nelson Traquina (2001; 2002). Para Traquina (2002: 73-129) há a considerar várias "teorias", que podem ser resumidas da seguinte maneira:

Como é visível, as diferentes "teorias" que aqui foram referidas não têm fronteiras muito bem definidas. Há entre elas pontes, pontos de contacto, explicações comuns. Aquilo que as une é mais importante do que aquilo que eventualmente as separa. Usando os mesmos dados de Traquina, é possível tecer uma teia explicativa global para as notícias - é uma questão de sistematizar esses dados. Este é um dos principais argumentos que sustenta as teses "unionistas".

Tendência "unionista" para a explicação das notícias

Em 1988, Michael Schudson escreveu que as teorias unidimensionais não conseguem explicar as notícias. "As explicações para as notícias serem o que são só terão interesse se pressupomos que não é óbvio as notícias serem o que são. Se estivermos convencidos de que as notícias apenas espelham o mundo exterior ou que simplesmente imprimem os pontos de vista da classe dominante, nesse caso não é necessário mais nenhuma explicação." (Schudson, 1988: 17) Por isso, para compreender as notícias, segundo Schudson (1988), há que conciliar várias explicações. Isoladas, essas explicações são insuficientes para explicar as notícias que temos e por que elas são como são, mas em conjunto revelam todo o seu poder explicativo:

Ao reconhecer as insuficiências das explicações unidimensionais e ao cruzar essas explicações para explicar por que é que as notícias são como são, Michael Schudson dá pistas para se alicerçar uma teoria unificada do jornalismo, no que diz respeito ao processo de produção de informação.

Por seu turno, ao estudar o processo de gatekeeping no jornalismo, Pamela Shoemaker (1991), baseada nos resultados de pesquisas anteriores, deu conta da existência de diversos factores que influenciam esse processo. Esses factores foram agregados pela autora em quatro níveis de influência:

Resumindo, ao explicar o processo de gatekeeping Pamela Shoemaker montou as bases para a edificação de uma teoria unificada capaz de explicar o processo jornalístico de produção de informação, com base na interacção de diferentes forças. Mais tarde, Pamela Shoemaker e Stephen Reese (1991; 1996) voltaram a essa temática, tendo complementado e aprofundado a explicação inicial de Shoemaker. Do trabalho de 1996, publicado sob a forma de livro (Mediating the Message - Theories of Influences on Mass Media Content), resultou a construção de uma teoria unificada dos conteúdos noticiosos, ligada, ademais, aos efeitos desses conteúdos. Tal como no livro Gatekeeping (1991), de Shoemaker, os autores de Mediating the Message estruturam a sua teoria da notícia em vários níveis de influência:

Conforme é notório, em relação ao trabalho de Shoemaker de 1991 os autores reconhecem a importância da ideologia como um factor capaz de influenciar o conteúdo das notícias. Agregando as ideias de Shoemaker e Reese às de Schudson, e tendo em conta as perspectivas "divisionistas" de Traquina (2001; 2002), é possível perceber que numa coisa os estudiosos do jornalismo estão de acordo: os resultados das pesquisas colocam em evidência que factores de natureza pessoal, social (organizacional e extra-organizacional), ideológica e cultural enformam e constrangem as notícias. Uma teoria unificada do jornalismo tem de partir desse património comum de conhecimento científico sobre jornalismo.

Circulação, consumo e efeitos das notícias

Uma teoria unificada do jornalismo e da notícia fica incompleta se não lhe for agregada a componente dos efeitos das notícias. Shoemaker e Reese (1991; 1996: 258-260), por exemplo, chamam a atenção para a necessidade de se interligarem os efeitos das notícias e as influências sobre os conteúdos noticiosos numa teoria unificada da notícia (ou do jornalismo). Os autores argumentam -e bem- que é necessário conhecer os conteúdos das notícias para se perceberem os respectivos efeitos; e que só se percebem os efeitos quando se conhecem os conteúdos. Por outras palavras, pode-se dizer que a notícia apenas se esgota na sua fase de consumo, que é, precisamente, a fase em que produz efeitos. Além disso, Shoemaker e Reese (1991; 1996: 260) realçam que os efeitos das notícias sobre a sociedade, as instituições e os poderes podem, por sua vez, repercutir-se retroactivamente sobre os meios jornalísticos e, portanto, sobre as notícias e os seus conteúdos.

A concepção dos efeitos das notícias deve partir da teoria da dependência, pela primeira vez proposta por Ball-Rokeach e DeFleur (1976). Para estes autores, os meios de comunicação, nos quais se incluem os meios jornalísticos, são a principal fonte de informação que a sociedade tem sobre si mesma. São também os meios de comunicação os agentes mais relevantes para pôr em contacto os múltiplos subsistemas sociais. Assim, as pessoas, os grupos, as organizações e a sociedade em geral dependem dos meios de comunicação para se manterem informados e para receberem orientações relevantes para a vida quotidiana. Quanto mais uma sociedade está sujeita à instabilidade ou à mudança, mais as pessoas, os grupos e as organizações dependem da comunicação social para compreenderem o que acontece, receberem orientações e saberem como agir.

O modelo da dependência desenvolvido por Ball-Rokeach e DeFleur (1982; 1993) tem também a vantagem de sistematizar muito pertinentemente os efeitos da comunicação social e, portanto, das notícias. Esses efeitos circunscrevem-se a três categorias: efeitos cognitivos, efeitos afectivos e efeitos comportamentais. A grande vantagem desta sistematização é facultar a integração de diversas "teorias" dos efeitos nessas três grandes macro-categorias.

É necessário ter-se em consideração que quando se fala de efeitos das notícias se fala de efeitos possíveis ou mesmo prováveis a larga escala. No entanto, convém não ignorar que, em última análise, os efeitos de uma notícia são relativos, pois dependem de cada consumidor da mesma em particular10.

Uma teoria da notícia unificada, segundo Sousa

Uma teoria científica deve ser formulada de maneira breve, simples, clara e, se possível, matematizada. Por exemplo, a teoria da relatividade explicita que a energia é directamente proporcional ao produto da massa pelo quadrado da velocidade da luz (E = mc2). Assim, tendo essa ideia em consideração, e recorrendo aos contributos explicativos das notícias de Shoemaker e Reese (1991; 1996) e de Schudson (1988), Sousa (1997; 2000; 2002) procurou construir uma teoria unificada da notícia que ultrapassasse algumas insuficiências detectáveis nos modelos de Schudson e de Shoemaker e Reese (1991; 1996) e fosse enunciada de forma breve, clara e matemática.

A teoria unificada da notícia de Sousa tem o seguinte enunciado: a notícia é o resultado da interacção simultaneamente histórica e presente de forças de matriz pessoal, social (organizacional e extra-organizacional), ideológica, cultural, do meio físico e dos dispositivos tecnológicos, tendo efeitos cognitivos, afectivos e comportamentais sobre as pessoas, o que por sua vez produz efeitos de mudança ou permanência e de formação de referências sobre as sociedades, as culturas e as civilizações.

A tradução matemática da parte da teoria que diz respeito à construção da notícia é uma função em que N (notícia) é directamente proporcional ao produto das forças atrás citadas - pessoal, sócio-organizacional, extra-organizacional, ideológica, cultural, histórica, do meio físico e dos dispositivos tecnológicos:

N = f (Fp.Fso.Fseo.Fi.Fc.Fh.Fmf.Fdt.Fh)

As forças constantes da equação podem ser definidas das seguintes maneiras:

Os resultados das pesquisas que têm vindo a ser produzidas sobre o campo jornalístico permitem alicerçar a teoria aqui sumariamente apresentada11. Vejamos alguns exemplos, necessariamente de forma muito resumida:

Força pessoal

Desde que White (1950) lançou os estudos com base na útil metáfora do gatekeeping que se estuda o papel do jornalista, enquanto pessoa individual, na conformação da notícia. No seu estudo pioneiro, o autor concluiu que a selecção das notícias é um processo subjectivo, fortemente influenciado pelas experiências, valores e expectativas do gatekeeper. Essas ideias foram revistas, no sentido de enfatizar factores como os constrangimentos organizacionais, mas não foram abandonadas. Por exemplo, os estudos sobre ``o que vai na mente" dos jornalistas, nomeadamente no campo do papel das cognições, mostram que há, intencional ou involuntariamente, influências pessoais sobre as notícias. Stocking e Gross (1989) provaram que os jornalistas fazem um uso adaptado de rotinas cognitivas que lhes são familiares para organizar as informações e produzir sentido e tendem a procurar e seleccionar informações que confirmam as suas convicções.

A auto-imagem que cada jornalista tem do seu papel pessoal pode, igualmente, ser um factor influente na selecção de informação. Por exemplo, Johnstone, Slawski e Bowman (1972) mostraram que alguns jornalistas se consideravam ``neutros'', perspectivando as suas profissões como meros canais de transmissão, e que outros se viam como "participantes", acreditando que os jornalistas necessitam de pesquisar para descobrir e desenvolver as histórias. A auto-imagem que cada jornalista tem do seu papel influencia, portanto, a construção das notícias.

As rotinas produtivas situam-se a meio caminho entre a força pessoal e a força social, pois correspondem a formas mecanicistas pessoais de proceder, embora esses mecanicismos representem, igualmente, uma maneira de os jornalistas se defenderem de críticas e de as organizações noticiosas fazerem estrategicamente face ao imprevisto e conseguirem garantir que o produto informativo se faz (Tuchman, 1972; 1978).

Se bem que as notícias possam reter marcas das fontes, o que é manifestamente uma forma de manifestação pessoal sobre as notícias, os jornalistas não são meros agentes passivos perante as fontes, negociando com elas informações e seus significados. Por este motivo, e uma vez que há contactos entre a organização noticiosa e as fontes através dos jornalistas, as relações entre estes e as fontes de informação podem melhor situar-se na esfera social extra-organizacional.

Força Social

A pesquisa tem demonstrado que, independentemente da vontade dos jornalistas, apenas uma pequena parcela de factos se converte em notícia. Os estudos sobre newsmaking lançam alguma luz sobre esse fenómeno, enfatizando vários mecanismos que transcendem a acção pessoal do jornalista, entre os quais a força social, que se pode situar em diferentes níveis: uma força sócio-organizacional (que se refere aos constrangimentos decorrentes das organizações noticiosas) e uma força social extra-organizacional (referente a todos os constrangimentos que influenciam o jornalismo a partir do exterior).

Ao nível organizacional, as notícias são influenciadas por factores como a rede que estendem para pescar acontecimentos dignos de se tornarem notícia (Tuchman, 1978), o desejo de lucro (Gaunt, 1990), os mecanismos de socialização que impelem os jornalistas a seguir as normas organizacionais (Breed, 1955), a competição entre editores e editorias (Sigal, 1973), os recursos humanos e materiais (Sousa, 1997), a hierarquia e a organização internas (Sousa, 1997), a dimensão e a burocracia interna (Shoemaker e Reese, 1996), os constrangimentos temporais (Schlesinger, 1977), etc.

Ao nível extra-organizacional, as notícias são influenciadas por factores como a audiência e o mercado (Gaunt, 1990; Kerwin, 1993), as relações (problemáticas) estabelecidas entre jornalistas e fontes de informação, com prevalência dos canais de rotina12 (Sigal, 1973, etc.), etc.

Força ideológica

Pode considerar-se a ideologia como um mecanismo simbólico que, integrando um sistema de ideias, cimenta a coesão e integração de um grupo social em função de interesses, conscientes ou não conscientes (a cultura também cimenta coesões, mas não em função de interesses).

A força ideológica sobre as notícias exerce-se a vários níveis. Embora não se possa excluir que as ideologias políticas possam interferir na orientação dos órgãos de comunicação social e na actuação dos jornalistas, nos estados de direito democráticos as principais ideologias que moldam as notícias são as ideologias profissionais dos jornalistas, em concreto a ideologia da objectividade e a ideologia do profissionalismo (Sousa, 2000; 2002). Ambas as ideologias procuram relegitimar continuamente a função dos jornalistas nas sociedades democráticas. A ideologia da objectividade, por exemplo, é, segundo Sousa (2000; 2002) uma das causas da orientação descritiva e factual das notícias, da ambição mimética em relação à realidade que as notícias tornam explícita, da identificação sistemática das fontes de informação nos enunciados noticiosos, da rede de facticidade (Tuchman, 1972; 1978), etc. A ideologia do profissionalismo desenvolve alguns dos mais nobres ideais do jornalismo, indiciados nos conteúdos noticiosos: coragem para reportar mesmo em situações de perigo, algumas delas colocando em causa a própria vida do jornalista; vontade de separar desejos e ideias pessoais da actuação profissional, etc. (Sousa, 2000; 2002).

As notícias também tendem a possuir um conteúdo ideológico que decorre, sobretudo, das práticas profissionais. Nesse caso, as notícias transformam-se num produto para a amplificação dos poderes dominantes, para a definição do legítimo e do ilegítimo, do normal e do anormal e para a sustentação do statu quo (Hall, 1973; 1978; Shoemaker e Reese, 1996, etc.).

Força cultural

Os processos de newsmaking ocorrem num sistema sócio-cultural. As notícias transportam consigo os ``enquadramentos'' (frames) em que foram produzidas. Por vezes, não havendo outros enquadramentos disponíveis, os jornalistas usam enquadramentos já usados para interpretar os novos acontecimentos (Traquina, 1988).

Karl Manoff (1986) e Gaye Tuchman (1976; 1978) fizeram notar que a escolha de um frame não é inteiramente livre, pois depende do ``catálogo de frames disponíveis'' num determinado momento sócio-histórico-cultural, isto é, depende do aspecto que o real assume nesse momento.

Elisabeth Bird e Robert Dardenne (1988) falam das notícias como sendo construídas no seio de uma gramática da cultura. São, assim, representativas dessa cultura e ajudam a compreender os seus valores e símbolos. Inclusivamente, enquanto narrativas míticas, as notícias possuem códigos simbólicos reconhecidos pela audiência. Por exemplo, as notícias, segundo os autores, recriam um sentimento de segurança ao promoverem uma certa ordem e ao estabelecerem fronteiras para o comportamento aceitável. Shoemaker e Reese (1996: 114) dizem, por seu turno, que as histórias jornalísticas, para serem atraentes, tendem a integrar os mitos, parábolas, lendas e histórias orais mais proeminentes numa determinada cultura.

Por seu turno, Hall (1984) assinalou que no processo jornalístico de fabrico de informação é mobilizado um inventário do discurso. Neste processo, os jornalistas não se limitam a usar definições culturalmente determinadas, pois têm de integrar novas situações em velhas definições. Do mesmo modo, para Phillips (1976), um acontecimento deve corresponder ao esperado (valor da consonância). Por isso, as notícias são repetitivas, o que acentua a sensação de que existe novidade sem mudança. Segundo E. Barbara Phillips, os jornalistas têm ainda uma linguagem própria, que Nelson Traquina (1993) traduz como jornalês.

É possível usar o conteúdo das notícias como ponto de partida para a compreensão da produção cultural pelo sistema jornalístico. Três exemplos. Nimmo e Combs (1983) estudaram como os news media representavam a realidade, a partir da lógica da representação dramática --actores, actos, cena, motivos, cenários e agente sancionador (a fonte principal que justifica os acontecimentos, as acções e a conclusão dos dramas). Robert Smith (1979), por seu lado, estudou várias estações de televisão, tendo concluído que usavam nas notícias um número considerável de narrativas consistentes e previsíveis, entre as quais 83% poderiam ser classificadas em três categorias: 1) ``homem decide''; 2) ``sofrimento''; e 3) ``vilão apanhado''. Michael Schudson (1988), por sua vez, diz que as notícias podem ser vistas na perspectiva dos géneros literários, assemelhando-se a romances, tragédias, comédias e sátiras. As páginas sociais de um jornal são como um romance, que pode, contudo, ser mesclado de comédia. A reportagem de um incêndio já é uma tragédia. Algumas notícias de polícia são quase uma forma abreviadíssima de romance policial. Para Schudson, as notícias são semelhantes porque as pessoas contam histórias de forma semelhante.

Forças do meio físico e dos dispositivos tecnológicos

Não há muitos estudos sobre a influência do meio físico e dos dispositivos tecnológicos sobre o trabalho jornalístico. De qualquer modo, é quase intuitivo dizer-se que um jornalista pode produzir mais e melhor num local apropriado ao seu trabalho do que num escritório inadequado e desconfortável. Por outro lado, os meios informáticos permitem-lhe corrigir, rever e alterar facilmente os textos, coisa que não acontecia com as antigas e pesadas máquinas de escrever, pelo que é de colocar por hipótese que com o advento dos meios informáticos nas redacções a qualidade dos textos possa ter melhorado. Aliás, com a redacção ligada em rede as chefias podem rapidamente rever, corrigir e rescrever textos. Mas há mais exemplos da influência dos dispositivos tecnológicos sobre os formatos e conteúdos das notícias. Por exemplo, o cruzamento de texto e infografia, possibilitada pela informática, contribuiu para a generalização e para a reformulação das formas de noticiar, criando novos géneros jornalísticos - os infográficos. No patamar dos conteúdos, o jornalismo assistido por computador e as redes informáticas, em particular a Internet, dão também ao jornalista novos instrumentos de busca de informação que ajudam transformar as notícias. Mas a Internet também tem diminuído a importância da figura do jornalista como gestor privilegiado dos fluxos de informação no meio social. Há, porém, a considerar que a sobrecarga informativa também pode não ser benéfica e aproveitável para o cidadão, pelo que os jornalistas, no futuro, poderão ter um importante papel a desempenhar como analistas e selectores de informação.

Com a introdução dos computadores tornou-se também mais fácil e de difícil detecção manipular digitalmente imagens e até criá-las (Sousa, 1997).

Força histórica

Os diferentes tipos de forças que enformam a notícia num determinado momento fizeram-se igualmente sentir ao longo da história. Por seu turno, a evolução histórica reflecte-se sobre esses mesmos factores na actualidade. Pode-se, assim, dizer que as notícias que temos são fruto da história. Vários dados fundamentam a minha asserção. Por exemplo, os avanços nos processos de transmissão e difusão de informação trouxeram novas formas de noticiar. O critério de noticiabilidade da ``actualidade'' ganhou uma dimensão mais relevante a partir do aparecimento do telégrafo. Por outro lado, e ainda a título exemplificativo, a urbanização e a organização do território permitiram a concentração de consumidores de informação em núcleos urbanos, facilitando a distribuição de jornais. Este factor, aliado à alfabetização, contribuiu para o aparecimento dos primeiros jornais generalistas (Álvarez, 1992).

Outros factores históricos marcaram o desenvolvimento do jornalismo. Por exemplo, ao longo dos anos tem-se assistido ao alargamento do conjunto de temas noticiáveis, devido, entre outras razões, à evolução dos frames culturais (Álvarez, 1992). A influência das vitaminas na saúde dificilmente seria um tema eleito para notícia há décadas atrás, mas agora é-o. Nos anos sessenta, a corrente que ficou conhecida por (segundo) ``Novo Jornalismo'', por seu turno, contribuiu para colocar a perspectiva do jornalista, necessariamente subjectiva e impressiva, no centro da enunciação noticiosa. A evolução recente do jornalismo para a análise (v.g., Barnhurst e Mutz, 1997) terá beneficiado desse movimento, tal como terá beneficiado de factores como a televisão, onde o jornalista-vedeta assume uma posição central.

Um registo curioso da evolução histórica do jornalismo pode delinear-se a partir da tese do primeiro doutor em Comunicação, Tobias Peucer. Peucer debruçou-se, em 1690, sobre a forma de relatar notícias, tendo identificado alguns fenómenos paleojornalísticos antigos. Por exemplo, antigos gregos, como Homero, ou antigos romanos, como Júlio César, já usavam nas suas narrativas formas de estruturação textual (dispositio) semelhantes à técnica da pirâmide invertida. O próprio Peucer, na sua tese doutoral, intitulada De Relationibus Novellis, propunha que no relato ``noticioso'' se respeitassem escrupulosamente as regras que mandavam indicar o sujeito, objecto, causa, maneira, lugar e tempo. Estes elementa narrationis acabam por corresponder às seis questões a que tradicionalmente se dá resposta na notícia: ``Quem?'', ``O Quê?'', ``Quando?'', ``Onde?'', ``Como?'' e Porquê?'' (Casasús e Ladevéze, 1991). Vê-se, assim, que certas técnicas jornalísticas têm raízes históricas profundas, apesar de, por vezes, haver inovações, como a entrevista de pergunta-resposta, que surgiu no século passado. Com frequência, contamos histórias de maneira semelhante à forma como os nossos antepassados as contavam. Mesmo formas alternativas de estruturar o texto noticioso, como o relato cronológico, a técnica da pirâmide normal ou a introdução de um início e de um final fortes no texto obedecem a fórmulas retóricas a que os nossos antepassados recorriam, respectivamente o modus per tempora, o modus per incrementa e o relato nestoriano (Casasús e Ladevéze, 1991).

Em síntese, retoma-se a ideia original: é possível, com os dados já obtidos nos estudos jornalísticos, construir uma teoria unificada da notícia e dos seus efeitos, obedecendo aos critérios que devem ser tidos em conta quando se propõe uma teoria científica: clareza, brevidade, capacidade de previsão. Quando uma notícia vier a contradizer a teoria, será, então, altura de rever a teoria e, eventualmente, de a substituir.

Bibliografia



Notas de rodapé

...encia1
Debray em entrevista a Adelino Gomes, publicada no suplemento Mil Folhas do jornal Público, a 23 de Novembro de 2002.
... impedem2
Para uma melhor compreensão deste fenómeno, consulte-se a tese doutoral de José Rodrigues dos Santos (2001).
...representar3
Alguns semióticos dizem mesmo simular.
...atica4
Recorre-se aqui à clássica divisão dos signos estabelecida por Peirce.
...onica5
Também pode funcionar como símbolo, mas esta discussão já transcende os objectivos da presente definição de notícia.
... jornalísticos6
Para efeitos deste artigo, é estéril debater as fronteiras do jornalismo, o que é e não é jornalismo, quem é e quem não é jornalista, o que é ou não é um meio jornalístico.
... artigo7
Para sustentação e aprofundamento deste argumento, consulte-se Sousa (2000; 2002).
... estabelecem8
Para sustentação e aprofundamento deste argumento, consulte-se Sousa (2000; 2002).
... etc.9
Para uma abordagem mais exaustiva destas teorias, consulte-se Sousa (2003) ou Sousa (2000).
... particular10
Para uma mais completa argumetnação, consultar Sousa (2000) ou Sousa (2003).
... apresentada11
Nos livros de Sousa (2000; 2002), Shoemaker e Reese (1991; 1996) e Shoemaker (1991) encontram-se abundantes referências aos resultados das pesquisas sobre jornalismo, sistematizados de acordo com a tese apresentada.
... rotina12
São muitas as pesquisas sobre as relações entre jornalistas e fontes. Consultar, por exemplo, Sousa (2000; 2002) ou Santos (1997).