O Jornalismo e as "teorias intermediárias": cultura profissional, rotinas de trabalho, constrangimentos organizacionais e as perspectivas da Análise do discurso(AD)

Alfredo Vizeu1


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Resumo: Estudar o campo do Jornalismo é de fundamental importância para entendermos de que forma a mídia contribui diariamente para a construção da realidade social. Refletir sobre isso é uma obrigação da comunidade acadêmica no sentido de procurar entender o lugar que ocupa - ou que deve ocupar - a mídia nas sociedades democráticas. Consideramos que um dos caminhos a ser percorrido para tentarmos compreender esse fenômeno é estudar o Jornalismo a partir da complexidade desse campo e das inúmeras atividades que essa atividade enfrenta. Nesse sentido, o trabalho tem como preocupação apresentar o que definimos como "teorias intermediárias". Propomos esse conceito provisório porque consideramos, como lembra Traquina (1993) ainda não é possível apresentar um conjunto consistente e interligado de princípios e proposições que resultaria numa Teoria do Jornalismo.

Palavras-chave: Jornalismo, "Teorias", Notícia.

Introdução

Consideramos que não há mais como contestar que o estudo do Jornalismo constitui um campo do conhecimento já com uma longa tradição de pesquisa, apesar de alguns representantes do mundo acadêmico e da comunidade jornalística procurarem ignorar isso, que começa nos meados do século XX e prossegue com mais intensidade até os dias de hoje. Nesse sentido, procuraremos alinhar aqui algumas "teorias" que buscam explicar o dia-a-a-dia da atividade do jornalista e podem colaborar para um melhor entendimento dessa área. Nesse sentido, são "teorias intermediárias" que buscam identificar fenômenos particulares da atividade jornalística como rotinas de trabalho, cultura profissional, entre outros.

A grande preocupação das pesquisas sobre jornalismo e produção da notícia, no decorrer no século XX, foi responder à pergunta: Por que as notícias são como são? As investigações sobre esse campo têm início no século XIX. Na Universidade de Chicago, em 1910, foi apresentada uma tese de doutorado sobre o papel social do jornal. O sociólogo alemão Max Weber escreveu sobre as notícias num trabalho publicado em 1918.

Quatro anos depois, o sociólogo norte-americano Park realizou um estudo sobre a natureza das notícias em 1922. Para o autor, "...a função da notícia é orientar o homem e a sociedade num mundo real. Na medida em que o consegue, tende a preservar a sanidade do indivíduo e a permanência da sociedade" (PARK, 1972, p.183).

Nesse mesmo ano, Lippman publicou seu livro Opinião Pública, em cujo primeiro capítulo, sob o título The world outside and the pictures in our heads, mostra que a mídia (a imprensa, essencialmente, nesse momento histórico) é a principal ligação entre os acontecimentos do mundo e as imagens desses acontecimentos na nossa mente.

Lippmann iria antecipar em 50 anos todo um conjunto de pesquisas em torno da teoria do agendamento (McCOMBS, SHAW, 1972), que foi, no fim do século XX, uma das linhas de pesquisa mais dinâmicas no estudo da mídia e do jornalismo. Basicamente, a hipótese do agendamento sustenta que as pessoas agendam seus assuntos e conversas em função do que a mídia veicula.

Durante os anos 40, a investigação sobre o jornalismo esteve no centro dos célebres estudos de Lazarsfeld, que pretenderam determinar a influência da campanha eleitoral sobre o voto dos cidadãos norte-americanos, concluindo que o poder da mídia consiste, acima de tudo, em cristalizar as opiniões existentes e não em modificá-las (DeFLEUR, BALL-ROKEACH, 1993).

As pesquisas de Lazarsfeld deram origem ao modelo da comunicação em dois níveis (two-step flow of communication) e à teoria dos efeitos limitados da mídia, utilizando, como base, dados sobre a exposição das pessoas às notícias, isto é, ao jornalismo. Nesses dois momentos históricos da mídia, o objeto de estudo era mais precisamente o estudo do jornalismo. No capítulo sobre a audiência presumida, tratamos, com mais detalhes dos estudos de Lazarsfeld sobre a audiência.

O ano de 1950 representou um marco histórico na investigação em jornalismo. Num artigo publicado na Journalism Quartely, a mais antiga revista acadêmica sobre estudos jornalísticos, White aplica ao jornalismo o conceito de gatekeeper. O termo refere-se à pessoa que toma a decisão e foi introduzido pelo psicólogo Kurt Lewin, numa pesquisa, publicada em 1947, sobre as decisões domésticas em relação a compra de alimentos para casa.

O artigo de White deu origem a uma das tradições mais persistentes e prolíferas sobre o jornalismo. Na teoria de White, o processo de produção de notícias é concebido como uma série de escolhas, onde o fluxo de notícias tem que passar por diversos portões (gates), que são momentos de decisão em relação aos quais o gatekeeper (jornalista) tem de decidir se vai escolher ou não uma notícia, deixá-la passar ou não.

Jornalismo: Uma abordagem sociológica

O conceito de gatekeeper influenciou muito uma fase de estudos do jornalismo nas décadas de 50 e 60, continuando a alimentar uma corrente de pesquisa sobre o tema nos anos 90, mas já sem a força dos tempos passados.

Ao longo dos anos 50, a investigação é, na essência, quantitativa, e a metodologia dominante é a análise de conteúdo. Em 1955, uma primeira abordagem nitidamente sociológica amplia a perspectiva que começou com White, sublinhando o peso dos constrangimentos organizacionais no trabalho jornalístico, abrindo, assim, uma nova abordagem, que só iria ganhar um papel importante no jornalismo dos anos 70.

Os anos 50 são marcados, também, pelos primeiros estudos sobre a circulação da informação no mundo e a investigação comparativa dos jornais. Mas, será sobretudo o fluxo da informação internacional que constituirá uma preocupação nos estudos do jornalismo nos próximos 30 anos.

Uma das principais conclusões dessa linha de investigação foi a dependência dos países do chamado Terceiro Mundo das notícias produzidas pelas agências internacionais, com sede no Primeiro Mundo. O chamado fluxo informativo de sentido único seria objeto de debate na UNESCO, em torno da Nova Ordem Internacional da Informação.

Foi justamente num estudo sobre a estrutura das notícias internacionais que Galtung e Ruge (1993, p.61-73) avançam, em 1965, na primeira reflexão teórica sobre um dos aspectos centrais do trabalho jornalístico - a questão dos valores-notícia, que os jornalistas utilizam para selecionar os fatos.

Nos anos 60, a crise dos mísseis em Cuba, o movimento dos direitos civis e a guerra do Vietnã provocaram uma série de estudos sobre as organizações noticiosas baseados na observação-participante. Muitos deles ressaltavam a forma em que o processo de elaboração das notícias dava lugar a significados ideológicos implícitos (TUCHMAN, 1993, p. 105)

Nos anos 70, a abordagem sociológica do jornalismo, com base na utilização de metodologias tradicionais, como entrevistas e o questionário, introduzido no estudo do jornalismo nas décadas de 30, 50 e 60, é enriquecida com a crescente utilização de uma abordagem etnográfica.

Surge um novo paradigma nas pesquisas: o jornalismo como construção social da realidade (TUCHMAN, 1983, SCHLESINGER, 1992). Nesses estudos, a teoria das notícias como espelho, como simples reprodução da realidade é negada. Segundo Schlesinger, a perspectiva etnográfica, ao contrário de outras abordagens que estudam o produto jornalístico, permite uma observação teoricamente mais detalhada sobre as ideologias e as práticas dos jornalistas.

Na pesquisa etnográfica, os investigadores, seguindo o exemplo dos antropólogos, foram aos locais de produção, permaneceram, durante longos períodos de tempo, observando como os profissionais do jornalismo desenvolviam suas atividades, para compreender como se dá o processo de produção das notícias. Isso permitiu reconhecer que as rotinas constituem um elemento central nesse processo. A importância das rotinização da prática e da produção jornalística é um elemento-chave para entender o novo paradigma construtivista dos anos 70.

O grande avanço dos estudos do jornalismo na década de 70 está relacionado diretamente com as inovações metodológicas, que contribuíram, de forma decisiva, para a riqueza da investigação. A metodologia tradicional da análise de conteúdo permaneceu como uma das abordagens constantes das pesquisas jornalísticas, mas deixou de ter um monopólio na análise dos textos, com a crescente utilização da análise do discurso como metodologia, em particular, a partir dos anos 80. Ao nos referirmos à análise de discurso estamos tratando tanto da tradição francesa como da anglo-saxônica.

Um exemplo de trabalho desenvolvido nesse campo é o de Van Dijk (1996). A principal característica do enfoque desenvolvido pelo autor é analisar as notícias, em primeiro lugar, como um tipo de texto ou discurso jornalístico, assim como os diversos níveis de descrição e das unidades ou categorias utilizadas para caracterizar explicitamente esses níveis ou dimensões.

Van Dijk explica que a análise de discurso é uma disciplina interdisciplinar, que se interessa pela análise dos diferentes contextos do discurso, isto é, pelos processos cognitivos da produção e recepção e pelas dimensões socioculturais do uso da linguagem e da comunicação.

Apesar de admitir uma integração da sua concepção com uma análise sociológica da notícia, ele considera que os estudos do jornalismo a partir de uma análise social seguem sendo superficiais, além de considerar que as análises resultam um pouco impressionistas, relatando mais histórias em vez de analisá-las: "podemos denominá-las de relatos observacionais das notícias" (VAN DIJK, 1996, p.21).

As várias pesquisas realizadas sobre jornalismo e o acúmulo de investigações nesse campo permitem-nos esboçar algumas teorias, que tentam responder à pergunta porque as notícias são como são, reconhecendo o fato de que o uso da expressão teoria é discutível porque pode significar somente uma explicação interessante e plausível e não um conjunto de princípios e proposições (TRAQUINA, 2001, p. 65). Além disso, as fronteiras entre essas teorias é muito tênue. Ou seja, elas não se excluem mutuamente, não são puras ou, necessariamente, independentes umas das outras.

As "Teorias" do Jornalismo

A teoria do espelho. É a teoria mais antiga e responde que as notícias são como são porque a realidade assim as determina. De uma maneira geral, é a teoria que corresponde ao senso comum das redações e de muitas Faculdades e Cursos de Jornalismo no Brasil. Esquece-se o trabalho simbólico do jornalismo, reduzindo o jornalismo a meras técnicas, meia dúzia de regras - os tradicionais o quê?, quem?, quando?, onde?, como?, e por quê?

A origem dessa teoria está relacionada com o desenvolvimento da indústria do jornal nos séculos XIX e XX, caracterizada por duas tendências principais: o crescimento e a consolidação da circulação massiva de jornais e a crescente internacionalização das atividades de coleta das notícias (THOMPSON, 1995).

Os jornais se tornaram, cada vez mais, empreendimentos comerciais de grande porte, que exigiam relativamente grandes quantidades de capital para começar e se manter devido à competição crescente. Por conseguinte, o tradicional proprietário-comunicador, que possuía um ou dois jornais como um negócio familiar, deu lugar, de forma sempre crescente, ao desenvolvimento de organizações de muitos jornais e muitos meios.

Dentro desse contexto, o desenvolvimento dessa concepção, que é, ainda hoje, o padrão dominante no campo jornalístico, apresenta dois momentos históricos cruciais. Em meados do século XIX, surge com o chamado novo jornalismo - o jornalismo de informação - que tinha como preocupação separar fatos e opiniões.

Assim, em 1856, o correspondente, em Washington, da agência de notícias Associated Press, sintetizaria a nova marca desta tradição jornalística: "O meu trabalho é comunicar fatos: as minhas instruções não permitem qualquer tipo de comentários sobre os fatos sejam eles quais forem" (READ apud TRAQUINA, 2001, p. 66).

O segundo momento tem lugar no século XX com o conceito de objetividade nos Estados Unidos. Schudson explica que o ideal da objetividade não foi a expressão final de uma convicção nos fatos, mas a afirmação de um método concebido em função de um mundo no qual mesmo os fatos não mereciam mais confiança, principalmente, depois da eficácia da experiência da propaganda e das relações públicas na Primeira Guerra Mundial.

Para Schudson (1978, p.7), com a ideologia da objetividade, os jornalistas substituíram uma fé simples nos fatos por uma fidelidade às regras e procedimentos criados para um mundo no qual até os fatos eram postos em dúvida.

Já Tuchman (1993a) considera a objetividade como uma forma de os jornalistas se preservarem no desempenho de sua atividade profissional. Ela lista algumas estratégias mobilizadas por eles com a finalidade de mostrar que fazem a distinção entre aquilo que pensam e aquilo que relatam.

Os jornalistas apresentam versões diferentes de uma mesma realidade; apresentam provas suplementares para fundamentar um fato; usam aspas para indicar que o repórter não está dando a sua versão do fato, mas a da fonte, do entrevistado; apresentam os fatos mais importantes primeiro, e separam cuidadosamente os fatos das opiniões através da utilização do rótulo de informação opinativa.

"Daria a impressão de que os procedimentos noticiosos exemplificados como atributos formais das notícias e jornais são, efetivamente, estratégias através das quais os jornalistas se protegem dos críticos e reivindicam, de forma profissional, a objetividade, especialmente porque a sua experiência profissional não é suficientemente respeitada por leitores e pode até ser alvo de críticas" (TUCHMAN, 1993a, p. 89) (o itálico é da autora).

O fato é que a ideologia jornalística tem, na objetividade, um fator central da sua atividade. O ethos dominante, os valores e as normas identificadas, que situam o jornalista como uma espécie de juiz da realidade, os procedimentos identificados com o profissionalismo, fazem com que os profissionais rejeitem qualquer ataque à teoria do espelho porque, em última análise, ela colocaria em xeque a legitimidade e a credibilidade de, no desempenho da profissão, serem fiéis reprodutores da realidade.

Entendemos que, reduzir uma questão complexa, como a produção da notícia ao seu lado meramente visível, implica desconhecer, por exemplo, o caráter problemático da afirmação segundo a qual o sujeito é pensado no interior do código, com este estabelecendo relações especiais, que lhe fornecem as possibilidades de simbolizar (FAUSTO NETO, 1991).

A teoria da ação pessoal ou a teoria do gatekeeper. Na literatura acadêmica, a primeira teoria que surgiu foi a teoria do gatekeeper. Nos anos 50, White aplicou, pela primeira vez, o conceito ao jornalismo. O termo gatekeeper refere-se à pessoa que toma uma decisão numa seqüência de decisões.

A teoria analisa as notícias apenas a partir de quem as produz: o jornalista. Assim , é uma teoria que privilegia uma abordagem microssociológica, em nível do indivíduo, ignorando, por completo, os fatores macrossociológicos, ou mesmo, outros fatores microssociológicos, como as rotinas de trabalho. É uma concepção que parte do princípio da soberania do jornalista, reduzindo o ato de produção jornalística à seleção individual da escolha do que é noticiável.

O Jornalismo e os constrangimentos organizacionais

A teoria organizacional. Essa teoria amplia a abordagem teórica do âmbito individual para a organização jornalística. O primeiro a trabalhar com essa abordagem foi Breed. O sociólogo norte-americano observa que os constrangimentos organizacionais têm um papel importante sobre a atividade profissional do jornalista.

Breed identifica seis fatores que promovem o conformismo com a política editorial da empresa: a autoridade institucional e as sanções, os sentimentos de estima e obrigação para com os superiores, as aspirações de mobilidade, a ausência de grupos em conflito, o prazer da atividade e as notícias como valor.

Essa teoria procura mostrar como o trabalho jornalístico é influenciado pelos meios de que as organizações jornalísticas dispõem. Assim, essa teoria aponta para a importância do fator econômico na atividade jornalística.

Todas as empresas privadas jornalísticas vêem o jornalismo como um negócio. As receitas provêm basicamente das vendas e da publicidade. O espaço ocupado pela publicidade acaba intervindo na produção do produto jornalístico. Na televisão, por exemplo, a publicidade impõe sobretudo a lógica das audiências: mais audiência, mais receita.

Dessa forma, o conteúdo do noticiário televisivo, de uma forma ou de outra, acaba sendo influenciado pela dimensão econômica: são incluídos fatos no jornal que teoricamente devem atrair uma maior audiência.

A busca do lucro tem levado as empresas jornalísticas ao crescente uso de critérios econômicos para definir o que é notícia. A lógica é vender brinquedos, vídeos, etc., e não informar.

Por causa dos custos e da lógica do lucro, o trabalho jornalístico acaba sendo submetido a constrangimentos em função do orçamento da empresa. A dimensão econômica enfatiza a percepção da notícia como um produto que deve ser inserido na relação entre produtor e cliente e satisfazer as exigências do cliente.

Numa perspectiva mais ampla, a dimensão econômica na era da globalização reforça a procura de sinergias. Isso levanta questões como: as estratégias multimídia e a problemática da concentração dos meios de comunicação social. Muitos autores (MORAES, 1997) chamam a atenção para as conseqüências negativas dessa tendência, nomeadamente, a homogeneização dos conteúdos midiáticos e a limitação ao pluralismo de opiniões na mídia.

As teorias de ação política - de acordo com essas teorias, a mídia é vista de uma forma instrumentalista. Isto é, serve objetivamente a certos interesses políticos. Na versão da esquerda, a mídia noticiosa é concebida como um instrumento que ajuda a manter o sistema capitalista; na versão da direita, que põe em causa o capitalismo. Nas duas versões, as notícias são distorções sistemáticas, que servem a interesses sociais bem específicos, que usam as notícias na projeção da sua visão do mundo.

As teoria estruturalista e etnoconstrucionista partilham de um mesmo paradigma que emergiu na década de 70: o jornalismo como construção social da realidade. A teoria estruturalista reconhece a autonomia relativa dos jornalistas em relação a sua atividade. De acordo com Hall et al. (1993, p.224-248), as pressões práticas do trabalho constante contra o relógio e as exigências profissionais de imparcialidade e objetividade combinam-se para produzir um acesso exagerado, sistematicamente estruturado, à mídia por parte daqueles que detêm posições institucionalizadas privilegiadas.

O Jornalismo e a construção social da realidade

Como conseqüência dessa preferência estruturada dada pela mídia à opinião dos poderosos é que esses porta-vozes se transformam no que Hall, Chritcher, Jefferson, Clarke e Robert chamam de definidores primários.

"O importante da relação estrutural entre a mídia e os definidores primários institucionais é que permite aos definidores institucionais estabelecer a definição ou interpretação primária do tópico em questão. Então esta interpretação `comanda a ação' em todo o tratamento subseqüente e impõe os termos de referência que nortearão todas as futuras coberturas ou debates" (HALL et al., 1993, p.230).

A teoria etnoconstrucionista defende que as notícias são o resultado de um processo de produção, definido como percepção, seleção e transformação de uma matéria-prima (principalmente os fatos) num produto (as notícias).

Os fatos constituem um imenso universo de matéria-prima; a estratificação desse recurso consiste na seleção do que irá ser tratado, ou seja, na escolha do que se julga matéria-prima digna de adquirir existência pública de notícia, ser noticiável, ter noticiabilidade.

O desenvolvimento de um campo jornalístico autônomo tem como um fator importante a profissionalização das pessoas envolvidas na atividade jornalística em que são reivindicadas a autoridade e a legitimidade de exercer um monopólio sobre o poder de noticiabilidade dos fatos e das problemáticas. Grosso modo, uma diferença central entre a teoria estruturalista e a etnoconstrucionista, que compartilham o paradigma construtivista, é que a primeira é mais orientada para as fontes, e a segunda, mais orientada para os jornalistas.

A teoria construcionista reconhece um grau maior de autonomia por parte dos jornalistas. Outra diferença importante entre as duas teorias é que a teoria estruturalista defende a posição de que os valores-notícia dos jornalistas têm um papel central na reprodução da ideologia dominante.

Em trabalho que desenvolvemos sobre as relações entre rotinas de trabalho, constrangimentos organizacionais e textos jornalísticos, procurando aproximar a sociologia da notícia da Análise de Discurso, escola francesa, categorizamos cinco enunciativas mobilizadas pelos jornalistas que apontam para um fenômeno particular no jornalismo que é a produção de um telejornal. Identificamos cinco estratégias discursivas mobilizadas pelos jornalistas no exercício da atividade jornalística que são traduzidas em cinco operações enunciativas que procuram estabelecer um vínculo com a audiência: de atualidade, de objetividade, de interpelação, de leitura e didáticas.

O jornalismo, em particular, o gênero telejornal, é, na essência, o discurso da atualidade. Não da atualidade cronológica, já que entre o momento do acontecimento do fato e a notícia, temos um interregno mediado pelo telejornal, mas da atualidade do noticiário televisivo. Mesmo um evento transmitido ao vivo, em tempo real, se submete ao tempo e à formatação do telejornal: há um recorte sobre a realidade (pelo plano da tomada, pela forma de enquadramento, etc).

A atualidade é um vínculo central que se estabelece entre a audiência e o jornal. A ausência desse fator tornaria o telejornal obsoleto uma vez que não haveria o interesse do público em assistir o que já é conhecido, o que não é atual. Por isso, a preocupação constante no telejornalismo em apresentar qualquer notícia como se estivesse ocorrendo no momento da apresentação do noticiário. A audiência acredita que o que está sendo mostrando aconteceu naquele momento..

Nas operações de objetividade os jornalistas são considerados como detentores autorizados do poder de ordenação do mundo. As empresas jornalísticas constituem, assim, dispositivos de acreditação ou de autorização. Mas, ao contrário de outros dispositivos de acreditação (professores, padres, médicos, políticos, etc.), os dispositivos da informação midiática procedem de modo informal: tendem a fundamentar a sua força através do apelo à mediação entre a realidade e a audiência.

Quando confrontado com seu conceito de verdade, o jornalista reage como o artista plástico que não faz mais nada do que citar o código supremo, fundador de todo real e que é a arte, de onde derivam as verdades e as evidências. Tal como o artista plástico, o jornalista é infalível não pela segurança das suas perfomances, mas pela autoridade da sua competência; é ele quem conhece o código, a origem, o fundamento, e quem se assume, assim, como assegura, testemunha e autor da realidade.

No que diz respeito às operações de interpelação o noticiário televisivo, em especial, mostra-nos várias maneiras pelas quais a gramática da produção procura construir um vínculo ativo com a recepção. Um dos exemplos é o uso do pronome pessoal nós que busca fazer da audiência uma espécie de co-participante do telejornal. Isso é muito comum quando o locutor/apresentador recorre ao: Nós vamos ver, Vamos conferir, etc. O telespectador é convidado a assistir determinada notícia como se estivesse na sala da casa do apresentador.

Com relação às operações de leitura é necessário reconhecer que, diante de todo noticiário televisivo, a audiência - em maior ou menor grau - é um pouco também um editor, à medida que deve comparar e analisar o material despejado no fluxo televisual, extraindo deduções daquilo que foi dito e do que foi silenciado. Quanto mais a televisão torna visível os esforços das autoridades para controlar as informações veiculadas na tela, menos efetivo se torna o controle e mais livre se torna o espectador para concluir por sua própria conta.

Os jornalistas, de uma maneira geral, têm uma preocupação didática com relação à audiência. De uma maneira geral é assim que eles se colocam diante do público. Nesse sentido, acionam uma série de operações didáticas para dar conta dos acontecimentos, assumindo um tom professoral diante da audiência. No que diz respeito ao mundo acadêmico, o livro de Paternostro: O Texto na TV: Manual de Telejornalismo, adotado pela maioria dos cursos de jornalismo do Brasil, é um exemplo disso.

No capítulo que trata do texto coloquial, a autora diz que a tevê tem a obrigação de respeitar o telespectador e transmitir a informação em uma linguagem coloquial e correta. Ela explica que quem assiste ao telejornal só ouve o texto uma vez, por isso deve ser capaz de captá-lo, processá-lo e retê-lo instantaneamente. Não há uma segunda chance.

"Se o telespectador se desligar, não há desculpas: o erro foi nosso. Quanto mais as palavras (ou o texto como um todo) forem `familiares' ao telespectador, maior será o grau de comunicação. As palavras e as estruturas das frases devem estar o mais próximo possível de uma conversa. Devemos usar palavras simples e fortes, elegantes e bonitas, apropriadas ao significado e à da história que queremos contar" (PATERNOSTRO, 1999, p.78-85).

A autora, antiga profissional da Rede Globo de Televisão, onde trabalhou como editora, editora-chefe de um jornal de Rede e chefe de Programas da Globo News, canal de notícias da tevê paga, sabe bem do que está falando. A cultura profissional tem por princípio que a audiência, de certa forma, é uma caixa vazia.

Ao final deste trabalho entendemos que ainda há muito a pesquisar sobre os procedimentos jornalísticos. No entanto, o estudo ou a proposição de "teorias" que estamos chamando provisoriamente de intermediárias e quem sendo sistematizadas por muitos autores, alguns deles referenciados ao longo do texto, podem contribuir em muito para entendermos o papel do jornalismo nas sociedades democráticas a partir de suas práticas diárias.

Referências Bibliográficas

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Notas de rodapé

... Vizeu1
Coordenador do Departamento de Comunicação Social da UFPE