Telejornalismo, audiência e ética

Alfredo Vizeu


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``... o que se pode afirmar há valores que não morrem, não se modificam, nem perdem a utilidade. Ao contário, quanto mais colocados ao sol e à chuva, revelam-se eternos. Um desses valores é o conceito de liberdade de expressão e pensamento, no qual se materializa a liberdade de imprensa''. Pery Cotta

Introdução

``Minha mãe vai entender''? Assim o editor-executivo do Jornal Nacional, da Rede Globo de Televisão, Odejaime de Hollanda, falecido recentemente, respondia aos editores do JN quando esses, em meio a edição de uma reportagem, pediam-lhe a opinião sobre se o material que estava sendo editado seria atraente e acessível ao público. Se a resposta fosse positiva era meio caminho andado na aprovação do material (OBTUÁRIO,1999).

A pergunta do editor-executivo acabou virando uma espécie de ``guia'' dos editores da Tv Globo na hora de apresentar uma informação de maneira compreensível para todos os telespectadores. A frase ``Será que a mãe do Odejaime vai entender?'' se tornou um jargão no jornalismo da Globo.

O exemplo ilustra bem que na rotina dos jornalistas, na hora de decidir o que é noticiável ou não, o que vai para o ar ou não, a preocupação com a audiência está presente de uma forma implícita. O profissional, de uma maneira ou de outra, está sempre preocupado com o que o público, um público presumido, espera de uma notícia.

Nessa tensão diária, as questões éticas estão sempre presentes. A notícia é um ``produto'' à venda, mas não um produto como outro qualquer. É através do que está sendo noticiado que as pessoas tomam contato com o mundo que as cerca. A informação ganha uma dimensão central na vida contemporânea. É um bem público. Ciente disso, o jornalista deve tomar todo o cuidado - e essa não é uma tarefa fácil - em não transformar a notícia num espetáculo.

Com toda a razão Rui Barbosa (1990) defendia que a imprensa é a vista da Nação. Sem a vista vivemos o mundo do medo, a morte em vida, ficamos submetidos aos que ocultam, tramam, sonegam e roubam. Ficamos na dependência de tudo e de todos, prisioneiros do acaso.

O alerta de Rui Barbosa feito, em 1920, que se procurava chamar a atenção da comunidade para a responsabilidade dos media com a comunidade é de grande atualidade. Hoje as relações do homem com o mundo são cada vez mais construídas pelo campo mediático. Comentários como: ``Você viu, deu ontem na tevê...''; ``O jornal disse...''; ``o rádio deu agora há pouco...'', fazem parte do nosso cotidiano.

A mídia, pela disposição e incidência de suas notícias, vem determinar os temas sobre os quais o público falará e discutirá. A hipótese do ``agendamento''sustenta que as pessoas agendam seus assuntos e suas conversas em função do que a mídia veicula (McCOMBS; SHAW; 1993).

Entendemos que a mídia não é mais só o espaço de reprodução do real, mas, mais do que isso, o ``lugar'' a quem o próprio real se remete para apontar o processo de suas próprias produção e legitimação. Para Rodrigues (1988) é a mídia que define sua legitimidade como instituição produtora do único código discursivo legítimo, como grande máquina de fabrico de modelos puros, sem nenhuma outra referência que não seja sua auto-produção ilimitada.

Partindo-se do pressuposto de que a sociedade moderna é caracterizada pela natureza fragmentada da experiência, pela conseqüente multiplicidade de esferas de legitimitidade e pela autonomia das suas dimensões, acreditamos que, no campo mediático, o jornalismo assume hoje um imprescindível papel de mediação, garantindo deste modo a constituição de um sentido comum, e a indispensável coesão social. Como diz Verón (1995), a mídia informativa é o lugar onde as sociedades industriais produzem a nossa realidade.

No Brasil, a importância dos media, em particular a televisão, ainda é mais significativa. Para a maioria das pessoas, os telejornais são a primeira informação que elas recebem do mundo que as cerca: como está a política econômica do governo, o desempenho do Congresso Nacional, a vida dos artistas, o cotidiano do homem comum, entre outras coisas.

O noticiário televisivo se converteu em um lugar onde se pratica, de uma forma simulada, o exercício democrático das grandes questões sociais. É a ``Praça Pública'' que converte o exercício da publicização dos fatos como possibilidade da prática da democracia.

Essa força da televisão, em especial dos telejornais, apresenta riscos. Todo o processo de publicização é submetido a ``regras particulares'' do noticiário televisivo. A tv não só fala, mas agenda a política, monitora os passos dos atores, exercendo a condição de grupo de pressão e prescrevendo suas ações. Nesse sentido, a tv, através do telejornal se torna em um grande dispositivo político. (FAUSTO NETO,1995).

A construção social da realidade

É dentro deste contexto que pretendemos desenvolver nosso trabalho Telejornalismo, Audiência e Ética. O objetivo é levantar algumas questões para a reflexão de como os jornalistas, mais especificamente os editores de texto de um telejornal, diante da importância cada vez maior do campo do jornalismo, de suas responsabilidades sociais, convivem diariamente com as pressões da ``audiência'' e a necessidade de uma postura ética na produção do noticiário.

Este estudo faz parte de uma pesquisa mais ampla que estamos realizando desde de 1994 sobre como as rotinas de trabalho influenciam os jornalistas na hora de decidir o que é notícia. O objeto de trabalho é basicamente a atividade dos editores de texto, que são os responsáveis pela edição da matéria que vai ao ar nos telejornais (PEREIRA JUNIOR,1997). A pesquisa está em andamento e atualmente estamos investigando algumas hipóteses que permitam indicar pistas sobre o conceito de audiência para os editores do Jornal Nacional.

Para dar conta do presente estudo entendemos ser necessário fazer uma breve discussão de que jornalismo estamos falando quando tratamos de noticiário televisivo , audiência e ética.

De uma maneira geral, sem a preocupação de aprofundarmos o tema, podemos resumir as definições de jornalismo e notícia a partir de dois grandes grupos. De um lado, temos os que defendem a notícia como um espelho da realidade; de outro, aqueles que concebem a notícia como uma construção da realidade.

Num estudo clássico sobre a produção da notícia, Tuchman (1983) tendo como pressuposto a concepção sociológica dos atores sociais argumenta que por um lado a sociedade ajuda a formar a consciência e, por outro, mediante uma apreensão intencional dos fenômenos do mundo social compartilhado - mediante seu trabalho efetivo -, os homens e as mulheres controem e constituem os fenômenos sociais coletivamente. Segundo a autora, cada uma destas perspectivas ao aturem sobre os atores sociais determinam uma abordagem diferente da notícia.

A idéia da notícia como um espelho da realidade corresponderia a concepção tradicional das notícias. Este ponto de vista defende a ``objetividade'' como um elemento chave da atividade jornalística. Dentro desta concepção, o máximo que se admite é a possibilidade de que as notícias reflitam o ponto de vista do jornalista (STAMM, 1976).

Já Gaye Tuchman defende que a notícia não espelha a realidade. Para a autora, a notícia ajuda a constituí-la como um fenômeno social compartilhado, uma vez que no processo de definir um acontecimento a notícia define e dá forma a este acontecimento. Ou seja, a notícia está permanentemente definindo e redefinindo, constituindo e reconstituindo fenômenos sociais.

No Brasil, a concepção de que o jornalismo é um simples espelho da realidade ainda encontra um grande espaço nas redações e faculdades de Jornalismo. Autores como Luiz Amaral (1987) e Juarez Bahia (1990) definem a atividade jornalística como uma simples técnica, reduzindo-a a uma operação meramente mecânica de meia dúzia de regras como já nos referimos anteriormente.

Em oposição a essa visão mecanicista temos um campo de estudos ainda em construção que procura entender o jornalismo como uma forma de conhecimento (MEDITSCH, 1992). Grosso modo, o jornalista não seria alguém que comunica a outrem o conhecimento da realidade, mas também quem o produz e o reproduz.

A enunciação jornalística

O estudo do discurso, que se interessa pela utilização concreta das linguagens, mostra que todo o enunciado que se refere à realidade, ao refleti-la de certa maneira, também necessariamente a refrata de certa maneira (BAKHTIN,1992).

Entendemos que a definição do jornalismo como um conjunto de técnicas especiais é reducionista e não consegue compreender o campo jornalístico como ``lugar estratégico'' de produção e construção do real. A idéia de que o jornalista é um mero reprodutor de fatos e que basta ele acionar de uma forma correta um conjunto de regras para realizar um bom trabalho, um bom texto, não corresponde a realidade. No dia-a-dia de sua atividade, o jornalista é servido pela língua, códigos e regras do campo das linguagens, para, no trabalho da enunciação produzir discursos. Em outras palavras, o jornalismo tem uma dimensão simbólica (FAUSTO NETO, 1991).

Partindo do pressuposto de que o ato de discursar resulta do contato do jornalista com o campo do código, é possível se afirmar que o ``ato jornalístico'' mais do que trabalhar com ``regras'', ``leis''ou ``dicas'', estrutura-se a partir de dois momentos estratégicos: operação e construção, cujas regras são pensadas, independentes do sujeito, pois quando ele as aciona, elas já estão estruturadas no campo da linguagem.

Na elaboração do seu texto, o jornalista vai utilizar procedimentos de seleção e combinação, mediante unidades que articuladas, vão se transformar em mensagens, ou de um modo mais abrangente, em discursos sociais. Este trabalho de operação não se dá apenas no campo restrito do código, uma vez que o sujeito se defronta com outros códigos - ou outros discursos - de que empresta também para a constituição de suas unidades discursivas. Do trabalho de operar com vários discursos resultam construções, que, no jargão jornalístico, podem ser chamadas de notícias.

Este trabalho do sujeito, a partir e através do outro, não é algo mecânico e não pode repousar sobre a idéia de que do simples recurso à língua resultaria a transparências das mensagens. O grau de nomeação das coisas pelas palavras não se dá apenas pelo recurso da justaposição, mas por algo que decorre do investimento do trabalho da enunciação, isto é pelo sujeito (BENVENISTE, 1995).

A enunciação é uma espécie de tomada de posição, a instância que estrutura o valor do dito - as mensagens que ganham formas de matérias, segundo economias específicas a cada sistema e/ou suporte (veículo) de comunicação e que produzem dimensões classificatórias da realidade.

Com relação as formas de enunciação jornalística, como mostra Lopes (1990), elas são norteadas por processos de raciocínio ou cadeias de razão que visam determinados efeitos de reconhecimento (apreensão e compreensão pelo leitor) e podem restringir-se a anúncio, descrição e demonstração, ou lançar mão de argumentações de persuasão, manipulação o e sedução com objetivos de convencimento.

O processo de enunciação jornalística é regulamentado através de procedimentos mais generalizados e que se encontram estabelecidos em espécies de ``macrocódigos'': a língua, as matrizes culturais, as regras sociais, a ética e as ideologias. Mas também há os ``microcódigos'', como os dispositivos que são criados dentro dos próprios veículos de comunicação que estabelecem regras e servem de guia para um fazer jornalismo - ``fazer um bom jornalismo'', ``asséptico'' e ``desobrigado''- por exemplo, os ``manuais de redação''.

Nesse sentido, acreditamos que fica difícil pensar o jornalismo como uma mera reprodução do real. Como podemos ver são tantos os ``discursos''- não cometeríamos uma heresia se disséssemos que são infinitos - que atravessam o campo jornalístico, são tantas as tensões, as ``vozes'', as práticas discursivas, que reduzi-lo a uma simples técnica, ao simples acionamento de regras ``mecânicas'', seria perder seu próprio objeto.

O jornalismo não é uma simples reprodução da realidade. Diariamente, no exercício da sua atividade, os jornalistas contribuem para a construção social da realidade. Sua postura ética é de fundamental importância para a manutenção e o aperfeiçoamento da sociedade democrática. Por isso, neste segundo momento do trabalho, buscaremos fazer uma breve reflexão sobre a ética e comunicação.

Ética e comunicação

A dimensão ética nunca pode ser considerada como algo acabado. Acreditamos que ela está sempre em construção. No entanto, não pode ser confundida com a moral que é menos permanente. Os princípios éticos devem contribuir para convivência solidária e fraterna dos homens.

A noção de ética de Dos Anjos, citado por Guareschi (1998,p.16) resume, de certa forma, essa perspectiva: ``instância crítica e propositiva sobre o dever ser das relações humanas em vista de nossa plena realização como seres humanos''.

Tomando como pressuposto de que a informação é um bem social, um serviço público, empresas jornalísticas e jornalistas devem prestar contas a sociedade do que fazem, como fazem e porque fazem. Essa relação estabelece um elo forte entre a ética e os meios de comunicação social que passamos a tratar agora.

Nessa relação como ressalta Pedro Gomes (1997), determinados valores e metas a atingir são de fundamental importância. O ser humano é a norma de uso dos meios de comunicação. Todo e qualquer princípio ético deve apoiar-se na dignidade e no valor da pessoa humana. Em segundo lugar, a humanização deve ser uma meta dos meios de comunicação. Tudo o que os meios de comunicação realizam tem o bem comum como valor final.

Na emissão e recepção da comunicação é preciso competência. Ou seja, todos os profissionais devem esforçar-se para serem capazes e competentes para melhor exercer sua profissão. Do lado dos receptores (o campo da recepção) a busca de uma capacitação que permita uma leitura crítica dos veículos de comunicação é uma meta a ser perseguida.

Um outro ponto a ser considerado é que toda a comunicação precisa estar à lei fundamental da sinceridade, da honradez e da verdade. Mas, para isso não basta só a boa intenção e a verdade para que a comunicação seja honesta. É fundamental que a comunicação difunda os fatos a partir da verdade.

Por fim, é preciso que exista um equilíbrio entre formação, informação e recreação; a comunicação social deve permitir um ambiente propício para a construção de uma pessoa humana consciente e crítica; e a liberdade de comunicação deve se dar dentro de uma ordem jurídica estabelecida de modo justo. O direito à liberdade se impõe na comunicação porque está enraizado no ser humano.

O direito à informação é fundamental. Ela deve ser sempre verdadeira quanto ao seu objeto e honesta e convincente quanto ao seu modo, visto que se devem respeitar as leis morais e os direitos das pessoa tanto na obtenção quanto na difusão da notícia. No entanto, essas exigências não são sempre respeitadas, encontrando-se formas de atentar contra elas.

Pedro Gomes aponta algumas que julgamos importantes serem destacadas ao fazermos uma reflexão sobre ética e jornalismo:

- O silêncio: é suprimir determinadas informações necessárias nas compreensão de uma notícia.

No que diz respeito a questão mais específica da notícia, Ester Kosovski (1995) ressalta a importância da redação e o conhecimento de suas técnicas para a comunicação. Segundo a autora: ``a má redação faz vítimas. E ser jornalista não é só saber escrever - é antes saber ``como''escrever - a arte e a técnica de bem empregar as palavras (KOSOVSKI, 1995, p.27).

Kosovski defende a clareza no texto jornalístico como uma forma de prestar uma informação de qualidade. Citando Muniz Sodré e Maria Helena Ferrari, a autora (KOSOVSKI, 1995,p.28) indica alguns requisitos essenciais a uma prosa jornalístico-informativa: clareza, concisão, simplicidade, exatidão, precisão, naturalidade, ritmo e brevidade.

As preocupações com as questões éticas sempre foram uma constante para a categoria dos jornalistas. Está em vigor um código de ética para o jornalista aprovado pelo Congresso dos Jornalistas em 1985, no Rio de Janeiro, que a cada novo Congresso sofre algumas alterações para acompanhar a dinâmica das mudanças da sociedade.

O Código mais recente na parte que trata do direito à informação destaca, entre outros itens, que o acesso à informação pública é um direito inerente à condição de vida em sociedade, que não pode ser impedido por nenhum tipo de interesse. Além disso, defende que a divulgação da informação, precisa e correta, é dever dos meios de comunicação pública, independente da natureza de sua propriedade.

Quanto à conduta profissional do jornalista, o Código diz que o compromisso fundamental do jornalista é com a verdade dos fatos e seu trabalho se pauta pela precisa apuração dos acontecimentos e sua correta divulgação. É dever do jornalista: lutar pela liberdade de pensamento e expressão; defender o livre exercício da profissão; e combater e denunciar todas as formas de corrupção, em especial quando exercida com o objetivo de controlar a informação (CÓDIGO, 1999).

Mas, se há toda uma série de princípios éticos que norteiam a atividade do jornalista, na prática diária da sua profissão ele se defronta com muitos desafios que vão de encontro a esses princípios tanto do ponto de vista do mercado como da ``audiência'' que hoje estão cada vez mais próximos.

Para procurarmos entender um pouco as dificuldades que o jornalista, mais precisamente o editor de texto de televisão, enfrenta no dia-a-dia do seu trabalho é preciso entender algumas características específicas da notícia televisiva que muitas vezes levam o jornalista a apelar para o lado sensacionalista da informação.

As notícias de jornal e as notícias de televisão

Com o objetivo de apontar algumas especificidades do jornalismo televisivo, faremos uma breve comparação entre as notícias de jornal e as de televisão (WEAVER,1993,p295-305). Comecemos pelas semelhanças.

Em primeiro lugar, a notícia de jornal e a de televisão são semelhantes ao serem variedades de jornalismo, o que significa que ambas consistem num relato atual de acontecimentos atuais. Essa dupla contemporaneidade - o presente como ``assunto''e o presente como a perspectiva no tempo em que é descrito - é o que explica o apelo intenso e universal ao jornalismo, e também a extraordinária dificuldade com que o jornalismo se depara para conseguir um relato dos acontecimentos que a experiência e a crítica afirmem ser coerente, equilibrado e fidedigno.

Em segundo lugar, a notícia de jornal e de televisão são semelhantes na ``cobertura''de acontecimentos atuais por meio de reportagem, isto é, a descrição fatual daquilo que um observador em cima do acontecimento em questão viu e ouviu.

Em terceiro lugar, as notícias de jornal e as de televisão são semelhantes pelo fato de serem relatos de acontecimentos que são vocacionalmente produzidos por organizações com objetivos especiais. A notícia é escolhida e escrita por pessoas cuja ocupação o tempo inteiro é colher e escrever notícias. Assim, pode dizer-se que os jornalistas são especialistas - membros de uma comunidade ocupacional distinta que tem suas tradições distintas, preocupações e modos de fazer as coisas.

Em quarto lugar, as notícias de jornal e de televisão são semelhantes pelo fato de serem relatos melodramáticos de assuntos atuais. Em parte, em virtude da incidência em ``acontecimento'', e em parte como resultado das tradições que definem o ethos do jornalismo e a estrutura da ``estória'' que dá corpo a notícia, tanto os jornais como a televisão descrevem como ações que veiculam uma linha implícita e normalmente de um modo extremamente simplista de ação dramática. Assim, os acontecimentos retiram a sua identidade jornalística, em grande parte das ficções dramatizantes que os jornalistas e as fontes tecem à volta deles.

Finalmente, a notícia de jornal e a de televisão são semelhantes na utilização dos mesmos temas, fórmulas e símbolos na construção de linhas de ação dramática que dão significado e identidade aos acontecimentos. Os dois media, em outras palavras, são cortado do mesmo tecido intelectual e retórico. Por exemplo, tantos os jornais como a televisão relatam geralmente acontecimentos ligados a campanhas políticas em termos de uma imagem generalizada dos políticos como numa grande disputa esportiva.

Passemos agora as diferenças. A mais óbvia delas é estrutural. Em comparação com a notícia de jornal, a de televisão é muito mais coerentemente organizada e coesa, isto é verdadeiro em relação à ``estória'' individual na televisão e nos jornais e também à notícia de jornal e a da televisão agregada como um todo. Essa diferença está associada ao fato de a televisão estar organizada e apresentada no tempo, enquanto a edição está apenas organizada no espaço.

O jornal sendo organizado no espaço, pode publicar muito mais ``estórias'', e muito mais textos do que a maior parte dos leitores pretende ler, os seus assuntos são um menu à la carte pelo qual o leitor passa rapidamente os olhos, escolhendo uma ``refeição'' de acordo com os seus interesses e disponibilidades. Com o noticiário televisivo acontece precisamente o oposto. Sendo organizado no tempo, não pode tão facilmente apresentar as notícias a la carte. As notícias têm que ser selecionadas e organizadas de modo a serem vistas integralmente pelo espectador. Enquanto o conteúdo do jornal constitui um agregado diverso, numeroso e freqüentemente incompleto, os elementos do noticiário televisivo formam tipicamente um todo unificado.

O noticiário televisivo tende a apresentar uma interpretação única, unificada dos acontecimentos do dia como um todo e a constituir períodos de tempo como tendo um único movimento ação ou tom definidos. Ao contrário da notícia de jornal, que não é concebida para ser lida na totalidade, embora adquirindo inteligibilidade, a notícia de televisão é concebida para ser completamente inteligível quando vista na sua totalidade. O seu foco é pois o tema que perpassa a ``estória''e que se desenvolve à medida que a ``estória''se desenrola do seu começo ao fim.

Várias conclusões emergem das diferenças estruturais entre as notícias de jornal e as de televisão. Uma conclusão, evidentemente, é que a notícia de televisão é uma forma muito mais flexível e intelectualmente amoldável do que a variedade do jornal: mais ``interpretava'', menos influenciável pelo fluxo diário dos acontecimentos, e menos submetida à escrita perspectiva temporal do jornal que é de apenas um dia.

Em segundo lugar, parece igualmente claro que, no que diz respeito à interpretação dos acontecimentos atuais, a televisão é capaz de ser e normalmente -e - muito mais monolítica do que os jornais.

Outra grande diferença entre os dois media está associada ao fato de a televisão ser tanto visual como auditiva, enquanto o jornal é apenas visual. Torna, assim, possível - e a televisão, desde o início escolheu explorar esta possibilidade - à notícia na televisão apoiar-se na narrativa falada, contrariamente à narrativa escrita do jornal. Esta, em si é uma diferença substancial, mas suas conseqüências são mais poderosas devido aos modos distintos que os dois media escolheram para executar suas funções narrativas. A notícia de jornal adota uma voz narrativa intensamente impessoal. O repórter nunca faz referência aos seus próprios atos na observação dos acontecimentos e na busca de fatos; nunca há qualquer alusão explícitas à própria consciência do repórter sobre os motivos das fontes, a validade das afirmações citadas, etc.

Em último lugar, a notícia televisiva difere da notícia de jornal por causa da maior importância que a televisão dá ao espetáculo. Isto não é simplesmente porque a televisão tem uma capacidade enorme e sofisticada para descrever a imagem e o som dos acontecimentos. Enquanto os jornais focam um conjunto diverso de acontecimentos específicos, a televisão descreve algo mais diretamente temático e melodramático - adornando o espetáculo dos dramas nacionais do todo e das partes do conflito e do consenso, da guerra e da paz, do perigo e da vitória, do triunfo e da derrota,etc.

Digressão final

Essa breve comparação entre as notícias de jornal e de televisão permite identificar que no noticiário televisivo as ``estratégias de sedução'' do telespectador são fundamentais. Isso porque na notícia televisiva o público não tem como voltar a página para recuperar uma informação perdida.

Diante desse quadro, o editor de texto ao editar sua matéria - notícia - tem de fazer uma forma atraente, simples e de fácil entendimento para o receptor. É neste momento em que as fronteiras entre o que é ético e o que não é se tornam tênues. Para prender, cativar a audiência é preciso ``seduzir''.

O jornalista, submetido as pressões do mercado e da audiência, lança mão de mecanismos de ``sedução'' e do uso de estereótipos para ``segurar'' o telespectador. Um desses mecanismos é a chamada hegemonia emotiva (FERRÉS, 1996). No noticiário televisivo são potencializados potencializados, preferencialmente, os valores emotivos, espetaculares, com a intenção de aumentar indiscriminadamente a audiência, com base na convicção de que as emoções fáceis, elementares, exercem uma poderosa atração sobre as más.

O jornalista encontra-se submetido a um dilema diário: como tratar a notícia como um ``produto atraente'' e não comprometer a informação enquanto um bem público? Não é uma tarefa fácil. Como argumenta Bordieu (1997) o campo jornalístico está permanentemente à prova dos vereditos do mercado, através da sanção, direta, da clientela ou, indireta, do índice de audiência.

Para Bordieu, os jornalistas são, sem dúvida, propensos a adotar o ``critério do índice de audiência'' na produção (``fazer simples'',''fazer curto'',etc.) e o que importa é se a informação vende bem.

Ao final deste trabalho, sem tirar as razões de Bordieu, acredito que não podemos analisar o jornalismo de uma forma reducionista. Como procurei demonstrar ao longo deste estudo, o campo jornalístico é extremamente complexo e na rotina da redação o jornalista trava uma luta diária para não romper os limites da ética. Como afirme anteriormente, não é uma tarefa fácil.

A questão é como enfrentar o problema da ética nos media? Um das alternativas, acreditamos ser uma das mais importantes, é um amplo debate, um amplo fórum de discussão entre empresas jornalísticas, jornalistas e sociedade para discutir o tema. Experiências nesse sentido já existem, como o Conselho de Minnesota, nos Estados Unidos, onde a comunidade (empresa, moradores e jornalistas) se reúne para discutir e tomar providências quanto aos abusos da imprensa (CONSELHO, 1999).

Referências bibliográficas